segunda-feira, 5 de julho de 2021


Scriabin, por Vladimir Horowitz

Vladimir Horowitz toca estudo de Scriabin


Interpretação ímpar, ao vivo, do Estudo op.8 n.º 12*) de Alexander Scriabin*).

A expressão do rosto, o voo das mãos, tudo transmite uma ideia de arte, por muito que não saibamos o que a palavra quer dizer.

Mesmo que a música dita clássica não seja a sua favorita, não deixe de vibrar com a intensidade da obra e o carácter sublime da leitura que dela faz Horowitz*).

Pode assistir aqui

sábado, 3 de julho de 2021


Afinal, Deus Existe?


"Ao nosso alcance apenas está saber que essa razão, essa entidade,
existiu ou existe, algures ou nenhures, antes ou após a criação do tempo,
do espaço e do que parece ser material.
Sabemo-lo, não por um ato de fé, mas por dedução lógica a montante da fé;
e o que se sabe, não se pode ignorar, nem vale a pena negar
"

 

         1. As Leis Não Nascem do Nada
         2. O Legislador da Natureza
         3. A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação

                                                                                                                                                

As Leis Não Nascem do Nada
1. As Leis Não Nascem do Nada

Vivemos, ao que me dizem, num estado de Direito que faz parte de um Mundo todo ele feito de estados de Direito. Ou quase todo. Ou que parece ser todo.

Ora, num estado de Direito, em qualquer estado de Direito digno dessa designação, vive-se o primado da lei, sendo esta coletivamente considerada como o sistema de normas destinado a regular as relações sociais para evitar que nos trucidemos uns aos outros apenas para ter acesso a comida, ou por nos terem roubado o ou a mais que tudo; ou por cobiça, por vício, por mera diversão ou por qualquer outra mais ou menos estúpida razão.

No entanto, as leis não aparecem espontaneamente por aí, sem haver quem as faça; e, como interessa pouco quem foi que, de facto, redigiu ou fez vigorar esta ou aquela lei, é costume dizer que a lei – toda e qualquer lei – é da autoria de uma pessoa a quem convencionámos chamar legislador. Isto é axiomático, definitivo, é assim, porque não pode ser de outra forma: não existe lei para a qual não tenha, em algum lugar e em algum tempo, havido um legislador. Depois, para interpretar essas leis, os técnicos que a essas coisas se dedicam passam a vida a procurar adivinhar, para certas normas, qual a intenção do respetivo legislador.

Sabemos, também, que nem todas as leis, se inserem no âmbito do Direito positivo – aquele dos códigos e do Diário da República -, o mesmo podendo dizer-se dos princípios que subjazem à conceção e elaboração dessas mesmas leis. De facto, todos nós, os mais comuns dos mortais, numa ou noutra circunstância do quotidiano invocamos, da Natureza, esta ou aquela lei. Para parecermos sabedores, ou por sermos conformistas ou porque assim o sentimos, é, até, frequente comentar esta ou aquela graça ou desgraça que acontece dizendo algo como: “Pois é, são as leis da Natureza”. Quase sempre, quando acontece aos outros algo de mau…

 

2. O Legislador da Natureza

O Legislador da Natureza
Admitamos, agora, que, como pretendem alguns, do caos, pode nascer ordem, ou seja, que a ele pode a Natureza ir buscar ordem. Significará isto que, do caos total sobrevindo de um eventual big bang ou evento parecido terá podido nascer a ordem quase total como hoje a conhecemos? Que do caos total nasceu, por coincidência tão espantosa como improvável, uma ordem universal tão perfeita que permite, por exemplo, que eu esteja para aqui sentado a escrever estas coisas sem receio de que uma parte da incrível quantidade de átomos que forma o teto que me cobre decida fartar-se de ali estar, aparentemente parada, e resolva seguir outro caminho, assim fazendo desabar a restante parte do teto e pondo fim aos meus já longos dias?

Certamente que não.

Se o teto está e continuará a estar ali em cima até que alguém decida removê-lo ou alguma causa externa e independente da vontade dos átomos que o compõem o faça desabar, é porque, não uma, mas múltiplas leis da Natureza - aplicáveis, por exemplo, aos materiais e ao ambiente em que eles se encontram - determinam que continuem aqueles a desempenhar a função que lhes foi destinada e a assegurar, tal como uma incalculável quantidade de outros como eles, a relativa estabilidade que é essencial à vida tal como a percecionamos e julgamos conhecer.

Ora, tendo mais acima estabelecido que qualquer lei é elaborada por um legislador, forçoso se torna concluir que o apreciável acervo de leis naturais que conhecemos e a imensidão das que desconhecemos vieram, também elas, não do caos, mas da mente de um legislador.

Sabemos, outrossim, que é sempre privilégio do legislador alterar, derrogar ou revogar as leis que elabora, o que frequentemente acontece com os diversos diplomas legais, códigos, qualquer elemento constituinte de um edifício jurídico.

A Diferença Fundamental
Qual é, então, a diferença fundamental e absoluta entre as leis do Homem e as que a Natureza lhe impõe sem que ele ao cumprimento delas se possa furtar - já que, aquilo que conhecemos como leis da Natureza, não há força humana que seja capaz de alterar?

Como, na verdade, poderemos alterar ou revogar a lei de Newton, o teorema de Pitágoras, os princípios de Arquimedes, de Pascal? Impossível, e a razão é evidente a qualquer um: não foram estes ilustres cientistas os respetivos legisladores, não foram eles que elaboraram estas e todas as outras leis naturais – as poucas já conhecidas e aquelas quase infinitas cuja existência nem sequer nos foi, ainda, dado conhecer -, as quais, por comodidade na referenciação e em exaltação do resultado que convida a seguir o exemplo, apenas vão sendo batizadas como o nome de quem, na Natureza, as identifica.

