quinta-feira, 20 de janeiro de 2022


Inferno e Traição

Isto, preocupa-me. Seriamente.

Hoje de manhã, ao entrar calmamente num supermercado, atraiu-me o olhar uma fileira de capas de revistas habilmente dispostas por forma a chamar a atenção. Revistas daquelas de grande tiragem versando, maioritariamente, sobre os importantes temas relativos a diversas telenovelas, bem como às sem dúvida muito interessantes aventuras e desventuras daquelas criaturas que se consideram personalidades, colunáveis, membros do jet set, ou que ascenderam a qualquer outro patamar porque o elevador social nele os deixou, ou por terem trepado a pulso para o atingir - o que, aqui no Retângulo, cada vez mais parece corresponder a uma especial habilidade para abrir, fechar e movimentar sacos azuis e outras habilidades que tais, a maior parte das quais com significativas repercussões fiscais e outras que tais.

Das ditas capas, sobressaiam os títulos "Inferno e Traição", "Tragédia e Traição", "Amor Proibido", "Todos os Segredos", "Acusado de Pedofilia" e, last but not the least, "Expulsos do BB Famosos".

Como os proprietários da tabacaria não estão ali para perder dinheiro, evidente se torna que sabem muito bem que é aquilo o que mais se vende, o que mais chama clientes, e não os títulos sensaborões  (leia-se "mais sérios") dos representantes da imprensa escrita que, efetivamente, informam e que cada vez menos existe o hábito de ler.

Num dois próximos Domingos, serão estes educados leitores, às centenas de milhar, que, juntamente com os que se deleitam com o conteúdo de pasquins de índole e filiação diversa, juntamente com as notícias fresquinhas da indústria futebolística - que também estavam no escaparate, logo a seguir -, irão, conscienciosa e criteriosamente votar em mais uma eleição.

São estes indivíduos sumamente ocupados e preocupados com a visibilidade do próprio umbigo*) que irão escolher quem, a si, caro Leitor, e a mim irá governar nos próximos quatro anos - se tanto aguentar.

São estas pessoas sem Norte, vazias de si, refugiadas na mirífica ilusão daquilo que nem merece ser -  porque não tem razão válida para existir além da subserviente devoção ao marketing predador que sopra nos lubrificados cataventos destas pequeninas cabeças e destes minúsculos corações -, são estes infelizes que, talvez maioritariamente, irão tomar uma decisão fundamental para o futuro próximo de cada um de nós, e do todo que todos integramos.

Isto, preocupa-me. Seriamente.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022


André Ventura

 


"O que é que vale mais:
a vontade do povo português,
ou a Constituição da República?"

André Ventura*)     
(Entrevista à RTP - 01.12.2001)


Não entenderá o Presidente eleito e, regularmente, auto-demitido e reeleito do Chega! que, numa democracia representativa - cuja verdadeira natureza, apesar de se apresentar a eleições, parece ter significativa dificuldade em entender -, a vontade do povo se encontra plasmada, acima de tudo e antes de mais, na Constituição da República?

Doutorado que é em direito, não se aperceberá de que a alarvidade que disse equivale a perguntar se vale mais a vontade de roubar do que as disposições penais que tal ato proíbem?

Que tipo de gente insistirá, tendo alternativa, em confiar o voto a alguém com pensamentos como este, subversivos da ordem pública, da paz e da estabilidade que a todos são essenciais e estruturantes da vida em sociedade?

Poderá, por mero capricho, um cidadão ou grupo de cidadãos fazer, impunemente, prevalecer os ditames da sua vontade à letra da lei ou do próprio Texto Constitucional?

- x -

A prática política e as sucessivas declarações do mesmo género permitem excluir que se tenha tratado de um lapso - aliás sempre deslocado em pessoa de tão viva e aguda inteligência. A enormidade da ideia contida na pergunta não pode, assim, deixar de suscitar as mais sérias dúvidas quanto à verdadeira motivação do Autor ao deixar o Partido Social Democrata para fundar o Chega!.

Este partido é, inegável e assumidamente, nacionalista e de extrema-direita. Mas, sê-lo-á, também, o seu Fundador? Até que ponto poderá um outrora quadro destacado de um partido democrático inverter, no seu íntimo, de forma tão fraturante e do dia para a noite, o seu posicionamento político?

Qualquer pessoa, para ser eficaz, tem de acreditar naquilo que faz. Qualquer político, para ser eficaz, tem de acreditar naquilo que diz.

