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sábado, 10 de julho de 2021


De Mãos Dadas: Défice de Comunicação e Défice de Soberania

"Se se pretende educar uma população
e elevar o nível da sua consciência ética e cívica,
há que fazê-la governar por pessoas competentes
e de reconhecidamente elevada qualidade humana:
não, nunca, por
tugas elementares que,
nada tendo de excelente, devemos tratar por Excelência
apenas por serem amigos de alguém democraticamente eleito
"


          1. A Política e a Vital Importância da Comunicação
          2. A Comunicação Política em Tempo de Pandemia
          3. Do Desempenho do Segundo Mais Alto Magistrado da Nação
          4. O Bombo da Festa                                     
          5. As Contradições de Odemira
          6. Inabilidades Avulsas na Comunicação
          7. O Primeiro Responsável pela Governação
          8. O Estado da Nação

 

Eduardo Cabrita
1. A Política e a Vital Importância da Comunicação

Todos dependemos, em menor ou maior grau, do Estado em que estamos imersos.  Literalmente imersos, em certos casos quase afogados; e tanto maior é o mergulho quanto mais impositivo é o Estado, mormente por via da muito justificada insegurança que lhe incute a incompetência genética grudada a certos órgãos ditos de soberania, em diversas épocas, sedes e áreas do governo ou da administração.

Essa incompetência decorre, essencialmente, da abundância e da proliferação, nos mais diversos lugares, de indivíduos oportunistas, ambiciosos, gente de defeituosa formação profissional e, sobretudo, humana, políticos feitos à pressa, abundância essa que fortemente contrasta com a escassez de pessoas devidamente formadas, educadas e, sobretudo, com aquele verdadeiro espírito de missão que, ingenuamente, alguns de nós ainda acabam por, ingenuamente, associar às coisas da governação.

A insegurança endémica - impossível de erradicar de militantes desnorteados que, uma vez eleitos deputados, certos partidos destacam para altas funções governativas -, leva os partidos aos quais incumbe governar a, cada vez mais, querer estar presentes onde não são chamados, a intrometer-se em aspetos do foro privado ou familiar de cada cidadão, nas decisões mais corriqueiras da vida quotidiana e, no plano público, em tudo quanto lhes parecer suscetível de dar visibilidade e de fazer os governantes e os Partidos que os lá poem parecer indispensáveis e insubstituíveis, na ilusória crença de que essa aleatória e tonta azáfama os ajudará a ganhar cada próxima eleição.

Crença ilusória, porque, da verdade indiscutível de não ser possível governar sem comunicar resulta, inevitavelmente, ser impossível governar bem sem comunicar bem; e resulta, também, que, quando se comunica mal, mesmo que se governe mais ou menos bem, sempre o comum dos mortais ficará com a ideia, certa ou errada, de que se está a governar pior do que, efetivamente, poderá estar a acontecer.

Ocorre, assim, que a comunicação, verbal e não verbal, dos incompetentes e, também, dos competentes que comunicar não sabem, acaba por se tornar, progressivamente, tão insatisfatória que redunda, fatalmente, num efeito desastroso que, seguramente, não explica o peso das intenções de voto que sondagens certamente muito rigorosas e cientificamente elaboradas possam, continuamente, assegurar a partidos aparentemente fadados à eternidade no exercício das suas funções, e aos quais, embora nada tendo contra, cada vez encontremos menos razões para agradecer.

2. A Comunicação Política em Tempo de Pandemia

Em política, não é verdade que o que importa é que falem de nós, mesmo que digam mal de nós.

Muito pelo contrário, aplica-se a velha contrariedade atribuível à mulher de César: para se ser, importa parecer, sobretudo quando nem se vislumbra qualidade numa governação da qual todos os dias damos por nós a acreditar em cada vez mais do muito mau que se vai ouvindo dizer.

Graça Fonseca
Um bom exemplo poderá ser o que se passa no país da malograda Seleção das Quinas, no qual a população se sente cada vez menos governada, mais baralhada, menos tranquila e, sobretudo, muito pouco motivada a seguir leis e recomendações, incluindo as de carácter sanitário, que nos convidam a usar sempre máscara, a guardar distanciamento, a não apertar a mão e a aos ajuntamentos dizer “Não!”.

A vontade de nos portarmos bem desvanece-se, nomeadamente, quando, num cenário de emergência sanitária, a comunicação foi, durante longo tempo, assegurada por um sujeito a quem parecia restar apenas uma centelha de vida, como que acabado de arrancar a um sono reparador*), e que, talvez incomodado por lhe ter caído o barrete de dormir, ia soltando palavras entrameladas num arrazoado desconexo e lamuriento*), proferido perante audiências ávidas de estímulo, de segurança, de confiança e de motivação para continuar a acreditar que, contra esta coisa da COVID, valia a pena lutar.

Também não ajuda que uma senhora algo cambaleante, com o ar escanzelado e idoso de uma rígida e implacável mestre-escola de antanho e de palmatória na mão, discorra dias seguidos e horas a fio sobre temas sem novidades que o sejam realmente, procurando, porventura, disfarçar a inutilidade do seu desinteressante e ineficaz esforço comunicacional com um desfilar de toilettes eventualmente apropriado a outras ocasiões*), mas não quando, num tempo já muito sofrido, se trata de transmitir uma imagem de concentração, de seriedade e de rigor no por ela trabalho desenvolvido numa área fundamental.

No meio de muito disparate junto, o que dizer, então, de uma Direção-Geral que, no início de um mês em que se realizava sessenta mil testes diários da COVID-19, afirma que o objetivo é chegar aos cem mil*) para, no fim do mesmo mês e em vez dos tais cem mil, os iniciais e reais sessenta mil terem, ao invés, descido para menos de trinta mil? Claro que, em alguma medida beneficiada por essa efetiva redução de testes, a contagem diária de novos infetados lá acabou por cair para níveis muito convenientes a quem pretendia, à viva força, desconfinar: quanto menos testes se fizer, menos infetados se irá encontrar.

Agora, lançando novamente a confusão, vêm peritos dizer que é necessário reforçar a vacina de toma única da Jansen, ao mesmo tempo que a própria Farmacêutica garante que assim não é.

Que dizer, também de um INFARMED que, numa semana, muda duas vezes de opinião quanto à perigosidade de determinada vacina, ao sabor daquilo que vai ouvindo lá de fora, até parecendo que apenas pela televisão é informado, e mal?

Tudo isto numa área “onde, sem esquisita erudição, é melhor não tocar semelhantes matérias”.

Seria, também, imperdoável não referir aqui o fiasco dos fiascos, que à República terá custado bom dinheiro: quase toda a gente ficou sem saber como funcionaria a Stayaway Covid *) – se funcionasse -, mesmo depois de essa milagrosa e indispensável aplicação muito badalada ter sido nas televisões e nos discursos ministeriais, e de a população se ver ameaçada com a devassa dos telemóveis e com a aplicação de sanções a quem neles a não instalasse.  Da Stayaway Covid, poucos meses decorridos e muitos milhares de euros deitados fora, ninguém sabe o que é, já ninguém ouve falar.

Procurando trazer alguma humanidade à coisa, uma Ministra da Saúde de aspeto jovem e aparentemente cheia de boas intenções – e que agora, ao que parece, apenas sonha com o dia em que se irá embora - dirigia-se às câmaras com a timidez de uma colegial na sua primeira e mal preparada prova oral; e, até falando, por vezes, com as mãos atrás das costas*), dizia, já no início de Março e perante uma audiência ávida de soluções, que ainda era cedo para se perceber o que tinha acontecido… no Natal passado. Isto, quando todos - menos, pelos vistos, a dita Senhora - há muito sabíamos ter sido o facilitismo governativo que nos pôs a circular no Natal por esse País fora, o que o vírus muito agradeceu.

