quinta-feira, 11 de agosto de 2022


O Princípio da Incerteza


"Não é a vida caracterizada, antes de mais, pela imensa incerteza, não apenas quanto ao futuro,
mas também quanto à realidade presente e à verdade dos relatos do passado?
Não vive a Humanidade angustiada, procurando os mais sensatos proteger-se dos impactos previsíveis ou apenas imaginários
com que a própria essência das coisas inevitavelmente povoa a aparentemente inesgotável sede espiritual das nossas preocupações? 
"

"Como podem a endémica incompetência, o desnorte das opções, o primado da corrupção e a dependência do compadrio
gerar certeza seja em quem for, a propósito seja do que for? Como pode considerar-se que a incerteza na gestão da coisa pública
é de agora, e não um virus omnipresente em todas as paragens e regimes ao longo dos tempos? 
"

"A ambiguidade é, no panorama linguístico, não o princípio ou o início da incerteza, mas a própria essência da mesma "

O Princípio da Incerteza
Terá a morfologia facial evoluído no sentido de permitir aos hipoteticamente superiores espíritos humanos comunicar entre si ou, inversamente, terão os ditos espíritos começado a comunicar verbalmente num aproveitamento da dita evolução?

Qualquer que seja a resposta, parece certo que a razão de ser e o objetivo da fala é a comunicação entre os humanos, tal como já sucedia com a expressão corporal e viria a acontecer com a  bem mais recentemente inventada escrita.

Sabemos também, à saciedade, que só quando prosseguida de forma rigorosa e contemplando a possível perfeição será qualquer atividade animal razoavelmente conseguida no seu propósito. A falta de caso, a preguiça, o facilitismo e vícios similares comprometem, seriamente, a eficácia e a eficiência da ação, a ponto de, em casos extremos, tornar contraproducente o resultado final.

Se, na infinidade de sinais a que poderia recorrer, a mera linguagem corporal era, inevitavelmente, pouco rigorosa, imprecisa, a linguagem verbal viria, decisivamente, complementá-la como uma forma eficaz de limitar a dispersa e caótica sinalética, assim tornando potencialmente muito mais precisa a correspondência entre a ideia e a mensagem que a veicula entre os espíritos.

Através da combinação, em palavras, de fonemas de correspondência sonora relativamente constante dentro de um mesmo idioma, apurou-se, pois, a transmissão e a captação da ideia contida na mensagem, drasticamente reduzindo a ambiguidade e a indefinição.

Na senda do mesmo objetivo, a evolução inteligente da utilização da palavra deveria, então, ser a da constante afinação e da cada vez mais rigorosa utilização do idioma: nunca a da sua deterioração, seja por via da desenfreada polissemia, seja pela do desprezo que cada vez mais vamos notando para com as mais elementares regras gramaticais.

Esta inversão de sentido, esta desvalorização da função elementar da linguagem verbal encontra-se, porém, de tal forma enraizada no tendencialmente permissivo espírito humano que qualquer norma é prontamente revogada à primeira violação pela pena de um escritor, como se, ao subverter, supostamente em benefício da manifestação artística, o edifício gramatical e a precisão vocabular, qualquer romance fosse, por natureza, um código, uma cartilha pela qual todos nós a língua portuguesa devêssemos estudar.

Bem pelo contrário, e como já aqui opinei, "um escritor dá às suas frases a forma que melhor lhe parece exprimir as ideias, sem observar estritamente as regras gramaticais. Mas essa liberdade poética apenas deve afetar o texto, nunca servindo de fundamento para a alteração das ditas regras, ou toda a estrutura do idioma irremediavelmente acabará por soçobrar".

Daqui decorre que, seja quem for que, por indiferença ou em nome da criatividade, sistematicamente utilize de forma inadequada o vocabulário e viole as regras da gramática jamais poderá ser confundível com um teórico da língua.

Apenas patenteia, em tal matéria, inaceitável ignorância larvar.

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O princípio da incerteza, de Werner Heisenberg, sustenta que, observando uma determinada partícula de matéria, não é possível, com exatidão, determinar a posição e, simultaneamente, medir a velocidade daquela - algo que, cingindo-nos aos conhecimentos e aos métodos da física clássica, deveria ser possível fazer-se.

Segundo a física quântica, apresenta-se, assim, o dito princípio como mais uma forma de demonstrar que o Universo age mais misteriosamente do que aquilo que nos têm feito crer - embora a conclusão pela impossibilidade de apurar os valores com absoluta certeza se deva ao facto de serem utilizados, à falta de outros disponíveis, métodos invasivos para efetuar as medições.

