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sábado, 9 de outubro de 2021


Matusalém - A Relíquia Comunista Portuguesa

 "Não há no resultado em Lisboa qualquer mérito para o Partido Comunista
ou para o seu eterno Candidato, nem tal prenuncia qualquer surpresa agradável
para uma eleição posterior: simplesmente, aconteceu
"

Não se entende como há, no Partido Comunista Português,tantos ateus que, ao mesmo tempo,
dizem ser tão crentes 
e fiéis seguidores de tamanhos dislates

Não é livre nem defensável um estado de onde as pessoas não podem sair
para outro que seja povoado por quem livremente escolheu lá ficar


  
Plano do Ensaio

   1. Capitalismo e Socialismo
   2. Comunismo
   3. Engodo
   4. Delírio
   5. O Enigma Português
   6. O Partido de Hoje
   7. O Futuro sem Partido

1. Capitalismo e Socialismo

Já se sabe que uma boa parte dos portugueses anda para aí insolvente, falida, endividada até mais não poder ser. Alguns, devido a percalços familiares ou sanitários que não há como antever ou evitar, mas, porventura, a maior parte porque gastou mais do que podia e devia, pressionada por uma premente necessidade de embasbacar a vizinhança com a viagem à inevitável República Dominicana, ou com o carrito novinho em folha “mais potente e maior que o teu, que até já tem uma matrícula do mês passado”.

Dá, até, ideia de que estes lusitanos que tão bem cuidam da própria imagem não são minimamente inteligentes ou detentores de uma instrução básica, requisitos mais do que suficientes para se saber muitíssimo bem que, primeiro, se cria riqueza e, só depois, se distribui o que se amealhou; que primeiro se ganha e só depois se gasta, sob pena de, talvez por uma vida inteira, ficarmos reféns do crédito e, connosco, quem connosco vive e quem em nós confiou.

Isto, qualquer pessoa minimamente formada e com dois dedos de testa é capaz de entender; e nisto se baseiam, dito de forma muito simples, os sistemas capitalistas que, privilegiando a racionalidade na governação, se opõem aos regimes socialistas que pretendem, a qualquer preço, distribuir pelos trabalhadores a riqueza antes de a ter. Falo, naturalmente, dos regimes socialistas puros, e não daquela alaranjada coisa portuguesa que, além do punho fechado e da desafinada cantilena “Portuguesas e Portugueses”, de socialista só o nome ainda tem.

Esquerda Mais à Esquerda
Por isso mesmo, nunca chegam os estados governados por estes regimes da esquerda mais à esquerda a acumular o pecúlio mínimo necessário à viável, prudente e relativamente segura gestão económica das populações, já que, tal como os portugueses que compram com o dinheiro dos outros mais tarde ficam a saber, rapidamente tais regimes se afogam em dívida soberana que nunca irão pagar, diariamente engordada por juros que não param de se acumular, assim absorvendo qualquer valor acrescentado que pudesse, um dia, contribuir para a prometida, desejável e saudável riqueza popular.

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Como também toda a gente sabe, o grande problema do capitalismo está em, sabendo ele – e se sabe! - criar riqueza, muitas vezes se esquecer de, ainda que por via dos salários ou dos impostos, parte dela distribuir por aqueles graças a cujo esforço é amealhado aquilo que o bem sucedido capitalista acumulou.

Alguns, não distribuem porque se esquecem, ou porque nem tal coisa lhes passa pela cabeça. Outros, porque a instrução primária e a educação em casa não foram grande coisa, e na escola do capitalismo não se ensina a distribuir. Em qualquer caso, torna-se, por causa desse recorrente lapso, essencial que quem trabalha se organize em partidos políticos ou em grupos de pressão contra o tendencial domínio de um capitalismo cada vez mais predador.

Como escreveu um conhecido e polémico sacerdote português do séc.XVII, "entre todas as injustiças, nenhumas clamam tanto ao Céu, como as que tiram a liberdade aos que nasceram livres, e as que não pagam o suor aos que trabalham"*)

Sucede, porém, que, tal como há capitalismo bom e capitalismo pior do que mau, também há socialismo bom e socialismo pior do que mau. Quanto a isto, não tenhamos ilusões.

O capitalismo bom e o socialismo bom são, afinal, uma e a mesma coisa, tal como tudo o que é verdadeiramente bom, aquilo que habita em qualquer de nós que seja sensível ao estado de necessidade em que vive a maior parte da população mundial e se disponibilize, pobre ou rico, a partilhar aquilo que tem.

Não se trata, aqui, de sistemas de organização social, mas daquela bondade, pura e simples, que, se fosse universal, dispensaria a existência de capitalismos e de socialismos, de esquerdas e de direitas, de fações e dessas coisas todas com que diariamente os meios de comunicação social, para vender publicidade, nos enchem os há muito saturados ouvidos nas rebuscadas mas vazias palavras de politólogos e de outros sabichões, muitas vezes contratados apenas para preencher tempo de antena nas televisões.

A verdade é que, se não fosse o facto sem remédio de cada um se preocupar apenas com o seu umbigo, bastaria uma organização elementar e consensual do Estado para que todos vivessem com a comodidade e o conforto necessários ao desempenho voluntário e empenhado de tarefas socialmente relevantes, bem como ao lazer e à produção lúdica e artística, essenciais àquela pausa que a cada vez mais martirizada mente sempre requer.

Utopia do Partido
Não passando isto de utopia, resta a eterna querela entre o capitalismo*) mau e o socialismo*) mau, o segundo exigindo do primeiro aquilo que este não quer distribuir; e cuja posse, muitas vezes, nem detém, seja porque o capitalista individual não tem como aumentar regalias e salários, seja porque o capitalista Estado que não tem como… fazer o mesmo, um e outro, simplesmente porque ainda não amealharam o suficiente, ou porque tiveram de despender mais do que o esperado.

Para o socialismo mau, no entanto, isto são pormenores, como se sabe, já que reivindica incessantemente tudo, como se nada tivesse um custo, atirando, depois, a responsabilidade pelos inevitáveis desequilíbrios causados pelos seus desmandos para os ombros dos governantes que tiverem acabado por ceder à ameaça de sucessivas greves e à infernal gritaria de braço esticado e punho erguido.

A diferença reside, afinal, na opção quanto ao momento de gastar: loucamente, antes de ter, ou sensatamente depois, quando já se tem.

 

2. Comunismo

Um pouco além do socialismo, temos o comunismo*) a procurar impor, se necessário pela força, a distribuição igualitária dos bens e dos rendimentos, num mundo - para os seus defensores, ideal - em que cada um colabora em função das respetivas capacidades, mas recebe unicamente de acordo com as suas necessidades.

Por outras palavras, para os comunistas, cada um é obrigado a dar tudo o que pode e, se puder mais, acaba por receber tanto ou menos do que os outros; o que, olhando para dentro de nós mesmos e para a cara de cada um com que na rua nos cruzamos, se vê logo que não é, de facto, o sistema político e social mais adequado para quem quer ser feliz

Exemplificando, seria esse um mundo idílico em que, designadamente, os milionários que ganham a vida a dar pontapés numa minúscula bola para a enfiar naquelas gigantescas balizas lá teriam de trocar o magnífico Porsche do último modelo por um carrito do povo, como o Volkswagen carocha do meu tempo. Mais ou menos isto…

Claro que há burros em todas as ideologias, da mais à esquerda à mais à direita. Todavia, como só alguns comunistas é que são burros, a grande maior parte está cansada de saber que tamanho disparate é de concretização impossível, e que, mesmo no imaginário, só há mais de cem anos atrás poderia ter feito algum sentido, quando não havia redes sociais, nem ao menos informática de uso doméstico, e o futebol era coisa para verdadeiros desportistas e da qual apenas começava a ouvir-se falar.

Sabedoria
Sabendo, como sabem, tudo isto, os que se dizem comunistas, conhecem minimamente a natureza humana e não são burros só podem estar na política de má-fé, a enganar.

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O facto de ser, evidentemente, tolo o ideário comunista não obsta, porém, a que, como já se disse, para fazer face aos desmandos capitalistas reste, a quem trabalha, organizar-se em partidos políticos, em sindicatos, em outros grupos de pressão.

A solução não passa, porém, pela existência de um partido único de esquerda, muito menos um partido cuja cartilha considere normal a liquidação de quem com ele se não identifique ou lhe não obedeça, liquidação essa por vezes até física, como é inevitável em quem advoga a tomada do poder pela força.

Tal é a ideia muito sua que os verdadeiros comunistas têm de liberdade e de democracia, de progresso, de abertura de espírito, daquilo a que alguns chamam democracia avançada, entre outras coisas que não podem deixar de nos trazer à lembrança a prática dos talibãs - que também já se dizem avançados e modernos*).

Tampouco pode a dignificação do trabalho e de quem o executa – ou seja, o reconhecimento de que a mão de obra não equivale à mera instrumentalização por uns da pessoa humana de outros - ser promovida à custa do esbulho de património alheio legitimamente detido e, muito menos, da liberdade ou da vida dos respetivos detentores, os maiores dos direitos fundamentais de qualquer membro da chamada Humanidade, como atualmente (ainda) julgamos conhecê-la.