- x -

Eduardo Ferro Rodrigues
Certo é ser obrigação de quem governa pronunciar-se sobre tudo aquilo que sai da normalidade, já que o silêncio indevido deixa sempre a sensação de que se considera estar o anormal dentro da normalidade.

Mas, deixar a esta gente tão mal preparada o cuidado de comunicar o que deveria ser uma mensagem límpida e inequívoca, inspiradora daquela tão necessária dose de confiança nestes dias vitais, apenas lança a confusão e aumenta o descrédito de uma governação já de si trôpega, amadora, deixada à sua sorte por quem tem, claramente, lá pela Europa demasiadas coisas em que pensar, “a bem da Nação” desgovernada que por cá teve de deixar.

3. Do Desempenho do Segundo Mais Alto Magistrado da Nação

Se, como no Partido Socialista há quem pretenda, a Assembleia da República é o coração da democracia*), cumpre, para que se mantenha saudável, livrá-la das gorduras, do colesterol, o que se revela particularmente difícil quando é dirigida por um histórico militante socialista constantemente chamado à atenção – pelos vice-presidentes, pela secretária, e, até, pela dirigente da bancada do partido a que pertence – pelo seu patente desconhecimento, do Regimento, e pelas consequentes irregularidades na condução dos trabalhos do plenário, deixando a ideia de que muitas mais seriam se não fosse o diligente desempenho de quem o assessora em tão altas funções.

Talvez por tudo isto já poucos lhe liguem, no Parlamento, quando, esgotado o tempo, os manda calar...

Além do mais, essa importante figura do Estado arrasta-se, literalmente, nas cerimónias públicas em frente às câmaras de televisão e apresenta, no Parlamento, um ar permanentemente exaurido, por vezes bufando o ar num gesto de enfado que podem alguns confundir com boçalidade e falta de educação, o que não ajudaria no que se refere à eficácia da parlamentar comunicação.

Depois, diz coisas, profere apartes e desabafos que mais valeria guardar para si, como é o caso do último mimo que acabou por fazer com que ficasse apeado em Lisboa, tal como o Presidente da República*), tendo antes um infeliz ministro sido enviado a Sevilha para ficar associado ao desaire da nossa também enfadada Seleção.

Sendo a pessoa bem conhecida e tudo isto há muito sabido – além do facto de se estar a, digamos, marimbar para o segredo de justiça*) e com este, quem sabe, para outros pilares do funcionamento da democracia e do Estado -, não poderemos deixar de nos questionar sobre as verdadeiras razões na base da eleição do dito militante para um segundo mandato, depois de um primeiro que, com a qualidade do seguinte, dificilmente poderia ter permitido, sequer,sonhar.

- x -

Que qualquer um possa candidatar-se a Presidente da República, assim se correndo o risco de o mesmo qualquer um, ainda que iletrado, pouco educado e intelectualmente pouco dotado, vir a ser eleito, é um mal da Constituição para o qual já aqui chamei a atenção*).

Mas, sendo a segunda figura do Estado Português – teoricamente, pelo menos, já que, por vezes, chega a parecer que é um certo ostensivamente abastado e arrogante jogador de futebol -, o Presidente do Parlamento é eleito pelos seus pares, supostamente mais letrados, educados e dotados do que a generalidade de uma população para a qual saber dar uns toques na bola parece importar bem mais do que estar apto a dirigir eficazmente o principal órgão legislativo da Nação.


4. O Bombo da Festa

Escravatura em Odemira

Não param os partidos, a imprensa, toda a gente de bater no monolítico Ministro da Administração Interna, exemplo ímpar de fidelidade canina ao seu amigo Primeiro-Ministro.

Nada empático, de ar sempre zangado e façanhudo, um dos governantes mais essenciais à manutenção da ordem pública comunica pior que mal, movimenta-se atabalhoadamente e aos arranques como um robot; tem, globalmente, uma linguagem corporal que afasta, quase causa alergia e gera, seguramente, estupefação. 

Em situações para ele incómodas, responde de forma enviesada ou assobia para o lado, como perante os inaceitáveis excessos a que assistimos nas comemorações da vitória do Sporting na chamada Liga NOS; ou no caso do crime de ofensas corporais extremamente graves cometido por elementos afetos a órgãos sob sua administração e que levaram à morte de um cidadão estrangeiro, procurando, neste caso, como em outros, justificar o injustificável com chavões proferidos de punhos fechados e em tom mais adequado a um militante perorando num comício perante a multidão, do que a um alto quadro do Estado desculpando-se pelas suas imperfeições. Tempos depois, como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras o tinha deixado ficar mal, manda eliminá-lo, integrá-lo, o que a ato tão ditatorial quanto irracional quisermos chamar.

A completa falta de aparência da mais ténue humanidade no caso do atropelamento mortal de um funcionário da BRISA pela viatura oficial em que o Ministro seguia, e a contradição entre versão oficial do Ministério da Administração Interna (MAI) e a da Concessionária da autoestrada em que o sinistro ocorreu, não podem deixar de suscitar as maiores dúvidas quanto à eficácia política da obstinação do Primeiro-Ministro em manter em funções tal personagem*). A menos, naturalmente, que mais ninguém de confiança  aceite ocupar o difícil lugar, de má memória no que aos mais recentes titulares diz respeito*).

A viatura acidentada imobilizou-se a escassos metros da vítima, que ficou mesmo ali ao pé, e não houve um momento da mais elementar humanidade que impulsionasse o Ministro e sua companhia a precipitar-se para junto do sinistrado.

O homem não só nem saiu do carro para ver o que se tinha passado – e não será fácil imaginar qual teria sido a reação espontânea, em idênticas circunstâncias, do Presidente da República… -, como não se interessou, mais tarde, pela família da vítima. Até emitiu um comunicado sugerindo que seria do próprio trabalhador vitimado toda a responsabilidade pelo sucedido; e, mesmo quando convidado pelo Presidente a dizer alguma coisa que fosse, apenas respondeu, perante as câmaras da televisão, com um seco: “Não! Não!

A cereja no topo do bolo terá, porém, sido a afirmação da Guarda Nacional Republicana (GNR) quanto ao facto de ter sido impedida, por ordem superior, de efetuar, na viatura sinistrada, todas as diligências de prova que entendeu necessária*) . Ora, sabendo-se quem é o superior hierárquico máximo da Guarda – o MAI -, não será difícil adivinhar de onde terá vindo a ordem superior.

Que um político proeminente, atolado até aos ouvidos em suspeitas de nepotismo*) - e que, provavelmente por isso mesmo, tenha sido convidado a não se recandidatar a deputado – venha a terreno falar de imoralidade para defender o dito ministro*), não será, talvez, a melhor forma de lhe limpar a imagem, também…

Graça Freitas
Se se pretende educar uma população e elevar o nível da sua consciência ética e cívica, há que fazê-la governar por pessoas competentes e de reconhecidamente elevada qualidade humana: não, nunca, por tugas elementares que, nada tendo de excelente, devemos tratar por Excelência
apenas por serem amigos de alguém democraticamente eleito.

