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sábado, 26 de junho de 2021


Racismo: O Homem Cor de Rosa


"Tal como é condenável a rejeição liminar de um ser humano
por outro que dele difere num aspeto ou noutro,
também se não pode, a coberto de uma falsa ideia daquilo que é
ou deixa de ser politicamente correto, fechar os olhos a desmandos e ilicitudes
que a ninguém podem ser permitidos porque, muito simplesmente,
são contrários ao costume e, acima de tudo, à lei que a todos deve obrigar
"


     1. O Ideal Cor-de-Rosa
     2. Causas Remotas do Racismo em Portugal
     3. O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro
     4. Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé
     5. A Aberrante Linguagem Pseudo-Inclusiva
     6. Ambiguidade à Esquerda
     7. O Estafado Chavão das Quotas
     8. Não Há Negros Comunistas? Ou Só Faltam na Polícia?
     9. O Dever Universal de Respeitar o Próximo
   10. Conclusão


O Homem Cor de Rosa

1. O Ideal Cor-de-Rosa

Partilho do ideal da superioridade do branco.

O branco é alvo, puro, superior, calmo, tranquilo, positivo, alegre, desinfetado e dá até aquela ideia de muito limpinho que fica bem em qualquer lado; e é, por isso, a cor quase sempre escolhida para representar os mais puros sentimentos, as mais angélicas criaturas, os mais sofisticados ambientes e lugares.

O branco resulta da junção de todas as cores, reúne em si quanto de alegre, de puro e por aí fora existe na natureza: o branco é, todo ele, seriedade, honestidade, integridade, generosidade, amabilidade.  O homem branco não comete crimes, acode a quem precisa, não se porta mal, é educado, devendo ser por todos seguido, cuidado, acarinhado, protegido, até privilegiado, preferido, idolatrado.

Quando um dia encontrar um homem branco – entenda-se, de alma branca -, não me vou limitar a olhar para ele:  vou segui-lo, vou observá-lo, vou escutá-lo, vou procurar imitá-lo no que puder. Porque uma alma branca, pura é um exemplo para quantos, como todos nós, a têm de outra cor.

- x -

Acontece, porém, que, tal como ocorre com as almas, também na pele não há homens brancos - a não ser, porventura, um herói wagneriano, o palhaço rico ou um daqueles infelizes que ganham a vida a simular estátuas, contendo as comichões e retendo o fôlego a troco da pequena esmola atirada pelos basbaques do costume para uma esfarelada caixinha de cartão*).

Pela minha parte, tendo, no Verão, para o acastanhado e, no Inverno, para algo a puxar para o cor-de-rosa.  Mas não me importaria de ser até verde como os marcianos, porque, quando falamos da cor da pele, o ideal do homem branco é um perfeito disparate, como o é o do homem preto.  A cor da pele não é, nem faz sentido ser, um ideal.

O problema dos racismos, venham de onde vierem, não me parece estar na cor ou no tom da pele, antes residindo na convicção de alguns, mais centrados em si mesmos, de que os seres humanos se dividem, unicamente, em dois mundos: o mais restrito grupo dos que são como nós, e o dos outros, aqueles que não apreciamos, não valorizamos, nos incomodam, nos inquietam e nos desagradam. Não por qualquer razão específica - como o tom da pele, que até pode ser igual ao nosso -, mas, simplesmente, por não serem como gostaríamos que toda a gente fosse: igual a nós.

Lidamos muito mal com a diferença
A verdade é que, embora sejamos todos diferentes, lidamos muito mal com a diferença, a ponto de nos sentirmos ameaçados por ela. Admiramos e invejamos os que consideramos maiores do que nós, e desprezamos os que consideramos menores do que nós; e tememos os que consideramos ao mesmo nível que nós, mas são diferentes de nós e, se nos apanham distraídos, possivelmente irão subir a pulso por cima de nós.

A par do primário instinto de sobrevivência, mostra a experiência que o patético deslumbre pelo próprio umbigo – seja o seu barrigudo proprietário branco, amarelo, encarnado, preto ou às riscas cor de rosa e azuis - pode, com alguma facilidade, evoluir para patologias sociais com raiz na tendência quase generalizada para nos assustarmos com as diferenças que abalam a concha, a redoma a que é agora uso chamar-se zona de conforto.

Não conhecemos, não estamos habituados, não nos interessa, estamos muito bem assim, vão lá para as terras deles antes que isto acabe por dar para o torto porque com esta gente nunca se sabe” parece exprimir o egoísmo dominante, porventura justificado, em parte, pelo temor alimentado pela desenfreada proliferação de formas de conduta censuráveis nas populações de qualquer parte do Mundo.

Esquecemo-nos de que recear alguém ou a sua influência é sentirmo-nos inseguros perante esse alguém – logo, inferiores a ele -, o que à partida anula qualquer veleidade de supremacia de determinado grupo social ou étnico sobre outro ou outros, já que, quem teme algo ou alguém, nunca pode considerar-se-lhe superior; nem é.

Lembremo-nos, também, de que, não só não existem homens pretos ou brancos ou de qualquer outra cor absolutamente definida, como muitas vezes é, na prática, no que toca a negros e brancos quase impossível discernir onde acaba o castanho e começa o cor-de-rosa ; e vice-versa. A despeito da altura, do peso, da cor da pele e do mau feitio ou não tão mau assim, ninguém é o que quer que seja além da própria essência e dos acertos que a vida nela fez.

Penso, assim, que haveria, para uns e outros, uma certa vantagem em procurar esgravatar um pouco as profundezas das causas, das origens de tão tenebrosa problemática, de toda esta estupidez racista - cientes, embora, do eventual dano para a oportunidade única que a sua exploração política oferece a certos partidos que desesperam na demanda de causas que lhes permitam equilibrar-se numa cada vez mais periclitante balança eleitoral.

Causas Remotas do Racismo em Portugal

2. Causas Remotas do Racismo em Portugal

Racismo Não!” é boa ideia, está muito bem; mas, se for dirigido a seres inteligentes, há que explicar por que é que “Racismo Não!”, ou não passaremos do impasse, do preconceito rasteiro, da parvoíce do “ambos temos razão, porque tu dizes que sim e eu digo que não”: os pretos não gostarão dos brancos porque não, os brancos não gostarão dos pretos porque não, tal como um sportinguista não gosta do Benfica e um benfiquista não gosta do Sporting. "Porque não! *)"

Emoções à flor da pele, instintos, palermices. Onde leva isto? Não leva. São, apenas, manifestações tíbias de cérebros em permanente hibernação, que não levam a parte alguma, a não ser à mútua destruição.

No tempo em que os Up WithPeople *) cantavam What Color Is God’s Skin? *), um tuga cor de rosa olhava para um preto e associava-o, imediatamente a um dos mais indiferenciados trabalhadores da construção civil, dotados de menores ou de nenhumas habilitações ou literárias ou profissionais.

Esquecia-se, naturalmente, o mesmo homem cor de rosa de que era, precisamente, assim que o mais comum cidadão de qualquer país desenvolvido e recetor de imigrantes portugueses olhava para ele*), logo o associando aos mesmos baldes de massa e à picareta que ele, por sua vez, ao preto tinha por hábito associar – quando não ia ao ponto de lhos atirar à cara para o humilhar.

Esta eructação de impulsos primários e selváticos que a civilização, supostamente, serviria para anular ou, pelo menos, atenuar nos humanos, não passa, pois, de presunção e água benta, de um complexo de superioridade – ou será o contrário? - que tem muito mais a ver com diferenças económicas, sociais e culturais do que com um mais ou menos pigmentado tom de pele. Ou alguém se lembra de ouvir queixar-se de ser vítima de racismo um daqueles abastados cidadãos de origem africana que para cá vêm fazer grandes vidas e assoalhar a riqueza, fazendo os tugas pelintras babar-se de inveja, e os não tão pelintras bajulá-los na tentativa desesperada de captar-lhes os milhões que, em certos casos, por processos bem portugueses aprenderam a ganhar?