Perante os resultados até agora conseguidos e com tamanha rapidez, dificilmente poderá considerar-se ineficaz o Presidente do Chega! Ficam, no entanto, as perguntas: quais serão os seus verdadeiros propósitos? Estará, afinal, a ser eficaz em quê?

Será, como se apresenta, um genuíno radical, empenhado em defender uns estranhos, aberrantes, anquilosados e patéticos ideais?

Será, quem sabe, um genuíno democrata que terá, em dado momento, decidido manipular uma crescente mole humana que ia surgindo na extrema-direita, inicialmente com um discurso firme e agressivo para depois, insinuando-se junto do PSD, a neutralizar?

Será, como alguns pretendem, um mero oportunista sem escrúpulos, um perigoso ditador unicamente interessado na exaltação da própria imagem e na rápida ascensão ao exercício do poder - eventualmente como ministro da justiça... -, manipulando e usando tudo e todos ao serviço desse desiderato?

Pouco importa, de facto.

Do que não pode haver dúvida é de que se trata de uma personagem de ambiguidade perigosa, politicamente escorregadia, despudorada e subversiva a ponto de insinuar que deve a vontade do legitimamente descontente povo português sobrepor-se, por ilegítima, antidemocrática e injustificada ação direta, aos preceitos que essa mesma vontade popular, expressa no voto, na Constituição fez plasmar.

Preside, assim, a um partido que dói ver merecer um lugar no boletim de voto da supostamente democrática eleição de quem nos irá governar.


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terça-feira, 18 de janeiro de 2022


Novak Djokovic - A Estrela Cadente

Notoriedade é responsabilidade. Responsabilidade para com aquela imensidão de adeptos - ou fans, como insistem em chamar-se - que os segue como se fossem deuses, seres omniscientes e infalíveis, modelos de bondade, seriedade e sabedoria.

Não são. São, apenas, seres humanos habitualmente bastante elementares, com uma especial aptidão - quase sempre na área do desporto e, dentro desta, dos desportos com bola. Talvez a velocidade do esférico atraia, ou a imensidão das fortunas acumuladas; ou talvez as pessoas se embasbaquem simplesmente porque têm necessidade de se embasbacar.

A verdade é que muitos destes astros e estrelas - que também por cá alguns temos... - não passam de indivíduos sem educação, sem estatura moral, narcísicos, ambiciosos, que aprendem a sorrir e a fingir emocionar-se com algo exterior ao seu ego, quando a verdade é que apenas nele pensam, indiferentes ao interesse da comunidade e, sobretudo, à fraca qualidade do exemplo com que, inevitavelmente, contaminam quem os idolatra.

Tudo isto é mau. Mas, muito pior é quando o exemplo põe em causa o bem-estar e a saúde de toda uma nação*) ; que, aliás, nem é a deles.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022


Fafá de Belém: Coração do Agreste




Coisas que, mesmo sem querer, nos ficam no ouvido, passadas décadas sobre o termo da transmissão da série que as lançou.

A voz potente de Fafá de Belém, aliada à imagem que nos fica de Tieta e de todas as deliciosas personagens saídas da pena de Jorge Amado merece especial referência, numa canção sentida e plena daquela nostalgia que, por vezes, nos não larga a pele.

Pode ouvir aqui.


Imagem: Youtube

Para admirar outras maravilhas do audiovisual, selecione
*Obras de Arte
à direita da tela, sob a epígrafe 'Acesso por Categoria (*) ou Tema'

domingo, 16 de janeiro de 2022


Your Magesty, I Am Sorry

Parece-me pouco. À Rainha e sua Família deverá saber a pouco, também.

A falta de cortesia do principal ocupante do number ten ao promover ou permitir festas de despedida de funcionários*) na véspera do dia em que  Família Real inglesa se iria despedir de um dos seus mais proeminentes e outrora ativos elementos apenas poderá ser comparável à irresponsabilidade da falta de adequadas medidas de segurança durante os mesmos eventos, enquanto, por causa da pandemia, a Monarca, durante as cerimónias fúnebres, nem junto dos seus mais queridos pode estar.

Por outro lado: só agora, tantos meses depois, é que chega o há muito esperado e inquestionavelmente devido pedido de desculpa? Onde está, então, aquilo que tanta gente diz diferenciar o nível civilizacional do Reino Unido, designadamente quando comparado com o comportamento dos políticos de um certo torrão retangular à beira-mar plantado?

Parece caso para perguntar como reagiria atual o Primeiro-Ministro de Sua Majestade se, um belo dia numa autoestrada inglesa, lá calhasse a  viatura em que seguia atropelar mortalmente um funcionário que tivesse, porventura indevidamente, atravessado a faixa de rodagem à frente de um motorista com o freio nos dentes - fosse à ordem de Sua Excelência ou não.