Num outro episódio mediático, as conclusões, porventura precipitadas, a que a generalidade da população parece ter chegado quanto à nomeação do cônjuge do dito Ministro para um alto cargo de controlo e supervisão também não ajuda a formar a tal imagem de isenção e idoneidade em que o exercício da soberania deverá, desejavelmente, assentar. Mas, enfim, dado que, por tanto terem as más-línguas falado de nepotismo, o cônjuge, outrora Ministra teve de abdicar do lugar, é considerado normal e saudável nesta nossa infeliz e manipulada democracia que, de alguma forma, o Partido o houvesse de compensar*).

O que mais espanta é que, em plena audição parlamentar, o dito cônjuge, questionado quanto a alguma entidade reguladora europeia ter como administrador “um familiar direto de um ministro” – não uma mulher” –, se tenha manifestado ofendido enquanto mulher e vítima de “tentativa de menorização” por “machismo e misoginia”, apenas tendo sido timidamente chamada a sua atenção para o desfasamento da resposta relativamente à pergunta formulada.

Trata-se de mais um episódio de exploração notoriamente abusiva da estafada lengalenga feminista para justificar o injustificável*), e para alguém se insurgir, como que por automatismo, contra um tema com que não tinha sido confrontado.

Como se o que transparece do desempenho do Ministro não bastasse, por si só, para lhe retirar toda a legitimidade substantiva para se manter no lugar, faltava, para piorar as coisas, esta nova vertente familiar.

5. As Contradições de Odemira

Igualmente danoso para a imagem da governação não deixa de ser o facto de o mesmo Ministro da Administração Interna se achar no direito de ordenar a forças de segurança que irrompam à bruta, com armas e canídeos, por uma propriedade privada a fim de dela o Estado tomar posse, numa desesperada, incompetente e autoritária tentativa de resolver uma situação de emergência sanitária nascida de outra situação, porventura bem mais grave, de aparente exploração de trabalho quase escravo de imigrantes amontoados em contentores apinhados de beliches arrendados a preço do ouro por pessoas indignas de ser chamadas empresários.

Também não terá ajudado o facto de uma ministra procurar justificar a anterior inércia governativa sobre este tema da quase escravatura com o facto de os empresários cumpridores não haverem denunciado às autoridades o que se passava noutras empresas, assim demonstrando a Ministra que, ao mais alto nível do Estado, ainda se confunde a atividade empresarial com a de informador, outrora essencial ao funcionamento da polícia política em tempos que até custa recordar. Isto, tratando-se de uma situação de exploração de humanos cuja existência era, patentemente, impossível o Governo ignorar.

Escravatura em Odemira

No rescaldo, não pode haver grandes dúvidas quanto ao facto de, com o seu estilo cáustico e ar façanhudo, o desajeitado e ensimesmado Ministro da Administração Interna se ter convencido – vá lá saber-se como ou porquê - de que os proprietários de segundas habitações de férias não hesitariam em disponibilizar as suas casas para acolher imigrantes confinados: é que um dos piores vícios da maior parte dos ditadores de pacotilha consiste em, à força de tanto pensar que todos devemos pensar como eles, acabarem por se convencer de que, efetivamente, assim pensamos. O que é um erro crasso, claro está.

A jovem Ministra da Presidência justificava, entretanto, a entrada de rompante de forças de segurança, às quatro da manhã, numa propriedade privada em Odemira, com alegadas dificuldades em assegurar adequada tradução aos trabalhadores migrantes; mas, mesmo às quatro da manhã e, supostamente, contando eles já com a tal tradução tão difícil de assegurar, os embasbacados realojados à força – alguns dos quais falavam inglês e poderiam, facilmente, servir de intérpretes junto dos outros - não faziam a mais pequena ideia do que se estava a passar.

Desconheciam, nomeadamente, a razão pela qual estavam os miseráveis tugúrios que habitavam a ser invadidos e eles de lá removidos contra vontade, como se se tratasse de coisas ou de animais.

Já para a GNR, o facto de haverem os trabalhadores sido desalojados a desoras deveu-se a não especificadas “razões de segurança”. Para o Presidente da Câmara Municipal de Odemira, terá sido, antes, por causa da necessidade de articular, com representantes da massa insolvente – que, mais do que provavelmente, dormiam a sono solto nessas horas impróprias -, tão precipitada e achaboucada intervenção.

Ah, como seria bom para a tranquilidade de todos nós que certas pessoas não contornassem tanto a verdade, e o Estado falasse todo a uma só voz!

Toda esta exploração humana se refere, ainda para mais, a uma zona onde a sempre atenta Secretária de Estado da Integração e das Migrações considera viver-se um notável exemplo de integração de migrantes que para cá vêm trabalhar*).

Assim sendo, quantas mais “desconhecidas” e exemplares Odemiras como esta por esse Portugal iremos, ainda, encontrar?

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A tarefa de qualquer Governo minimamente civilizado e cívico não se resume a cuidar dos interesses daqueles que pagam impostos: cabe-lhe, também - e principalmente - zelar por aqueles para quem, por nunca terem tido o direito de viver plenamente, o dia mais importante da vida é, porventura, o da morte, já que, da vida, pouco ou nada de bom terão para recordar.

Odemira foi, é, apenas mais uma etapa do processo de declínio e entropia de um Governo de um só homem, por este temporariamente deixado à sorte e por conta de cada um dos desarticulados elementos de uma heterogénea amálgama que não merece o nome de equipa, que só não é remodelada porque, se estes são maus, o Primeiro-Ministro bem sabe que outros que viessem de fora do seu círculo bem piores poderiam ser ainda.

Em equipa que ganha, não se mexe.

Mas esta não ganha, só (nos) empata, e bem mereceria uma boa mexida, para se manter na competição. Perdão, na suposta governação.

Inabilidades Avulsas na Comunicação
6. Inabilidades Avulsas na Comunicação

Noutro tempo e lugar, a Ministra da Justiça mostrou-se notoriamente incapaz de entender que, perante a opinião pública, se não é corrupto ou aldrabão, é incompetente quem aparece como procurando, em benefício de mais uma daquelas tão cobiçadas candidaturas europeias, encobrir erros curriculares básicos*) que alguns não deixarão de aproveitar para denegrir a imagem de todo um país, muito especial se esta nebulosa sobre a área da Justiça pairar.

Calar demasiado, fugindo, simultaneamente, à questão formulada e às mais elementares normas da cortesia, também não será o mais adequado a uma Ministra da Cultura que, questionada sobre a pressão social e económica sentida pelos profissionais do setor que tutela, se limitaria a sugerir que se reunissem para uma bebida ao fim da tarde*);  ou quando o apagado ministro da tutela e a exuberante deputada orientadora - ex-Ministra da Administração Interna nomeada pelo mesmo Partido  Socialista - ficam, meses a fio, mudos e quedos perante uma alegada semelhança de quarenta e seis por cento, por plágio, na dissertação de mestrado apresentada numa universidade privada portuguesa por um recém-empossado magistrado do Supremo Tribunal de um país irmão*).

Tampouco ajudará, entre tantos outros episódios, que uma jovem governante diga, em determinado dia, que sobre determinado assunto nem valerá a pena falar para, apenas dois dias decorridos, se não coibir de, discursando perante outros jovens do mesmo partido que ela, adiantar pormenores sobre o mesmo determinado assunto do qual, na antevéspera, nem queria ouvir falar, talvez ignorando que, como terá dito um presbítero português do século XVII, “consiste a virtude do silêncio não em cessar o ofício de falar, mas em calar e falar a seu tempo”; ou que a mesma jovem venha, agora, anunciar, com horas de antecedência e o ar hesitante e comprometido de quem sabe estar a fazer asneira e à espera de que não lhe ralhem muito, medidas de utilidade duvidosa e de formulação confusa tendo como alvo setores vitais para a economia nacional, designadamente a restauração e a hotelaria*).