De África – porque o racismo em Portugal tem mais a ver com brancos europeus e pretos africanos -, parece existir a ideia distorcida de que só para cá vêm os muito pobres e ignorantes ou os muito ricos e poderosos, porque só de uns e de outros se fala: uns como matéria-prima de quem tudo faz para se salientar agitando freneticamente a bandeira do racismo, os outros também nem sempre pelas melhores razões.

Up With People
Bem sabemos, porém, que não é assim: residem hoje em Portugal milhares de pessoas que para cá migraram vindas dessas paragens ou que desses primeiros migrantes descendem, e vivem hoje integradas na sociedade e na cultura portuguesas sem que isso implique o esquecer e, muito menos, o renegar das origens que legitimamente cuidam de perpetuar e de divulgar na sua nova terra. Divulgar, mas em plena liberdade, entenda-se, sem impor, já que, tal como não posso ser obrigado a gostar de cachupa*) ou a ouvir com agrado música africana, ninguém é obrigado a gramar o meu Beethoven, ou a deliciar-se com umas sardinhas acabadinhas de assar; e a ninguém assiste o direito de, a pretexto do direito de impingir a sua cultura, uns ou outros incomodar.


3. O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro

Defendem, por aí, certos partidos políticos emergentes a alegada supremacia branca, invocando terem estudos supostamente científicos concluído que, em média, a população negra é dotada de um quociente intelectual inferior ao do homem cor de rosa – ou ariano, expressão porventura suscetível de mais lhes agradar.

Ora, nos anos já não tão recentes, em que tais estudos terão sido levados a cabo, bem assim poderia acontecer, atendendo a que, durante tempos esquecidos, a segunda população alarvemente explorou a primeira e dela abusou, negando-lhe, entre tantas outras coisas, o acesso à educação e à formação, logo, a meios essenciais ao adequado desenvolvimento das capacidades intelectuais latentes.

Não nos esqueçamos de que, tal como acontece com os músculos, o cérebro também só se desenvolve se for estimulado, se trabalhos exigentes lhe forem solicitados, o que não é, seguramente, compatível com a brutalidade da escravatura e, abolida esta, com a exploração do trabalho braçal mal remunerado e apartado de qualquer formação, específica ou não – do qual, atualmente e por razões alheias à cor da pele, podem queixar-se pretosbrancos e de qualquer outra cor, sem distinção.

A serem esses estudos efetivamente científicos, e a ser acertada e validada a respetiva conclusão, esse défice, em média, de capacidade intelectual nada teria, pois, a ver com a raça, com a cor da pele, mas sim com a vida miserável imposta a seres humanos por seres supostamente humanos que, em lugar de pedir desculpa, ainda daqueles o infortúnio vêm mofar.

O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro
Acontece, porém, que, mesmo nos já estereotipados e preconceituosos inícios do século XX, se escrevia que “a raça negra não é certamente das mais mal dotadas da humanidade. O negro tem, geralmente, uma imaginação viva, aprende depressa, é sangüíneo, sensual, não é mau no fundo, é muito impulsivo mas pouco perseverante. Assinala-se o seu gôsto do extravagante e o desordenado das suas ideias; aliás falta-lhe a energia necessária para tirar partido das suas capacidades intelectuais. Os negros não são selvagens: formam estados e têm até grandes cidades. As guerras crueis e o tráfico de escravos perturbam-lhes o estado social1.

Ademais, se é verdade que não foi entre a população negra que, mormente por falta de condições, primeiro singraram a investigação científica e o desenvolvimento industrial, não nos esqueçamos de que tal epifania também não terá acontecido, propriamente, em Portugal... o que não impede que, com o andar do tempo, cada vez mais migrantes africanos e portugueses europeus se tornem proeminentes na ciência, na técnica, na gestão bancária e em altos cargos políticos de projeção universal.

Como os tempos recentes parecem vir, insofismavelmente, demonstrando, a situação inicial de eventual maior capacidade – efetiva, prática, oportunista - da população cor de rosa, acaba, até, por se inverter em presença de negros em situações de igualdade de oportunidades e de circunstâncias, tornando legítimo acreditar que, com a explosão da Internet e com o acesso generalizado à informação que ela proporciona – lida por olhos pretos, castanhos, verdes, azuis e outros -, tudo tenderá a homogeneizar-se; e tenderá, também, a desaparecer a última motivação para a existência dessa coisa insana chamada racismo.

 

4. Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé

A própria necessidade de alguns passarem a vida a dizer que existe racismo sugere que ele cada vez menos é sentido, cada vez mais nos olhamos como iguais, e que, abstraindo da exploração mediática levada a cabo por certos partidos políticos e seus satélites, não é já tão intensa assim a implementação, na sociedade, do abominável estigma.

Existem, no entanto, obstáculos sérios à diluição e, desejavelmente, à erradicação da própria ideia de racismo, até chegar ao ponto de dele passarmos a falar como hoje nos referimos à tuberculose ou a outro mal extinto qualquer. Se, tão cedo, se não extinguir completamente, isso bem poderá ficar a dever-se à exaltação do racismo que acaba por acontecer como reação a excessos no ataque ao racismo, ao permanente radicalismo com que o tema é tratado por aqueles que se ensoberbecem ou politicamente sobrevivem à custa do combate que, de forma mais ou menos arrojada, dizem fazer-lhe.

Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé

Para começar: porquê esta mania de evitar dizer pretos ou negros, preferindo cidadãos de origem africana? Será que quem assim fala também vê filmes de “cowboys e cidadãos de origem americana”?

Eu, que sou cor de rosa, cara-pálida, não fico particularmente feliz quando dizem que sou branco ou, sequer, caucasiano, mas não me sinto por isso discriminado, perseguido. Importa a forma como trato os outros e eles me tratam. O resto, a forma como, sem má intenção, me chamam, não tem qualquer importância.

Dado que, com já disse, não há, entre os humanos, pretos nem brancos, nenhum dos termos tem correspondência na realidade, pelo que incomodarmo-nos com estes pormenores de linguagem não passa de tiros no pé, de atroz e primária patetice, fortemente favorável à causa de quem pretende, da essência do tema, desviar-nos a atenção.

Cidadãos de origem africana é, além de ridículo, fortemente inexato e discriminatório relativamente aos outros negros: não importa, então, o racismo dirigido, por exemplo, a negros timorenses ou jamaicanos? Ou estará, quem utiliza aquela expressão, a referir-se, também, aos brancos africanos? Que importa ser eu um cidadão de origem europeia ou de outro continente qualquer? E que importa chamarem-me brancocaucasiano ou cara-pálida, ou outros serem chamados pretosnegros ou de cor?

Ou vamos ter de adotar designações como a localidade Paço dos Cidadãos de Origem Africana *), a Rua do Poço dos Cidadãos de Origem Africana *)… a Loja do Gato de Origem Africana *)? Ou vamos a Sintra comprar queijadas à Casa do Cidadão de Origem Africana *)? Vamos ter de mudar o nome da nossa Avó Branquinha? Ou da Dona Branca *)? Deverá a personagem de Walt Disney passar a chamar-se Mancha de Origem Africana *)?

O que importa não é o vocábulo utilizado, mas a intenção com que um termo é escrito ou proferido: referirmo-nos a alguém como branco ou como preto ou como qualquer que seja a cor, é um inaceitável ato racista e discriminatório se o fizermos com acinte. Já falar, genericamente, de brancos ou de pretos, ou de um branco ou de um preto pode, em certos casos, não passar de uma incorreção verbal, concetual - e, se quisermos, social -, apenas nessa medida censurável, como tantas outras incorreções.

A expressão “bando de preto safado” não passa de uma demonstração abjeta de racismo primário e virulento; mas punir um desportista apenas porque chamou a um amigo “meu preto querido” é radical tontice*), perseguição intolerável que mais não faz do que desvalorizar a causa nobre do combate à discriminação.