Será que até teria ele o (quase) nunca visto desplante de ficar, placidamente, dentro do carro à espera de que a coisa se resolvesse e pudessem todos ir para casa? Será que passaria os dias e semanas seguintes a sacudir a água do capote, como que para se livrar do incómodo da contrariedade?

Fala-se da forma como fazem escola noutras terras cientistas, empresários e outros portugueses dignos de especial menção. Parece que os políticos começam, também, a impor o seu estilo, nem sempre na melhor versão.

Por lá, ao menos, ainda têm um funcionário público sénior a quem caberá pronunciar-se sobre a conduta do Governante. Por cá... temos os eternos, monótonos, repetitivos e sediços... comentadores.

sábado, 15 de janeiro de 2022


Vácuo vs Vazio: a Essência dos Debates Eleitorais

"Aquela trintena de mini-programas foi a fantochada e a vergonha que sempre fora programada para ser.
Ninguém alguma vez esperou que tudo aquilo servisse para alguma coisa,
nem acreditou que alguma coisa junto dos eleitores os debates viessem esclarecer.

Tudo não passou do habitual picadeiro das vaidades por parte dos concorrentes,
e da sensaborona inutilidade dos juris de comentadores.
De serões de indisfarçável tédio para todos nós, hesitantes eleitores e obedientes espetadores
"


Debates ou embates?
Impropriamente chamados debates, terminam hoje duas semanas de embates em frente-a-frente, desenhados para isso mesmo: para serem meros embates de escassos minutos, nos quais as televisões promotoras não deixaram, aos convidados, qualquer possibilidade de debater o que quer que fosse além da personalidade e da suposta falta de idoneidade do interlocutor, apenas lhes dando o tempo estritamente necessário à picardia verbal, ou a entediar ainda mais um já de si entediado Portugal.

A ridícula duração fixada para a quase totalidade deles - igual a pouco mais do que a escassa metade de uma parte de um jogo de futebol - não permitiu a subsistência de qualquer dúvida relativamente ao verdadeiro propósito mediático desta maratona que antecedeu mais uma campanha eleitoral: prender à televisão, para consumir publicidade e mais publicidade, o tuga guloso da refrega entre políticos para os quais continua a olhar com o mesmo arregalado clubismo com que se deslumbra com os profissionais da indústria do futebol... que, em tempos, há muito idos, era tida como um desporto, antes de a também indústria da publicidade e da comunicação lhe ter lançado o anzol.

Se dúvidas houvesse quanto à natureza pretendida desta série de clips ao vivo que nos estragou os serões, o teor da pergunta feita por alguns pivots dos comentários que se seguiam a cada disputa dizia tudo: "Que nota dá a cada um? Quem considera que ganhou?"; e era ver àqueles senhores muito sabedores e eruditos oscilar entre o um e o cinco, como se aquilo alguma importância tivesse num assunto tão sério como a preparação de uma eleição legislativa num país democrático, ou que assim se diz.

Não deixa de ser verdade que, em boa parte dos casos, quem lá ia exibir-se - perdão, comentar - parece confundir fala afetada com um dom da palavra que, patentemente, não tem, e bem melhor faria se se contentasse em complementar o salário com uma crónica ocasional neste ou naquele jornal.

Mesmo assim, dava dó ver a atrapalhação em que alguns ficavam se alguma pergunta mais profunda e específica era formulada pelo pivot: iam responder o quê? Dizer o quê, se, para a vitória, apenas importavam o tom e a galhardia, a brejeirice, a mais ou menos torpe insinuação? Acima de tudo, não cair na tontice de dar trela ao tal André, ou escorregar na areia que, como sempre, por todo o lado andou a espalhar pelo já de si inclinado chão...

Graças, em boa parte, ao formato adotado, o que deveria ter sido uma oportunidade única de esclarecimento político, não passou de um montra privilegiada para moderadores dos debates e comentadores.

- x -

O pânico do irrecuperável dano à imagem que o arruaceiro-mór pudesse causar-lhes junto do eleitorado deixou carrancuda, tensa, inexpressiva a maior parte dos adversários que lá se atreveram a defrontá-lo - já que um deles, habilmente, se esquivou com um argumento manhoso e pateta, próprio de quem, apesar da idade e da experiência, continua a não aprender como estar, com um mínimo de eficácia, na política em Portugal.