Não pode, também, a solução ser imposta à bruta, como durante décadas o foi – e ainda o é… -sobretudo em lugares lá mais para o Oriente, mantendo-se os seus supostos promotores entrincheirados atrás de um muro constitucional e legal de privação de direitos, e de outros muros bem reais, de rede ou de betão, impiedosamente apartando famílias pela força, pelo terror de apanhar uma bala; famílias, note-se bem, maioritariamente dos mesmos trabalhadores que os regimes comunistas deveriam proteger, de Leste ou de Oeste ou, na sua maior parte, de lado nenhum.

Não é livre nem defensável um estado de onde as pessoas não podem sair para outro que seja povoado por quem livremente escolheu lá ficar.

 

3. Engodo

Goradas todas as tentativas viáveis de negociação com as ditaduras à margem das quais os ideais socialistas floresceram, descredibilizada a ação política tradicional e pacífica de uma oposição de esquerda, como levar as massas ignorantes a aderir à luta que alguém por elas se proponha travar? Só mesmo acenando com o poder das armas contra a ditadura opressora.

Força bruta como meio
O argumento da força bruta como meio eficaz de subjugar o adversário sempre será convincente e apetecível junto das massas incultas, pelo menos junto de quem pensa que, para ganhar contra uma equipa que joga melhor à bola nada como inutilizar o adversário com uma mais ou menos subtil pisadela com os pitons da bota bem cravados nos tendões e nos músculos da perna do infeliz futebolista, por forma a enviar para as boxes o craque principal, impedindo-o de continuar em jogo.

A mensagem da tomada do poder pela força bruta aceitava-se há uns cinquenta e tal anos, quando ainda escassos sessenta tinham passado sobre a Revolução Russa.  Hoje, apenas serve a nostalgia de uns poucos que se lembram desses tempos, e para inflamar os ânimos de uns quantos, bem mais jovens, que também têm, da função social do desporto, uma leitura inqualificável.

Quanto ao resto, a cada vez mais mirrada quantidade de votos mostra bem que, por todo o Mundo, em democracia são incomensuravelmente mais os chamados pela causa da liberdade do que os escolhidos pelos ideologicamente desnorteados eleitores que se dizem comunistas até que, desiludidos, começam a votar em partidos… da extrema direita em que também não acreditam.

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Talvez os promotores dos muros – a Leste e, agora, também a Oeste, na fronteira com o México*) - não comam criancinhas ao pequeno-almoço, mas não deixa de ser verdade que sempre souberam e continuam a saber muito eficazmente tratar da saúde das suas mamãs e papás...

Além das sucessivas violações dos mais elementares direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, todas as experiências ditas comunistas que foram tentadas em qualquer parte do Mundo redundaram em retumbantes fracassos sociais e económicos, quer ainda se arrastem graças aos bons ofícios do carrasco, quer tenham soçobrado e sido os partidos que as promoveram extintos ou reduzidos à mais simbólica expressão.

Dificilmente assim não aconteceria com regimes que, longe de efetivamente defender trabalhadores e pensionistas, a coberto da doutrina marxista-leninista acenavam com essa suposta defesa a indivíduos maioritariamente pouco instruídos e muito relativamente dotados do ponto de vista intelectual; regimes em que, uma vez tomado o poder, rapidamente passavam os seus detentores a oprimir e a reprimir também os mesmíssimos trabalhadores e pensionistas que neles votaram, a par dos tais capitalistas que constituíam o seu principal alvo – e, alegadamente, o único.

A tentação é grande
A verdade é que a tentação é grande, e diz a História que o poder e o dinheiro transformam igualmente o comportamento e a atitude perante a vida de capitalistas, de socialistas e de comunistas, apesar da já tão gasta desvalorizada e risível promessa de que, elegendo verdadeiros socialistas ou comunistas, as benesses e o dinheiro irão todos para os operários e para os trabalhadores.

Onde, de facto, alguma vez terá existido semelhante paraíso na Terra? Pois…

Defender as classes trabalhadoras dos excessos do capitalismo sustentando-se ideologicamente - e contra a mais elementar lógica - na irracionalidade e na negação da evidência para além dos limites da mais pobre lucidez, parece, não apenas incompetência e loucura, como despudorada má-fé para com os tais menos esclarecidos e instruídos seguidores, que vão sendo mantidos na mirífica ilusão de uma vida melhor, aparentemente com o fito único de politicamente sustentar o poder ilegítimo de quem enganosamente nas suas mãos ávidas o tomou.

 

4. Delírio

Os recentes acontecimentos em Cuba*) não passam de mais uma demonstração, entre tantas outras, de que, de tanto andar por aí nu, o rei comunista morreu, porque a pneumonia demagógica há muito o fez soçobrar.

Certo é que a situação da economia cubana foi fortemente penalizada pela quebra de uma atividade turística da qual quase exclusivamente depende e que, em tempos de pandemia, praticamente desapareceu; mas não é menos certo que de igual dependência do turismo padece este Portugal onde, apesar de tudo, um regime (ainda) não comunista parece ter evitado um descalabro económico comparável ou, sequer, parecido.

Não nos esqueçamos, porém, de que, em qualquer parte do Mundo e seja qual for o sistema político vigente, a defesa dos interesses dos mais pobres e desfavorecidos é, em si mesma, causa de dignidade tamanha que não necessita de suporte, ideológico ou não, além da insofismável evidência daquilo que o coração nos diz.

Não há, aliás, programa político que, de boa ou de má-fé, a não alardeie, ainda que apenas por estar bem ciente de que, caso o não fizesse, nenhuma esperança de sucesso um partido poderia ter numa democrática eleição, por serem os pobres muito mais do que os ricos.

A fim de assegurar a pluralidade e evitar qualquer possibilidade de domínio ilegítimo, importa, no entanto, garantir um quadro democrático e pluralista no qual, em lugar de um partido comunista único, marxista-leninista, existam partidos que pugnem por que esses sentimentos elevados sejam plasmados, não apenas em programas eleitorais, mas na prática social quotidiana e na governação.

Pai Natal
Não faz, porém, qualquer sentido que, comunistas ou não, partidos de uma certa esquerda demagógica, indiferentes à sobejamente conhecida inexistência de capital suficiente nas empresas ou no Estado para satisfazer as suas desvairadas reivindicações, nestas teimem, adotando a atitude pueril de quem quer muito defender os méritos do seu brinquedo escangalhado, ou de quem, sabendo impossível vir a ter um novo, continua a pedi-lo ao Pai Natal.

Agem tais partidos num estado de delírio, de negação idêntico ao que poderia levar um cientista a continuar a insistir em algo que, há décadas produzisse resultados negativos, não se vislumbrando a mais remota possibilidade de chegar a outro resultado, ou a mais remota racionalidade económica em continuar a experimentação.

Perante a esmagadora evidência do clamoroso desastre das muitas populações já condenadas à miséria pelos seguidores da doutrina socialista e da prática comunista, já nem o conhecimento aprofundado da teoria tem qualquer interesse prático: apenas interesse histórico, este, bem relevante, para evitar que alguém volte a cair em tão alucinadas loas.

Mesmo assim, insidiosamente e contra a mais elementar razão, continuam os partidos comunistas a impingi-las aos menos afortunados, aos espoliados, aos explorados, a toda essa panóplia de adjetivos artificiosos e coloridos com que, à falta de melhor, procuram, em vão, apimentar um discurso cada vez mais anquilosado e sediço, que já ninguém de juízo é capaz de suportar.

Numa civilização ocidental que se diz cada vez mais instruída, os poucos alvos que restam para a besta comunista são, convenientemente, os representantes menos educados e menos informados da população, suficientemente néscios e ingénuos para acreditar que, uma vez atingido o poder, pelo voto ou pela força, eles mesmos, os iludidos desafortunados, o poderão exercer; que os outros os deixarão, efetivamente, mandar e que se lá chegarem, acabarão por copiosos frutos tirar das aberrantes reformas então implementadas e da sua impreparada e incompetente gestão.

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Não é, naturalmente, de excluir por completo a possibilidade de existir gente ingénua ou mal informada, mas genuinamente revoltada com a injustiça e o sofrimento de outros, que se filia em organizações ditas comunistas pensando que nelas se poderá entregar com denodo à causa do bem-fazer. Mas também não pode deixar de se suscitar as maiores dúvidas quanto à eficácia e à qualidade da governação de um país num dia em que essas abnegadas mas ingénuas ou mal informadas almas que facilmente se deixam embalar pela irracional e desrazoável cantilena socialista – a pura e dura, não a lusitanamente travestida – ocuparem funções de destaque na gestão da coisa pública de qualquer natal torrão.

5. O Enigma Português

Da ineficácia prática dos propósitos comunistas tivemos, por cá, um belo exemplo na Reforma Agrária do final dos anos setenta do século passado*), bandeira fortemente agitada pelo então pujante Partido Comunista Português (PCP).

De então para cá, a inexistência de vocação capitalista do Estado tem vindo, por sua vez, a ser cabalmente demonstrada no retumbante fracasso económico da generalidade das empresas públicas, inevitavelmente condenadas à bancarrota a menos que passem a vida a tomar gigantescas injeções de adrenalina vindas do supostamente inesgotável dispensário do centro de saúde do Tesouro, alarvemente alimentado pelos nossos impostos.