Ora, instruídos que foram todos os atuais comentadores do programa da assim chamada CNN Portugal "O Princípio da Incerteza" na conjunto de áreas do conhecimento conhecida pela designação genérica de humanidades, será que foi o postulado de Heisenberg o inspirador do título adotado? Dificilmente, ou estaríamos perante uma provável demonstração de despudorada presunção, ou de  desmesurada cosmética mediática.

Será, então, que, no título do programa, princípio exprime a ideia de início, e não de lei geral da física, de parte da sua informação fundamental?

Mas, a assim ser, também aqui se manifesta insanável dúvida. Pois não é a vida caracterizada, antes de mais, pela imensa incerteza, não apenas quanto ao futuro, mas também quanto à realidade presente e à verdade dos relatos do passado? Não vive a Humanidade angustiada, procurando os mais sensatos proteger-se dos impactos previsíveis ou apenas imaginários com que a própria essência das coisas inevitavelmente povoa a aparentemente inesgotável sede espiritual das nossas preocupações?

Falar do início da incerteza seria, pois, refletir sobre as origens do Universo, ou seja, algo muito distante da linha editorial do programa televisivo de cujo título aqui se trata.

Considerada esta, poder-se-á, naturalmente, considerar a possibilidade de se tratar do início, não da incerteza absoluta, primária, mas, por exemplo, da incerteza ou insegurança na gestão política do Estado. Mas como podem a endémica incompetência, o desnorte das opções, o primado da corrupção e a dependência do compadrio gerar certeza seja em quem for, a propósito seja do que for? Como pode considerar-se que a incerteza na gestão da coisa pública é de agora, e não um virus omnipresente em todas as paragens e regimes ao longo dos tempos?

Até que alguém que saiba a esclareça, a dúvida subsistirá, assim, quanto ao sentido em que, na escolha do título, o termo princípio foi selecionado: lei fundamental, ou início de algo? Neste caso, início de quê?

- x -

Preferir, na circunstância, a utilização do termo início - ou começo - eliminaria qualquer dúvida quanto a ideia a transmitir: início exprime, sempre, o primeiro estágio, o lançamento. Isto, apesar de poder discutir-se a correção de atribuir-lhe, como alguns fazem, o significado de preliminar ou preambular, já que não parece seguro que pre não signifique que antecede o início da ação propriamente dita, a qual se destinaria a preparar ou enquadrar.

Em qualquer caso, o que importa reter é que a ambiguidade vocabular sempre será de evitar, sem prejuízo, naturalmente, da saudável criatividade, da originalidade que, desejavelmente, se procurará imprimir às manifestações do espírito, sob pena de, assim não sendo, tudo se resumir ao sensaborão, ao acinzentado de uma vida em que, praticamente, nos limitaríamos a respirar.

A ambiguidade é, no panorama linguístico, não o princípio ou o início da incerteza, mas a própria essência da mesma, a par com o facilitismo gramatical que, em boa parte por via da importação de vocábulos e estruturas próprias de variantes do idioma desenvolvidas noutras partes do Mundo, mina, não apenas a clareza da ideia, o rigor da mensagem, a destreza do raciocínio, mas, com elas, a qualidade da interação do ser humano com os seus pares.

A riqueza vocabular reside na diversidade da utilização de termos com significados semelhantes, próximos, sem deixar de respeitar a particularidade de cada um deles: não no empanturrar das palavras com significados, levando a que, um dia, qualquer coisa querer dizer uma coisa qualquer, e deixemos de conseguir captar a ideia precisa ou, sequer, uma aproximada da que pretende exprimir quem escreveu ou está a falar.

Generalizada muito para além da mais ampla razoabilidade e longe de corresponder ao enriquecimento da língua, antes à degradação da sua beleza e da sua utilidade, a desenfreada polissemia apenas torna mais difícil a já de si difícil arte de comunicar.

A gramática de um idioma define-se pela estrutura lógica, e não pela utilização
mais ou menos própria que, aqui ou ali, um ou outro escritor dela fará.

