Saber quantas gravações de Mack the Knife existem será impossível. Mas quase impossível será, também, encontrar uma tão perfeita como esta, uma das mais antigas de Louis Armstrong.
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Saber quantas gravações de Mack the Knife existem será impossível. Mas quase impossível será, também, encontrar uma tão perfeita como esta, uma das mais antigas de Louis Armstrong.
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As eleições autárquicas de há quinze dias registaram a segunda maior taxa de abstenção deste tipo de ato eleitoral em democracia.
Resta concluir que, hoje como dantes,enquanto a credibilidade da política e dos seus atores anda nas ruas da amargura, "o que nós queremos é futebol".*)
"Não há no resultado em Lisboa qualquer mérito para o Partido Comunista
ou
para o seu eterno Candidato, nem tal prenuncia qualquer surpresa
agradável
para uma eleição posterior: simplesmente, aconteceu"
“Não se entende como há, no Partido Comunista Português,tantos ateus que, ao mesmo tempo,
dizem ser tão crentes e fiéis seguidores de tamanhos dislates”
“Não é livre nem defensável um estado de onde as pessoas não podem sair
para
outro que seja povoado por quem livremente escolheu lá ficar”
Já se sabe que uma boa parte dos portugueses anda para aí insolvente,
falida, endividada até mais não poder ser. Alguns, devido a percalços
familiares ou sanitários que não há como antever ou evitar, mas, porventura,
a maior parte porque gastou mais do que podia e devia, pressionada por uma
premente necessidade de embasbacar a vizinhança com a viagem à inevitável
República Dominicana, ou com o carrito novinho em folha “mais potente e maior que o teu, que até já tem uma matrícula do mês
passado”.
Dá, até, ideia de que estes lusitanos que tão bem cuidam da própria imagem
não são minimamente inteligentes ou detentores de uma instrução básica,
requisitos mais do que suficientes para se saber muitíssimo bem que,
primeiro, se cria riqueza e, só depois, se distribui o que se
amealhou; que primeiro se ganha e só depois se gasta, sob pena
de, talvez por uma vida inteira, ficarmos reféns do crédito e, connosco,
quem connosco vive e quem em nós confiou.
Isto, qualquer pessoa minimamente formada e com dois dedos de testa é capaz
de entender; e nisto se baseiam, dito de forma muito simples, os sistemas
capitalistas que, privilegiando a racionalidade na governação, se opõem aos
regimes socialistas que pretendem, a qualquer preço, distribuir pelos
trabalhadores a riqueza antes de a ter. Falo, naturalmente, dos regimes
socialistas puros, e não daquela alaranjada coisa portuguesa que, além do
punho fechado e da desafinada cantilena “Portuguesas e Portugueses”,
de socialista só o nome ainda tem.
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Como também toda a gente sabe, o grande problema do capitalismo está em, sabendo ele – e se sabe! - criar riqueza, muitas vezes se esquecer de, ainda que por via dos salários ou dos impostos, parte dela distribuir por aqueles graças a cujo esforço é amealhado aquilo que o bem sucedido capitalista acumulou.
Alguns, não distribuem porque se esquecem, ou porque nem tal coisa lhes
passa pela cabeça. Outros, porque a instrução primária e a educação em casa
não foram grande coisa, e na escola do capitalismo não se ensina a
distribuir. Em qualquer caso, torna-se, por causa desse recorrente
lapso, essencial que quem trabalha se organize em partidos políticos
ou em grupos de pressão contra o tendencial domínio de um capitalismo cada
vez mais predador.
Como escreveu um conhecido e polémico sacerdote português do séc.XVII, "entre todas as injustiças, nenhumas clamam tanto ao Céu, como as que tiram a liberdade aos que nasceram livres, e as que não pagam o suor aos que trabalham"*)
Sucede, porém, que, tal como há capitalismo bom e capitalismo pior do
que mau, também há socialismo bom e socialismo pior do que
mau. Quanto a isto, não tenhamos ilusões.