A Aberrante e Contraproducente Linguagem Inclusiva
5. A Aberrante e Contraproducente Linguagem Inclusiva

A propósito, toda esta imbecilidade da aberração gramatical chamada linguagem inclusiva *) dos “amigues”, do ”cartão de cidadania” ou do “Cart@o de Cidad@o” – como já escrevi*)–, e dos “cidadãos de origem africana” não passa de uma invenção destinada a, de forma contraproducente, potenciar uma ação já de si tímida e ineficaz, que se resume a apelos aparentemente desesperados por parte desta nova geração de partidos mendicantes, que não perdem um pretexto para procurar confundir exigência vã com causa verdadeira, assim procurando captar a esmola de mais um precioso voto junto dos seus mais ou menos esgrouviados e aluados simpatizantes.

Nestas coisas, como em tantas outras e sem desvalorizar o rigor da expressão, o que conta é o conteúdo e a intenção com que é expresso, o que se diz, e não tanto a forma como se diz.

A simples ideia de inclusão é, aliás, aberrante e contraproducente, já que, pelo simples facto de existir, ela própria reconhece a existência de diferenças entre pessoas: não é necessário esforçarmo-nos por incluir o já faz parte por ser genuinamente igual. No caso do intolerável racismo, ao falar de cidadãos de origem africana, o que estamos, efetivamente – e impropriamente -, a dizer é: "pessoas que, como nasceram em África e têm a pele escura, não são como nós".

Será que, agora, além de preto dizer negro também é racismo? Que, em vez de chocolate preto ou negro, vou ter de passar a pedir chocolate de origem africanamesmo sabendo que o cacau que maioritariamente o compõe é originário da América do Sul*)?

Ou irão chamar-me racista se não gostar de chocolate negro? E, se não gostar de chocolate branco, também vão? Chocolate negro parece ser a alternativa dita inclusiva a chocolate preto. E a alternativa inclusiva a chocolate branco? Qual é? Chocolate alvoCor de rosa?

O que há de condenável em preto que não há em negro, quando, com qualquer dos termos, queremos significar precisamente a mesma coisa? Ou entre branco e alvo? Ou entre o cidadão de origem europeia e o cidadão de origem africana?


6. O Estafado Chavão das Quotas

Depois, se não se vê assim tantos negros na Polícia, isso deve-se, muito provavelmente, ao facto de, com toda a naturalidade e toda a legitimidade, uma menor quantidade deles se ter interessado por uma profissão que, pelos vistos, mais seduz os cor de rosa como eu, hipótese elementar que, de tão natural, apenas poderá ser afastada da mente do homem médio em presença de prova que demonstre que, às forças de segurança, concorreram muitos cidadãos de origem africana e que foram eles rejeitados sem válida razão.

Ou será que, para ficarem mais garridas as cores das bandeiras de certos movimentos e partidos, todos, independentemente da cor da pele, devemos interessar-nos igualmente por todas as profissões? Vamos começar a impor quotas também para obrigar igual quantidade de negros, amarelos, encarnados, brancos e verdes a dedicar-se a cada ocupação, a isso chamando combate ao racismo estrutural e institucional? Ensandeceram todos?

Combate ao Racismo Estrutural e Institucional
Se é abatido um branco ou um negro relativamente conhecido*), mas com reduzida notoriedade, será de estranhar ou de nos revoltarmos pelo simples facto de os meios de comunicação não haverem dado ao facto uma cobertura sensacional? A comunicação social vive, hoje em dia, da espetacularidade da notícia, que lhe assegura o ganha-pão, não lhe interessando fazer favores à causa deste ou daquele, nem a injustificada discriminação positiva exaltaria tal causa como quer que fosse - além do que é, manifestamente, abusivo conotar com racismo a expressão “volta para a tua terra”, também usual e frequente entre caucasianos autóctones que, com razão ou sem ela, se sentem incomodados por alguma atitude de caucasianos forasteirospor parte de tugas xenófobos dirigindo-se a brancos estrangeiros*).

Será, digam-me lá, com patetices destas que pretendem, junto de seres um bocadinho menos irracionais, romper a crosta da indiferença, acender a chama da adesão? O que importa é proibir a discriminação, e não, mediante a imposição de quotas, promover a incompetência e a desmotivação.

Fala esta boa gente, dos movimentos e dos partidos, de liberdade e de autodeterminação…

 

7. Ambiguidade à Esquerda

Não vejo qualquer mal em, num dia por ano, as camisolas dos jogadores de futebol intervenientes em desafios televisionados ostentarem, em lugar do nome de cada um, os dizeres “Racismo Não *); já a defesa cega e repetitiva ad nauseam de slogans associados a uma causa só a prejudica, como os partidos radicais e as associações vocacionadas*) bem deveriam saber.

Por outro lado, se seres humanos superiores existirem, serão certamente aqueles que se aproximam dos outros neles buscando afinidades intelectuais e espirituais, assim procurando enriquecer-se culturalmente, e não os que se furtam a, ao menos, encará-los só porque são diversos a capacidade económica, os dotes intelectuais, o substrato cultural, o local de residência, as vestes que envergam, o tom da epiderme, assim se envolvendo numa demonstração das mais básicas intolerância e estupidez, próprias dos espíritos pequeninos que por aí vemos embrulhados qualquer cor de pele.

Aliás, para lugares de responsabilidade, há por aí muito cor de rosa que, num processo de recrutamento e seleção, eu rejeitaria ao primeiro olhar, e muito cidadão de origem africana que contrataria sem hesitar; e, já agora, o inverso também é verdadeiro.

Ambiguidade à Esquerda
A diferença não reside na cor da pele, do cabelo ou dos olhos: está no espelho da alma que, seguindo dizem e toda a gente sabe, é o olhar; e tudo poderia ser bem mais fácil para certos políticos não inscritos, de ressabiados olhos esbugalhados de jactância e que para aí atiram parvoíces a esmo, se entendessem que o carisma do primeiro presidente negro do África do Sul*) não advinha do acinte da fala, do veneno da verve, mas da bondade do exemplo, da doçura do sorriso com que nos contemplava, da moderação e brandura pelas quais regia uma sua vida que lhe era imposta em condições miseráveis, enquanto, por seu turno, certos radicais e  supostamente aguerridos defensores das minorias, os que se escandalizam afirmando falsidades - como não se ver negros em forças policiais que, na verdade, com eles contam -, em nada contribuem para a serenidade que a nobreza de tão elevada causa requer.

Por falar neles: onde estavam esses defensores nas quase desertas manifestações promovidas, no Porto*) e em Lisboa*), no primeiro dia da Primavera de 2021?

Alguém lá fora se lembra de inventar o pomposo nome “Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial*) – até parece nome de ministério português*), disto, daquilo e mais daqueloutro, como se, quanto mais termos se encavalitasse no cargo mais competente o ministro fosse … -; outro alguém se lembra de que um Portugal em bicos de pés deveria ter também as suas manifs, pois então; e, entre as duas maiores cidades do País, nem cento e cinquenta pessoas foi possível arregimentar para os eternos chavões gritar e umas vuvuzelas fazer bramar!

Até as Manifs contra o confinamento pareceram, pelos números, bem mais importantes e concorridas do que estas*), já para não falar dos autocarros que, em plena crise sanitária, de todo o pais chegam para as iniciativas políticas do Partido Comunista e para as peregrinações a Fátima. Quanto ao racismo, porém, o interesse parece já tão escasso - leia-se “tão poucos os que se sentem, efetivamente, excluídos” -, que, porventura por não valer a pena, nem a extrema-direita aproveitou para lá ir perturbar a manifestação

Será assim?

Onde andava, então, aquele partido – perdão, movimento - supostamente muito à esquerda e pendurado nas minorias cujas bandeiras ainda são a única vela que os faz navegar? Será que as previsíveis escassas migalhas de protagonismo e a meia dúzia de letras ou segundos neste ou naquele jornal lhe não despertaram o apetite para a exibição? Não?

Pois não, uma vez que era mais do que previsível o fiasco, a deserção.


