1. O que por Aí Vai…
Esclareça-se, antes de mais, que este texto não aborda a forma
interrogativa por que? no sentido de por qual? Fazê-lo, nada de útil acrescentaria ao debate, uma vez que, a
despeito da aplicação frequentemente errada de porque?, a
existência de uma regra que manda utilizar, nestes casos, por que? parece ser, entre quem escreve sobre gramática, consensual.
Limita-se, assim, o âmbito do artigo à
expressão da interrogação quanto à razão de ser, à causa do facto,
à motivação da ação
- que também ora encontramos introduzida por por que?, ora
por porque?-, omitindo-se, propositadamente, o tema da
formulação de perguntas, quanto à forma, ao modo ou a outra variável
àqueles respeitante, que possam ser iniciadas por por qual?
- x -
A Internet é vasta e, em termos práticos, quase infinita, pelo que não
tenho a pretensão de, na pesquisa a que procedi, ter consultado, sobre o
tema, todas as páginas disponíveis. Devo, no entanto, afirmar que, entre todos os defensores do
porque interrogativo, não encontrei um único que
fundamentasse a sua posição no livro de gramática de um conceituado
linguista: ou, simplesmente, não citam, ou citam autores a partir de
finais do século XX, também cada um dizendo a sua coisa sem qualquer
fundamentação lógica que a sustente.
Demonstração maior da confusão que grassa é, precisamente, o facto de cada
um classificar o famigerado porque interrogativo a seu bel-prazer:
para uns é “conjunção interrogativa porque”, para outros “advérbio interrogativo porque?”; há também quem lhe chame
“pronome interrogativo porque?” e, como imaginação não falta, nem
faço ideia do que mais por aí poderá haver.
Também encontrei quem citasse um autor que, num discurso emotivo, pretende
não existir em por que? qualquer lógica ou análise viável, por, segundo ele, não
se saber a classificação daquele que. Parece ignorar, talvez
porque não procurou ou não encontrou, que aquele que não tem
existência própria, antes sendo uma das componentes da locução adverbial
por que? 1.
Esclarecendo o que diz a gramática1, os pronomes interrogativos
são: que, quem, qual, quantos (pp.367). Porque pode ser conjunção coordenativa explicativa (que,
porque, pois, porquanto - pp.595), conjunção subordinativa causal (porque, pois,
porquanto, como [= porque], pois que,
por isso que, já que, uma vez que, visto que,
visto como, que, etc - pp.600) ou conjunção subordinativa
final (para que, a fim de que, porque - pp.601). Já os advérbios interrogativos são por que? (de causa),
onde? (de lugar) como? (de modo) e quando? (de
tempo).
Assim estabelecem Celso Cunha e Lindley Cintra duas coisas, que os que
estudaram e publicaram antes do pântano de indefinição em que vivemos
sabiam também:
a) que tanto conjunções como advérbios podem ser formados por uma ou mais
palavras, assim tornando inane e improdutiva a objeção pela – falsa –
impossibilidade de classificação do que em por que?;
b) que os pronomes também podem assumir a forma de locuções (pp.371);
c) que por que? é o advérbio interrogativo causal ( por que? ) ou o pronome interrogativo ( que? ) que deve ser empregado
em interrogações diretas e indiretas – e não porque? (pp.557)
Não sou eu que o digo, são dois dos mais lidos, celebrados e consagrados
linguistas; e, antecipando
alguma objeção baseada na teoria peregrina, que já por aí vi, de que o
por que? é a forma utilizada no Brasil, há que dizer que Lindley
Cintra era português e que, embora editada a Gramática no Rio de Janeiro,
os Autores distinguem os casos em que regras diferentes vigoram em
Portugal e no Brasil. Mas
não fazem, neste este caso qualquer diferenciação.
O mesmo acontece, aliás, na edição portuguesa2, na qual
porque? é inequivocamente referido como “advérbio interrogativo de causa” (pp.366).
Fontinha3 considera, por seu turno, tratar-se de um
pronome interrogativo, sem, todavia, deixar de defender a grafia
por que? (pp.90, n.º 204), enquanto, também entre os que defendem a
classificação como pronome – neste caso, unicamente do que -.
Torrinha4 explica que “os pronomes relativos têm um consequente claro ou oculto; mas, quando
oculto, pelo sentido facilmente se subentende” (pp.160, n.º 313).