O capitalismo bom e o socialismo bom são, afinal, uma e a
mesma coisa, tal como tudo o que é verdadeiramente bom, aquilo que
habita em qualquer de nós que seja sensível ao estado de necessidade em que
vive a maior parte da população mundial e se disponibilize, pobre ou rico, a
partilhar aquilo que tem.
Não se trata, aqui, de sistemas de organização social, mas daquela bondade,
pura e simples, que, se fosse universal, dispensaria a existência de
capitalismos e de socialismos, de esquerdas e de direitas, de fações e
dessas coisas todas com que diariamente os meios de comunicação social, para
vender publicidade, nos enchem os há muito saturados ouvidos nas rebuscadas
mas vazias palavras de politólogos e de outros sabichões, muitas
vezes contratados apenas para preencher tempo de antena nas televisões.
A verdade é que, se não fosse o facto sem remédio de cada um se preocupar
apenas com o seu umbigo, bastaria uma organização elementar e consensual do
Estado para que todos vivessem com a comodidade e o conforto necessários ao
desempenho voluntário e empenhado de tarefas socialmente relevantes, bem
como ao lazer e à produção lúdica e artística, essenciais àquela pausa que a
cada vez mais martirizada mente sempre requer.
Para o socialismo mau, no entanto, isto são pormenores, como se sabe,
já que reivindica incessantemente tudo, como se nada tivesse um custo,
atirando, depois, a responsabilidade pelos inevitáveis desequilíbrios
causados pelos seus desmandos para os ombros dos governantes que tiverem
acabado por ceder à ameaça de sucessivas greves e à infernal gritaria de
braço esticado e punho erguido.
A diferença reside, afinal, na opção quanto ao momento de gastar:
loucamente,
antes de ter, ou sensatamente depois, quando já se tem.
Um pouco além do socialismo, temos o comunismo*) a procurar impor, se necessário pela força, a distribuição igualitária dos bens e dos rendimentos, num mundo - para os seus defensores, ideal - em que cada um colabora em função das respetivas capacidades, mas recebe unicamente de acordo com as suas necessidades.
Por outras palavras, para os comunistas, cada um é obrigado a dar tudo o que pode e, se puder mais, acaba por receber tanto ou menos do que os outros; o que, olhando para dentro de nós mesmos e para a cara de cada um com que na rua nos cruzamos, se vê logo que não é, de facto, o sistema político e social mais adequado para quem quer ser feliz
Exemplificando, seria esse um mundo idílico em que, designadamente, os
milionários que ganham a vida a dar pontapés numa minúscula bola para a
enfiar naquelas gigantescas balizas lá teriam de trocar o magnífico Porsche
do último modelo por um carrito do povo, como o Volkswagen
carocha do meu tempo. Mais ou menos isto…
Claro que há burros em todas as ideologias, da mais à esquerda à mais à
direita. Todavia, como só alguns comunistas é que são burros, a grande maior
parte está cansada de saber que tamanho disparate é de concretização
impossível, e que, mesmo no imaginário, só há mais de cem anos atrás poderia
ter feito algum sentido, quando não havia redes sociais, nem ao menos
informática de uso doméstico, e o futebol era coisa para verdadeiros
desportistas e da qual apenas começava a ouvir-se falar.
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O facto de ser, evidentemente, tolo o ideário comunista não obsta, porém, a
que, como já se disse, para fazer face aos desmandos capitalistas reste, a
quem trabalha, organizar-se em partidos políticos, em sindicatos, em outros
grupos de pressão.
A solução não passa, porém, pela existência de um partido único de esquerda,
muito menos um partido cuja cartilha considere normal a liquidação de quem
com ele se não identifique ou lhe não obedeça, liquidação essa por vezes até
física, como é inevitável em quem advoga a tomada do poder pela força.
Tal é a ideia muito sua que os verdadeiros comunistas têm de liberdade e de democracia, de progresso, de abertura de espírito, daquilo a que alguns chamam democracia avançada, entre outras coisas que não podem deixar de nos trazer à lembrança a prática dos talibãs - que também já se dizem avançados e modernos*).