Além do Primeiro-Ministro e, quando muito, do Ministro dos Negócios Estrangeiros, quem tem autoridade, entre toda esta gente, como nunca tanta foi?

Sem autoridade, não há soberania. É como se o Governo não existisse: alguém faz coisas, muitas delas disparatadas, mas a ninguém pode ser associada uma governação efetiva. E os ministros e secretários de estado são tantos, tantos...

As contradições entre mensagens no Governo e na Administração são já encaradas com naturalidade por uma população convenientemente anestesiada pela desconexa ação de quem, excetuando os quase sobrepostos faits divers do originados no Ministro da Administração Interna, parece limitar a sua ação visível à gestão de uma pandemia que parecia ter entrado em velocidade de cruzeiro, mas que as comemorações da vitória do Sporting Club de Portugal na Primeira Liga de Futebol, viabilizadas pela Câmara Municipal de Lisboa*), vieram, agora nas camadas mais jovens, fazer acelerar.

Na primeira Primavera da COVID, era ouvi-los elogiar, uma vez mais, o tal civismo do povo português que ainda bem pouca gente alguma vez terá tido o privilégio de, ao menos, vislumbrar. Vê-se, agora, o impacto negativo da comunicação hipócrita e inábil de quem os males estruturais da sociedade portuguesa teve, então, medo de salientar e de, contra os seus perigos, a restante população alertar.

Além da gestão da pandemia, nada mais parece interessar, atualmente, à política que não seja garantir que, desta vez, não se deixa de aproveitar até ao tutano os fundos europeus que aí estarão para chegar*), e até darão para fazer, daqui a cinco anos, uma festa de arromba para comemorar os cinquenta anos de uma democracia que ainda ninguém chegou a entender no que irá dar, enchendo, entretanto, os bolsos de um coordenador e de uma data de penduricalhos que, pelas benesses da romaria a que, provavelmente, uma escassa meia dúzia irá acorrer, nem se lembrarão de qualquer agradecimento expressar.

Perante o prolongado mutismo do Primeiro-Ministro sobre o assunto, a nomeação unilateral – sem consultar os outros partidos ou, até, o primeiro Presidente da República eleito em democracia - do principescamente remunerado comissário executivo das comemorações do quinquagésimo aniversário da revolução de 25 de Abril de 1974 chocou o País inteiro*). O País inteiro, menos o Partido Socialista, que parece julgar-se o dono das comemorações, tal como a Associação 25 de Abril se julgou dona do aniversário comemorado em 2021*).

Tiques ditatoriais de um Partido que se julga “o dono disto tudo”; e com alguma razão, já que os nada parecem entender, mesmo em casa própria, de política ou do ofício de governar.

O Primeiro Responsável pela Governação
7. O Primeiro Responsável pela Governação

A anarquia está em toda a parte, quando a responsabilidade não está em parte alguma*), e a verdade é que, nestes primeiros seis meses de 2021, enquanto o Primeiro-Ministro andou – e muito bem - a larear a Presidência Portuguesa por essa Europa fora, ficou o País à mercê de um punhado de desarticulados governantes, manifestamente incapazes de, sem o treinador, dar conta do recado.

Num tal cenário, não pode deixar de vir ao espírito o desnorte e o quase silêncio da Administração da Benfica SAD quando há poucos dias, abruptamente deixou se poder contar com os bons ofícios de um presidente com um estilo de governação também monolítico e centralizador.

Aparentemente, ninguém capaz havia para deixar a governar cá na terrinha, onde a irresponsabilidade reinava e os lobos iam tomando conta de um povoado guardado por gente com ar inseguro, como a Ministra da Presidência nas suas comunicações hesitantes, tíbias e desconexas, em que já ninguém entende quem entender se não faz.

É verdade que, no que à popularidade diz respeito, o sorriso, ainda que tenso e fechado, de um primeiro-ministro pode valer milhares de votos contra desiludidos, perdidos, estafados e sisudos oponentes; tal como para assegurar uma certa boa-vontade dos contribuintes pode servir, de vez em quando, o permanente sorriso de um Ministro das Finanças, por muito malquista que a sua atuação possa ser.

O que a maior parte dos políticos não entende, porém, é que o sorriso – mas um sorriso franco, aberto – e um discurso coerente e firme são componentes essenciais da comunicação.

Ora, o Primeiro Ministro já deu sinais de irascibilidade*) e, pelos vistos, aprecia, entre os seus amigos, o estilo, começando pelo eterno Ministro da Administração Interna que, teimosamente, o primeiro se obstina, não apenas em, contra tudo e contra todos, manter em funções, como até em elogiar na sua atuação.

Vale também, quanto a irascibilidade, a pena lembrar o Secretário de Estado Adjunto e da Energia que, referindo-se ao programa da RTP Sexta às Nove, disse, com todas as letras, que "estrume, só mesmo essa coisa asquerosa que quer ser considerada um programa de televisão"*).

Chegam as eleições autárquicas e, apesar de amigos, Primeiro-Ministro e Ministro da Administração Interna andam de candeias às avessas*), defendendo cada um deles o seu modelo de votação, enquanto o primeiro e o Ministro das Infraestruturas e da Habitação – como eles gostam de nomes compridos… - se envolvem numa sempre negada mas evidente peleja*), a que agora se junta, para ajudar à festa, a normalmente apagada chefe da bancada parlamentar do Partido Socialista.

A agir assim, não será de admirar que o cidadão comum acabe, progressivamente, por comparar quem o governa a egocêntricos indivíduos sem rei nem roque, sem rumo, incapazes de, primeiro, planear e, depois, resolver eficazmente os imprevistos, mais não lhes restando do que o recurso a tiques ditatoriais de quem parece sempre preferir entrar à força, através de requisições civis e outras medidas extremas. Falam o menos possível, como quem tem culpas no cartório ou não está inteiramente à vontade com a sua consciência – ou, mais simplesmente, não faz a mínima ideia de como atuar -, em lugar de convidar, não apenas à negociação, mas à própria colaboração de pessoas eventualmente habilitadas a encontrar formas alternativas de resolução.

Também em nada beneficia a credibilidade do Primeiro-Ministro o silêncio – ou o falar tardio - em questões sensíveis, como a da passagem de informações aos russos pela Câmara Municipal de Lisboa. “Não devemos juntar à demência do real a tolice de uma explicação*), mas há limites para aquilo que o CEO do País pode calar; e dentro desses limites não se inclui, seguramente, o silêncio quanto à detenção e às acusações que impendem sobre o recandidato à presidência da dita Nação Benfiquista a cuja comissão eleitoral de honra o dito CEO teve a imprudência de se associar*).

Danos reputacionais na Europa
Não pode, sobretudo, manter o silêncio sobre estes e outros casos, relativamente aos quais são, para Portugal, gravosos e evidentes os danos reputacionais na Europa por onde andou, durante seis longos meses, a deambular.

Depois, quando a falta de coordenação política permite que a autonomia ministerial vá longe demais, alguns ajustes têm de ser feitos, como a desautorização do Ministro da tutela no caso da nomeação do presidente do conselho de administração da TAP*), com todo o impacto mediático negativo que consigo acarretou.