Esta última posição permite-nos, pois, concluir que, no caso do
interrogativo por que? - seja ele pronome ou advérbio –
estamos, muito simplesmente, perante um consequente oculto como
razão, motivo ou outro, sendo esta a única diferença entre,
por exemplo, por que razão? e por que (razão)?, assim não
podendo a mera elipse do consequente servir para legitimar uma forma
diferenciada porque?. Lembra, ainda, o Autor que “os advérbios dizem-se simples se constam de um só vocábulo; compostos ou locuções adverbiais, se constam de um grupo de palavras a que se pode atribuir o valor dum
advérbio” (pp.253, n.º 473), assim respondendo à objeção de quem defende a
inexistência de lógica em por que? por não se saber a classificação
daquele que.
Já Gomes5, sempre sem unir o por ao que,
considera estarmos perante a preposição por e o pronome relativo
que no caso de “este é o motivo por que te digo isto”; e,
tal como Cunha e Cintra, de um advérbio interrogativo no caso de “diz-me por que não vieste mais cedo” (pp.262), deixando ao porque somente o papel de conjunção
subordinativa causal (pp.105).
Ressalvadas as diferenças na classificação, temos assim autores de
diferentes épocas do séc.XX a defender a separação do por e do que
sempre que empregues na forma interrogativa direta ou indireta, e
independentemente da eventual ocultação do consequente.
Voltando aos que defendem o porque? interrogativo – os quais me
dispenso de referir, de tantos que são, ultimamente, na Internet e
não só, a seguir fielmente uns o que, arbitrariamente, dizem os outros -,
até li quem, quiçá por não encontrar uma lógica clara e uma fundamentação
precisa, se contentasse em sustentar que numa frase parecida com "porque não vieste?" não há objeto, pelo que a frase implicaria... causa! Mais não fazem do que manifestar aparente
incapacidade para ver além do óbvio, designadamente identificando a bem patente elipse
do consequente.
Mas que nexo de causalidade poderá existir entre a alegada falta de objeto
e a suposta aquisição da componente causal? E, se uma interrogação visa questionar sobre a causa, como pode
pretender-se que a ideia da última não está na primeira, indelevelmente
incluída desde a formação da questão?
Adiante revisitarei este assunto.
2. Exemplos de Autores Portugueses
Presumir positivamente é grave erro científico, mas, como terá dito um
filósofo romano do século II d.C., é impossível para um homem aprender
aquilo que ele acha que já sabe.
Ora, curiosamente, os eruditos que, certamente com a melhor das boas
vontades, se propõem, em sítios na Internet, esclarecer dúvidas de língua
portuguesa a quem as tem, citam exemplos de autores consagrados para a
conjunção - afirmativa - porque, mas, que eu tenha encontrado, nunca para o
porque? interrogativo cuja existência insistem em defender, assim
parecendo presumir que se trata, em ambos os casos, da mesma coisa. Também isto algum significado há de ter…
O resultado da polémica é que, aparentemente, tanto o por que? como
o porque? parecem estar a caminhar para a extinção, já que não são
assim tão raros, por essa Internet, textos em que, porventura para fugir à
polémica, os autores a eles preferem, sempre ou quase sempre, uma forma
com o consequente expresso (cf Torrinha, 1946): “por que motivo?”
ou “por que razão?”, relativamente às quais discussão não existe.
Exemplos de frases de mestres da nossa literatura poderão acrescentar
alguma humildade ao esforço dos já citados teóricos eruditos, o que
amplamente contribuirá para dignificar e credibilizar as suas posições:
Ø “Quem soubera/Por que tudo passou e foi quimera,/E por que os muros
velhos não dão rosas!” (Florbela Espanca, “O Meu Orgulho” in “A Mensageira das
Violetas”)
Ø “Por que é que não andamos, perguntou” (José
Saramago, “Ensaio sobre a Cegueira”)
Ø “Não entendia por que se demorava a mulher tanto”
(idem, ibidem)
Ø “Por que te assustas de cada vez?” (José Régio)
1
Ø “Mas por que para este infame comboio?” (Eça de
Queiroz, “A Cidade e as Serras”, no tempo em que o atual
porquê? também ainda era por quê?)
Ø “Por que não ergue ferro e segue o atino/De navegar, casado com o seu
fado?” (Fernando Pessoa, “A Minha Vida É Um Barco Abandonado”, in “Cancioneiro”)
Ø “Por que lhes dais tanta dor?!” (Augusto Gil)
1
Ø “Mas por que não lhe telefona logo à noite, por que não recomeçam a
velha e quase esquecida amizade?” (Augusto Abelaira) 1
Ø “Por que vens, pois, pedir-me adorações quando entre mim e ti está a
cruz ensanguentada do calvário?” (Alexandre Herculano) 1
Em contrapartida, quantos porque? encontrarão os defensores desta
inovação em autores anteriores a ter começado esta gramatical deriva que
ninguém parece querer fazer parar? Muito poucos, por certo; e
não parece ajuizado defender minorias quando elas estão objetivamente
erradas, como poderá ser aqui o caso.