Tampouco pode a dignificação do trabalho e de quem o executa – ou seja, o
reconhecimento de que a mão de obra não equivale à mera instrumentalização
por uns da pessoa humana de outros - ser promovida à custa do esbulho de
património alheio legitimamente detido e, muito menos, da liberdade ou da
vida dos respetivos detentores, os maiores dos direitos fundamentais de
qualquer membro da chamada Humanidade, como atualmente (ainda) julgamos
conhecê-la.
Não pode, também, a solução ser imposta à bruta, como durante décadas
o foi – e ainda o é… -sobretudo em lugares lá mais para o Oriente,
mantendo-se os seus supostos promotores entrincheirados atrás de um muro
constitucional e legal de privação de direitos, e de outros muros bem
reais, de rede ou de betão, impiedosamente apartando famílias pela força,
pelo terror de apanhar uma bala;
famílias, note-se bem, maioritariamente dos mesmos trabalhadores que os
regimes comunistas deveriam proteger, de Leste ou de Oeste ou, na sua maior parte, de
lado nenhum.
Não é livre nem defensável um estado de onde as pessoas não podem sair
para outro que seja povoado por quem livremente escolheu lá ficar.
Goradas todas as tentativas viáveis de negociação com as ditaduras à margem
das quais os ideais socialistas floresceram, descredibilizada a ação
política tradicional e pacífica de uma oposição de esquerda, como levar as
massas ignorantes a aderir à luta que alguém por elas se proponha travar? Só
mesmo acenando com o poder das armas contra a ditadura opressora.
A mensagem da tomada do poder pela força bruta aceitava-se há uns cinquenta
e tal anos, quando ainda escassos sessenta tinham passado sobre a Revolução
Russa. Hoje, apenas serve a
nostalgia de uns poucos que se lembram desses tempos, e para inflamar os
ânimos de uns quantos, bem mais jovens, que também têm, da função social do
desporto, uma leitura inqualificável.
Quanto ao resto, a cada vez mais mirrada quantidade de votos mostra bem que,
por todo o Mundo, em democracia são incomensuravelmente mais os chamados
pela causa da liberdade do que os escolhidos pelos ideologicamente
desnorteados eleitores que se dizem comunistas até que, desiludidos, começam
a votar em partidos… da extrema direita em que também não acreditam.
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Talvez os promotores dos muros – a Leste e, agora, também a Oeste, na fronteira com o México*) - não comam criancinhas ao pequeno-almoço, mas não deixa de ser verdade que sempre souberam e continuam a saber muito eficazmente tratar da saúde das suas mamãs e papás...
Além das sucessivas violações dos mais elementares direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos, todas as experiências ditas comunistas que foram
tentadas em qualquer parte do Mundo redundaram em retumbantes fracassos
sociais e económicos, quer ainda se arrastem graças aos bons ofícios do
carrasco, quer tenham soçobrado e sido os partidos que as promoveram
extintos ou reduzidos à mais simbólica expressão.
Dificilmente assim não aconteceria com regimes que, longe de efetivamente
defender trabalhadores e pensionistas, a coberto da doutrina
marxista-leninista acenavam com essa suposta defesa a indivíduos
maioritariamente pouco instruídos e muito relativamente dotados do ponto de
vista intelectual; regimes em que, uma vez tomado o poder, rapidamente
passavam os seus detentores a oprimir e a reprimir também os mesmíssimos
trabalhadores e pensionistas que neles votaram, a par dos tais capitalistas
que constituíam o seu principal alvo – e, alegadamente, o único.
Onde, de facto, alguma vez terá existido semelhante paraíso na Terra?
Pois…
Defender as classes trabalhadoras dos excessos do capitalismo sustentando-se
ideologicamente - e contra a mais elementar lógica - na irracionalidade e na
negação da evidência para além dos limites da mais pobre lucidez, parece,
não apenas incompetência e loucura, como despudorada má-fé para com os tais
menos esclarecidos e instruídos seguidores, que vão sendo mantidos na
mirífica ilusão de uma vida melhor, aparentemente com o fito único de
politicamente sustentar o poder ilegítimo de quem enganosamente nas suas
mãos ávidas o tomou.