No PCP de outrora, a evidente capacidade maior do Secretário-Geral então reinante granjeava-lhe o temor e o respeito de quem, para primeiro dirigente, não via alternativa minimamente credível àquela diferenciada pessoa que tanto se preocupava com o caminho capitalista que entendia estar a sociedade dele coeva a tomar.

Tinha, também, o Partido, comparativamente aos comunistas de hoje, a superior vantagem de, ao tempo do seu período áureo, termos estado bem mais próximos do que agora da data da Revolução, pelo que muita fé havia ainda nas monocórdicas promessas interminavelmente projetadas pela cassete nos megafones aparafusados nos tejadilhos dos automóveis dos solícitos e prestáveis camaradas.

Se não houvesse fé, havia, pelo menos o benefício da dúvida relativamente a pressupostos e a teorias que, aos menos atentos ou esclarecidos, não ocorria serem, já então, velhinhas de quase três quartos de século, e provirem de uma cultura substancialmente diferente da portuguesa, desenvolvida em condições e em conjunturas que evoluíram a largos milhares de quilómetros de distância e que com as nossas gentes nada tinham a ver; condições essas que, nesta sociedade de brandos costumes, muito a Oeste, com outro clima cultural, político e, até, atmosférico seria impossível estabelecer. Quanto mais agora, tanto tempo depois, em que a cultura do facilitismo, da anestesia política, dos influencers e das cada vez mais pategas redes sociais, todo o entusiasmo pela defesa de quaisquer verdadeiros valores vertiginosamente faz esmorecer.

O Secretário-Geral de antanho sabia-o bem, porque, inteligente como poucos, não podia deixar de o saber; e, sabendo-o, sabia também que a via da conquista do poder pelas armas já então era uma impossibilidade quase material, nem sequer o crédito de uma utopia podendo merecer.

Entendimento
Como, então,  entender que este homem superior, esta alma aparentemente boa, artística e estruturalmente honesta, tenha assumido e aceitado manter durante tanto tempo a liderança de uma força política que agora cumpre cem anos a lutar contra a ditadura... enquanto, dissimuladamente, não desiste de procurar implementar uma outra?

Um ser humano bondoso e dotado de superior inteligência jamais acreditaria na eficácia do chorrilho de disparates que o aranzel marxista-leninista indubitavelmente é. Terá, então, a capa comunista do Secretário-Geral sido meramente instrumental na sua luta pela liberdade e pela  igualdade?

Dá que pensar…

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Astérix*) lutava contra o invasor. O irredutível PCP lutou e luta para nos impor legisladores e governantes ideologicamente imbuídos de uma fé cega e ácida em postulados anquilosados e ruinosos, que o trato do tempo arrasou, mostrando, na prática, a inevitabilidade do desastre social e económico a que levaria a tresloucada e alienada insistência na sua imposição – como em Cuba e em outros malogrados países levou.

Tão impossível é explicar pela lógica quem é Deus, como os fundamentos da defesa comunista de regimes como os da Coreia do Norte e de Cuba ou da Venezuela. Não se entende, pois, como há, no Partido Comunista Português, tantos ateus que, ao mesmo tempo, dizem ser tão crentes e fiéis seguidores de tamanhos dislates.

Não pode, todavia, acusar-se o outrora Secretário-Geral de desonestidade intelectual, dada a inequívoca bondade das suas intenções. Como explicar o que propunha, então?

Que mistérios da história íntima do PCP ocultará a cortina opaca que forra as tão propaladas paredes de vidro do hermético e compacto partido que, mais do que qualquer outro, mereceria o nome de bloco?

 

6. O Partido de Hoje

Forçado a aderir a um tipo de marketing que com ele nada tem ou alguma vez terá a ver, o Partido Comunista Português já encomenda cartazes num dominante azul bandeira, relegando para enésimo plano a foice e o martelo, e estando, por vezes, o vermelho quase ou totalmente desaparecido.

Festa do Avante
Outro disfarce - outra demonstração de modernidade, perdão… - vem do festival anual*) com que lá vai financiando a estrutura partidária e onde a música no palco alterna com palavras lidas que a ninguém interessam, que já ninguém ouve, tiradas do repertório fantasma de quem, porque já cá não está, já ninguém vê. Quem, de fora, ouvir, for lúcido e intelectualmente honesto, nem fará ideia do que estão a falar.

A propósito de financiamentos do Partido, diga-se, entre parênteses, que não parece intelectualmente honesto afirmar que, na Grécia, o grande erro do governo de extrema-esquerda foi não querer sair do euro*), enquanto o eurocético PCP mantém, no Parlamento Europeu, deputados que, de alguma forma, também financiam o Partido com os chorudos ordenados que, mês a mês, lhes não perdoa.

Não obstante o PCP insistir em continuar representado no Parlamento de uma Comunidade Europeia sobre a qual lançou o anátema, a efetiva sede de assumir a governação nacional é, praticamente, nula, já que, nas hostes, ninguém acredita na cada vez mais remota possibilidade de lá chegar, pela força ou pelo voto; por outro lado, dada a patente incapacidade governativa mínima por parte de velhos e cristalizados ou jovens mas cada vez mais desiludidos militantes; por fim, por bem se saber que, uma vez no poder, nenhuma das prometidas medidas poderiam implementar, sob pena de um inevitável fracasso que representaria, para o Partido, o golpe de misericórdia que vem conseguindo adiar.

Reduz-se, assim, à expressão mais simples a utilidade e eficácia do PCP como partido político, limitada a algumas intervenções interessantes dos deputados mais jovens em comissões parlamentares - um dos quais, batizado com o pseudónimo do Mestre*), já tinha regressado à sua geologia profissional e agora procura fazer esquecer um pouco a decrépita cúpula, regressando à cena com o seu ar entediado e arrogante para ajudar a salvar o que resta, ou para com o barco se afundar.

Continuarão, pois, esses jovens elementos a ser os apaniguados de um Mestre que já não têm e alguns nem chegaram a conhecer pessoalmente, o qual, com o seu perfil único, convencia uns e outros da suposta bondade de ideais que talvez nunca tenham chegado a ser os dele, mas apenas o meio que lhe terá parecido mais promissor para uma mente superior e um espírito sensível pugnarem pelos mais desfavorecidos, pelos quais abdicou da liberdade com coragem nobre e exemplar.

Nova gente com chama que, iludida, lá pelo Partido agora apareça, esbarrará inevitavelmente na intransponível barreira da mensagem caduca, pequenina, ridícula ao ponto de considerar uma ofensa à democracia a supressão, da toponímia, de nomes de gente cuja memória apenas perdura na nostálgica lembrança dos indefetíveis e só a eles poderá interessar*).

Defende o Partido o indefensável porque, para sobreviver politicamente, importa desesperadamente mostrar uma bandeira, um ideal, ainda que o mesmo se limite a uma visão maníaca e alienada, do Mundo, acompanhada de uma incurável mesquinhez quotidiana e de uma visão retrógrada do que, aqui e nos nossos dias, Portugal deve ser.

Anquilosados Legionários e Votantes
Para ter alguma coisa com que acenar à última meia dúzia de legionários e votantes, manifesta-se o Partido contra medidas sanitárias de comprovada eficácia e de alternativa inviável ou, mesmo, impossível*); e a população responde vacinando-se quase toda e confinando-se, na maior parte, dessa forma demonstrando à meia dúzia de duros sobreviventes do PCP que, com sucessivos tiros no pé, este fica cada vez mais manco e se arrisca a, em breve, ficar mesmo... orgulhosamente só.

Disse o atual Secretário-Geral que a alternativa não poderia ser o confinamento agressivo, mas o reforço do Serviço Nacional de Saúde, “o reforço dos profissionais com reconhecimento pelo seu trabalho”. Como sempre e como seria de esperar, ficou por explicar onde arranjaria meios humanos e técnicos para o conseguir num curto espaço de tempo, e onde iria buscar o dinheiro para tudo isso.

Claro que isso de arranjar dinheiro não interessa, já que os inimigos do capital dele nunca falam quando devem, apenas se lhe referindo depreciativamente comportando-se como se o que exigem não tivesse qualquer custo e só a má vontade de quem governa o impedisse a sua obtenção. Assim demonstram, para lá de qualquer dúvida, a total incapacidade para legislar, para governar, para gerir, logo, a inutilidade de como partido político continuar.

Por que não, nesse caso, deixar-se absorver pelo seu satélite Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – INTERSINDICAL, já que, aqui, parece ser o planeta principal que orbita o satélite, e não o contrário, como manda a ordem universal?

A INTERSINDICAL, essa sim, é eficaz enquanto grupo de pressão, natureza a que, afinal, o ineficaz, politicamente inane e condenado Partido Comunista Português acaba por estar reduzido, perdido que anda no reino da mera ilusão.

 

7. O Futuro Sem Partido

O PCP fala de futuro com a convicção de um velho habitante de uma abandonada aldeola do interior que, sabendo que futuro já pouco tem, diz ao neto que estuda em Lisboa que quando eu morrer “esta vai ser a tua casinha” - casinha essa que, de tão pobre e humilde, faz morrer de vergonha o dito neto tuga, já todo garboso e importante assessor na autarquia de onde sonha que, um dia, a secretário-geral ou presidente de alguma coisa o ádem catapultar, ou todo embevecido no seu lugar subalterno numa multinacional qualquer de onde sai à hora do almoço para pavonear a camisola sete na ciclovia, ao volante da bicicleta a motor.