A existência de regras gramaticais perde todo o sentido se, em lugar de definir como devemos exprimir-nos,
a gramática se limitar a observar como vamos facilitando a expressão, preferindo levar à conta da chamada hipercorreção
qualquer tentativa de resistência à degeneração.

segunda-feira, 8 de agosto de 2022


São Miguel de Seide - Casa de Camilo e Acácia do Jorge

 Casa de Camilo e Acácia do Jorge


"Pov. e freg. de S. Miguel, da prov. do Minho, conc. e com. de V. N. de Famalicão, distr. e arceb. de Braga; 77 fog. e 210 hab. Tem esc. do sexo masc. e está situada a 4 k. da margem direita do rio Ave e a 6 da séde do conc. A terra é fértil e cria muito gado bovino, que exporta para Inglaterra. Pertence á 13.ª div. mil. e ao distr. de recrut. e res. n.º 8, com a séde em Braga. Era n'esta pov. a quinta de S. Miguel de Seide, onde durante muitos annos residiu o grande romancista Camillo Castello Branco, visconde de Correia Botelho, e foi alli que elle se suicidou em junho de 1890 ".

Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues,
in "PORTUGAL - Diccionario Historico, Chorographico, Heraldico, Biographico, Bibliographico, Numismatico e Artistico" -
- vol.VI, pág.785 - João Romano Torres & C.ª - Lisboa, 1912

Leia aqui a opinião de Camilo sobres as cidades

quinta-feira, 28 de julho de 2022


"Alien"

Olham-me, quando por eles passo na rua.

Uns, com ar divertido, outros com ar trocista; uns com ar de pena, outros de censura, outros ainda com o olhar fugaz dos que se apressam a desviá-lo porque parece mal ficar a olhar.

O mesmo numa loja, num qualquer espaço público, ou quando me levanto, no restaurante, para ir lavar as mãos antes de começar.

Também eu não sei como os contemplar. Nem sei, mesmo, se devo desviar ou devolver o olhar.

Estão, claro, no pleno uso do seu direito à liberdade de ser, de estar, de observar, de uma opinião formar e de, a todo o tempo, a inverter ou renovar.

Sou eu o desenquadrado, o retrógrado, o pária de uma sociedade virada para a frente e para a ânsia de aproveitar ao máximo, enquanto isto da guerra não alastra, o ar que respira e aquilo que, da vida, vai podendo tirar.

Por que não? Por que não, afinal, se o mesmo parecem fazer quantos por aí vemos deambular?

Pouco importa. Faço o que faço, ajo como ajo, e continuarei a agir enquanto uma culpa minha puder pôr em risco o bem-estar comum, a economia do Estado e a estabilidade dos outros que por cá têm de andar.

Uso máscara, e continuarei a usar enquanto o bicho por aí andar.

Uso-a, por muito que uns e outros prefiram esquecer o assunto e assobiar para o ar.

terça-feira, 26 de julho de 2022


INATEL Oeiras


Para os que ainda são do tempo em que um motel era uma unidade de alojamento,
aqui fica um postal com algumas imagens do atual INATEL Oeiras
quando ainda se chamava
Motel Continental

Inatel Oeiras

"A pov. é muito antiga, mas não se sabe quando foi fundada, nem o nome do fundador, desconhecendo-se também a data em que se formou a parochia (...).

Oeiras era apenas uma aldeia, grande e muito bem situada. Em 6 de junho de 1759 D. José I, elevando o seu primeiro ministro, Sebastião José de Carvalho e Mello, a conde de Oeiras de juro e herdade, e seus irmãos a secretários de Estado, deu a esta povoação a categoria de villa, por um alvará passado logo no dia seguinte, 7 de junho. Desde então começou para a nova villa uma epoca de esplendor e desenvolvimento, mas por morte do seu primeiro conde, mais tarde marquez de Pombal, ficou estacionaria. O referido monarcha deu foral a Oeiras, no paço d'Ajuda, a 25 de setembro de 1760. Esta villa é das poucas terras portuguesas que têm foral novissimo, isto é, dado pelos successores d'el-rei D. Manuel(...).

A praia de Oeiras é bastante concorrida na estação balnear por familias de Lisboa e d'outras localidades. À beira mar formou-se ha poucos annos uma nova estancia balnear muito aprazivel, chamada Santo Amaro. Tem-se edificado ali ultimamente elegantes chalets, e tem estação na linha de caminho de ferro de Cascaes, que fica entre as de Paço d'Arcos e Oeiras (...).