Os recentes acontecimentos em Cuba*) não passam de mais uma demonstração, entre tantas outras, de que, de tanto andar por aí nu, o rei comunista morreu, porque a pneumonia demagógica há muito o fez soçobrar.
Certo é que a situação da economia cubana foi fortemente penalizada pela
quebra de uma atividade turística da qual quase exclusivamente depende e
que, em tempos de pandemia, praticamente desapareceu; mas não é menos certo
que de igual dependência do turismo padece este Portugal onde, apesar de
tudo, um regime (ainda) não comunista parece ter evitado um descalabro
económico comparável ou, sequer, parecido.
Não nos esqueçamos, porém, de que, em qualquer parte do Mundo e seja qual
for o sistema político vigente, a defesa dos interesses dos mais pobres e
desfavorecidos é, em si mesma, causa de dignidade tamanha que não necessita
de suporte, ideológico ou não, além da insofismável evidência daquilo que o
coração nos diz.
Não há, aliás, programa político que, de boa ou de má-fé, a não alardeie,
ainda que apenas por estar bem ciente de que, caso o não fizesse,
nenhuma esperança de sucesso um partido poderia ter numa democrática
eleição, por serem os pobres muito mais do que os ricos.
A fim de assegurar a pluralidade e evitar qualquer possibilidade de domínio
ilegítimo, importa, no entanto, garantir um quadro democrático e pluralista
no qual, em lugar de um partido comunista único, marxista-leninista, existam
partidos que pugnem por que esses sentimentos elevados sejam plasmados, não
apenas em programas eleitorais, mas na prática social quotidiana e na
governação.
Agem tais partidos num estado de delírio, de negação idêntico ao que poderia
levar um cientista a continuar a insistir em algo que, há décadas produzisse
resultados negativos, não se vislumbrando a mais remota possibilidade de
chegar a outro resultado, ou a mais remota racionalidade económica em
continuar a experimentação.
Perante a esmagadora evidência do clamoroso desastre das muitas populações
já condenadas à miséria pelos seguidores da doutrina socialista e da prática
comunista, já nem o conhecimento aprofundado da teoria tem qualquer
interesse prático: apenas interesse histórico, este, bem relevante, para
evitar que alguém volte a cair em tão alucinadas loas.
Mesmo assim, insidiosamente e contra a mais elementar razão, continuam os
partidos comunistas a impingi-las aos menos afortunados, aos
espoliados, aos explorados, a toda essa panóplia de adjetivos
artificiosos e coloridos com que, à falta de melhor, procuram, em vão,
apimentar um discurso cada vez mais anquilosado e sediço, que já ninguém de
juízo é capaz de suportar.
Numa civilização ocidental que se diz cada vez mais instruída, os poucos
alvos que restam para a besta comunista são, convenientemente, os
representantes menos educados e menos informados da população,
suficientemente néscios e ingénuos para acreditar que, uma vez atingido o
poder, pelo voto ou pela força, eles mesmos, os iludidos desafortunados, o
poderão exercer; que os outros os deixarão, efetivamente, mandar e
que se lá chegarem, acabarão por copiosos frutos tirar das aberrantes
reformas então implementadas e da sua impreparada e incompetente gestão.
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Não é, naturalmente, de excluir por completo a possibilidade de existir
gente ingénua ou mal informada, mas genuinamente revoltada com a injustiça e
o sofrimento de outros, que se filia em organizações ditas comunistas
pensando que nelas se poderá entregar com denodo à causa do bem-fazer. Mas
também não pode deixar de se suscitar as maiores dúvidas quanto à eficácia e
à qualidade da governação de um país num dia em que essas abnegadas mas
ingénuas ou mal informadas almas que facilmente se deixam embalar pela
irracional e desrazoável cantilena socialista – a pura e dura, não a
lusitanamente travestida – ocuparem funções de destaque na gestão da
coisa pública de qualquer natal torrão.