A existência de qualquer lei da Natureza não é suscetível de ser provocada pelo Homem, sendo meramente constatável através de uma observação inicial a validar através daquilo a que chamamos investigação científica - cientes embora de que os ínfimos passos que a Ciência vai dando não passam de mosaicos, de pequenas partículas de uma construção infinita e por nós inalcançável, arquitetada por um legislador supremo que não conhecemos nem sequer vislumbramos porque se não deu, se não dá e, desolado com o que por cá poderá estar a ver, cada vez menos razões terá para se dar a conhecer.

Por uma questão de comodidade e para acompanhar a nomenclatura generalizada, a esse legislador supremo chamarei Deus.

 

3. A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação

A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação
A palavra Deus ora anda, por tudo e por nada, nas bocas do Mundo, ora a muita gente causa arrepios, constrangimento, escárnio, vergonha e uma imprevisível e desordenada mescla de outros sentimentos e reações, vá lá saber-se porquê, se é verdade que a necessidade de um conhecimento fundado da existência antecede, inevitavelmente, a decisão de professar qualquer fá religiosa:  sem Deus, para qualquer religião jamais haverá objeto de adoração.

Não professando eu já qualquer religião, não estou, naturalmente, a referir-me ao Bom Manitu, a Júpiter, a Alá, a Jeová ou ao deus representado no teto da Capela Sistina.  Chamo Deus à razão sobrenatural que criou a ordem universal em que todos estamos imersos, à qual estamos irremediavelmente vinculados e da qual nenhum de nós alguma vez poderá escapar, tal como acontece com os pequeninos átomos do teto aqui por cima. Pode haver quem diga que sim, mas ainda ninguém me explicou como ou para quê.

Cada um desses pequenos átomos está sujeito a uma virtualmente infindável quantidade de leis divinas que, no seu conjunto, asseguram a ordem natural, tal como as leis dos homens formam o Direito.

Nas cidades, não nos apercebemos tão facilmente das maravilhas da Criação. Por cá, praticamente tudo quanto se nos apresenta aos sentidos é produto da criação humana, de um engenho cada vez mais desenvolvido, e servido por uma base de conhecimento cada vez mais vasta. Mas no campo, quem resistirá a maravilhar-se olhando para uma minúscula bolinha castanha e para o enorme pé de couve que uma bolinha semelhante gerou? Ou olhando para uma bolota caída no caminho e, sobre ela, para o gigantesco e centenário sobreiro que de outra bolota nasceu? Serão o engenho e a razão humana alguma vez capazes de produzir algo tão maravilhoso como aquilo que, há milénios para nós infinitos, a Razão sobrenatural programou? 

Esta Razão sobrenatural surge-nos como a primeira causa, a causa das causas, um deus que, assim definido, inegavelmente existe, dotado de conhecimento e de poder infinitos ou perto disso e nos permite por cá levar a vida usufruindo dos recursos que quis pôr à nossa disposição:  o tempo, o espaço, a matéria; as leis que os regem, deterioram e regeneram; os outros seres; o nosso corpo de primatas e a mente e o espírito que dele se servem na prossecução de um objetivo último que, paradoxalmente, nos não é dado conhecer.

Para um ser pensante, deve ser esta a angústia maior da vida, a que suscita a questão primeira, à qual ninguém sabe responder: o que quer de nós este desconhecido deus, esta Razão universal? Ao nosso alcance apenas está saber que essa razão, essa entidade – provavelmente, imaterial -, existiu ou existe, algures ou nenhures, antes ou após a criação do tempo, do espaço e do que parece ser material. Sabemo-lo, não por um ato de fé, mas por dedução lógica a montante da fé;  e o que se sabe, não se pode ignorar, nem vale a pena negar.

Compreender o Impossível
Alguém escreveu que “a inteligência que quer compreender a Criação quer compreender o impossível”.  Esse esforço seria uma perda de tempo, não só por tudo indicar que levará a lugar nenhum, como porque havemos de entender que, quisesse tão poderoso Legislador dar-se a conhecer, haveria de já o ter feito; ou virá a fazê-lo quando muito bem entender, para tal não ficando dependente de um eventual resultado positivo da nossa humana incompetência, quando um dia decidíssemos bisbilhotar.

Assim, investigar Deus mais não é do que desafiar os Seus desígnios, e uma perda de tempo colossal. Um pensamento atribuído a um físico alemão do século XX, tido como o pai da física quântica, diz que “a Ciência não pode resolver o mistério final da Natureza. E isto porque, em última análise, somos parte do mistério que tentamos resolver”.

Se aceitarmos esta afirmação, restar-nos-á refletir sobre a nossa missão enquanto Humanidade, sobre a motivação que poderá ter estado na origem da vida, sobre o que terá motivado a criação de tudo isto a que nos habituámos a chamar Universo, cuja dimensão ignoramos e sempre ignoraremos, da mesma forma que a primeira coisa que nos confunde acerca de Deus é a sua dimensão: por muito inteligentes que nos julguemos, escapará sempre, ao nosso entendimento, a qualquer veleidade de compreensão.

Com maior utilidade para todos, caberá, antes de tudo, refletir sobre a missão individual de cada um e sobre as razões da diferença marcante do animal que somos relativamente a todas as outras espécies, questões estas que, porque mais próximas nos são, nos permitirão a verdade com menos insucesso procurar.

* *
Como explicar as calamidades que constantemente se abatem sobre a Humanidade?
Se Deus existe ou, pelo menos, alguma vez existiu, como será que gere o Universo?