segunda-feira, 30 de maio de 2022


Vila Viçosa

Vila Viçosa - Vila Ducal
Vila Viçosa Hoje

As imagens não deixam dúvida: Vila Viçosa está muito mais arborizada hoje do que nos tempos idos em que a fotografia do postal foi obtida.

Quanto ao mais, quem a visitar encontrará uma vila que, sem prejuízo de uma equilibrada evolução, soube conservar a traça e o ritmo que se esperaria encontrar numa terra de tão grandes tradições, impossível de separar de trechos inesquecíveis da História de Portugal.

Existe, todavia, uma espécie de crendice primária de que enfermam os espíritos de certos autarcas que os leva a procurar compensar eventuais défices de competência técnica e política com tiradas tonitroantes para consumo da comunicação social, levando-os a nem se aperceber, não apenas do porventura irreversível erro de julgamento que a elas subjaz, como da figura triste que acabam por fazer perante quem sobre estes assuntos quiser pensar, a par da indiferença daqueles a quem já parece que nada, além do vício das redes sociais, poderá interessar.

Vai daí, que Vila Viçosa anunciou, recentemente, a intenção de propor à Assembleia da República a sua elevação a cidade *), a fim de garantir "mais valias, quer ao nível do acesso a determinados fundos comunitários locais ou regionais, como ao nível de fundos diretamente em Bruxelas". Nas palavras do recém-eleito Presidente da Câmara, "o ser elevado a cidade é um reconhecimento que da Assembleia da República, que reconhece a evolução de Vila Viçosa, reconhece a sua importante e relevante história, o seu enorme património, e acha que é uma terra com grande relevo para o país. É no fundo, reconhecer a nossa identidade como uma terra que cresceu, que evoluiu, que tem história e que tem relevância".

Entende, assim, o ilustre entrevistado ser necessária a elevação de Vila Viçosa a cidade para que a Assembleia da República reconheça o seu importante passado - o que não passa de um rematado disparate -; e para que lhe reconheça a grande relevância presente, quiçá esquecendo-se ou procurando fazer esquecer que tal relevância terá sido conquistada em sucessivas presidências de câmara do Partido Socialista e do Partido Comunista Português (PCP), já que, consultados os dados oficiais, o Partido Social Democrata a que o atual primeiro autarca pertence não elegia um presidente desde os idos de 1993.

Eis-nos, pois, perante um flagrante caso de aproveitamento político daquilo que, durante décadas, os adversários derrotados vieram fazendo muito antes de nós.

Além do mais, não será despiciendo perguntarmo-nos até que ponto será necessária a elevação a cidade para que uma terra progrida, tendo em conta os casos, entre outras, das vilas de Cascais e de Oeiras, caracterizadas pela teimosia em permanecer vilas sem que tal haja, aparentemente, beliscado, mesmo ao de leve, a sua fulgurante expansão e projeção internacional nas áreas que lhes são de interesse.

Não terá, então, a evolução de uma vila muito mais a ver com a competência e dedicação dos seus autarcas do que com os títulos, com os estatutos a que procura ascender? Sobretudo quando a proposta do PCP de realização de um referendo municipal sobre o assunto foi preterida pela da maioria que impõe que a candidatura a cidade avance, quer a população queira, quer não.

Vamos, assim, ter a Cidade de Vila Viçosa, uma gota de água quando comparada com as cidades de Nova Iorque, de São Paulo, de Tóquio, de Paris e, mesmo, do Porto ou de Lisboa, num país que, de tão ridiculamente pequenino que é - mais nas mentalidades do que no território - até tem cidades com menos de 2000 habitantes, graças à demagogia de certos governos e à necessidade de rapar o tacho dos votos até gastar o teflon.

Auri sacra fames, o que importa é a captação de fundos*) para mais umas rotundas, uns parques infantis, enfim, para aquilo a que as mentes pequeninas chamam desenvolver o que resta das vilas históricas portuguesas, esquecendo-se - ou nem notando... - que, muitas vezes, desenvolver é sinónimo de estragar.

quinta-feira, 26 de maio de 2022


Rex Stout


"Sempre que possível, é mais sensato confiar na inércia. É a maior força do Mundo"


"It is always wiser, where there is a choice, to trust to inertia. It is the greatest force in the world"

Rex Stout *)
in "Fer-de-Lance"


Trata-se, é verdade, de um pensamento atribuído a uma personagem tão pouco ativa como Nero Wolfe *).

Existe, todavia, uma tendência para nos esquecermos de que, no que à Física diz respeito, inércia é a incapacidade de qualquer corpo alterar, por si só, o seu estado de repouso ou movimento. Não apenas de repouso, portanto.

De outra forma dito, inércia é, ora o fluir tranquilo de uma situação ou de um processo - como a vida, a nacionalidade, a sociedade, a profissão -, ora a pausa indispensável a qualquer atividade. Quer as situações, quer os processos, tendem a evoluir ao seu ritmo natural, sem sobressaltos, em paz, o que não deve, nem pode, ser confundido com estagnação, marasmo. Nem umas, nem outros, se interrompem ou suspendem por si sós: apenas por um impacto exercido sobre eles, um ato de vontade, uma ação exógena, um grão de areia na engrenagem, até.

Esta tendência de crescimento pacífico e natural, quase inerte, apropriado à capacidade de aceleração saudável do ser humano, em todas as vertentes, não se quebra, pois, por si só, mas apenas por algo que venha desestabilizar as pacíficas águas sobre as quais desliza a vida, quantas vezes desnecessária e inutilmente agitadas por nada mais do que a ânsia de conquistar eleitorado, de gerar avultados resultados económicos ou de conseguir narcísico protagonismo.

Assim nascem, por esse Mundo fora, guerras de diversa ordem e de âmbito mais ou menos restrito, desde invasões de estados por outros a meras questiúnculas restritas do quadro empresarial ou familiar.

A vontade de quebrar a inércia em prol dos outros, seja da Humanidade, seja do núcleo restrito que nos rodeia, será sempre de saudar dentro dos limites de uma razoável moderação e de respeito pelo próximo, do que lhe pertence, da maior ou menor capacidade de cada um para acompanhar o nosso entusiasmo.

No entanto, tal como é absolutamente inaceitável a invasão arbitrária de uma nação por outra, também será sempre de condenar a invasão arbitrária e egoísta de um espírito em paz por outro que dele, de alguma forma, pretende aproveitar-se.

Pensemos em política, em publicidade, em qualquer forma de exibicionismo.

Pensemos no que quer que seja suscetível de nos proporcionar protagonismo desejável apenas por nós; e tenhamos a moderação e a temperança essenciais à manutenção dos equilíbrios sem os quais jamais chegaremos, onde quer que seja, de forma sustentada e duradoura, apenas semeando em volta a morte, a dor, a ansiedade, a destruição.

Na Ucrânia, como bem junto a qualquer de nós.

* *

Por falar em inércia, no meio desta confusão toda gerada pela invasão, de todas as acusações ou insinuações de responsabilidade que lhe são feitas, onde pára, agora, Angela Merkel, a chanceler alemã que terá aberto a, Vladimir Putin, as portas da Ucrãnia, ou de qualquer estado da antiga União Soviética que resolvesse invadir?

[continua aqui]