Passado e Presente
Associados a um partido comunista, pregões com a palavra futuro, como “O Futuro Tem Partido”, despertam tanta confiança e simpatia como a birra da criança que quer muito uma coisa e, a ver se pega, não para de falar nela e de choramingar. Não passam, em boa verdade, do estertor da morte de uma estrutura que, por falta de razão para existir, no pântano eleitoral cada vez mais se está a afundar.

Para funções de relevo no tal imaginário Futuro, o PCP conta com um candidato que, apesar do seu ar algo parado, apagado, inseguro e deprimido, é aparentemente o pau para toda a obra, o único ainda disponível: é deputado europeu, candidato à presidência da República, candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, e vira o disco, e toca o mesmo até ao porto de destino como secretário-geral, de ar, se não muito fresco, pelo menos renovado.

Na campanha para as eleições presidenciais de 2021, limitou-se o Candidato a acenar com a Constituição da República como se do seu programa político se tratasse. Ao mesmo tempo, concorria contra quem a cumpre, assim demonstrando que, bem vistas as coisas, não tem o Partido quaisquer propostas novas, diferentes dos ditames do Texto Fundamental; e que, ao atual estado das coisas, nada de especial tem a acrescentar ou a modificar.

Nesse caso, para quê nele votar?

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Se o PCP chegou a ter algum peso nas autarquias, não terá sido por nele terem votado umas dezenas de milhar de combatentes armados até aos dentes, prontos a tomar o poder em nome da classe operária - tal como não foram quinhentos mil fascistas portugueses que, em 2021, na eleição presidencial votaram no candidato apoiado pelo Chega!.

Ora, mesmo esse peso autárquico – que apenas confirma que as ideias nada valem, mas apenas o conhecimento de proximidade de alguns candidatos - diluiu-se e continua a diluir-se num processo entrópico já impossível de reverter.


Fonte: Wikipedia

Os resultados eleitorais*) são, assim, catastróficos e continuarão a sê-lo, já que muitos dos eleitores não sabem nem querem saber no que estão a votar, nem estão aptos a, do comunismo, absorver o que quer que seja além das ritmadas cacofonias e ladainhas, e do tom inflamado dos discursos, do punho no ar.

Resultados Eleitorais do PCP
O que é certo e sabido é que o estribilho constante e recorrente de teorias retrógradas e apoucadas queimam, aos olhos dos eleitores, excelentes autarcas que, noutras forças políticas, muito melhor contributo talvez podessem dar.

Das vinte e quatro presidências de câmara apesar de tudo ainda conseguidas nas eleições de 2017 – menos dez do que em 2013 - , passou o PCP, em 2021, para apenas dezanove, ou seja, pouco mais de metade das trinta e quatro que há apenas cinco anos ainda eram suas.

Bem tenta o Secretário-Geral escamotear o desaire enaltecendo o resultado positivo, em Lisboa, do eterno Candidato. Parece ignorar que a tíbia vitória do novo Presidente – que, por muito sério, competente e honesto que possa ser, nenhum carisma ou traquejo político tem para ganhar o que quer que seja – se deveu a pouco mais do que à hemorragia de votos em que, por razões sobejamente conhecidas, se esvaiu o seu antecessor, votos esses que, à esquerda, fluíram, em boa parte, para o PCP, como expetável e inevitavelmente sempre haveria de acontecer.

Não há, pois, no resultado em Lisboa qualquer mérito para o Partido Comunista ou para o seu eterno Candidato, nem tal prenuncia qualquer surpresa agradável para uma eleição posterior: simplesmente, aconteceu.

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O que está na base do descalabro eleitoral?

Em eleições presidenciais, o PCP fica sempre de rastos por total inexistência de personalidades empáticas e persuasivas. Nas restantes, o desastre deve-se a inoperância e a falta de resultados práticos da ação política do Partido: os trabalhadores portugueses melhoram de vida por razões que, patentemente, nada têm a ver com o comunismo ou com quem o defende, apercebem-se da inutilidade da coisa, mudam de interesses, e segue-se a imparável descida nas sondagens e nas urnas, até ao há muito anunciado fim.

Tirando a mainça de indefetíveis que, a fumar um desolado cigarrito, lá vai aparecendo junto aos eternos portões fechados das fábricas, os supostamente muito conscientes e politizados milhares de trabalhadores envolvidos nos dias de greve já ignoram alegremente apelos à luta e passam os ditos dias em casa, a beberricar uma jola enquanto, desalentados, veem a bola na televisão.

Tivesse, agora, o PCP a tresloucada mas coerente e corajosa ideia de incitar à luta armada que o seu programa preconiza, e os resultados eleitorais rapidamente cairiam para o quase subsolo próprio de quem continua a fazê-lo noutras paragens.  Mas não: não se atrevem a alardear, abertamente, os ideais de luta armada associados ao nome que ostentam, porque bem sabem que, em Portugal, isso significaria o descalabro, o nunca mais, a precipitação do anunciado e inevitável fim.

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Serviço às classes trabalhadoras
Embora unanimemente reconhecido como honrado nos compromissos que assume com os seus adversários, sob a capa enganadora de salvador da pátria, está o Partido Comunista Português a prestar um péssimo serviço às classes trabalhadoras, pretendendo, unicamente para assegurar uma ténue aparência de sobrevivência política de umas quantas relíquias mumificadas nas suas magras reformas, captar outros tantos distraídos que, por não terem mais quem, a nível nacional, pareça defendê-los, até dão de barato essa coisa da via revolucionária, que consideram uma mera palermice, coisa de velhos.

Está, porém este penoso arrastar de si mesmo do velho Partido apenas a atrasar, irrecuperavelmente, a formação de um sensato, razoável, esclarecido e novo e por criar partido de esquerda, combativo, com gente fresca e renovados ideais sustentados num saudável conceito de democracia: algo muito mais dinâmico, vibrante e empenhado do que a aparentemente corrupta amálgama de interesses que, alegadamente, hoje nos impõe um governo de faz-de-conta, incoerente e sem que qualquer estratégia ou substrato ideológico a sua atuação permita identificar.

O grande problema é que, para isso seria imperioso que cometessem suicídio político os velhos do Restelo que, no interior das paredes de vidro*), ainda impõem uma disciplina férrea, macambúzios, falhos de adrenalina, enfadados, contrariados, bruscos, agressivos, nada atraentes, cujo orgulho comunista os impede até de aceitar, vinda de fora, a mais tímida sugestão.

Alternativamente, para que o Partido Comunista Português se renovasse, haveria que ver todas essas múmias - embora valorosos combatentes antifascistas de outrora - sair definitivamente de cena, juntamente com as suas teimosias genuinamente socialistas, pensadas por gente que vivia as tais realidades necessariamente bem diferentes, em paragens bem longínquas e mais de cem anos atrás.

Uma alternativa seria mudar de nome. Mas o PCP não pode mudar de nome porque quem vota nele são fervorosos defensores de um comunismo que não fazem ideia do que seja: tal como o Benfica, perderia os associados quase todos se o fizesse. Além do mais, estaria a seguir o exemplo de um rebatizado partido de extrema-direita que procura, desesperadamente, erguer-se*).

No entanto, claro está que o Partido Comunista Português nada tem a ver com ditaduras. Pelo menos, de direita, não obstante negar o Holodomor*) com descoco igual àquele com que a dita extrema-direita teima em negar a existência do holocausto nazi.

De um modo geral, o Partido nega aquilo que a logica lhe proíbe explicar.

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Génese de um movimento ou partido
A génese de um movimento ou partido pode radicar no sentimento e na emoção, mas é da realidade e da razão que devem emanar a gestão e a atuação.

Isto, é inconciliável com o facto de, em entrevista recente a um canal de televisão, termos, de novo e sem qualquer pudor, ouvido o atual Secretário-Geral referir-se à eterna “democracia avançada” da qual ainda vai, sabe-se lá onde, buscar ânimo para continuar a falar; e de um “movimento sindical unitário” cuja simples designação nos leva, rapidamente, a associá-lo a um também único e indesejável partido.

Na verdade, é preciso alguém ser mesmo muito desmiolado para se dignar dar ouvidos durante escassos segundos que sejam a quem, cego e surdo ao que se passa à sua volta e sem deixar qualquer dúvida quanto aos verdadeiros propósitos, continua a advogar, como solução para os dramas da Humanidade, a “superação revolucionária do capitalismo*), ou seja, a tomada do poder à bordoada.

Na sociedade consumista e cada vez mais indiferente em que vivemos, é caso para dizer que, se é com bombas e espingardas que esperam suster o trambolhão nas urnas, mais valeria procurar pescar um ou outro voto num asilo de alienados, nele centrando a campanha eleitoral.

A atual militância mais não é, afinal, do que o reflexo do estado de negação  de quem passou toda uma vida a defender algo em que já não consegue acreditar, mas nada mais tem a que, emocionalmente, se agarrar.