Ora, voltando à mulher de César – o romano, não o açoriano -, a soberania, para ser efetiva, depende muito da aparência de qualidade e de consistência no seu exercício, que atitudes pouco ou nada edificantes por parte de quem tem obrigação maior de saber estar não contribuem para dignificar. Isto acontece especialmente quando lugares de topo de um ministério ou de uma câmara municipal forem ocupados por militantes diletos do Secretário-Geral do Partido que, esquecendo-se de que quem começa como figurante raramente chega a astro, nem tentam disfarçar as suas candidaturas a uma mais ou menos rápida sucessão de quem poderá ter-se esquecido de que, em política, é insensato dar força a alguém sem, ao mesmo tempo, nos prepararmos para mais tarde poder vencê-lo.

Será distanciamento, ou uma já muito expressiva debilidade política do Primeiro-Ministro no seio do próprio Partido Socialista? O recente incidente com a Concelhia do Porto dá que pensar*) tal como não pode deixar de fazer pensar a indigitação, para presidir ao novíssimo Banco de Fomento, de um putativo conselheiro financeiro de um certo empresário recentemente detido para interrogatório e de cuja comissão de honra, na recandidatura à presidência da Nação Benfiquista, o mesmo Primeiro-Ministro fez parte *). E, tanto tempo depois, ainda falam da mulher de César, coitada...  

- x -

O Governo tem lepra.

Está a cair aos bocados, com ministros a precisar de ser removidos*), e outros a querer ir, recatadamente, tratar das suas vidinhas*), em lugar de, independentemente do eventual mérito de um ou outro, estar a deixar desgastar a imagem pela incontrolável e justificada irrisão que o ridículo de que se reveste, em Portugal, o exercício da soberania, suscita em milhões de desgovernados que por aqui andam a penar.


8. O Estado da Nação

O défice de soberania que inquina uma qualquer estrutura governativa e parlamentar eivada de impreparados arrivistas - alguns dos quais pouco mais terão feito na vida do que arrastar-se pelo pantanal dos órgãos partidários e afins e, outros, lambuzar-se com as benesses e proventos proporcionados pelos mesmos – decorre da perda de legitimidade para governar e legislar por parte de quem, em lugar de refletir sobre as questões de fundo e planear estrategicamente grandes opções de acordo com uma linha coerente e bem definida, mais parece preocupar-se em cuidar de, sob o ponto de vista da popularidade fácil, maximizar o aproveitamento mediático de emergências com as quais, patentemente, está impreparado para lidar e satisfatoriamente resolver.

Recorre-se, assim, à velha tática de pintar o quadro mais tenebroso em que os governados sejam capazes de acreditar para, em seguida, aparecer como o obreiro de… coisa nenhuma.

Num tal quadro, o facto de, no topo da pirâmide, poder estar alguém que pareça carregar às costas um aeroporto móvel que ora vai ser construído aqui, como sem dúvida alguma ali, como desta vez é que é mesmo acolá e, quando enervado ou irritado, come metade das palavras que pensa, não agravará muito, talvez, o enorme dano causado pelos seus seguidores mediante uma comunicação institucional tão pobre como a que estas linhas procuraram caracterizar.

No mesmo cenário, não será de admirar que na população se instale a convicção crescente de que a democracia poderá não passar de uma excelente ideia com um péssimo resultado, pelo qual ninguém parece querer responsabilizar-se.

Défice de Soberania
Que pessoas habitarão um país em que, para algumas das mais altas funções do Estado, os partidos não conseguem arregimentar gente menos incompetente e mais adequada do que esta? Será que, afinal, o mal não é exclusivo do tal Partido de que já nem se consegue ouvir falar, e cujas pessoas e valores de antigamente apenas conseguimos, com nostalgia, recordar?

Não estamos em presença de um simples e pontual défice de autoridade, mas já de um inilidível défice de soberania, desde há meses agravado, e de que maneira, pelo défice de escrutínio democrático decorrente da redução drástica da quantidade de debates parlamentares, redução essa da responsabilidade, em conluio, do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, contra toda a restante oposição e perante um primeiro veto presidencial, cuja verdadeira mensagem nem houve o cuidado de respeitar*).

Portugal continua, assim, em imparável deriva para o paraíso de oportunistas e de incompetentes em que meia dúzia quer transformá-lo, como acontece em qualquer pseudodemocracia que, a tais abusos e desmandos, verdadeira e eficaz oposição não saiba concertar.

Já as sondagens – com cujos indicadores tantos se admiram – são bem fáceis de explicar: mal ou bem, lá vão estes socialistas formados à pressa levando o barco, ora a um porto, ora a outro, às apalpadelas, cedendo aqui, cedendo acolá, sem rumo definido, enquanto as tripulações alternativas que governar se propõem, além de claramente incapazes, nem têm, ao menos, quem as saiba comandar.

Em quem mais iriam os Portugueses, num tal cenário, votar?

- x -

Quando, algures, aos primeiros raios de Sol do último Sábado de Fevereiro e fazendo vista grossa ao dever geral de confinamento, mais de quarenta por cento dos habitantes saem de casa para, pelo paredão da praia, ir caminhar; quando, por parte de quem supostamente governa, é flagrante a pusilanimidade perante a oligarquia do futebol, a ponto de, com os novos casos de COVID a triplicar, termos ficado sem as romarias dos Santos e as inerentes receitas comerciais, por causa das imprudentes e ilegais comemorações de uma final estrangeira da Champions e da muito tuga vitória do Sporting na Liga NOS*), algo está a funcionar mesmo muito mal, quer ao nível da soberania, quer ao da indispensável e subjacente necessidade de comunicar.

Como escreveu um autor irlandês da atualidade, num trecho bem ilustrativo da comunicação política que por aí vai:

Vivemos numa cultura de advocacia extrema, de confronto, de julgamento e de veredicto.
A discussão cedeu lugar ao debate. Comunicar transformou-se numa competição de vontades. O discurso público tornou-se obnóxio e insincero. Porquê?
Talvez seja porque, no fundo, debaixo de todo este palavreado,
tenhamos chegado a um ponto em que sabemos que sabemos... nada.
Mas ninguém está disposto a dizê-lo
”.

Sic transit gloria mundi


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sábado, 1 de maio de 2021


Os Factos e os Seus Atos

"Para os dicionários consultados, ato tanto pode ser a ação como o seu resultado,
facto tanto pode ser o resultado da ação ou ela mesma, não havendo,por este andar,
de estar longe o dia em que será indiferente dizer qualquer coisa ou o seu contrário,
desde que – por artes mágicas, porventura – pareça que, mesmo assim, nos faremos entender"


   1. O Descrédito Crescente dos Dicionários
   2. Polissemia que Degenera em Confusão
   3. Confusão no Tribunal
   4. Notas Finais


1. Descrédito Crescente dos Dicionários

O que é um dicionário?

As pessoas da minha não muito ínclita geração, habituaram-se a venerar estes anafados volumes em papel como uma espécie de cardápio de todas as palavras que compõem um idioma - excluindo, naturalmente, as conjugadas e declinadas, bem como o mais pesado palavrão -, e a eles sempre recorriam ao deparar com um vocábulo novo e, para elas, desconhecido, ou quando uma dúvida emergia relativamente a determinado significado ou ortografia.

Dicionários – sempre em papel, já que o digital ainda não era, sequer, uma quimera -, havia diversos, uns mais conhecidos e tidos como fiáveis do que outros, mas todos credores do maior respeito e tidos por fiáveis e rigorosos.

Isto, era dantes.