8. Não Há Negros Comunistas? Ou Só Faltam na Polícia?

Não Há Negros Comunistas?
Por falar em partidos…

Lembram-se daquele deputado negro do Partido Comunista Português?*) Não se lembram, pois não: foi só um, e há tanto tempo, já... O facto de o PCP não ter voltado a apresentar candidatos ditos de cor nas suas listas significará que o racismo já chegou à esquerda?  Ou será, antes, porque mais nenhum negro com apetência, ou vocação, ou ambição, ou queda para a política no Partido se inscreveu? Tal como na Polícia, talvez? Ou em qualquer outra organização?

Nem uma deputada negra nas hostes do Partido ou a falar na televisão... Vamos também, perguntar-nos por que não se vê, no PCP, mais cidadãos de origem africana? Vamos insinuar que o Partido Comunista é racista? Ou não?...

Claro que, em menor ou maior grau, há racismo latente, racismo manifesto, todas as variantes que queiram enumerar; e continuará enquanto forem tão desajeitados, radicais e exagerados os esforços para o debelar. Mas, perante manifs desertas, forçoso se torna concluir que, no Portugal dos nossos dias, o racismo é menos abrangente e a intensidade é, felizmente, já outra.

Tirando o racismo primário e parolo fundado no ódio irracional que só as bestas também irracionais valorizam, lá bem no fundo todos vão reconhecendo, mesmo que nem com todos se identifiquem uns com os outros nem todos mutuamente se admirem – nem, em liberdade, a tal são obrigados -, que, voltando aos Up With People, “everyone is the same in the Good Lord’s sight*).

O Dever Universal de Respeitar o Próximo

9. O Dever Universal de Respeitar o Próximo

Resta lembrar a, por vezes muito esquecida, condição essencial que jaz indelevelmente associada à aceitação espontânea e aberta por qualquer pessoa ou comunidade de pessoas de outras comunidades, sejam elas quais forem: o respeito.

Se, no que é essencial, estrutural, inexiste qualquer distinção com base no tom da pele, nos traços morfológicos ou noutra característica fisiológica, antes operando preponderantemente as diferenças culturais e civilizacionais, há, outrossim, que respeitar e acautelar a defesa dos valores da estabilidade, da segurança e da identidade que estruturam as sociedades que recebem e acolhem, sem prejuízo de quanto de saudável e enriquecedor na diferença houver.

Se é verdade que a solidariedade, a disponibilidade e a boa vontade para com o próximo devem sobrepor-se a qualquer objeção mais ou menos comezinha à plena aceitação de um ser humano por outro, o velho brocardo “em Roma, sê romano” deve estar sempre presente na mente dos que buscam acolhimento, já que manda a mais elementar cortesia que, não só quando visitamos alguém devemos observar as normas e os costumes dos nossos anfitriões, como se espera que nos abstenhamos, em qualquer circunstância, de a eles impor a nossa vontade, os nossos gostos, as nossas convicções, designadamente àqueles com quem um dia venhamos a coabitar, por maioria de razão.

Uma coisa é todos terem a liberdade de escolher, em função da adequabilidade às necessidades e objetivos de vida de cada um, o país para onde pretendem emigrar.  Outra, muito diferente, é escolher-se uma terra como alvo ideal para a disseminação e imposição indesejada dos costumes próprios do país de onde, por alguma razão, alguém se viu obrigado a emigrar – o que, em última análise, sempre será contraproducente, dado o risco de, dessa forma, se acabar por transformar a terra de adoção precisamente em algo muito parecido com aquela de onde se tiver tido de retirar.

No plano social, este dever de respeito opera, desde logo, na absolutamente legítima exigência do estrito cumprimento das normas jurídicas e da observação dos costumes locais, já que nenhum ser humano tem o direito de sujeitar qualquer outro, de diferente ou igual etnia, à imposição brutal de comportamentos por ele indesejados, ainda para mais escudados numa inaceitável discriminação positiva por parte dos tais partidos políticos ou grupos de pressão que cavalgam a suposta defesa de minorias por mais não terem no que se evidenciar – discriminação positiva essa que pode fácil e indesejavelmente ser conotada com a, em alguns latente, ideia de menoridade de uma ou outra população, ideia essa que, paradoxalmente, se pretende afastar.

Oligarquias marginais e não representativas
Afigura-se, por exemplo, inadmissível a existência, em plena catástrofe sanitária, de muito concorridos eventos de índole familiar que forças militares não têm como interromper*); de veículos de tração animal que, a passo de caracol, inesperadamente se nos deparam ao dobrar uma curva da estrada pondo em risco vidas de animais e de pessoas, designadamente as das crianças de tenra idade e dos adultos que,muitas vezes, a pé e ao lado, esses veículos vão a acompanhar*); de zonas de criminalidade comprovada e injustificadamente excessiva, promovida no interesse exclusivo de oligarquias marginais e não representativas das boas gentes de qualquer etnia; de bairros em que até as forças policiais pensam muitas vezes antes de entrar.

Não me causa especial alarme o racismo primário defendido por meia dúzia de ignorantes, indignos de qualquer crédito ou de que os ouçam, sequer. O que me preocupa é a generalização irracional do racismo decorrente de comportamentos lastimáveis e fortemente condenáveis por parte de uma outra meia dúzia de indivíduos de certas etnias que assim contaminam, junto de fatias consideráveis da população autóctone, a imagem de todo um grupo, ou de diversos, em idênticas circunstâncias.

Em certos casos - talvez não poucos -, a motivação dessa meia dúzia radica, já se sabe, na forma discriminatória como os olhamos e para com eles agimos, enquanto sociedade. Não obstante, o tratamento condenável por parte de meia dúzia de pessoas cor de rosa não justifica ou legitima a violência da reação, à qual, nesse caso, todos teriam direito, do que resultaria um caos maior ainda do que aquele a que assistimos em certos lugares e momentos não tão raros assim.

Quanto a mim, sou, decididamente, racista para com essa raça de indivíduos de todas as culturas, religiões e credos que, independentemente da cor mais ou menos rosa ou acastanhada da pele, indiferentes aos direitos daqueles por quem querem ser tratados como iguais, para com eles se comportam selvaticamente, deliberadamente agredindo, insultando, incomodando, escarnecendo, desprezando, como certos tugas hooliganizados com que nos cruzamos com indesejável regularidade - a maioria dos quais caucasiana.

 

10. Conclusão

Toda e qualquer postura ou atitude de agressão social é inaceitável. Se queremos, efetivamente, erradicar o racismo, cumpre, se necessário, rever a legislação vigente; e, com a maior urgência, nos casos por ela já contemplados, sensibilizar para a necessidade do seu estrito cumprimento toda a população, as autoridades e os poderes judiciários, bem como dotar de meios coercivos as forças policiais com atribuições e competências para a aplicar.

Entre tantos outros, os exemplos que referi - alguns deles comuns a indivíduos de variadas etnias - ilustram bem a impossibilidade prática de confundir, com impunidade laxista ou com anarquia a qualquer preço, o princípio geral de que qualquer cidadão de qualquer outra terra é livre de nos visitar e de, observados determinados requisitos, aqui se radicar: tal como é condenável a rejeição liminar de um ser humano por outro que dele difere num aspeto ou noutro, também se não pode, a coberto de uma falsa ideia daquilo que é ou deixa de ser politicamente correto, fechar os olhos a desmandos e ilicitudes que a ninguém podem ser permitidos porque, muito simplesmente, são contrários ao costume e, acima de tudo, à lei que a todos deve obrigar.

Princípio da Igualdade
A lei é legitimada pela mesmíssima Constituição que consagra esse princípio geral da igualdade que, ora com mais, ora com menos propriedade, anda nas bocas de todos e é essencial à efetivação da consagração teórica da diferença. Representa, pois, séria violação do mesmo princípio da igualdade acolher determinados preceitos constitucionais – os que proíbem a discriminação – enquanto se rejeita outros – os que obrigam ao cumprimento de todas as leis comuns – só porque não nos convêm ou porque, politicamente, fica melhor no retrato.

Num estado de Direito, qualquer cidadão, nativo ou oriundo de outra parte do Mundo, está vinculado ao primado da lei. Isto é algo que ninguém, em qualquer momento ou lugar poderá legitimamente esquecer ou ignorar, sob pena de estar, afinal, a praticar a discriminação que diz condenar.