Enquanto os patéticos desvarios comunistas e os seus ferrenhos e patéticos defensores estiverem na base das linhas programáticas do partido dos trabalhadores, estarão os ditos trabalhadores condenados a continuar sem defesa efetiva contra as políticas de direita, como tanto gostam de chamar àquilo que faz quem não navega na esteira do ainda PCP.

Não é que não haja elementos jovens e válidos para levar a luta dos trabalhadores avante, por aquilo que de essencial ela sempre representará. Não é que não haja, nas atuais cúpulas do Partido, elementos capazes de o manter a esbracejar à tona de água por mais uns anos. Mas, o muro inamovível que a desoladora ineficácia económica de todas as experiências de implementação de ideais comunistas lhe põe à frente impede a progressão, a evolução, o desenvolvimento de ideias que, por condenarem as economias a uma inevitável falência, estão hoje condenadas à condescendente irrisão.

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Os trabalhadores portugueses necessitam, urgentemente, de um partido novo, moderno, nascido na sociedade dos tempos atuais, pragmático, virado, não para a disseminação de uma estafada cartilha ideológica, mas para a resolução de problemas concretos das classes representadas.

Necessitam de um partido credível, bem definido, e também não daquela amálgama algo estranha, ainda mais à esquerda, que entendeu tudo isto rapidamente e, para namorar os votos dos tontinhos mais à direita, agora se travestiu, em bloco, com a pele de cordeiro social-democrata*).

Mergulhado num intenso processo entrópico, manifestamente irreversível, cada vez se torna mais evidente a inutilidade atual de um Partido Comunista Português reduzido a, no limite, servir como muleta dileta do Partido do Governo.

Contrariamente ao que rezam uns cartazes há tempos espalhados por aí, o Futuro não tem Partido.

Pelo menos, este.

* *

A ditadura dos patriarcas não é, como alguns poderão pensar, um exclusivo de uma organização comunista em vias de extinção, como o PCP. Coexiste, em Portugal, pelo menos um outro modelo de subjugação, ainda efetiva, das camadas jovens à tirania de velhos incompetentes e completamente ultrapassados, mas agarrados como lapas ao poder.

[leia aqui a sequência]


quarta-feira, 15 de setembro de 2021


Júlio de Pina Martins




"Um juiz quando veste a toga,
tem de despir as suas convicções
"

Júlio de Pina Martins
Procurador-Geral Adjunto, Visão


Palavras sábias que não podem deixar de ser lembradas perante a imagem de juízes que não apenas violam frontalmente a lei como incitam a que outros o façam, fazendo-se valer da sua condição privilegiada de magistrados para afrontar e humilhar elementos das forças policiais no estrito cumprimento de ordens emanadas visando a manutenção da ordem pública*).

Trata-se de desmandos intoleráveis que devem ser severamente reprimidos, a título de exemplo para quantos pensem que, em lugar de deveres acrescidos, a nobre missão que desempenham lhes confere direitos e privilégios que nenhuma sociedade verdadeiramente democrática alguma vez poderá tolerar.

(continua aqui)

sábado, 21 de agosto de 2021


Talibãs e Talitugas

"Para a semana há reunião da concelhia.
Tenho de mandar lavar o carro novo que parado à porta.
Aquilo é giro, , e tu mereces melhor do qu’ó que tens!
Hádes vir também!"

O medos dos Talibãs

Sozinhos no vazio, sentimos medo.

Quando o vazio somos nós, domina-nos o pânico.

Com o pânico, vem o oportunismo de outros, vazios como nós, mas que têm a vantagem de uma ou outra habilidade a que chamam competência e com a qual se propõem, para nos salvar do avassalador vazio, preencher a nossa vida e, ao mesmo tempo, o ego ou a carteira deles..

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O grande sonho da maior parte de nós é ter dinheiro: muito, mas muito, dinheiro, como se fôssemos um daqueles ídolos que gostam de relaxar na gaiola (perdão, marquise) da cobertura (perdão, da penthouse, que com estas coisas não se brinca…), enquanto contemplam, numa tela (perdão, écran) panorâmica o anúncio em que uma progenitora balbucia, por entre a resplandecente dentadura que não é dela, uma catadupa de sons ininteligíveis num anúncio de uns óculos belíssimos mas tão acessíveis que até podem ser comprados por nós, pobretanas vazios e ridículos, que, em hipnótico desvelo, nos embasbacamos a contemplar riquíssimos pategos não  menos  vazios e ridículos – que, naquilo que importa, pouco ou nada valem -, pela simples razão de terem sido tão bem sucedidos depois de, coitaditos, terem nascido tão pobrezinhos.

Ou como uma qualquer histérica e desbocada milionária que viva do vigor de umas cordas vocais que pareçam apenas vibrar para e com a brejeirice, que se ache maravilhosa e cujo maior sonho da vida seja trepar por cima daqueles empecilhos que a não deixavam brilhar e acabar a mandar neles; e numa coisa grande, assim como, sei lá, uma televisão.

Ou como outros como eles que, não sendo habilidosos na política, o sejam – e de que maneira! – com os milhões dos outros, até ao momento em que nem os bancos, nem as associações desportivas, nem os poderes públicos consigam continuar a olhar para o lado porque alguém se terá descaído e propagou aquele vírus tinhoso, comichoso, chato e incómodo chamado informação.

Se não pudermos ser ricos e famosos como eles, enfim, ao menos termos o dinheirito suficiente para mostrar aos outros palermas que somos mais ricos do que o pai daquele rapaz que é colega do meu e só teve férias num acampamento daquilo lá da escola - não me lembra agora o nome – e ainda queria ser um tipo importante na secção do partido cá do bairro, como eu.

A estes tolos ambiciosos, serve muito bem a miragem do dinheiro ganho ao jogo, em que o bom do bestializado tuga das jolas e dos pistachos baralha, parte, dá e eructa alarvemente quando a vida lhe corre mal; e, ao jogar, fica mais pobre, muito mais pobre, de dinheiro e de intrínseco valor.

O Jogo é uma treta
Outros de nós, com alguns estudos e miolos mas nem por isso menos anestesiados tugas do que os outros, topam logo, matreiros, que isso do jogo é uma treta, e que o que é a gente ir para aquele partido para onde também foi o habilidoso lá do bairro que hoje manda em tanta coisa, veste e come aquilo que quer, tem a casa e o carro pagos, viaja por todo o Mundo, toda a gente conhece, tem motorista e até vai à televisão, enquanto o burro do meu homem o mais que recebe são as ordens do patrão, a troco de uns miseráveis trocos ao fim do mês que lá deram para a consola nova de jogos para o miúdo mas o passe social é, cá em casa, o principal meio de locomoção.

Ou era, porque vieram aí uns senhores com um contrato para assinar e vamos ter um carro daqueles elétricos*) que entregam cá na Sexta-feira*), para irmos, no Sábado, à reunião da concelhia e, depois, ter com aquele primo da Trudes que pinta uns quadros e até nos convidou para… ai! como é aquilo… qualquer coisa que acaba em age… ah!, pois, a inauguração.

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No fim da extensa lista que aqui não teria lugar, há aqueles de nós que não têm dinheiro, não têm miolos, não têm estudos, não acreditam no elevador social da política, não têm o que quer que seja além da enorme vontade de que alguém lhes diga que são alguém. Pelo menos, algo mais do que o outro que mora ao lado e cuja única afinidade connosco é o vazio imenso, o vazio de tudo, um vazio tão grande que não temos dinheiro para preencher com casotas, com ferrares, com trapos, com palmeiras, piscinas e long drinks; só, mesmo, com os pistachos e as jolas. Um vazio tão grande que já nem pode ser preenchido pelas emoções primárias que põem milhões aos urros e à batatada dentro e fora de um estádio de futebol.

A estes de nós, resta a ilusão da transcendência, da elevação daquela ilusão a que chamam espírito, não por qualquer manifestação do mesmo, mas pela sensação de pertença a quem um dia, algures, nos há de compensar de tanto sofrimento, a quem devemos cega obediência, ainda que à custa das maiores atrocidades e violências sobre o próximo, embora sem saber o que essa providencial divindade ao certo quer de nós.

Ou melhor: sabemos porque nos disseram, porque nos disse alguém que fomos ouvir falar naquela reunião prenhe de elementar misticismo e havida num ambiente de paupérrima encenação, em que um chefe religioso de olhos esbugalhados, aura impiedosa e sorriso cínico nos enviou a fazer explodir em bombas uma interpretação espúria e despudoradamente manipulada da mensagem do Além.

A missão consiste em impor, pela força, a mensagem aos resistentes, privando-os das formas mais elementares de liberdade que apenas subsistem nas vidas e nas mentes retrógradas e estúpidas dos alucinados ideólogos e promotores.

Terra atrasada com um punhado de bestas
Para o conseguir, numa terra atrasada e com a voz da maioria emudecida pelas armas de um punhado de bestas, mobilizam eles outras mentes gananciosas e estultas com ocas promessas de imortalidade – ou de, caso adiram, simplesmente os deixarem viver… -, eliminando os mais fracos, cativando os rapazes, espezinhando as mulheres – coisa que, por cá, não há de chocar muito certos magistrados de tribunais superiores que escrevem coisas que nos poderiam levar a pensar que essa coisa de maltratar mulheres é assim mesmo, e até está muito bem*).