No século XXI, o significado de dicionário parece ter-se alterado substancialmente, por vezes mais não parecendo agora muitos deles do que róis de palavras seguidas da indicação, não apenas de significados reais, como, muito além da há muito estabelecida polissemia, também daqueles que, quase a esmo, vão elas vendo ser-lhes arbitrariamente acrescentados a um ritmo que os formatos digitais tornam cada vez mais alucinante, assim bem evidenciando o crescente primado da quantidade sobre a qualidade, como se o melhor dicionário fosse aquele que atinge uma maior média na quantidade de significados propostos por palavra. Não tardará que alguém invente um critério objetivo, uma norma europeia, para os classificar como, talvez, uma MSPP, com isto significando média de significados possíveis por palavra, independentemente do rigor, da objetividade e da fiabilidade da enumeração.

O mais triste é que nada disto verdadeiramente espanta, se tivermos presentes as adaptações e concessões que simultânea e constantemente vão desvirtuando até as próprias regras gramaticais, hoje em dia eivadas de explicações no mínimo criativas - embora, muitas delas, de espantosa ilogicidade -, cada um palrando como muito bem lhe apetece, indiferente à teoria e à forma desde que, melhor ou pior, lhe pareça que se faz entender.


2. Polissemia que Degenera em Confusão

A título de exemplo, uma breve pesquisa nos dicionários em linha na Internet, mostra-nos, para a palavra facto e entre muitos outros, o significado de “coisa realizada, ato, feito”, ou de “ação, resultado acabado ou que está em vias de execução”, “ação de fazer alguma coisa; processo”.

Para ato, encontramos, por sua vez, “ação considerada na sua essência ou resultado.  [Por extensão] Feito, facto”, “Funcionamento da habilidade de atuar ou agir, ou referente àquilo que dessa ação resulta; (Por extensão) Ocorrência ou facto”.

Quer isto dizer que, para os dicionários consultados, ato tanto pode ser a ação como o seu resultado, e facto tanto pode ser o resultado da ação ou ela mesma, não havendo, por este andar, de estar longe o dia em que será indiferente dizer qualquer coisa ou o seu contrário, desde que – por artes mágicas, porventura – pareça que, mesmo assim, nos faremos entender.

Aplicando a esta fantasiosa cartilha a propriedade transitiva "se é verdade que, se A é igual a B e B é igual a C então A é igual a C", teremos que facto e ato são a mesmíssima coisa, o que cedo se apresentará como um rematado dislate a qualquer pessoa que se disponha a dispensar uma porção mínima dos seus neurónios a refletir sobre a matéria.

Já aos outros, que querem lá saber, que propalam a anomia linguística ou se limitam a, de forma mais ou menos subserviente, continuar a confiar cegamente no que dizem dicionários de pouco crédito - para os quais, não obstante, olham com os mesmos maravilhados olhos com que mirávamos os rechonchudos e valiosos dicionários em papel do meu tempo de escola - bastará neles lerem que “Tanto faz! uma coisa como outra para não hesitarem em, por sua vez, atirar para o ar ou para o papel a primeira que lhes vier à cabeça, ou a que lhes parecer mais bonita, ou mais rebuscada – para parecer bem –, ou seja qual for e por que for.

Note-se que não estamos, sequer, em presença de um caso de ambiguidade ou vagueza, uma vez que entre uma ação (ato) e o correspondente acontecimento (facto) não existe confusão possível: o segundo é, sempre, resultado do primeiro, ainda que este nasça de um ato da Natureza - ou como lhe quisermos chamar -, com isto se entendendo qualquer coisa desde um movimento tectónico até ao ataque por um lobo em busca da sua vianda diária, passando por tudo o resto que não decorra de um ato humano explícito, identificável e atribuível a um sujeito, sem prejuízo, naturalmente, da eventual responsabilidade de seres humanos em outras ações ou omissões identificadas como causas, ainda que indiretas, desses naturais acontecimentos.

Um incêndio é um facto, e não passa de um facto. Pode é dar-se que a causa direta desse facto tenha sido um ato, doloso (fogo posto) ou negligente (um fósforo em brasa atirado, impensadamente, ao ar), que o tenha determinado.

Um facto, ou é espontâneo, ou é gerado mediante a prática, por alguém, do ato que o origina.

Não se pratica uma cadeira: constrói-se uma cadeira, dá-se-lhe existência (facto) através da prática dos atos necessários à obtenção do resultado pretendido: serra-se a madeira, prega-se os pregos e por aí fora, todos eles atos visando a conssecução do resultado final idealizado: uma cadeira.

Para que ocorra o facto de a cadeira passar a existir, é necessária a prática de uma série de atos na sequência definida no procedimento técnico adotado pelo marceneiro. Da mesma forma, jamais uma pessoa poderá praticar um facto, apenas lhe sendo possível dar-lhe existência, torná-lo real, como resultado mediato ou imediato do ato ou dos atos que praticar.

- x -

Qual é, então, a função de um dicionário?

Elucidar quanto aos significados que o costume sedimentado e enriquecido pela obra de consagrados autores gradualmente foi associando a cada termo ou, obedientemente, aos primeiros ir aditando todas as semelhanças, por muito ténues, que o falador mais ignorante resolver começar a associar-lhe, por ignorância, arrogância ou parola gabarolice?

Não tarda irá aparecer por aí um autodenominado dicionário que nos dirá que, além da vintena de significados que já lhe atribuem, rasgar significa também arrasar, dar cabo de, como agora é uso dizer-se nas redes supostamente sociais.  Será, então, caso de rasgar mas é o dito dicionário – ou melhor, de o deletar, como alguns gostam de dizer, já que bytes ainda ninguém descobriu como rasgar.

Ao gosto pela elegância na escrita sucedeu o mau gosto pela agressividade. Por este andar, a falta de exigência, de um mínimo de rigor, levará a que, um destes dias, rasgar signifique também… oferecer uma flor.


3. Confusão no Tribunal

Do que antecede haverá, naturalmente, que ressalvar termos como escrita, em que substantivos homónimos significam quer o ato de escrever, quer o seu resultado; e até o correspondente adjetivo qualificativo, para complicar. No plano global, porém, a proliferação vocabular não apenas traz consigo inevitável prejuízo para o rigor e para a fiabilidade dos significados inscritos nestes gigantescos índices de palavras, como facilmente conduz a evidentes erros lógicos, por vezes com repercussões lamentáveis, nomeadamente em áreas particularmente sensíveis do conhecimento e, dentro destas, a profissões cuja dignidade imprescindível ao funcionamento do Estado nos levaria, com toda a legitimidade, a esperar que cuidassem os seus agentes de falar e escrever de forma estruturada, até elegante e, sobretudo, clara.

Um caso evidente é o da magistratura, com especial acuidade no que se refere ao rigor e clareza da redação das decisões judiciais e de outras peças jurídicas, elaboradas por técnicos dos quais, em prol da fiabilidade das decisões prolatadas, seria de esperar que, em todas as situações, soubessem demonstrar especial capacidade para interiorizar, com precisão e critério, os conceitos e as respetivas e evidentes diferenças, em lugar de ceder a este novo facilitismo lexical que se apresenta, não apenas absolutamente injustificado e inútil, como contraproducente, apenas servindo para descredibilizar o desempenho de quem a ele adere e para, nos espíritos menos esclarecidos, a dúvida e a confusão fomentar.

O léxico comum, mesmo corrompido pelo facilitismo e pela indiferença, distingue-se de forma inconfundível do léxico jurídico, por maioria de razão quando se trata de conceitos técnicos muito específicos e frequentemente nomeados.  Sobretudo, não pode esse léxico comum inquinar ou desvirtuar conceitos que a teoria jurídica consagra e, até há algum tempo, a prática cuidava de aplicar.