A menos, claro está, que, como dizem que não há maior cego do que o que
não quer ver, os defensores do porque? estejam todos certos e,
comigo, Herculano, Abelaira, Gil, Régio e os outros completamente errados; até porque ninguém encontrei que encare o porque? interrogativo
como uma evolução, mas, simplesmente, como uma intemporal e triste realidade.
Importante será, ainda, referir que Cunha e Cintra (2002)1 nem
uma vez utilizam porque? para iniciar uma interrogação direta ou
indireta, o que não pode ser considerado sem significação.
Apesar de tais exemplos, entre tantos, tantos outros, se me afigurarem
inquebrantável evidência quanto à correção da forma interrogativa
por que? também nas situações de omissão do consequente de que fala
Torrinha (1946)4, intensificarei, de seguida, a defesa desta posição, dado que, embora fragilizada pela generalizada falta de fundamentação uniforme,
coerente, sustentável e
válida, ainda encontra grande oposição.
3. Comparação com Outros Idiomas Europeus
Dado que não estamos sozinhos no Mundo nem falamos só para nós –
experimentemos ver a cara de espanto de:
- um francês, quando lhe perguntarmos: “parce que ne pas aller voir une comédie?”
- um inglês, perante: “because are you here?”
- um alemão, ao nos ouvir dizer: “weil den nicht?”
Pois não, não veremos qualquer cara de espanto, mas pela simples razão de,
por não querermos fazer triste figura, alarvidades tamanhas nos não
atrevermos a pronunciar!
Idioma
|
Forma Interrogativa
|
Forma Causal
|
Português
|
Por que?
|
Porque
|
Espanhol
|
¿Por qué?
|
Porque
|
Francês
|
Pourquoi?
|
Parce que
|
Inglês
|
Why?
|
Because
|
Alemão
|
Warum?
|
Weil
|
Já em português - o nosso idioma nativo! - não parece ter qualquer
importância a progressiva corrupção da grafia do advérbio interrogativo
por que? para porque?, termo próprio e exclusivo da conjunção
coordenativa explicativa e das conjunções subordinativas causal e final.
4. Ao Ler, Como Entoar?
A fluidez é um imperativo da boa leitura mas, para que ela seja possível,
necessário se torna que quem escreve cuide de, com a antecedência
possível, transmitir ao leitor a entoação afirmativa, negativa ou
interrogativa que deverá adotar, ao ler para si; ou para os outros, por maioria de razão.
Tomemos, como exemplo de uma hipotética fala, “Porque não conhecemos, de Lisboa para Coimbra, o horário dos comboios,
não sabemos a que horas iremos chegar”.
A entender-se que porque deve ser utilizado quer na forma
afirmativa, quer na interrogativa, ao começar a ler “Porque não conhecemos” será impossível saber por qual das duas entoações
deveremos optar, podendo, facilmente, enveredar pela entoação interrogativa apropriada a
“Por que não conhecemos, de Lisboa para Coimbra, o horário dos
comboios?”, já que, ao começar a ler, não sabemos como a frase irá terminar.
Ao invés, se adotarmos, como forma interrogativa direta, por que? - e não
porque? -, logo à primeira palavra “Porque” da frase do
nosso exemplo ficaremos cientes de que a entoação afirmativa deve ser
aplicada, enquanto, se a fala começar por por que, será de
imprimir um tom interrogativo ao que se lhe seguirá.
Esta objeção tem razão de ser tão evidente quanto a certeza de não haver
como, na prática, a contornar. Dispenso-me, pois, de para ela outros exemplos, de entre inúmeros
possíveis, aqui apresentar, considerando-se, assim, sobejamente demonstrado que, além da objeção
gramatical propriamente dita, a indiscriminada e indiferente utilização do
porque causa, também à fluidez da leitura, prejuízo claro e
evidente, que cumpre evitar.
5. Da Alegada Ausência de Objeto
Voltando à alegada ausência de objeto (cf 1. supra) em, por
exemplo, “por que não vamos passear?”, fácil se torna concluir que
ela não ocorre, antes se tratando do recurso à elipse do mesmo – ou “omissão do consequente”4 -, por comodidade de expressão.
“Por que razão não vamos passear?” significa, precisamente, o mesmo
que “por que [razão] não vamos passear?”, dado que
a dúvida suscitada é, precisamente, a mesma, como precisamente a
mesma é a causa que se pretende conhecer, e precisamente a mesma será a
resposta a obter.