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Quando a divindade tornada fera implacável inventada por uma torpe interpretação das escrituras pede com mais força que os bravos alarves aniquilem os detratores daquilo a que chamam fé, os americanos não gostam do exagero não autorizado nas conversações – três mil conterrâneos mortos, caramba, é demais! -  e entram por ali dentro para garantir que os outrora aliados ficam sossegadinhos pelo menos durante um prazo razoável para que aquele disparate do estupor do Bin Laden em Setembro se desvaneça um pouco da memória das dóceis e ditas civilizadas formigas dos States, tão dóceis como as que civilizadas não são - no resto do Mundo, claro.

Enquanto lá estão a aplicar o corretivo, ocupam pela força, impõem as suas regras, libertam… os corpos, apenas os corpos.

Por ser nada mais do que a restrição da liberdade dos corpos, a mudança resultante da ocupação é ilusória e efémera. Os invasores não educam, não procuram aproximar-se, entender, dedicar àqueles que andam naquilo contrariados uma palavra amiga, um diferente olhar, enfim, algo que os afaste do arrepiante caminho que escolheram ou os obrigaram a trilhar (não muito mal comparando, até faz lembrar a recente legislação publicada sobre a alimentação nas escolas cá da terrinha, feita à pressa e que, em lugar de educar, se limita a proibir).

Depois, cansam-se os americanos de esbanjar dólares com a presença militar, os aliados e também fazem contas aos euritos, aquilo já não faz sentido, eles já devem ter aprendido a lição, e… Butes? Bora lá!

Começa, então, a debandada daqueles que acreditaram ter vivido o ideal da liberdade, o maior sonho das suas pobres vidas prestes a acabar pela força, ou a ser brutalmente desalojadas pela fuga num avião de carga americano qualquer, possibilidade única de sobreviver para ir alimentar o mesmo sonho noutra terra também qualquer.

O que os aliados europeus parecem não ter, ainda, entendido é que o impacto causado pelo drama brutal e pungente destes candidatos a refugiados acontece, sobretudo na Europa: ninguém foge para países ainda mais pobres e subjugados por tiranos... ou por terra ou num bote para os riquíssimos Estados Unidos da América. Afinal... America First!

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Por cá, as autárquicas estão aí à porta e, com elas, a vazia e desoladora campanha habitual.

Para a semana há reunião da concelhia.

Tenho de mandar lavar o carro novo que parado à porta.

Aquilo é giro, , e tu mereces melhor do qu’ó que tens!

Hádes vir também!

* *

A par de toda esta triste figura que não passa, afinal, do resultado de uma necessidade quase compulsiva de seguir os ídolos, a moda, continuam estas pessoas a querer passar por originais, diferentes, alguém digo de se contemplar com admiração.

(leia aqui o desenvolvimento)


quarta-feira, 11 de agosto de 2021


Oliver Wendell Holmes, Jr

A mente de um fanático é como a pupila do olho


"A mente de um fanático é como a pupila do olho:
quanto mais a iluminamos, mais se contrai
"

"
The mind of a bigot to the pupil of the eye;
the more light you pour on it, the more it contracts
"


O pavor da simples possibilidade de estarmos errados ou de estar errado quem admiramos - e de ter de o admitir... -, faz-nos contrair a mente até ao mais básico estado de negação de algo em que não queremos acreditar, em que não suportamos ter de acreditar.

Ao mesmo tempo, cada vez mais, a falta de ideias originais tende a exacerbar a necessidade de defesa de outras já muito estafadas, em que a discussão social e política gira mais em torno da paixão e do clubismo do que da sobriedade e da racionalidade que deveria, em princípio, distinguir o ser humano dos restantes animais.

Mais propício se torna, assim, esta conjuntura a que a defesa preferida de um fanático seja fechar-se na exaltação dos seus heróis e na repetição ad nauseam dos dogmas que religiosamente segue, naqueles inspirados. Tal ocorre, sobretudo, quando vê atacadas as suas ideias mais ou menos inaceitáveis, mais ou menos loucas, apressando-se a rejeitar à partida quanto se lhes oponha, ainda que baseado em informação mais fidedigna e elaborada a partir dos dados mais objetivos.

Faz lembrar as reações de certos indefectíveis admiradores de alguém recentemente falecido em cuja bondade de intenções e elevação de princípios, apesar de toda a evidência legalmente validada que há muito tempo as negava, escolhem continuar, obstinadamente, a acreditar, um pouco como acontece como, perante um crime ou uma séria ilegalidade cometida por um astro da bola que, apesar de tudo, continuamos a idolatrar.

sábado, 31 de julho de 2021


Otelo: O Espinho que nem a Morte Arrancou

Propositado, necessário ou acidental, o bem que se faz gera, em quem o pratica,
inilidível responsabilidade pela perpétua dignificação da memória dos feitos
junto de quem deles se apercebeu, pelo que nenhum ídolo tem o direito de
boicotar a própria obra; e, em matérias tão importantes e sensíveis
como a Liberdade e a Democracia, não pode a tal ponto desiludir, quase renegar

      1. Fala Breve sobre a Motivação
      2. A Dívida dos Portugueses
      3. O Homem da Revolução
      4. O Lado Mais Negro
      5. Anedotário Politicamente Correto
      6. Cuidar do Futuro
      7. Requiescat

Sobre a Motivação
1. Fala Breve sobre a Motivação

No Palácio da Pena, em Sintra, existe a Sala das Pegas*), cujo teto está pintado com cento e trinta e seis destes pássaros – a quantidade de damas da corte na altura -, cada uma das quais segura a rosa que simboliza a Casa de Lencastre e ostenta, junto ao bico, os dizeres “POR BEM”.

Conta-se que, na origem da pintura, terá estado um beijo que El-Rei Dom João I, marido de Dona Filipa de Lencastre, dera a uma cortesã, gesto testemunhado por uma dama da corte que, qual pega tagarela, terá ido piar ao ouvido da Rainha o ternurento evento.

Justificando-se, responderia o Rei a Dona Filia que beijou “por bem”, com tal expressão querendo afastar qualquer condenável intenção.

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Foi sem querer”. “Foi por bem”.

Quantas vezes não ouvimos já, às crianças grandes que somos e às verdadeiras crianças, expressões como estas procurando justificar algo de menos bom que se fez por acidente? Ou, até, com boa intenção, mas com alguma falta de jeito, qualquer das duas expressões apenas visando fazer aceitar o que, por vezes, parece injustificável, desde um simples pecadilho a uma morte às mãos de alguém.

À morte sem intenção às mãos de alguém, ora chama o Direito crime por negligência, ora legítima defesa, e a pena aplicada é relativamente leve no primeiro caso e, até, inexistente no outro, já que seria aberrante punir quem mata ou fere para se defender ou para salvar a vida de outrem.

Deixando o contexto penal, no mundo dos comum mortais quem também “sem querer”, por mero acaso, obtém um bom resultado para outros, não pratica, na verdade, uma boa ação; logo, não merece especial louvor, já que nada terá, propositadamente, feito para que esse bom resultado acontecesse.

De igual modo, quem, já não “sem querer” mas deliberadamente, com má intenção, acaba por praticar uma boa ação, faz, também uma obra sem mérito, pois com má intenção e a título meramente instrumental a fez.

Ou seja: fê-lo, porque, para alcançar o resultado censurável que o movia, era imprescindível praticar esse tal bem que, mais tarde e sem qualquer mérito, os beneficiários, enganados e indevidamente agradecidos, lhe viriam a atribuir.

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A Conduta do Agente
Numa sociedade que se pretenda minimamente civilizada e evoluída, a valoração da conduta do agente, depende menos do resultado, bom ou mau, do que da motivação na sua génese; e isto vale, tanto para o Direito, como para a Ética, como deveria valer para o desenho da imagem mais ou menos folclórica da personagem, daquilo que, dos seus feitos, fica para contar.

Assim, aquilo que, em dado momento e com resultado positivo acidental para o bem comum, alguém possa ter feito antes não desculpa o mal que vier a fazer depois - ou a quantidade daqueles que na cadeia as culpas purgam seria, seguramente, muito inferior.

 

A Dívida dos Portugueses

Não vou preocupar-me com a demonstração de factos que bem altas instâncias já deram como provados: cingir-me-ei, unicamente, à interpretação dos mesmos tal como me chegaram e que demonstram, antes de mais, que a responsabilidade do então Major Saraiva de Carvalho no êxito da revolução que viria a derrubar a ditadura é inquestionável, e é, e será sempre, digna de assinalável registo histórico, ou jamais seria credível a História.

A fazer fé nas palavras do próprio e relembrando aquilo que, à época, se ouviu e a que se assistiu, o Senhor Major não foi apenas o comandante operacional: foi a mente por detrás do planeamento do golpe militar. Foi, a bem dizer, quase tudo, sendo digna de especial menção a brilhante estratégia de, antecedendo qualquer ação armada de maiores dimensões que poderia resultar num banho de sangue, ordenar a tomada das principais estações de radiodifusão e de televisão.