Voltando aos atos e aos factos, e salvo melhor opinião, facto jurídico é qualquer ocorrência suscetível de gerar ou extinguir um direito, podendo também servir para manter ou alterar um direito previamente existente.  Já por ato jurídico entende-se, não um acontecimento, mas uma ação humana que, se for censurável, poderá corresponder a um comportamento deliberado ou meramente culposo.

Para o Direito, um facto é, assim, o efeito da causa que, quando originada num ser humano, se designa por ato, legítimo ou não. Trata-se, pois, de duas realidades distintas, de duas definições inconfundíveis. 

Consequentemente, ninguém pode ser responsabilizado pela mera ocorrência de um facto, mas,  unicamente, pela eventual autoria de um ato que, direta ou indiretamente, o haja provocado: pratica-se atos, comete-se crimes ou contravenções, enquanto os factos ocorrem, espontâneos ou provocados.

Como admitir, então, que em peças jurídicas, designadamente em acórdãos de altos tribunais e, até, de tribunais superiores, tantas vezes se leia que o arguido “cometeu os factos”, “praticou os factos pelos quais vem acusado”? (Para ver que não exagero, experimente o Leitor procurar no Google estas expressões…)

Como entender e aceitar que, durante a leitura do resumo do despacho instrutório*) relativo ao mais mediático megaprocesso da democracia portuguesa tenha o juiz hesitado visivelmente ao referir os “factos cometidos” por um dos arguidos? Como acatar uma decisão vinda de quem não reflete sobre alguns conceitos fundamentais que a ela subjazem?

Como, enfim, admirar e respeitar o legislador de um Código Penal Português que dispõe, repetidamente, sobre a "prática do facto"?

Salvo o devido respeito, como poderemos, com as devidas confiança e deferência, submeter-nos um dia ao julgamento de um magistrado, por muito graduado e considerado que seja, que reiteradamente demonstre nem algo tão elementar como a diferença entre os conceitos de facto jurídico e ato jurídico haver interiorizado, referindo-se a um e a outro como da mesmíssima coisa se tratasse? Como poderemos, em tais circunstâncias, confiar que a decisão do Areópago*) é sábia, segura e, sobretudo, rigorosa, características que lhe são legitimamente exigidas por quem à sua justiça se submete?

Isto, para não falar das trocas e das omissões de preposições, com as quais já ninguém muito parece ralar-se, como há dias encontrei num aresto em “pugna que sejam dados como não provados os factos” e outras maravilhas da produção de pessoas para quem a gramática não passa, porventura, de uma ligeira contrariedade para quem não tem, com ela, tempo a perder.

No entanto, “uma boa frase é como uma boa anedota: dá brilho a quem a inventa e sobra ainda para quem a repete” *).

Falar e escrever corretamente é um exigente, constante e contínuo exercício de inteligência e de lógica, executado sobre um suporte teórico que desde os primeiros anos da instrução primária nos é transmitido; é uma permanente demonstração do cuidado dispensado às coisas sobre as quais temos de nos interessar – como o modo de nos exprimirmos, ainda que ao nível mais rudimentar -, bem como da maior ou menor competência para, em tempo real, decidir quanto à mais correta utilização da palavra, no escrupuloso respeito pelas regras gramaticais.

Ora, se mesmo na fala a responsabilidade é tamanha, dado o mais dilatado tempo disponível, muito maior na escrita ela é, por maioria de razão.

Como acontece com a generalidade das peças jurídicas, a decisão judicial apenas é credível – logo, respeitável - se arrimada na análise rigorosa dos atos e dos factos, bem como, naturalmente, do direito a que eles possam ser subsumidos. Esta fundamentação precisa e objetiva é essencial e incompatível com qualquer tipo de indiferença ou de facilitismo, designadamente o lexical, assim não se afigurando possível olhar como boa uma decisão baseada em conceitos que, na mente do julgador, são, patentemente, vagos e confusos: como poderá levar a cabo uma judiciosa análise da prova – dos factos e dos atos na respetiva origem - e decidir qual o Direito aplicável, alguém que até uma distinção tão elementar como a que existe entre facto e ato demonstra ser incapaz de entender?

- x -

4. Notas Finais

Não é verdade que Tanto Faz! 

A falta de rigor na expressão, particularmente na escrita, inquina fortemente a credibilidade de quem escreve, pondo em causa, muito especialmente no caso da magistratura, o âmago de uma função que é, simultaneamente, uma missão essencial ao assegurar do cumprimento de leis pensadas e elaboradas para a manutenção da ordem e da paz social, só nestas encontrando legitimação.

Podemos, até, ser os juízes mais sérios, mais sábios e tecnicamente mais sabedores que alguma vez prolataram uma decisão: ninguém alguma vez reconhecerá nos nossos escritos uma ciência que exprimimos com as palavras erradas; ainda que, quanto à substância, possamos ter, do nosso lado, a mais ampla razão.

Não basta saber:  é preciso saber dizer.

* *

Caso bem recente e nascido, ao que tudo parece indicar, da ânsia de, através de uma suposta mas falsa originalidade, aparentar sabedoria que se não tem, é o da substituição de resistência por resiliência.

Ora, tratando-se, como se trata, de conceitos bem distintos, a utilização à toa dos correspondentes vocábulos apenas conduzirá a uma enorme confusão.

sábado, 10 de abril de 2021


Sexo É do Género Masculino

"Aliás, numa época em que se fala de sexo como nunca antes se ouviu,
não parece fazer qualquer sentido evitar referi-lo neste contexto,
preferindo-lhe o tão ambíguo termo 
género na expressão que diz que os direitos
e deveres - de todos nós de ambos os sexos, meninas e meninos, devem ser iguais"


   1. Pressupostos
   2. Primeira Apropriação Lexical
   3. Lesados Diretos da Primeira Apropriação
   4. Colagem da Política (ou Segunda Apropriação)
   5. Resumindo…


1. Pressupostos

Não valeria a pena investigar se a investigação científica não conduzisse à descoberta de novas realidades e de conhecimento retificado ou acrescentado quanto àquelas que julgamos conhecer; tampouco se, convidando o registo dessa evolução à introdução, na linguagem falada e escrita, de novos conceitos, escolhêssemos não os adotar.

Nesta adoção de neologismos ou adição de significados a termos existentes sempre se haverá, porém, de assegurar que o léxico próprio de uma área do conhecimento não irá, por erro, incúria, indiferença ou outro vício do processo, afetar o rigor vocabular de outra área - ou de todas as outras.

Quando falamos ou escrevemos, importa sermos precisos e inequívocos na aplicação dos conceitos; importa saber não só o que queremos dizer, mas o que estamos, efetivamente, a dizer.  Há, pois, que usar da maior precaução, sempre que, em lugar de investir na formação de novas palavras, uma área do conhecimento optar pela apropriação de termos já utilizados por outras ou, mesmo, pela linguagem do quotidiano, muito especialmente se se tratar de palavras já de si inquinadas de vasta ambiguidade, seja ela inerente ao caráter genérico do conceito único que exprimem, seja à multiplicidade de significados que lhes possa ser atribuída.

Em tais condições, agravar a polissemia, acrescentando significados ou utilizações possíveis a termos deles sobrecarregados, mais longe não levará do que ao incremento da dúvida nociva e a uma crescente degradação da clareza, a ponto de nos arriscarmos a cair na situação ridícula de, ao tentar, fechada sobre si, enriquecer próprio o léxico, determinada área do conhecimento acabar por adotar vocábulos de significado já tão difuso que, além de nada de bom acabarem por acrescentar à clareza do discurso científico, inexoravelmente acabarão, antes, por fortemente a prejudicar.