Da ineficácia prática dos propósitos comunistas tivemos, por cá, um belo exemplo na Reforma Agrária do final dos anos setenta do século passado*), bandeira fortemente agitada pelo então pujante Partido Comunista Português (PCP).
De então para cá, a inexistência de vocação capitalista do Estado tem vindo, por sua vez, a ser cabalmente demonstrada no retumbante fracasso económico da generalidade das empresas públicas, inevitavelmente condenadas à bancarrota a menos que passem a vida a tomar gigantescas injeções de adrenalina vindas do supostamente inesgotável dispensário do centro de saúde do Tesouro, alarvemente alimentado pelos nossos impostos.
No PCP de outrora, a evidente capacidade maior do Secretário-Geral então
reinante granjeava-lhe o temor e o respeito de quem, para primeiro
dirigente, não via alternativa minimamente credível àquela diferenciada
pessoa que tanto se preocupava com o caminho capitalista que entendia
estar a sociedade dele coeva a tomar.
Tinha, também, o Partido, comparativamente aos comunistas de hoje, a
superior vantagem de, ao tempo do seu período áureo, termos estado bem mais
próximos do que agora da data da Revolução, pelo que muita fé havia ainda
nas monocórdicas promessas interminavelmente projetadas pela
cassete nos megafones aparafusados nos tejadilhos dos automóveis dos
solícitos e prestáveis camaradas.
Se não houvesse fé, havia, pelo menos o benefício da dúvida relativamente a pressupostos e a teorias que, aos menos atentos ou esclarecidos, não ocorria serem, já então, velhinhas de quase três quartos de século, e provirem de uma cultura substancialmente diferente da portuguesa, desenvolvida em condições e em conjunturas que evoluíram a largos milhares de quilómetros de distância e que com as nossas gentes nada tinham a ver; condições essas que, nesta sociedade de brandos costumes, muito a Oeste, com outro clima cultural, político e, até, atmosférico seria impossível estabelecer. Quanto mais agora, tanto tempo depois, em que a cultura do facilitismo, da anestesia política, dos influencers e das cada vez mais pategas redes sociais, todo o entusiasmo pela defesa de quaisquer verdadeiros valores vertiginosamente faz esmorecer.
O Secretário-Geral de antanho sabia-o bem, porque, inteligente como poucos,
não podia deixar de o saber; e, sabendo-o, sabia também que a via da
conquista do poder pelas armas já então era uma impossibilidade quase
material, nem sequer o crédito de uma utopia podendo merecer.
Um ser humano bondoso e dotado de superior inteligência jamais acreditaria
na eficácia do chorrilho de disparates que o aranzel marxista-leninista
indubitavelmente é. Terá, então, a capa comunista do Secretário-Geral sido
meramente instrumental na sua luta pela liberdade e pela igualdade?
Dá que pensar…
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Astérix*) lutava contra o invasor. O irredutível PCP lutou e luta para nos impor legisladores e governantes ideologicamente imbuídos de uma fé cega e ácida em postulados anquilosados e ruinosos, que o trato do tempo arrasou, mostrando, na prática, a inevitabilidade do desastre social e económico a que levaria a tresloucada e alienada insistência na sua imposição – como em Cuba e em outros malogrados países levou.
Tão impossível é explicar pela lógica quem é Deus, como os fundamentos da
defesa comunista de regimes como os da Coreia do Norte e de Cuba ou da
Venezuela. Não se entende, pois, como há, no Partido Comunista Português,
tantos ateus que, ao mesmo tempo, dizem ser tão crentes e fiéis seguidores
de tamanhos dislates.
Não pode, todavia, acusar-se o outrora Secretário-Geral de desonestidade
intelectual, dada a inequívoca bondade das suas intenções. Como explicar o
que propunha, então?
Que mistérios da história íntima do PCP ocultará a cortina opaca que forra
as tão propaladas paredes de vidro do hermético e compacto partido
que, mais do que qualquer outro, mereceria o nome de bloco?
Forçado a aderir a um tipo de marketing que com ele nada tem ou
alguma vez terá a ver, o Partido Comunista Português já encomenda cartazes
num dominante azul bandeira, relegando para enésimo plano a foice e o
martelo, e estando, por vezes, o vermelho quase ou totalmente
desaparecido.