Meninges dos oponentes
Em quase todos os casos, o bloqueio intelectual e espiritual que o medo do arruaceiro a quase todos causava era tal que, quanto aos chavões habituais e estafados, nem retorquiram perguntando o óbvio: por que razão quem, em tempos, tinha tido dinheiro para comprar um telemóvel não o haveria de conservar na sua posse a fim de, através dele, poder tranquilizar os familiares que deixara para trás? Ou quantos anos teriam os tais Mercedes (ou, agora, também Porsche e, um dia, Bentley, quem sabe...) à porta de casa de pessoas que recebem subsídios, automóveis provavelmente a cair de podres como tantos que por aí se vê ainda  a circular? Ou, ainda, que chorudos proventos, a expensas do Estado, auferiria todo aquele batalhão de autarcas sem salário que ele diz querer descontinuar?

Não. Em vez disso, quase se via as meninges dos oponentes tremelicar no pânico de não sobreviver à investida seguinte, à qual respondiam mantendo-se, obedientemente, no terreno imposto pelo vivaço do outro contendor - que, aliás, ao longo dos dias e também nas sondagens, foi perdendo fôlego, acutilância, vigor, como se também ele acabasse desanimado com a falta de adubo que encontrava para a sua esperteza viva e de resposta pronta, acabando por esmorecer qual equipa a pairar no relvado depois daquilo a que os desportistas de poltrona gostam de ouvir chamar uma entrada de leão.

A verdade é que lá vai, de alguma forma, sendo eficaz, como eficaz é qualquer verdade ligeira ou descarada mentira emotivamente dita a uma genericamente pouco instruída e pouco educada população.

- x -

Por seu turno, quando os representantes dos partidos democráticos supostamente debatiam entre si, o vácuo de ideias apenas era equiparável ao vazio das soluções, continuamente atiradas para o ar como meros desideratos ou contrapartidas às do adversário, sem especificar o como e o quanto subjacentes à maior parte delas, tendo a representante - de olhar fixo, duro e com um esgar cuidadosamente estudado para parecer um sorriso - de um partido da extrema-esquerda chegado a dizer, com todas as letras e inacreditável despudor, que isso do custo é o que tiver de ser!

Fugiram das explicações, da fundamentação, da teoria como o diabo da cruz, e fizeram bem, já que, quando se explica e quantifica, quase todos se desinteressam pelo muito que muito poucos são capazes de entender. O furúnculo da questiúncula partidária prevaleceu, assim, sobre a apresentação das políticas propostas; e bem, já que a luta de galináceos era, precisamente, aquilo a que, esquecendo-se da sua qualidade de eleitores, boa parte dos telespectadores queria, verdadeiramente, assistir, para gáudio das estações.

Nos representantes dos dois filhos pródigos da Geringonça, era notório o olhar mortiço, cristalizado, arrependido, quase culpado por se terem metido em tão tremenda alhada ao não viabilizar o Orçamento Geral do Estado, opção que, sem grande margem para dúvidas, os irá deixar em ainda bem pior situação: um cantinho no Parlamento e - desgraça das desgraças - o magro pecúlio correspondente a um resto de votos deixado nas urnas, para evitar que o partido tenha de andar por aí a estender a mão.

Para estas agora tão débeis forças políticas, apenas importa ter ideias, fingir ter soluções e acenar com elas aos ignorantes que, iludidos, ainda os apoiam, sem se ralar minimamente com a evidente inexequibilidade de meros desejos, de idílicos sonhos, de pretensos projetos que, impossíveis que são de desenvolver, nem ao menos chegarão a sê-lo.

Terra de Camões
Parece, enfim, que lá acabaram por entender a rede em que tinham caído, lançada pelo promotor do arranjo governativo, político competente e habilidoso, já mais do que farto de andanças nesta terra de Camões, ansioso que está, como já anunciou, por ir espraiar a sua habilidade lá fora, deixando em boa parte do centrão político gente sem coluna vertebral que se veja, de idoneidade mais do que discutível, com interesse quase só para o fisco e para a justiça penal, sem competência ou qualificações que se vejam, além de um canudo que vale o pouco que vale para quem, sem educação que se veja, se propõe, apesar de tudo, assumir as rédeas da governação.

- x -

Diversos comentadores referiram a suposta falta de preparação para os debates por parte do representante do maior partido da oposição, considerando-o mal preparado, arrogante no seu estilo popularucho, demasiado informal. Como se o eleitor português típico tivesse a capacidade de entender outro tipo de discurso, mais elaborado, mais elevado, mais humano, até. Sobretudo, apelando ao processamento intelectual!