Silenciou, assim, o regime e, simultaneamente, assegurou, numa altura em que ainda não se falava de telemóveis, um veículo eficaz e simples de comunicação com os revolucionários espalhados por todo o País. Isto, sem esquecer a excecional relevância da ativação de escutas das conversas dos governantes entre si por se haver assegurado, previamente, a colaboração da Escola Prática de Transmissões*).

Entretanto, sob o comando do Capitão Salgueiro Maia*), avançava sobre Lisboa uma gigantesca coluna armada até aos dentes que, num primeiro momento, não passava, afinal, de uma genial manobra de diversão destinada a desviar as atenções das outras e primordiais operações.

Otelo Saraiva de Carvalho
Sem prejuízo de o 25 de Abril, mais tarde ou mais cedo, sempre acabar por acontecer, no planeamento e, talvez sobretudo, no improviso - inevitável em qualquer operacionalização -, dificilmente alguém com menos chama, menos vivacidade, menos carisma teria sido tão eficaz como Saraiva de Carvalho, a quem se deve boa parte do retumbante e tanto quanto possível pacífico sucesso da Revolução - goste-se ou não do Major e da Revolução.

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Já a atuação subsequente, não só pelo que fez, mas pelo que disse sem hesitação ou pudor, dúvidas não pode deixar quanto à certeza de que, quanto na Primavera de 74 fez de bom, lhe granjeou, para toda a vida e além dela, um estatuto que as qualidades pessoais manifestamente não mereciam e com o qual nunca soube lidar; e não deixa, também, dúvidas de que, na base de quanto fez, jaziam projetos e intenções dos quais custa até falar.

A evolução pela via democrática do "País que em 25 de Abril viu abertas com estrondo Pá as portas de uma esperança Pá enorme Pá no Futuro" acabaria por desiludir, profundamente, o Herói a quem arrepiava a "democracia representativa ocidental burguesa" e não escondia que “não viemos aqui para assaltar o poder. Mas queremos transformar o poder” - que, à data, já era democrático, algo que, na visão distorcida do Major, seria, sempre, de condenar.

Quaisquer incertezas que subsistissem relativamente ao que entendia por liberdade e democracia, ficaram definitiva e inequivocamente esclarecidas na sua frase “custa-me a admitir que, estando nós a fazer uma revolução decididamente no campo da esquerda, possamos admitir vozes de direita. Pessoalmente, isso repugna-me, mas, democraticamente, no âmbito da democracia ocidental burguesa, tenho de as acatar e respeitar*).

De outra forma dito: uma democracia em que todos votassem naquilo a que Saraiva de Carvalho chamava esquerda revolucionária - na qual, graças ao estatuto de heroico libertador, as suas modestas qualidades intelectuais de alguma forma pudessem brilhar - estava muito bem.

Mas, nada mais.

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Apesar de toda a sua propensão para o mediatismo, demonstrou ignorar que, propositado, necessário ou acidental, o bem que se faz gera, em quem o pratica, inilidível responsabilidade pela perpétua dignificação da memória dos feitos junto de quem deles se apercebeu, pelo que nenhum ídolo, seja de quem for, tem o direito de boicotar a própria obra; e, em matérias, tão importantes e sensíveis como a Liberdade e a Democracia, não pode a tal ponto desiludir, quase renegar.

Dever Histórico de Agradecer
O dever histórico de agradecer ao competente Oficial pelo que fez para derrubar a ditadura rápida e implacavelmente cedeu perante todo o aberrante que, nascido deste enviesado conceito de democracia, se lhe haveria de seguir.

O que de bom possa ter feito, começou em Março de 74, e logo em Abril seguinte terminou.

O que depois disse e fez demonstra que, desde o início, agiu com propósitos de tal maneira inconfessáveis que obnubilam por completo o mérito residual pela organização e operacionalização do golpe militar, pelo qual muito mais devemos à abnegação e coragem daqueles que, ao longo do tempo, sempre se souberam comportar, e o 25 de Abril souberam dignificar.

 

O Homem da Revolução

Como qualquer um pode ler nas entrelinhas da imprensa de agora e da de há mais de quarenta anos, a personalidade do Extinto era tudo menos complexa, antes de uma simplicidade atroz: tratava-se de um indivíduo intelectualmente pouco dotado, sanguíneo de carácter, sanguinário de temperamento e de educação e instrução assaz elementares no que não dissesse respeito ao combate e à ação militar.

O facto de ter sido um homem dito de esquerda radical que, apesar disso, dizem as más-línguas ter trabalhado para a Comissão de Censura - entre outras incoerências de percurso - não pressupõe qualquer complexidade, antes transmitindo uma ideia de confusão, de indecisão ou, mais simplesmente, de uma absoluta ausência de ideais além de, ora este, ora aquele que aqui ou ali ia apanhar.

De raciocínio e discurso mais que elementares, nele não sobressaía uma espinha dorsal, pessoal ou política: mais parecia um daqueles ditadores pantomineiros que se apoiam no que e em quem lhe vier à mão, só não tendo levado a bom porto os seus desgraçados intentos por ter sido travado a tempo por outros militares, pelas forças de segurança, pelos tribunais e, antes disso, pela clareza do voto popular.

Como ideal, Saraiva de Carvalho tinha, notoriamente, uma narcísica ânsia de protagonismo, anos depois bem patente no símbolo da Força de Unidade Popular (FUP)*)- e que, como caso de estudo, importaria, provavelmente, à investigação de alguma mais ou menos interessante patologia -, bem como uma sede de poder pessoal impossível de cercear.

Presidência da República
Não pode, é verdade, dizer-se que esta postura difira substancialmente da de certos governantes e outros políticos também sem conteúdo ideológico bem definido que em certos regimes ditos democráticos operam e não passam, afinal, de operacionais da luta pela própria imagem e pela saúde do respetivo património, em terras onde a corrupção continua, com o freio nos dentes, a cavalgar. Deve, no entanto, notar-se que, contrariamente a estes, Otelo Saraiva de Carvalho jamais quis assumir a liderança do Estado num quadro democrático, quando teve oportunidade para tal: apenas viria a candidatar-se à presidência da República, cereja no topo do bolo da imortalidade que sempre almejou ganhar.

Estaria, apesar de tudo, ciente de que, apesar da indiscutível competência no plano militar, não detinha qualificações mínimas para governar e que, aceite o poder e exercido este de forma incompetente, se iria a sua bem querida imagem, inexoravelmente, degradar?

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Um patente e avassalador complexo de inferioridade relativamente àqueles a quem, num plano que não fosse o das armas, o Major jamais poderia surgir como igual estava, possivelmente, na origem do ódio mortal pelos opositores sentido por alguém que sempre achou que “se tivesse cultura livresca, podia ter sido o Fidel Castro da Europa”.

Bem, se não tinha, tivesse tratado disso, já que de tal nada nem ninguém o impediu, além da vontade própria de se dedicar a outras artes que conhecemos. Graças a estas, pode alimentar o desgraçado sonho da tomada do poder pela força e posterior instauração de um regime que nada tinha de democrático, antes passando por um Projeto Global dominado por um partido político radical e apoiado por um exército revolucionário que não olharia a meios para garantir a implementação das suas políticas governamentais, “visando a destruição, pelas armas, do regime democrático português*).

Ora, poderá o propósito de eliminação pura e simples de quem não se enquadrasse na tal definição muito própria de democracia - fuzilar os contrarrevolucionários no Campo Pequeno*), quem sabe se depois de os tourear - deixar de nos lembrar, salvas as devidas distâncias e proporções, um alucinado que, décadas antes e apoiado por fidelíssimas, hipnotizadas e poderosas forças armadas e de segurança implementou, não um projeto global, mas uma Solução Final igualmente pensada para a eliminação dos que, na sua doentia opinião, não eram dignos de respirar o mesmo ar que ele?

Será caso para se pensar...

 

O Lado Mais Negro
O Lado Mais Negro

Para vergonha imensa de todos nós, o Português que, com especial preponderância, organizou e operacionalizou o 25 de Abril de 1974 era adepto do terrorismo ideológico, e não tinha qualquer vergonha de considerar fascistas as democracias de tipo ocidental.

Provou-se que cometeu e mandou cometer crimes - não apenas "excessos" -, e o facto de a condenação inicial ter sido revertida por decisão do Tribunal Constitucional*), amnistia ou indulto e ter sido dispensado da pena ainda não cumprida em nada diminui a forte e dolosa culpa ou contamina a decisão relativa à prova dos factos.

Assim, dúvidas não restam de que o posterior sucesso do Major Saraiva de Carvalho na agregação de vontades de uns quantos visionários radicais como ele - que culminaria na formação das Forças Populares 25 de Abril (FP-25) de má memória - apenas serviu para espalhar, nos espíritos da população, o medo; nos corpos a mesma morte que, de forma bem mais pacífica, agora o veio chamar.

Pela força, procurou implementar um reinado de autêntico terror que, sucesso tivesse tido, não hesitaria, como a tentativa não hesitou, em recorrer à banalização do homicídio com dolo direto puro e simples*); à detonação de engenhos explosivos em representações diplomáticas e instalações militares, com o intuito de outras vidas tirar; ao roubo à mão armada a inúmeros bancos para se financiar, e a instalações do Estado para de se apropriar de impressos que permitissem às FP-25 diversos documentos falsificar; à emissão de mandados de captura em branco para mais facilmente ser perseguido quem ao caminho se lhe viesse atravessar.