Assim parece ter acontecido, no caso que aqui me traz, com a Política e com as Ciências Sociais.

 

2. Primeira Apropriação Lexical

Quando, num formulário, existe um campo “Sexo:”, ninguém espera que o preenchamos designando o órgão reprodutor com que nascemos, ou com que, mais tarde, tivermos escolhido ficar:  o que se espera é que, mediante feminino ou masculino, indiquemos qual o conjunto a que pertencemos atendendo às diversas variáveis primárias e secundárias que, sexualmente, nos caracterizam.

Mas, sexo, é uma coisa; outra, o comportamento sexual *). Quanto a este, não há extremos ou opostos, nada é preto ou branco, ou expresso em zeros e uns:  há que considerar infinitos tons de cinzento e números decimais nos quais cada um de nós se situa, pois, tal como não há gente cem por cento boa ou cem por cento má, também não há absolutos na caracterização da identidade sexual de cada um e, muito especialmente, do seu comportamento.

Assim, conscientes de que, ao nível do comportamento e a despeito do que é fisicamente aparente, as coisas são tudo menos simples, parecem as Ciências Sociais ter, num dado momento, sentido a necessidade de introduzir, no seu léxico específico e em benefício exclusivo do mesmo, um novo conceito destinado a caracterizar, já não os dois possíveis conjuntos de caraterísticas sexuais biológicas propriamente ditas, mas algo que poderemos, em síntese, definir como o que, inerente à sexualidade, se passa no plano dos sentimentos e das emoções do ser humano;  e também, a necessidade de incluir cada indivíduo numa classificação quanto à forma como, em virtude dessas emoções e desses sentimentos, se irá comportar.

De forma porventura ligeira e pouco refletida, ter-se-á, então, decidido acrescentar aos significados do termo género estas combinações de sentimentos, emoções e comportamentos de raiz sexual que visam, a jusante, o desenho de modelos sociais e culturais baseados nos múltiplos decimais e tons de cinzento que poderão assumir, designadamente na intensidade e na forma como cada pessoa se identifica com um ou outro padrão comummente associado a indivíduos de um ou do outro sexo biológico, intensidade e forma essas que, como um todo, por identidade de género *) as Ciências Sociais terão decidido designar.

Tal escolha aconteceu, porém, em claro detrimento do rigor dos léxicos da Biologia*) e da Linguística*), que, como veremos, não se terão as Ciências Sociais coibido de prejudicar.


3. Lesados Diretos da Primeira Apropriação

O prejuízo para o léxico da Biologia aconteceu porque há muito que o animal humano está, como qualquer outro ser vivo, sujeito à classificação biológica*), a qual pode, de forma simplificada, ser hierarquicamente enunciada como domínio, reino, filo, classe, ordem, família, género e espécie – que são, no caso dos humanos, respetivamente Eukariota, Animalia, Chordata, Mammalia, PrimateHominidae, Homo e Homo sapiens.

Só depois, na base da pirâmide, podem os indivíduos da maior parte das espécies ser, complementarmente, classificados de acordo com o sexo biológico que apresentam, feminino ou masculino.

Daqui se extrai, quanto ao ser humano, evidentes conclusões:

1.    de que a sua classificação biológica quanto ao género é única (Homo), e não dupla (feminino e masculino);

2.   de que a divisão em feminino ou masculino se refere, exclusivamente, ao sexo biológico, e é meramente complementar.

Existe, porém, outra área do conhecimento diretamente lesada pela apropriação feita pelas Ciências Sociais: a Linguística, para a qual Género *) é, inquestionavelmente, uma das variáveis utilizadas para classificar, não só os nomes, como as palavras declináveis que a eles se associam, classificação essa efetuada segundo critérios que, embora numa quantidade significativa de casos se encontrem intimamente ligados às aspetos sexuais biológicos dos seres que alguns substantivos designam, são, na sua maior parte, espontâneas, nascem dos usos, e não de qualquer caracterização biológica de propriedades das quais, amiúde, nenhuma, apresentam.

A palavra árvore, entre tantos outros exemplos, é do género feminino, apesar de haver árvores do sexo feminino, masculino e hermafroditas.  Tampouco se conhece sexo a armário, mesa ou cadeira; e, crianças, há-as dos dois.

4. Colagem da Política (ou Segunda Apropriação)

Embora, na linguagem do quotidiano, a confusão deste novo género social com o género biológico Homo seja muito improvável dada a raridade da referência a este, o mesmo se não pode sustentar quanto à confusão com o género das palavras, e isto desde os mais elementares níveis da escolaridade.

Muito mais séria, porém, resulta, inevitavelmente, a confusão crescente entre, por um lado, os géneros biológico e gramatical e, por outro, o género da igualdade de género *), que por sua vez, a Política tem vindo, ao que parece, a colar ao de identidade de género das Ciências Sociais.

Aqui, os objetos da defendida igualdade são as mulheres e os homens – e, naturalmente, os indivíduos de sexualidade mista, por assim dizer -, e a igualdade que se almeja é, ao que dizem, absoluta, embora se trate de uma pretensão cuja simples formulação bastará para que a consideremos um objetivo de validade e, sobretudo, exequibilidade duvidosas. Entre outras razões, que aqui não cabe desenvolver, desde logo porque, sendo os indivíduos dos sexos feminino e masculino dotados de características biologicamente diferentes, pretender dispensar-lhes igual tratamento, a todos os níveis de todas as vertentes da vida, seria permanentemente violentar uns e outros; ou seja, precisamente o contrário daquilo se diz defender.  Já muito diferente e premente é, naturalmente, a questão da igualdade de direitos e de deveres entre todos os indivíduos, independentemente da sexualidade - do sexo das pessoas, e não do género das palavras -, imperativo estruturante de qual sociedade dita civilizada e há muito plasmado na Constituição da República *).

Falta, evidentemente e em muitos casos, transpor para a prática tal desígnio.  Mas isso apenas poderá ser conseguido mediante a evolução das mentalidades, para cuja educação não parece necessária ou, minimamente, eficaz a prévia degeneração do significado de género em prol de algo – o sexo – que tem, desde tempos imemoriais, uma precisa e inequívoca correspondência vocabular.

Aliás, numa época em que se fala de sexo como nunca antes se ouviu, não parece fazer qualquer sentido evitar referi-lo neste contexto, preferindo-lhe o tão ambíguo termo género na expressão que diz que os direitos - e deveres - de todos nós de ambos os sexos, meninas e meninos, devem ser iguais.

Apenas conheço o género humano. Género feminino e género masculino não passam, para mim, de impropriedades vocabulares.

5. Resumindo…

Ø  Sexo é uma variável de classificação biológica dos seres vivos.

Ø  Género, aplicado a seres vivos, é uma unidade taxonómica que, no caso dos seres humanos, corresponde, unicamente, a Homo.

Ø  Para a gramática, sexo é do género masculino, e o género de um nome serve para, com este, outros termos declinar.

Ø  Em lugar de deitar achas na fogueira do facilitismo e da confusão generalizada, bem fariam as Ciências Sociais em investir algum tempo na procura, para identidade de género, de um novo conceito, de uma alternativa clara e sem efeitos colaterais.

Ø  Quanto à igualdade prosseguida pelos políticos, não necessita de neologismos:  sexo diz muito bem aquilo que querem significar.

Porque não é verdade que… “Tanto faz!.

- x - x -

A gramática de um idioma define-se pela estrutura lógica,
e não pela utilização mais ou menos própria que, aqui ou ali,
um ou outro escritor dela fará