Em ambos os sentidos, a cada um assiste o direito de se não sentir atraído por pessoas de outros grupos, bem como de não admirar determinadas características culturais ou comportamentos dos mesmos. Tal não confere, todavia, a uns o direito de maltratar e, muito menos, de procurar banir os respetivos representantes que aceitem e observem as leis e os costumes das sociedades que visitam ou os acolhem no seu seio; nem, a estes, o de agir como se, em lugar de convidados, fossem anfitriões, ainda para mais rudes, pouco educados, e felizes por assim se quererem conservar.

Tu deves porque eu quero’ é um absurdo; mas ‘tu deves porque eu devo’ é um objetivo legítimo e a base do Direito 2;  e, perante tais desmandos, tanto as maiorias, como as minorias, têm direito a indignar-se.

* *

Não obstante as convicções que cada um, enquanto indivíduo inserido num estado livre, possa ter, a obrigação de tratar bem o próximo, seja ele quem for, todos obriga; e, por maioria de razão, os que serem em forças de segurança.

Mas nem sempre assim acontece...

[não perca aqui a sequência deste artigo]


Chantepie de la Saussaie, Pierre Daniel – “Lehrbuch der Religiongeschichte” (Freiburg im Breslau, 1887–1889) – ”História das Religiões” – Editorial Inquérito – Lisboa, 1940 – pp.31

2 Seume, Johann Friedrich – "Prosaische und poetische Werke" - G. Hempel - 1899 - Vols 6-8 – pp.169 

sábado, 24 de abril de 2021


Não Basta Querer: É Preciso Saber!

"Inexistindo tal identidade  [de competências], a suposta igualdade de oportunidades
sempre resultará em claro e inconstitucional abuso de ilegitimamente invocados direitos,
já que não apenas implicará um efetivo logro das legítimas expetativas do eleitorado,
como privará do não menos legítimo direito a ocupar o cargo
aqueles entre os quais possam manifestar-se tais competências e aptidões"


   1. Qualquer Um é Candidato?
   2. Desiguais Competências Geram Ilusória Igualdade
   3. Requisitos Mínimos de Instrução
   4. Da Dignidade do Alto Cargo de Presidente da República Portuguesa
   5. Comparação com Outros Órgãos de Soberania
   6. Mofa Despudorada
   7. Limitação Abusiva
   8. Propostas


1. Qualquer Um É Candidato?

Uma breve mirada a certas candidaturas à eleição para Presidente da República Portuguesa, quase nos leva a crer que a importante questão da capacidade eleitoral passiva parece, cada vez mais, unicamente ligada à maior ou menor facilidade em recolher assinaturas de proponentes do que, como cumpriria, à aptidão para o exercício do alto cargo que cada candidato se propõe desempenhar.

Tal ideia fica, substancialmente, reforçada quando, questionado quanto à sua efetiva capacidade para o eficaz cumprimento do mandato, um candidato - admitamos que com desadequada ingenuidade - responde, sem hesitar, que isso da competência não tem qualquer importância, uma vez que nas altas funções sempre se faria assessorar.  Nem se apercebe, pelos vistos, tão lustrada pessoa de que, se o assessor é que é competente, deverá ser este, e não aquela, o candidato, nenhuma falta assim fazendo no alto magistério, à República, o autor de tão brilhante conclusão.

Talvez seja verdade que, como há algum tempo ouvi no cinema, “às vezes são as pessoas de quem nada se espera, que fazem as coisas que ninguém consegue imaginar”; mas não, certamente, pessoas tão impreparadas como quem tão corajosa e brilhante posição se não coíbe de sustentar.

A dignidade do cargo de Presidente da República exige que seja ocupado por alguém cuja superioridade de espírito seja inquestionável e cuja postura assegure a manutenção e, até, a elevação da dignidade do posto: não pode ser aviltada por candidaturas de qualquer comediante involuntário ou acidental, amador ou profissional, mas sem habilitações literárias mínimas ou, porventura, até com patente insuficiência intelectual;  tampouco por candidaturas de indivíduos sem qualquer convicção política além da permanente exaltação da própria imagem, seja por mera prosápia, seja com inconfessáveis fins de valorização económica da mesma; e isto é transversal a qualquer profissão, e desde cidadãos que mal aprenderam a ler até letrados e intelectualoides sem estrutura moral ou política, passando pela aspiração à Presidência por parte de espalhafatosos e deseinteressantes apresentadores de programas pimba na televisão*)histriónicos e principescamente pagos, que não hesitam em, como se de rascunhos se tratasse, desonrar, rasgar contratos que valem milhões. Isto, para não falar daqueles que, um pouco por todo o Mundo, sem qualquer mérito ou aptidão, acabam por ser eleitos apenas pelo alarido partidário, pelo marketing, pela falta de alternativa credível ou para operar em função de quem lá em casa lhes dá as instruções.

Tais candidaturas de pessoas manifestamente mal preparadas, seja do ponto de vista intelectual, seja do cultural ou do educacional, insultam o trabalho e o esforço de quantos – por vezes oriundos de meios bem desfavorecidos – durante toda uma vida se prepararam para uma ação política sustentável e consistente e se vêm, agora, igualados ou, mesmo, ultrapassados por desenfreados arrivistas, ansiosos pela exaltação do ego de um à custa da paciência e do património de todos.


2. Desiguais Competências Geram Ilusória Igualdade

A igualdade de oportunidades é um ativo inestimável da democracia quando aplicada a cidadãos identicamente competentes para o desempenho de uma mesma função e, sob todos os aspetos, identicamente aptos ao mesmo.  Todavia, inexistindo tal identidade, a suposta igualdade de oportunidades sempre resultará em claro e inconstitucional abuso de ilegitimamente invocados direitos, já que não apenas implicará um efetivo logro das legítimas expetativas do eleitorado, como privará do não menos legítimo direito a ocupar o cargo aqueles entre os quais possam manifestar-se tais competências e aptidões.

Quem ainda não tem trinta e cinco anos, espera uns anitos e há de vir a tê-los; quem não tem habilitações, estuda uns anitos e há de vir a tê-las - a menos que lhe falte, mesmo, aquilo que a qualquer um é necessário para as obter e cuja falta impossibilita, objetiva e inevitavelmente, num Estado de Direito a ascensão a tão alto e exigente cargo.

Assim, a peregrina ideia de pugnar pela eliminação do limite mínimo de idade de trinta e cinco anos para que um cidadão português possa candidatar-se à Presidência da República*) – passando a poder fazê-lo ao completar os dezoito anitos que o tiram do colo dos papás ou dos avós - só pode vir da cabeça de quem não faz a mais pequena ideia do que diz, numa clara demonstração de inadequabilidade do próprio para o desempenho do cargo;  ou por parte de quem, temendo que algum outro critério que lhe seja desfavorável ou impeditivo venha a ser introduzido na Lei Fundamental, se antecipe propondo a eliminação do único filtro de índole pessoal que, atualmente, nela diferencia o candidato a Presidente da República dos candidatos a outros cargos públicos.

O mesmo acontece, necessariamente, no que diz respeito à ideia de pretender que jovens integrem o Conselho de Estado*)  os jovens existem, não para dar conselhos, mas para os tomar, para a sua vida futura, de quem já há mais tempo por ela passa. Jovens no órgão consultivo do Presidente da República poderiam, é certo, trazer à política contributos criativos e ideias inovadoras, mas podem muito bem fazer isso mesmo nas juventudes partidárias*), que para isso mesmo existem: para divulgar as primícias dos que, quiçá, um dia nos hão de governar.

O Presidente necessita de conselhos, e não de ideias. Alguém que não saiba a diferença entre uns e outras, precisará, talvez, de a própria educação empenhadamente aprimorar.


3. Requisitos Mínimos de Instrução

Quem tantas e tão interessantes alterações propõe, mais não faz, como deve ser evidente, do que contribuir para a completa desvalorização do ideal de serviço público. Ninguém deve servir seja onde for porque, supostamente, de tal tem o direito ou a vontade - ou acha que sim e por que não? -, mas por entender que está entre os mais aptos a prestar esse serviço, a desempenhar essa função. Se um ou outro infeliz o não entende, a Constituição que lho diga, já que os eleitores devem ter, do Estado, uma razoável mas expressiva garantia de competência por parte de quem se candidata ao alto lugar, como, aliás, a qualquer lugar de qualquer organização, e ao de Presidente da República por maioria de razão.