Não me lembro, em contrapartida, de ter ouvido falar de sequestros: as FP-25 não faziam prisioneiros. A ordem era, sempre, para matar.

Uma antiga piada de gosto duvidoso dizia que os comunistas comiam criancinhas ao pequeno-almoço, o que não era, evidentemente, verdade; mas era verdade que, sem piedade e pelas mãos das FP-25, Otelo mandava matar-lhes os pais*).

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Quem não acreditar neste rosário de crimes dados como provados, que ataque específica, lúcida e fundamentadamente a prova produzida e validada em juízo, ou para sempre há de se calar: bramar à toa contra uma sentença apenas causa alarde e ofende o sistema judiciário que garante a segurança e a paz social, inclusivamente a esses mesmos que o atacam apenas quando à defesa da memória dos seus pouco merecedores heróis isso convém.

Chocam-se, e ajudam à festa do vexame público, quando agora algum outro assassino é condenado - especialmente se tiver vitimado alguém das relações deles. Nesses casos, não se preocupam em criticar as decisões judiciais. Já no caso do Major Saraiva de Carvalho, indignam-se quando se belisca a imerecida e distorcida imagem que o próprio a tantos trabalhos se deu para criar e fazer admirar.

FP-25 Forças Populares 25 de Abril
Chamar romântico e idealista a quem, sem remorso, por um difuso ideal manda matar, apenas fará sentido aos olhos dos que consideram o caminho do roubo e do assassinato como uma mera escolha infeliz, e entendem que algo tão inqualificável como as FP-25 faz parte da inenarrável utopia com que gostam de sonhar.

Diz-se, com verdade, que o 25 de Abril é historicamente mais importante do que as FP-25, que lhe são marginais. Mas Saraiva de Carvalho foi protagonista também nessa Frente terrorista que tentou subverter os ideais da Revolução dos Cravos; e, ao contrário da maior parte dos outros heróis de Abril, fez parte da gente que não soube nem sabe estar.

Anedotário Politicamente Correto

De mortuis nihil nisi bonum *) está muito bem, mas não apaga a memória individual ou coletiva, e apenas é de seguir desde que algo de fundamentalmente, de estruturalmente bom haja a dizer de quem morreu, e não apenas de um ou outro feito mais ou menos sensacional se possa falar.

Não sendo esse, propriamente, aqui o caso, o chavão da personalidade complexa foi a forma elegante que lá encontraram políticos proeminentes e comentadores já não muito incipientes para definir o popular Defunto, assim procurando fugir a acusações de maledicência comezinha e esquivando-se a, sobre ele, ter de dizer algumas coisas necessariamente embaraçosas tratando-se de quem se trata, fossem elas “boas” ou “más”.

Não passam, pois, no quadro aqui descrito, de desengraçadas anedotas as que saem da boca ou da pena de quem pretende estarmos perante de um "enfant térrible" com uma "história empolgante e apaixonante para contar", e uma "personalidade complexa" e dominada por um intrigante "lado lunar".

Bem pelo contrário, das públicas palavras proferidas após a morte - e dos não menos públicos e eloquentes quase silêncios - por quem a seu lado lutou ou nele acreditou, apenas pode concluir-se que o agora Tenente-Coronel não passou de um alucinado sem qualquer vontade de liberdade que não fosse a dele, sem sentido de responsabilidade democrática, sem qualquer competência além da inerente à conceção e operacionalização da preferencialmente violenta ação – sem prejuízo, naturalmente, do derramamento de sangue que, em 25 de Abril, a sua notável capacidade de organização permitiu evitar.

Para muitos, um grande incómodo político enquanto viveu. O mesmo incómodo agora, que morreu sem que alguém que queira ficar bem na fotografia dele aceite dizer alguma coisa: mal, não pode, por causa do dever histórico de agradecer o bem, ainda que acidental; bem, também não, já que dispensar encómios a quem demonstrou ser o que a História sabe que era acarreta um custo político que se não pode desconsiderar.

Verdadeira Liberdade
Saraiva de Carvalho era corajoso, sem dúvida; temerário, até. Foi o comandante da operação, o responsável máximo, o que mais arriscou.

Mas arriscou por ele mesmo, por aquela que, do que mais tarde fez e das palavras que proferiu, emerge como a sua verdadeira e inconfessável causa. Outros, muitos outros, arriscariam tudo lutando por todos nós, pela verdadeira Liberdade. Como entender que um seja mais falado e louvado do que os outros?

Luto nacional? Discorde-se do Governo no que se quiser, mas aqui não é possível deixar de acompanhar.

No entanto, lá conseguiu a sua homenagem: embora em Julho, não em Abril, morreu a 25, distinção que lhe fez, quem sabe, um Além capaz de descortinar para lá dos atos cujas motivações perversas e distorcidas as nossas limitadas e imperfeitas mentes não sabem aceitar; e os nossos corações sangram por não poder negar.

 

Cuidar do Futuro

Não se ouve muito a gente mais nova falar de Otelo Saraiva de Carvalho, mas é pena: como os jovens não viveram as emoções de Abril, estão, talvez, mais habilitados a julgar com objetividade a pureza, a crueza dos factos, sem preocupação com a memória e com o politicamente correto, e sem receio de derrubar de um esboroado pedestal de barro quem há muito lá não deveria estar.

Gratidão aos corajosos Capitães por tudo aquilo que o 25 de Abril significou e significa para cada um de nós, todos a sentimos; em alguma medida, mesmo quem a data faz questão de, estupidamente, continuar a invetivar.

Mas a data tem suficientes heróis, verdadeiros heróis, para que, presa da emoção excessiva e da memória curta, a sua lembrança fique excessivamente dependente de um protagonista que, além da atuação naquele incomparável e decisivo mês de Abril, pouco deixou para louvar.

Nada há de mais natural do que cada um de nós povoar o imaginário com os seus ídolos, e quase os endeusar na exata medida em que a nossa endémica insegurança o recomendar: sentimo-nos mais seguros, sentimos que fazemos parte, que somos importantes ao projetar neles as qualidades que gostaríamos de ter.

Ficamos felizes quando os tais ídolos nos entram em casa pela televisão, quando dizem bem deles, quando têm sucessos, quando marcam um golo. Pelo contrário, ai de que diga mal deles e, se algum não defende um remate ou, pior, a equipa perde, pobres de nós e, sobretudo, daqueles que levam com os despejos mais ou menos explosivos das nossas emoções.

Cromos da Bola
Aos cromos da bola tudo é permitido; e, afinal, pouco importa, já que nos seus pés apenas uma bola está em jogo: nada que a Humanidade possa, verdadeiramente, afetar. Mas a apreciação da pessoa e o julgamento dos atos do então Major Saraiva de Carvalho não pode fazer-se com a ligeireza e o fanatismo inconsequente de quem comenta um desafio de futebol: louvar, apaixonadamente esta sem dúvida importante pessoa é defender e enaltecer os seus feitos, todos os seus feitos, e subscrever, não apenas todos estes, mas a forma de estar na sociedade e na vida a que, com boa parte deles, nos quis condenar.

O que gostaríamos de ver amanhã em Portugal? Será, mesmo, o jugo terrorista de uma ditadura popular? Será a imagem do agora Tenente-Coronel Saraiva de Carvalho o ideal de Cidadão que  aos nossos jovens queremos passar?

Se não é, vamos lá arrefecer um pouco o ânimo e selecionar com alguma objetividade e critério aqueles que queremos e devemos elogiar…

 

Requiescat

Desenganem-se os que ainda pensam que há dias morreu o alguém de "pouca cabeça e muito coração" de que o recente anúncio de cerveja nos vem falar: quem, há dias, morreu foi um ídolo de pés de barro, o implacável comandante do COPCON, o rosto da FUP, o homicida por detrás das FP-25, o autor e promotor da aberração que, a exemplo de outros ditadores, queria impor a todos nós: o muito seu Projeto Global de imposição, pela força dos explosivos e das armas e ordenando a aniquilação dos adversários, daquilo a que chamava verdadeira democracia, mas não passava de um reinado de terror.

A América Latina teve Guevara. Por cá, e à nossa maneira incuravelmente tuga, tivemos um aluado que nem lhe chegava aos calcanhares e tudo fez para aniquilar, subvertendo-o, o regime democrático que dizia defender e que, por ser instrumental na senda de um objetivo pessoal, com inegável coragem e dedicação num curto e muito feliz momento acabaria por ajudar a implantar.

No dia 25 de Julho de 2021 morreu um duro e rude, mas muito competente,   operacional e estratega, a quem, em vida, a maior parte dos políticos viraria a cara, se pudesse, e agora, morto, reza para que dele lhe não venham falar.

Para os radicais de esquerda que se não podem dar ao luxo de deixar de o idolatrar e para os verdadeiros e valorosos Capitães de Abril, de nobres propósitos a que se mantiveram fiéis, e que souberam, cada um, ocupar na vida posterior o respetivo lugar, o Tenente-Coronel Saraiva de Carvalho foi, será sempre, o espinho que nem a morte soube arrancar.

O quam cito transit gloria mundi!


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