"O capital não só não tem pátria, como não tem
sentimentos, é amoral, e a sua lei suprema é o lucro"
Jerónimo de Sousa*)
(em Comício)
Diz isto, ao mesmo tempo que, supostamente, defende o apoio do Estado às
pequenas e médias empresas,
as mais numerosas representantes do famigerado capital - e que, a
propósito, dão emprego à esmagadora maioria dos trabalhadores portugueses.
Será que já ninguém tem sentido crítico, no Partido Comunista Português (PCP),
para lhe dizer "Olhe lá, Camarada, não é bem assim!", ou já só
quem tem patine é que por lá ainda pode opinar?
Ninguém há que lhe diga que, por muito espontâneas, comoventes e emotivas que
possam ser, as generalizações baratas nem sempre são muito recomendáveis? Que
lhe diga que
capital é sempre capital, independentemente da dimensão e das intenções e
idoneidade dos seus detentores?
Com cantilenas profundamente eleitoralistas e demagógicas como esta, num país
que, embora tímida e ineficazmente, lá vai, pelo menos, procurando enriquecer
o nível de instrução dos eleitores, como espera esta gente cristalizada na memória do antigamente*) conseguir evitar uma votação cada vez mais humilhante nas sucessivas
eleições?
Atacando um imenso tecido empresarial que gera emprego, como irá
convencer alguém de que defende os interesses dos trabalhadores?
A coisa está tão negra, que os comunistas de hoje já nem têm, como os de
antigamente, a lata de, por muito que desçam, continuar a dizer,
cada vez que perdem, que acabaram de ganhar...
- x -
Independentemente das razões por que possa tê-lo feito, é impossível negar o
contributo essencial que o PCP teve na motivação das ações que culminariam com
a queda da ditadura em Portugal. No entanto, isso apenas adensa o mistério,
torna mais patética a teimosia, quanto à insistência em continuar, num estado
de negação dificilmente compreensível, a defender o indefensável, ainda que à
custa de ter de rejeitar a mais clara evidência e a mais lúcida razão.
Aponta-se à Igreja Católica um indesejável alheamento da realidade ao insistir
na difusão de aspetos mais anacrónicos da sua doutrina; aponta-se, e
penso que bem, já que
todos os princípios, mesmo os mais sagrados, devem ser formulados - e,
mais tarde, reformulados - atendendo ao tempo em que irão ser
observados. Mas como explicar e legitimar, então, o ainda maior desfasamento, face à
sociedade atual, da doutrina do PCP?
Pouco importando a forma mais ou menos hábil como o disfarçam os programas
partidários, a doutrina comunista ortodoxa, propriamente dita, não se limita a
sustentar a importância de defender os interesses das classes de
trabalhadoras: isso, qualquer partido democrático, inevitavelmente, alardeia,
sob pena de nele quase ninguém votar. O que distingue o comunismo puro é a
proposta de que se defenda tais interesses pela força das armas, mensagem
terrível que, admitamos, será, na sua plenitude, apercebida por muito poucos
dos seus mais ingénuos e menos cultos eleitores. Muitos poucos deles quererão
andar por aí, de arma em punho, a matar, a fuzilar: votam no Partido por não
ver alternativa, por clubismo, ou pelo simples e nada esclarecido hábito de
assim votar.
O PCP é, hoje, um partido anódino que tem na cada vez menos eficaz greve a
principal forma de luta. Uma vez perdida a paciência ou confrontado com o fim
inevitável, deixará, seguramente, de ter como único braço armado uma central
sindical: não nos admiremos se a por muitos esquecida
ARA (Ação Revolucionária Armada)*), ou alguma descendente mais preparada e sofisticada, vier um dia
desestabilizar, ainda mais, este já tão desnorteado Portugal.
(continua aqui)