Em democracia, “o povo é quem mais ordena*), sim; mas ordena no voto, e importa, sobremaneira que, sobretudo na eleição presidencial, esse voto incida, inevitavelmente, em pessoa que detenha as necessárias qualificações e aptidões - tanto quanto, objetivamente, seja possível apurar.

Ao fixar a idade mínima em trinta e cinco anos, a própria Constituição está a criar o precedente da exigência de qualificações diferenciadas, ao estabelecer que, antes de mais sob o ponto de vista da maturidade desejavelmente associável à idade, nem todos os indivíduos são igualmente competentes para a função. Ora, parece recomendar o mais elementar bom senso que, além do limite de idade,  se fixe balizas complementares suficientemente objetivas, como, por exemplo requerer, no mínimo o ensino secundário completo ou, até, o primeiro grau do ensino superior para que alguém possa candidatar-se à eleição.

O facto de alguém não ter podido estudar por deficiência económica – e de, mais tarde, mesmo tendo tido essa possibilidade, ter, porventura, decidido não a aproveitar – de modo nenhum afasta a conclusão pela incapacidade objetiva para o desempenho do cargo; e, não a afastando, torna fortemente abusiva a invocação do princípio da igualdade, seja com que fundamento for.

Ninguém merece ser Presidente da República só porque lhe dá na gana:  ou se está habilitado a exercer o cargo, ou não.

Pela minha parte, também gostaria de poder tratar doentes, mas, para tal não me tendo formado ou preparado, ninguém me deixaria - e muito bem! - pôr-lhes a mão.


4. Da Dignidade do Alto Cargo de Presidente da República Portuguesa

Questão não menos essencial é a da idoneidade, designadamente por parte de prospetivos candidatos apontados, por um magistrado como tendo vendido a própria personalidade ou mercadejado com um alto cargo anteriormente desempenhado - independentemente do rigor técnico-jurídico da decisão.

Sem prejuízo do princípio sagrado da presunção de inocência, há que dizer que, atenta a especificidade do cargo de Presidente da República, o eventual benefício em mandatar – ou deixar candidatar-se - pessoa eventualmente competente, mas sobre a qual impendam fundadas suspeitas de prática de crimes cometidos no exercício de funções públicas, seria largamente subjugado pelo provável dano irreparável que, ainda que por uma mera questão de imagem, a ascensão ao mais alto cargo da República não deixaria de causar a esta, assim comprometendo a proporcionalidade e o equilíbrio de forma evidente até ao mais desinformado dos cidadãos.

Que partidos políticos aparentemente mais atrativos para indivíduos com tal perfil ou intenções se ralem pouco com os danos que a atuação criminosa deles possa causar-lhes, não será de estranhar, mormente quando tais pessoas representem um capital de votos considerável; mas, no caso da República, há que introduzir na Constituição norma que limite a capacidade eleitoral passiva de anunciados ou esperados candidatos entretanto arguidos por suspeitas da prática de crime grave ou de crime cometido no exercício de funções públicas.

Considerar, sequer, a possibilidade de eleição de gente nestas condições, mais não será do que achincalhar o Estado que todos somos, apenas por se não haver travado a tempo uma catástrofe que, há muito, poderá estar a anunciar-se com crescente, porquanto encapotado, vigor.


5. Comparação com Outros Órgãos de Soberania

Pode, sem dúvida, argumentar-se que também para que alguém possa candidatar-se ou ser nomeado para outros cargos políticos deveriam ser exigidas idênticas qualificações.

Em boa verdade, não faz, de facto, grande sentido que no Parlamento – o local onde, por excelência, se fala, se parla – tantos deputados haja que, ou não falam, ou não sabem fazê-lo sem ler as palavras de quem lhes escreve aqueles paupérrimos, intermináveis e sensaborões aranzéis (havendo, até, muito quem nem numa comissão de inquérito seja incapaz de falar sem ler).  Não fará, também, sentido que para lá sejam eleitas pessoas que não conseguem assegurar à fala a indispensável entoação e fluidez, acabando por barbaramente torturar os seus pares e quantos pela televisão seguem os trabalhos, com balbucios quantas vezes impossíveis de descodificar.

Não obstante - e discursos à parte - no que se refere à responsabilidade, o deputado eleito não passa de um elemento de um coletivo que decide por maioria, assim ficando bastante diluídos e controlados os eventuais efeitos nefastos da eventual incompetência ou irresponsabilidade individual. O mesmo podendo dizer-se de um Primeiro Ministro, cuja atividade é influenciável e, de alguma forma, sindicável pelo Conselho de Ministros, para já não falar do exercício de algum controlo por outros órgãos de soberania.

Também no desempenho de funções autárquicas a questão da capacidade individual não é tão premente - exceto, porventura, no que se refere às maiores câmaras municipais -, uma vez que a quantidade de governados é bem menor, a autonomia mais restrita e supostamente mais controlada, além do que, no caso das mais pequenas juntas de freguesia, quase basta eleger quem consiga governar as coisas do clube lá da terra ou, até, a economia do lar.  Isto, mesmo não havendo muitos capazes de o fazer bem ou que, sendo-o, estejam interessados em fazê-lo ou estejam nas boas graças deste partido ou daquele – já que, ao que parece, as candidaturas espontâneas são cada vez mais malquistas neste nosso torrão natal. Isto, apesar de não deixar de ser preocupante que, em entrevista recente a um programa humorístico, um dos principais candidatos ter afirmado que "quero muito ser presidente da Câmara Municipal de Lisboa", o que permitirá, facilmente, questionarmo-nos quanto à ténue fronteira entre o espírito de missão e o querer, a ambição individual.

Caso bem diferente, e apesar da natureza semipresidencialista do regime, é o do Presidente da República, o único português que, simultaneamente, “garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas”.

Não nos esqueçamos de que a intensidade do risco tende a variar no sentido inverso da quantidade de decisores - apenas um, no caso que aqui nos ocupa - donde a enormidade do risco de um mandato conferido a um cidadão notoriamente inadequado, risco tremendo que a Constituição deveria, sensatamente, anular, para, evitar que mais tarde e como recentemente aconteceu lá mais a Oeste e na outra margem do Atlântico, ninguém tenha a mais pálida ideia de como a situação resolver.


6. Mofa Despudorada

Ficaria este texto incompleto sem uma breve referência àquelas pessoas que, sabendo de antemão que o respetivo processo de candidatura não preenche, nem de perto, nem de longe, os requisitos formais mínimos para que possa ser aprovado*), mesmo assim o entregam no Tribunal Constitucional, gravemente e em simultâneo insultando o alto cargo, o douto Tribunal e, de um modo geral, toda a população.

Se um qualquer palerma que recolha menos de uma dúzia assinaturas – das quais, ainda por cima, apenas metade delas válidas – puder, impunemente, propor-se desempenhar as funções de Presidente da República Portuguesa, teremos o cargo banalizado e a secretaria do Tribunal atulhada com a rápida e incontrolável proliferação de candidaturas sem qualquer sustentação política ou base social.  Isto, para não falar do belo maço de folhas agrafadas que, para cada um lá poder ter a carantonha impressa, acabaria por ter cada boletim eleitoral*).

Pegando a moda, podem estas candidaturas chegar, até, aos largos milhares, só porque alguém acha giro mostrar aos amigos ou aos netos que também é ou foi candidato; ou considera in ter o retrato impresso num boletim eleitoral; ou porque algum canal de televisão ávido de maior receita publicitária decidiu explorar, através da produção de mais um concurso popularucho, o filão de desafiar os telespetadores a ver quem consegue reunir mais assinaturas para se candidatar.

Não será tempo de travar a falta de vergonha de um ou outro despudorado narcisista entretido a gozar com a cara de cada um dos restantes portugueses?