Sendo a pergunta e a resposta iguais, não há como argumentar que num caso
não existe objeto. Existe;
simplesmente não se encontra expresso, foi elidido, omitido.
Ora, salvo melhor opinião, existindo o objeto e sendo ele o mesmo, nenhum
fundamento existe para que sejam escritas ou classificadas de forma
diversa uma e outra interrogações; tampouco para, de forma absolutamente arbitrária, quebrar uma vez mais,
do idioma, a estabilidade e a clareza essenciais à adequada e universal
compreensão.
Se, ao perguntarem quando me irão tratar um dente, eu responder apenas
“Tratam amanhã”, garanto que a elipse não gerará falta de
objeto. Pelo menos, na
cadeira do dentista, onde o vou sentir da mesma forma que se tivesse
respondido “Tratam o meu dente amanhã”.
Simplesmente, tal como acontece quando a seguir a por que? omito
motivo ou razão, me terá parecido que o facto de cortar uma
palavra ou duas não prejudicaria o significado nem o sentido da oração, o
que é um facto.
Só porque escolho não mostrar alguma coisa, ela não deixa de existir. Seria bom, por exemplo, se, para que o que é mau deixasse de existir, nos
bastasse escondê-lo...
6. Uma Lacuna Teórica
Quando, como aqui acontece, queremos demonstrar a alguém a nossa razão,
importa que seja firme e honesta a nossa convicção, havendo, outrossim,
que esgotar, a favor e contra, a possível argumentação.
Devo, assim, sempre com o devido respeito, salientar que Celso Cunha e
Lindley Cintra – e, com eles, a generalidade de quem, sabedor, escreveu
sobre gramática - poderão não ter previsto todas as possibilidades ao
classificar unicamente por que?, onde?, como? e
quando? como
advérbios interrogativos.
Isto, porque apesar de também serem expressões interrogativas formadas por
uma preposição seguida do pronome que, não se encontra, percorrendo
a sua obra1, classificação para
até que?, com que?, de que?, em que? entre que?, para que?, sem que?,
sob que? e sobre que?.
Fica, pois, ao leigo a inevitável dúvida quanto à razão pela qual
por que? merece a classificação própria de advérbio interrogativo
causal, enquanto as outras expressões não são, por exemplo,
para que? um advérbio interrogativo final, e até que? um
advérbio interrogativo temporal? Ou, inversamente, por que não é por que?, como elas, uma mera
preposição seguida do pronome que?
Para esta aparente dualidade de critérios não encontrei, nas fontes
consultadas, qualquer explicação.
Note-se, porém, que a dúvida se refere, unicamente, à classificação
gramatical, é meramente adjetiva, e não afeta, de forma alguma, quanto
aqui se disse relativamente à questão substantiva da indispensável
utilização diferenciada do por que? interrogativo e do
porque unicamente causal.
Esta aparente opção dos Autores por uma análise menos transversal do
problema não deixa de sugerir, no plano prático, uma derradeira questão:
se se insiste, atualmente, em transformar por que? em
porque?, por que não fazem o mesmo com atéque?,
conque?, deque?, emque?, entreque?,
paraque?, semque? e sobreque? ?
Ridículo? Sem dúvida, tal
como o porque? o será também.
7. Conclusão
Toda esta polémica em redor da forma interrogativa por que? é
notoriamente injustificada e vazia de fundamentado conteúdo, além do que
que, sobre o tema, existe doutrina bem firmada na gramática
portuguesa.
O perigo verdadeiro está naquilo para que me não tenho cansado de
alertar: a arbitrariedade, a
arrogância com que qualquer um se atreve a, com o maior dos à vontades,
“esclarecer”, como dizem, os leitores mergulhados na dúvida – cada
vez mais legítima dada a proliferação de informação errada – por ação de
meras opiniões não fundamentadas, expressas como se autênticos dogmas
fossem as respetivas conclusões. Tudo isto agravado – e muito - pelo facto de o corretor do Word em
que escrevo sugerir a utilização de porque sempre que escrevo
por que; e aqui pode estar uma bem importante causa da estonteante
proliferação do erro. Note-se que falo do mesmo infalível Word que não se coíbe de
contar como uma palavra qualquer coisa que seja ladeada de espaço, antes e
depois, ainda que se trate de uma consoante isolada ou um simples
hífen. Experimentem
lá… E é esta coisa que dita, junto dos menos instruídos e não só, as regras da gramática
portuguesa!