Esquecem-se, manifestamente, de que ensino não implica educação; de que a atividade letiva que dá canudos não dá o resto, de que, como elevador social, o simples ensino, sem educação, não passa do rés-do-chão; e de que é, precisamente, este tipo de discurso simplista e próximo daquilo que é, efetivamente, a mole humana que vota, que a cativa no momento da decisão.

Esquecem-se os eruditos comentadores daquilo que os publicitários há muito sabem: que não são anúncios com mensagens sofisticadas que vendem a esta boa gente que vota, mas sim pérolas do tipo "Paôpa, Fêlha, perque nã sabes o dêa de amanhã!"...

Prova acabada parecem ser, valham o que valerem, os resultados de sondagens em que a diferença das intenções de voto entre os dois maiores partidos se ia, até há pouco, estreitando, estreitando, arriscando-se a quase se anular, se não acabar por acontecer mesmo uma inversão.

Também no clube dos mais jovens salvadores da Pátria, como todos parecem considerar-se, a conversa de surdos não era melhor, mais a mais com alguns moderadores de debates - que, amiúde, mais pareciam candidatos - obstinados em quase exigir respostas ao rol de perguntas que traziam na cábula, em lugar de deixar que o pugilato se desenvolvesse com a aparência mínima de naturalidade permitida pela ridícula escassez do tempo disponível, no intervalo entre as notícias e o concurso dos croquetes ou outra importantíssima emissão.

Quando não houve pelejas aguerridas mas vazias, foi a vez dos não debates, das frases feitas e dos sound bytes trazidos dos espíritos  vivaços dos consiglieri dos partidos, das coisas nenhumas, moles, ocas, em que ninguém parecia saber bem ao que ia, ou o que havia de dizer. A monótona série de perdas de tempo apenas serviu, se tanto, para revelar um pouco mais da personalidade e da argúcia deste ou daquele candidato: nada, mas nada, de esclarecedor e fundamentado quanto às propostas trazidas a debate - quando as havia - e, semanas mais tarde, à eleição.

- x -

Assim sendo, para, de facto, quê dar mais tempo àquilo? Para quê dignificar conversas de surdos que, para os próprios partidos, não passaram do cumprimento de uma obrigação para com uma comunicação social da qual inteiramente dependem para aparecer em casa dos eleitores, em cujas boas graças necessitam de estar, e que lhes não dispensa o beija-mão?

Acaso representa mais do que isso? Como explicar, então, o facto de alguns para lá terem ido antes mesmo de o programa eleitoral que iriam debater ter sido publicado? Se, para esses partidos, a série de programas tinha algum genuíno interesse, como explicar esta clara demonstração de desinteresse, de falta de dedicação?

Se alguma qualidade verdadeira as estações antevissem na iniciativa, teriam dado o dobro da duração à coisa, assim sempre arranjando mais ou outro anúncio no intervalo. Mas, não: as refregas duraram apenas o tempo suficiente para fazer arrebitar, durante uns minutos e com as picardias da praxe, os espetadores das eternas telenovelas e dos populares concursos da televisão; e, a fazer fé nos números das audiências, a tática funcionou. Já se dessem, aos desinteressantes atores políticos, tempo para entrar no debate de ideias e de projetos, estragariam tudo, convidando a esmagadora maioria de uma população politicamente analfabeta a rapidamente mudar de canal ou, pelo menos, a deixar de prestar atenção.

O que dizer, por fim, da escandalosa falta de pontualidade de certos canais que atrasaram, por vezes vários quartos de hora, o início dos ditos debates face à hora anunciada, assim obrigando os espetadores ainda interessados naquilo a gramar notícias e mais notícias, algumas sem qualquer interesse - como no recentemente rebatizado canal que insiste em incluir nos telejornais pequenas histórias transmitidas pela casa-mãe americana, de interesse diminuto ou, pelo menos, sem o ter em dose suficiente para legitimar o atraso na transmissão de um debate eleitoral?

Ou, pior ainda, dos embates que começaram antes da hora anunciada, fazendo-nos perder boa parte do tão precioso alimento intelectual?

- x -

Aquela trintena de mini-programas foi a fantochada e a vergonha que sempre fora programada para ser. Ninguém alguma vez esperou que servisse para alguma coisa, nem acreditou que também alguma coisa junto dos eleitores os debates viessem esclarecer.

Tudo não passou do habitual picadeiro das vaidades por parte dos concorrentes, e da sensaborona inutilidade dos juris de comentadores. De serões de indisfarçável tédio para todos nós, hesitantes eleitores e obedientes espetadores.

Sic transit gloria mundi




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