El-rei D. José, no verão dos annos de 1775 e 1776, habitou com toda a côrte n'aquelle majestoso palacio [da quinta "que se prolonga do Norte ao Sul"] para poder fazer uso todos os dias dos banhos do Estoril, que ficavam próximos. O marquez de Pombal, titulo que já havia recebido em setembro de 1769, aproveitou a permanência do monarcha no seu palácio, ne epocha mencionada, para lhe offerecer um espectaculo, fazendo-lhe vêr os resultados praticos das sabias reformas empreendidas no seu reinado, e mostrar aos portugueses e aos estrangeiros os progressos que Portugal fizera e os recursos que a sus industria promettia, respondendo assim com factos demonstrativos da prosperidade publica ás accusações e calumnias dos inimigos. Determinou então que se fizesse em Oeiras uma grande feira, onde concorressem productos de todos os generos da industria fabril portugueza, e para este fim foram enviadas circulares ás autoridades de todas as provincias do reino, ordenando que intimassem os donos da fabricas a virem armar barracas em Oeiras, e n'ellas expuzessem á venda os diversos productos da sua industria. Ninguem faltou á intimação, e a feira teve um exito completo, que foi uma verdadeira exposição de tudo quanto se fabricava então em Portugal, e assim teve a villa d'Oeiras a honra de vêr dentro dos seus muros a primeira exposição industrial que se realisou em Portugal, e provavelmente a primeira que se effetuou na Europa".

Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues,
in "PORTUGAL - Diccionario Historico, Chorographico, Heraldico, Biographico, Bibliographico, Numismatico e Artistico" -
- vol.V, pág.182-184 - João Romano Torres & C.ª - Lisboa, 1911



sábado, 23 de julho de 2022


Festa do Avante 2022

À boa maneira da propaganda comunista, escrevia-se, em 2013, que "a Entrada Permanente (EP) para os três dias, é um título de solidariedade fundamental para o êxito da Festa do Avante! A sua aquisição antecipada é uma expressão concreta de solidariedade com a preparação e construção da Festa".

Nessa altura, não havia, ainda, invasão da Ucrânia pela Rússia, nem o Partido Comunista Português (PCP) estava ferido de morte pela estultícia das posições quanto a ela assumidas. Nessa altura, ainda uma parte dos Portugueses lia a cartilha comunista com idolatrada fé e devoção, como se de um dogma quase religioso se tratasse para aqueles que nenhuma religião professavam e nenhuma fé de natureza metafísica queriam assumir.

Solidariedade! Quem poderia resistir à abusiva e despudorada utilização de um termo que exprime o que de mais nobre poderá haver no ser humano face ao drama dos que dele necessitam, para levar os incautos e pouco esclarecidos militantes e simpatizantes a financiar a atividade de uma organização política cujos verdadeiros propósitos, não sendo, então, evidentes, hoje já não é possível escamotear?

"Já compraste a tua EP?" Valia a pena, sim.

A monolítica e anquilosada cúpula do Partido descobrira, na Quinta da Atalaia, a galinha dos ovos de oiro: a indiferença dos mais jovens para com as coisas da política, em benefício da irresistível oportunidade de assistir, ao vivo, a um espetáculo musical cuja qualidade os levava a precipitar-se, todos os anos, para a bilheteira física ou virtual, no tal ato de solidariedade que lhes permitisse, pelo menos por escassos três dias, esquecer um pouco o horizonte negro que temos vindo a tratar de lhes propor. Ou impor.

Debandavam, claro, quando chegava a altura de ouvir a monocórdica cassette ligada à língua dos crânios do PCP; ou, pelo menos, aproveitavam para beber uma mine ou uma jola com o pessoal até que a tivesse fim a estafada lenga-lenga.

Depois, música, e mais música, e viva o PCP!

- x -

Já não é assim.

Os aficionados da Festa do Avante! não têm, agora, como assobiar para o lado, fazendo de conta que a "solidariedade com a preparação e construção da Festa" corresponde, em boa verdade, ao financiamento de uma estrutura que mais não visa do que minar, precisamente, os valores indelevelmente associados à solidariedade que diz promover.

A solidariedade para com as vítimas ucranianas é, manifestamente, algo que nem ao de leve perpassa o espírito daquela estranha gente para quem as receitas da Festa hoje aparecem como a forma possível de continuar a difundir a pérfida mensagem, e a financiar o punhado de zelotas que com o Partido ainda colaboram.

Adquirir bilhetes para aquilo mais não é, afinal, do que contribuir para a eternização de uma vergonha nacional que, com despudor e desplante sem par no mundo civilizado, entende que, independentemente da motivação de um e do outro, um estado invadido deve ceder perante o invasor.

Não será altura de os jovens e menos jovens amantes da música que por lá se toca terem a ombridade e a dignidade de dizer NÃO! ?

domingo, 17 de julho de 2022


Fernando Rolim: Ondas do Mar





Para quem aprecia a canção de Coimbra, aqui fica uma interpretação sentida e temperada pela idade, de um dos seus mais conhecidos intérpretes.





                                            Imagem: Youtube/Coimbra Canal