Eis, pois, belíssimos exemplos das razões que - na perspetiva do leigo
que, por isso mesmo, se sustenta em autores consagrados - me levaram a
dedicar algumas linhas à reflexão sobre o crescente facilitismo na
utilização da Língua Portuguesa. Eis, também, por que, no texto de apresentação da mesma (v. "Tanto Faz!" - Fev 2021), falo de
liberdade e ambiguidade, de indiferença e facilitismo, de falta de
fundamentação.
A verdade por detrás de toda esta discussão estéril parece bem simples:
agravada pela tendência social crescente para o “Tanto faz!", a manifesta dificuldade, devido à deficitária consciência gramatical
da generalidade da população, em destrinçar o que separa o
por que? interrogativo do porque causal – sem interrogação -
tem levado a que, nos anos mais recentes, o primeiro tenha sido
substituído por uma espúria forma supostamente interrogativa
porque?
Apesar da enormíssima asneira que tal representa – não só pela ambiguidade de inquina a expressão verbal, como pela inútil dificuldade que introduz na leitura -, a pouco laboriosa
investigação por parte de quem, de forma empenhada a deveria ter
empreendido antes de, supostamente ex catedra, se pronunciar, terá
levado a que certos autoproclamados linguistas se tenham encontrado num beco sem
saída, pleno de classificações criativas mas inexistentes em
qualquer gramática que por eles não haja sido escrita – ou por outros como
eles nestes mesmos tempos mais recentes -, entre elas diferindo
substancialmente: ora é pronome, ora conjunção, ora até advérbio porque?
Confundidos, foram procurar justificações numa alegada mas inexistente
perda de objeto, num suposto tratamento diferente em Portugal e no Brasil
– sem explicar que o mesmo se deveu, simplesmente, ao facto de o Brasil se
não ter (ainda) deixado levar na onda de degeneração do advérbio -, até,
quiçá ignorantes da existência de locuções, argumentar com a
impossibilidade de classificação gramatical do que de por que?
Ora, quem se queixa da alegada impossibilidade de classificar,
individualmente, o que de por que?, como classificará o
que de para que? ? Ou deveremos, mesmo, adotar o (ainda) inexistente paraque? ?
A investigação foi, também, descuidada ao não ter analisado a realidade de
algumas das línguas europeias mais comummente faladas entre nós, nas quais
existem, sempre, termos diferenciados para a interrogação – direta ou
indireta – e para a afirmação causal; e descurou, até, a comparação da evolução de outras interrogativas
formadas por preposição seguida do tal inclassificável
que – como para que? -. também elas possíveis locuções
interrogativas.
Aos que discordam da afirmação de que a ignorância e o facilitismo se
encontram na génese da confusão, lembrarei quem tem "nada porque viver", "aquilo porque passei", "porque caminho vais?", e outras
das mais chãs manifestações de gente que não sabe escrever, tão correntes
na imprensa e nas legendas que, diariamente, nos entram na mente através
da televisão. Não tarda, andará por aí quem esclareça dúvidas da língua
portuguesa com base no advérbio ou pronome interrogativo de
lugar poronde, e outras originalidades que tais...
- x -
Quando a escrita se altera para acompanhar alterações na linguagem falada,
estamos perante uma evolução; mas, se a escrita muda por si só, porque nem se foi ver, porque a
gramática pouco importa, assim se caminhando para o desconhecimento
generalizado de determinada regra e das outras todas e das razões que lhes
subjazem, somos levados a pensar em indiferença, em descaso, ou em mera
ignorância gramatical.
Em prol da manutenção da clareza e da estabilidade da língua, bem como da
essencial fiabilidade da mensagem, proponho que o Word corrija o
seu corretor, e que quantos se manifestaram a favor do
porque? interrogativo apaguem os seus esclarecimentos dos
sítios em que os afixaram - já que nos livros pouco haverá a fazer -, ou
me corrijam fundamentando devidamente em autores consagrados da gramática
portuguesa as suas tão criativas opiniões.
Proponho, também, que a forma interrogativa porque? seja,
definitivamente, erradicada da escrita, mantendo-se a utilização de
por que?, interrogativo que sempre foi e que, querendo quem manda,
sempre será.
* *
A verdade é, porém, que um vício, em especial um vício linguístico, é muito difícil de curar, de reverter, já que as pessoas que a ele rapidamente aderem são às dezenas de milhar.
"Dezenas de Milhar"? Ou deverá, antes, dizer-se "dezenas de milhares"? Ou uma e outra expressões, conforme o caso em que as queremos aplicar?
Leia aqui o desenvolvimento desta questão!
A gramática de um idioma define-se pela estrutura lógica,
e não
pela utilização mais ou menos própria que, aqui ou ali,
um ou outro
escritor dela fará.