A propósito de financiamentos do Partido, diga-se, entre parênteses, que não parece intelectualmente honesto afirmar que, na Grécia, o grande erro do governo de extrema-esquerda foi não querer sair do euro*), enquanto o eurocético PCP mantém, no Parlamento Europeu, deputados que, de alguma forma, também financiam o Partido com os chorudos ordenados que, mês a mês, lhes não perdoa.
Não obstante o PCP insistir em continuar representado no Parlamento de uma Comunidade Europeia sobre a qual lançou o anátema, a efetiva sede de assumir a governação nacional é, praticamente, nula, já que, nas hostes, ninguém acredita na cada vez mais remota possibilidade de lá chegar, pela força ou pelo voto; por outro lado, dada a patente incapacidade governativa mínima por parte de velhos e cristalizados ou jovens mas cada vez mais desiludidos militantes; por fim, por bem se saber que, uma vez no poder, nenhuma das prometidas medidas poderiam implementar, sob pena de um inevitável fracasso que representaria, para o Partido, o golpe de misericórdia que vem conseguindo adiar.
Reduz-se, assim, à expressão mais simples a utilidade e eficácia do PCP como partido político, limitada a algumas intervenções interessantes dos deputados mais jovens em comissões parlamentares - um dos quais, batizado com o pseudónimo do Mestre*), já tinha regressado à sua geologia profissional e agora procura fazer esquecer um pouco a decrépita cúpula, regressando à cena com o seu ar entediado e arrogante para ajudar a salvar o que resta, ou para com o barco se afundar.
Continuarão, pois, esses jovens elementos a ser os apaniguados de um Mestre
que já não têm e alguns nem chegaram a conhecer pessoalmente, o qual, com o
seu perfil único, convencia uns e outros da suposta bondade de ideais que
talvez nunca tenham chegado a ser os dele, mas apenas o meio que lhe terá
parecido mais promissor para uma mente superior e um espírito sensível
pugnarem pelos mais desfavorecidos, pelos quais abdicou da liberdade com
coragem nobre e exemplar.
Nova gente com chama que, iludida, lá pelo Partido agora apareça, esbarrará inevitavelmente na intransponível barreira da mensagem caduca, pequenina, ridícula ao ponto de considerar uma ofensa à democracia a supressão, da toponímia, de nomes de gente cuja memória apenas perdura na nostálgica lembrança dos indefetíveis e só a eles poderá interessar*).
Defende o Partido o indefensável porque, para sobreviver politicamente, importa desesperadamente mostrar uma bandeira, um ideal, ainda que o mesmo se limite a uma visão maníaca e alienada, do Mundo, acompanhada de uma incurável mesquinhez quotidiana e de uma visão retrógrada do que, aqui e nos nossos dias, Portugal deve ser.
Disse o atual Secretário-Geral que a alternativa não poderia ser o
confinamento agressivo, mas o reforço do Serviço Nacional de Saúde, “o reforço dos profissionais com reconhecimento pelo seu trabalho”. Como sempre e como seria de esperar, ficou por explicar onde arranjaria
meios humanos e técnicos para o conseguir num curto espaço de tempo, e onde
iria buscar o dinheiro para tudo isso.
Claro que isso de arranjar dinheiro não interessa, já que os inimigos do capital dele nunca falam quando devem, apenas se lhe referindo depreciativamente comportando-se como se o que exigem não tivesse qualquer custo e só a má vontade de quem governa o impedisse a sua obtenção. Assim demonstram, para lá de qualquer dúvida, a total incapacidade para legislar, para governar, para gerir, logo, a inutilidade de como partido político continuar.
Por que não, nesse caso, deixar-se absorver pelo seu satélite Confederação
Geral dos Trabalhadores Portugueses – INTERSINDICAL, já que, aqui, parece
ser o planeta principal que orbita o satélite, e não o
contrário, como manda a ordem universal?