Não confundamos a eleição presidencial com o campeonato da Primeira Liga, com a Taça de Portugal ou com um daqueles concursos em que os concorrentes, mais a família toda e mais a gente da terra vão mostrar-se na televisão.

Impõe-se haver mecanismos constitucionais e legais que cortem cerces as investidas de quem mais não pretende do que brincar com estas muito sérias coisas da eleição.


7. Limitação Abusiva

Se o eleitorado decidiu reconduzi-lo no cargo, em tais circunstâncias qualquer limitação de poderes, além de potencialmente contraproducente, nenhum sentido me parece fazer, pelo que entendo que o tema merecerá, pelo menos, aprofundada reflexão.


8. Propostas

Constitui obrigação do legislador e de todos os cidadãos preservar, dentro do que é objetivamente possível, a dignidade do mais alto magistrado de uma nação.

Assim, pelo que antecede e pelo que possa valer, aqui deixo as seguintes propostas de alteração à legislação:

 

Código Penal (artigo novo)

1.    Todo aquele que apresentar, às instâncias competentes, processo de candidatura ao cargo de Presidente da República contendo uma quantidade de assinaturas inferior em, pelo menos, vinte e cinco por cento ao mínimo exigido por lei é punido com pena de prisão de um a oito anos.

2.    Na mesma pena incorrerá quem se candidatar ao mesmo cargo com recurso a assinaturas inválidas ou não autenticáveis em quantidade superior a vinte e cinco por cento do total constante do processo no momento da apresentação.

3.    À pena de prisão acresce a de multa igual a um por cento do salário mínimo nacional por cada assinatura em falta ou irregular fora do limite mínimo estabelecido nos números anteriores, não podendo a pena de multa ser suspensa na sua execução.

 

Constituição da República Portuguesa

Artigo 122º - São elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos e detentores de habilitação académica mínima igual ou equivalente ao primeiro grau do ensino superior e que, na data da apresentação da candidatura, se não encontrem na situação de arguido por suspeitas da prática de crimes puníveis com pena de prisão superior a três anos ou de crimes cometidos no exercício de funções públicas.

Artigo 172º, n.º 4 (novo) - O disposto no número 1. não se aplica ao Presidente da República reeleito, a partir do dia seguinte ao da publicação dos resultados eleitorais.

 

A exigência de habilitações no proposto artigo 122º, destina-se, além do que já foi dito, a evitar que acabem certos candidatos por ter de, um dia, ao amigo dom Beltrão e ao aio Afonso Mendes*), abrir o coração em desolada admissão, por haverem causado dano irreparável à generalidade da população.

Entram-se todos e se acaba a farsa.

sábado, 17 de abril de 2021


As Portuguesas e os Portugueses

"A gramática destina-se a fazer com que cada um entenda o que o outro está a querer dizer-lhe;
e o que diz a linguagem pseudo-inclusiva - mas, na verdade, divisionista - é que
existem dois tipos bem distintos de seres humanos, e não um único e indiviso,
ao qual uma regra manda referir, no plural, como  portugueses,
como a consulta da mais elementar gramática rapidamente esclarecerá"


   1. Perdeu-se a Noção do Ridículo
   2. Partidos Mendicantes Apoiam a Violação das Normas Constitucionais por Desnorteados Radicais
   3. A Gramática como Instrumento de Manipulação Política


1. Perdeu-se a Noção do Ridículo

...ou, para observar a regra da cortesia, “os portugueses e as portuguesas”, se for uma senhora a falar.

Quem se dedica à causa das animaizinhas e dos animaizinhos, não deverá, também, esquecer-se de dizer “as gatas e os gatos”, “as cadelas e os cães” e por aí fora, não vão as fêmeas dessas espécies achar que nos esquecemos delas; ou as donas e os donos das ditas fêmeas assim pensar;  e quando temos um aquário cheio de peixas e de peixes… o corretor ortográfico queixa-se com um impiedoso sublinhado encarnado.

Como, decididamente, nada disto vem de uma generalizada ignorância da gramática – designadamente por parte da Exmª Linguista que coordena um dos partidos que mais insistem nesta coisa -, todas estas alusões específicas aos elementos femininos não passam, desde a primeira que escrevi, de uma redundância patetoide e deliberada, apenas explicável como tentativa de manipulação comunicacional dos ânimos com o fim exclusivo e popularucho de angariar, quando muito, mais um punhado de votos junto de ingénuas apaixonadas e de ingénuos apaixonados por causas que não chegam a sê-lo, ou de almas hipersensíveis ao politicamente correto a ponto de se embevecerem com coisas destas.

A linguagem neutra em português não é arrimada na gramática, que sustenta, como bem se sabe, que o plural de um conjunto – ainda que parcialmente enumerado – se forma no masculino sempre que, pelo menos, um elemento deste género o integre.  Isto não é discriminação, não é sexismo, não é política: é gramática pura e dura*); e não é a política, mas a gramática, que deve determinar a nossa forma de escrever e de falar.

Não deixa, outrossim, de ser disparatado que esta forma rebuscada e bacoca de gastar mais tinta com descabidas redundâncias provenha, se a memória me não trai, da metade esquerda da bancada parlamentar, na qual tem assento, entre outros, o partido que teve, como destacado militante, o iluminado ser que promoveu e fez aprovar a patetice ortográfica vigente*), cuja única virtualidade parece ser, paradoxalmente, a de economizar uns quantos caracteres de tinta – boa parte dos quais indispensável à boa leitura e à compreensão do que se lê - que, aqui e ali, por artificiosa síncope, se foi tratando de amputar, diligência essa que a manipulada e estafada verborreia feminista de agora, obrigando-nos a gastar mais tinta, vem contrariar.

Como sou exagerado, dei comigo a pensar por que razão não teria o Hino Nacional*)sido, ainda, alterado em consonância com a nova moda: “Heroínas e heróis do mar” e por aí fora, assim irremediavelmente arruinando a métrica - e obrigando, mesmo, a escolher outra música, já que o Autor*) da atual não está entre nós para a poder alterar.  Heroínas e heróis”, “as tuas egrégias avós e os teus egrégios avôs”, quando fosse cantado por elementos masculinos; o inverso quando fosse cantado por elementos femininos e, num coro… a confusão generalizada. 

Lá acabei por concluir que a ideia era parva, quanto mais não fosse porque as egrégias avós não andavam embarcadas em cascas de noz*), privilégio esse então reservado às também egrégias – e heróicas - caras metades.

Convenhamos que, além de gramaticalmente incorreto, “portuguesas e portugueses” se apresenta excessivo na leitura.  No entanto, na linguagem falada de umas quantas políticas e de uns quantos políticos que não se importem de alardear chã ignorância a troco de um poucochinho de popularidade acrescida junto de setores mais permeáveis ao discurso demagógico…  por que não?  Até se faz, por aí, figuras bem piores, como aquela pirosice do Cartão de Cidadania*).  Ou deveria ser Cartona de Cidadã e Cartão de Cidadão?  Ou talvez a solução esteja na gíria das redes sociais*):  Cart@o de Cidad@o?  Sim, o @ não admite – ainda – o til.  É pena…

Já agora: como se lê est@ cois@?

Vendo bem, “Portuguesas e portugueses” poderá não ser, gramaticalmente, um pecado capital.  Mas onde, em qualquer ortografia do Mundo – mesmo naquela idiotice do acordo ortográfico – encontramos portugues@s, a não ser na linguagem abstrusa daquela cena das redes sociais?  Que tal, então, a ideia também abstrusa de substituir Direitos do Homem por Direitos Humanos?  O que muda, neste caso, se a raiz homo da nova palavra é a mesma da anterior?  Talvez Direitos Mulieranos e Humanos, então?

Se anthropos, em grego, significa homem, que nome irão dar, a partir de agora, à antropologia?

Mas anda tudo doido, afinal?

A propósito: já alguém ouviu um desses defensores desta desgraçada coisa dirigir-se-nos de viva vós dizendo "Cares Portugueses"? Ou espera-se que o ridículo seja só para nós?