A INTERSINDICAL, essa sim, é eficaz enquanto grupo de pressão, natureza a
que, afinal, o ineficaz, politicamente inane e condenado Partido Comunista
Português acaba por estar reduzido, perdido que anda no reino da mera
ilusão.
O PCP fala de futuro com a convicção de um velho habitante de uma abandonada
aldeola do interior que, sabendo que futuro já pouco tem, diz ao neto que
estuda em Lisboa que quando eu morrer “esta vai ser a tua casinha” -
casinha essa que, de tão pobre e humilde, faz morrer de vergonha o dito neto
tuga, já todo garboso e importante assessor na autarquia de onde
sonha que, um dia, a secretário-geral ou presidente de alguma coisa o
ádem catapultar, ou todo embevecido no seu lugar subalterno numa
multinacional qualquer de onde sai à hora do almoço para pavonear a
camisola sete na ciclovia, ao volante da bicicleta a motor.
Para funções de relevo no tal imaginário Futuro, o PCP conta com um
candidato que, apesar do seu ar algo parado, apagado, inseguro e deprimido,
é aparentemente o pau para toda a obra, o único ainda disponível: é deputado
europeu, candidato à presidência da República, candidato à presidência da
Câmara Municipal de Lisboa, e vira o disco, e toca o mesmo até ao porto de
destino como secretário-geral, de ar, se não muito fresco, pelo menos
renovado.
Na campanha para as eleições presidenciais de 2021, limitou-se o Candidato a
acenar com a Constituição da República como se do seu programa político se
tratasse. Ao mesmo tempo, concorria contra quem a cumpre, assim demonstrando
que, bem vistas as coisas, não tem o Partido quaisquer propostas novas,
diferentes dos ditames do Texto Fundamental; e que, ao atual estado das
coisas, nada de especial tem a acrescentar ou a modificar.
Nesse caso, para quê nele votar?
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Se o PCP chegou a ter algum peso nas autarquias, não terá sido por nele
terem votado umas dezenas de milhar de combatentes armados até aos dentes,
prontos a tomar o poder em nome da classe operária - tal como não foram
quinhentos mil fascistas portugueses que, em 2021, na eleição presidencial
votaram no candidato apoiado pelo Chega!.
Ora, mesmo esse peso autárquico – que apenas confirma que as ideias nada valem, mas apenas o conhecimento de proximidade de alguns candidatos - diluiu-se e continua a diluir-se num processo entrópico já impossível de reverter.
Os resultados eleitorais*) são, assim, catastróficos e continuarão a sê-lo, já que muitos dos eleitores não sabem nem querem saber no que estão a votar, nem estão aptos a, do comunismo, absorver o que quer que seja além das ritmadas cacofonias e ladainhas, e do tom inflamado dos discursos, do punho no ar.
Das vinte e quatro presidências de câmara apesar de tudo ainda conseguidas
nas eleições de 2017 – menos dez do que em 2013 - , passou o PCP, em 2021,
para apenas dezanove, ou seja, pouco mais de metade das trinta e quatro que
há apenas cinco anos ainda eram suas.
Bem tenta o Secretário-Geral escamotear o desaire enaltecendo o resultado positivo, em Lisboa, do eterno Candidato. Parece ignorar que a tíbia vitória do novo Presidente – que, por muito sério, competente e honesto que possa ser, nenhum carisma ou traquejo político tem para ganhar o que quer que seja – se deveu a pouco mais do que à hemorragia de votos em que, por razões sobejamente conhecidas, se esvaiu o seu antecessor, votos esses que, à esquerda, fluíram, em boa parte, para o PCP, como expetável e inevitavelmente sempre haveria de acontecer.
Não há, pois, no resultado em Lisboa qualquer mérito para o Partido
Comunista ou para o seu eterno Candidato, nem tal prenuncia qualquer
surpresa agradável para uma eleição posterior: simplesmente, aconteceu.
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O que está na base do descalabro eleitoral?