2. Partidos Mendicantes Apoiam a Violação das Normas Constitucionais por Desnorteados Radicais

À míngua de resultados eleitorais dignos desse nome por parte da amálgama de movimentos radicais de esquerda, talvez toda esta antigramatical trapalhada acabe por captar mais uma meia dúzia de votos junto de quem mobiliza boa parte dos neurónios que lhe restam a magicar o que irá tirar da despensa para, ao magro salário, poder surripiar aqueles preciosos dez por cento indispensavelmente destinados à rotina quinzenal de nail art*)- em inglês, para sermos chic como gostam.

O problema com as radicais e com os radicais é serem obrigadas e obrigados a defender até ao fim determinada construção intelectual erigida em torno de um certo ideal ao qual sacrificaram toda a sua energia e, por vezes, toda a vida.  Não podem ceder um milímetro que seja, pois, fazer perigar essa construção, questionar esse ideal, seria, para elas e para eles, o mesmo que questionar a utilidade da sua própria existência; e há quem pense que não há maiores radicais do que as idealistas e os idealistas, principalmente as e os que defendem as minorias contra as maiorias.

Ocorre, porém, que as mulheres não são uma minoria*).  Bem pelo contrário:  são, em Portugal, uma – embora ligeira – maioria; e acontece, também, que os indivíduos de um sexo dizerem mal dos do outro é prática habitual desde tempos imemoriais, por mera picardia e sem que algum prejuízo sério seja conhecido como decorrente dessa prática.  Ademais, sendo este maldizer próprio, quer das mulheres, quer dos homens, ao não se intrometer está o Estado Português simplesmente a dar cumprimento à alínea h) do artigo 9º da Constituição*), que o obriga a “promover a igualdade entre homens e mulheres”.

Entre parênteses, direi que, como tantas outras, esta disposição constitucional corre sério risco de ser considerada, em si mesma, discriminatória, uma vez que refere primeiro os homens e só depois as mulheres.  Haverá, assim, que rever e substituir este discriminatório preceito machista por “promover a igualdade entre @s portugues@s de ambos os sexos” - fazemos figura de parvos em tantas coisas que, mais uma, menos uma, a ninguém fará grande impressão.

Fechando os parênteses, e com o devido respeito, aquilo que diz a Constituição japonesa interessa-me tão pouco como o que diz a Constituição portuguesa poderá interessar ao japonês médio.  Mas já me interessa, e muito, que algumas portuguesas e alguns portugueses achem muito bem que, semanas atrás, o Presidente do Comité Olímpico Japonês tenha sido forçado a demitir-se*), nada mais, nada menos, do que por ter dito mal das mulheres – por, na sua opinião, tenderem a retardar o andamento dos trabalhos ao falar bastante mais do que os colegas homens, nas reuniões.

Por alguma razão que desconheço, é verdade que a Constituição da República Portuguesa não reconhece, expressamente, a liberdade de expressão individual, a qual parece ser prerrogativa exclusiva da comunicação. Não obstante, o seu artigo 16º é bem claro ao dispor que “os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional”, e que “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem*).

Por força do mesmo artigo 16º é, assim, aplicável o que diz o artigo 19º da Declaração Universal: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.

O n.º 2 do artigo 13º da Constituição portuguesa impõe que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão (…) do sexo (…)”.  Conjugado com quanto antecede, quer isto dizer que nem as mulheres podem ser impedidas de dizer mal dos homens, nem os homens podem ser impedidos de dizer mal das mulheres.

Pretender que não se pode opinar livremente acerca das mulheres é desmerecer a nobre motivação e a corajosa atuação dos movimentos feministas*), nascidos para promover a igualdade de direitos entre os sexos e para pôr cobro aos maus-tratos de que eram vítimas as mulheres; não, decididamente, para fomentar a coscuvilhice e o diz que disse, e muito menos para coartar o direito de expressão dos masculinos.

O Mundo foi criado por um homem ou por uma mulher?  Criador masculino ou Criadora feminina?  Embora, com esta parvoíce linguística supostamente feminista, passem o tempo a discutir o sexo dos anjos, uma tal sandice parece que ainda ninguém se lembrou de suscitar…


3. A Gramática como Instrumento de Manipulação Política

A gramática destina-se a fazer com que cada um entenda o que o outro está a querer dizer-lhe; e o que diz a linguagem pseudo-inclusiva - mas, na verdade, divisionista*)- é que existem dois tipos bem distintos de seres humanos, e não um único e indiviso, ao qual uma regra manda referir, no plural, como  portugueses, como a consulta da mais elementar gramática rapidamente esclarecerá.

Os excessos só levam a afastar cada vez mais as pessoas umas das outras: a que olhem umas para as outras como um incómodo, ou como alguém de menor capacidade que se tem de, como se de crianças se tratasse, olhar com carinho e proteger. A vitimização desrazoável e descabida equivale a um autêntico atestado de menoridade passado, paradoxalmente, por quem pugna por se libertar – ou, mais propriamente, por se evidenciar – com a preciosa ajuda das revistas que, para fomentar a igualdade e o equilíbrio, publicam artigos sob o título “As 100 Mulheres Mais Poderosas do País*).

Mas não tem, mesmo, esta gente coisas mais interessantes com que se entreter, coisas verdadeiramente importantes a tratar?  Têm, mesmo, de perder tempo a assassinar a sangue-frio a língua que falamos, numa terra onde tanto se fala e, havendo tanto para fazer, tão pouco se faz?

Só não discriminando garantimos que os outros se não sintam discriminados: não, mediante a utilização de uma assim chamada linguagem inclusiva,  cujo primeiro e imediato efeito é, paradoxal e inevitavelmente, nada mais, nada menos do que lembrar constantemente ao discriminado que, efetivamente o é, que contra ele existe discriminação.  Não passa, assim, de tremendo e oportunista disparate, esta linguagem inclusiva, esta politiquice primária, parola e... contraproducente.

Agora, muito à séria (que horror!) e muito a sério…

Escreveu um filósofo suíço do século XVIII que “no que têm de comum, ambos os sexos são iguais; no que têm de diferente, não são comparáveis*).

Ora, além de ser manifesto erro tratar como igual o que é tão diferente como as Portuguesas e os Portugueses, perante tão flagrante ausência de argumentação válida querer mudar, através da forma de nos exprimirmos - a assim chamada linguagem inclusiva -, o que vai nas cabeças das eleitoras e dos eleitores afigura-se caminho bem pobre, muito redutor, de duvidosa eficácia, quase subversivo, até;  sobretudo na cabeça das eleitoras prospetivas e dos eleitores prospetivos, assim se deseducando a juventude na direção pretendida por umas quantas e por uns quantos… poucas e poucos, esperemos.

Nada disto passa, evidentemente, de uma forma sinuosa mas despudorada de manipulação dos espíritos, mediante a inversão da tendência natural e saudável para ser a língua a acompanhar, a par e passo, a evolução da cultura e das mentes, como quase sempre aconteceu e penso que, no respeito pelos princípios e pelas regras gramaticais, deveria continuar a acontecer.

Ou será que, perante a generalizada resistência à mudança, não passará toda esta fantochada do canto do cisne, do grito de desespero de quem cada vez encontra menos eco para a sua deriva para os temas fraturantes, num derradeiro e patético atirar de poeira aos olhos das menos esclarecidas e dos menos esclarecidos, das menos sensatas e dos menos sensatos, impondo-lhes expressões inventadas à revelia da gramática e que, com a realidade, pouca ou nenhuma correspondência acabam por ter?

Mudar o Mundo é difícil, mas mais difícil ainda sempre será tirar a derradeira tábua de salvação da mão de um político prestes a afundar-se.  Ou de uma política.

Convém, não entanto, que as políticas desesperadas e os políticos desesperados não esqueçam aquilo que, apesar de tudo, boa parte dos seres humanos ainda sabe: que uma mulher que se comporta como um homem tem, para um homem, tanto interesse quanto para uma mulher tem interesse… um homem que se comporta como uma mulher.

Portuguesas e portuguesas significa que existem mulheres e homens; e que não são iguais.