Em eleições presidenciais, o PCP fica sempre de rastos por total
inexistência de personalidades empáticas e persuasivas. Nas restantes, o
desastre deve-se a inoperância e a falta de resultados práticos da ação
política do Partido: os trabalhadores portugueses melhoram de vida por
razões que, patentemente, nada têm a ver com o comunismo ou com quem o
defende, apercebem-se da inutilidade da coisa, mudam de interesses, e
segue-se a imparável descida nas sondagens e nas urnas, até ao há muito
anunciado fim.
Tirando a mainça de indefetíveis que, a fumar um desolado cigarrito, lá vai
aparecendo junto aos eternos portões fechados das fábricas, os supostamente
muito conscientes e politizados milhares de trabalhadores envolvidos
nos dias de greve já ignoram alegremente apelos à luta e passam os ditos
dias em casa, a beberricar uma jola enquanto, desalentados, veem a
bola na televisão.
Tivesse, agora, o PCP a tresloucada mas coerente e corajosa ideia de incitar à luta armada que o seu programa preconiza, e os resultados eleitorais rapidamente cairiam para o quase subsolo próprio de quem continua a fazê-lo noutras paragens. Mas não: não se atrevem a alardear, abertamente, os ideais de luta armada associados ao nome que ostentam, porque bem sabem que, em Portugal, isso significaria o descalabro, o nunca mais, a precipitação do anunciado e inevitável fim.
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Está, porém este penoso arrastar de si mesmo do velho Partido apenas a
atrasar, irrecuperavelmente, a formação de um sensato, razoável, esclarecido
e
novo e por criar partido de esquerda, combativo, com gente fresca e
renovados ideais sustentados num saudável conceito de democracia: algo muito
mais dinâmico, vibrante e empenhado do que a aparentemente corrupta amálgama
de interesses que, alegadamente, hoje nos impõe um governo de faz-de-conta,
incoerente e sem que qualquer estratégia ou substrato ideológico a sua
atuação permita identificar.
O grande problema é que, para isso seria imperioso que cometessem suicídio político os velhos do Restelo que, no interior das paredes de vidro*), ainda impõem uma disciplina férrea, macambúzios, falhos de adrenalina, enfadados, contrariados, bruscos, agressivos, nada atraentes, cujo orgulho comunista os impede até de aceitar, vinda de fora, a mais tímida sugestão.
Alternativamente, para que o Partido Comunista Português se renovasse,
haveria que ver todas essas múmias - embora valorosos combatentes
antifascistas de outrora - sair definitivamente de cena, juntamente com as
suas teimosias genuinamente socialistas, pensadas por gente que vivia as
tais realidades necessariamente bem diferentes, em paragens bem longínquas e
mais de cem anos atrás.
Uma alternativa seria mudar de nome. Mas o PCP não pode mudar de nome porque quem vota nele são fervorosos defensores de um comunismo que não fazem ideia do que seja: tal como o Benfica, perderia os associados quase todos se o fizesse. Além do mais, estaria a seguir o exemplo de um rebatizado partido de extrema-direita que procura, desesperadamente, erguer-se*).
No entanto, claro está que o Partido Comunista Português nada tem a ver com ditaduras. Pelo menos, de direita, não obstante negar o Holodomor*) com descoco igual àquele com que a dita extrema-direita teima em negar a existência do holocausto nazi.
De um modo geral, o Partido nega aquilo que a logica lhe proíbe explicar.
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Isto, é inconciliável com o facto de, em entrevista recente a um canal de
televisão, termos, de novo e sem qualquer pudor, ouvido o atual
Secretário-Geral referir-se à eterna “democracia avançada” da qual
ainda vai, sabe-se lá onde, buscar ânimo para continuar a falar; e de um “movimento sindical unitário” cuja simples designação nos leva, rapidamente, a associá-lo a um também
único e indesejável partido.
Na verdade, é preciso alguém ser mesmo muito desmiolado para se dignar dar ouvidos durante escassos segundos que sejam a quem, cego e surdo ao que se passa à sua volta e sem deixar qualquer dúvida quanto aos verdadeiros propósitos, continua a advogar, como solução para os dramas da Humanidade, a “superação revolucionária do capitalismo”*), ou seja, a tomada do poder à bordoada.
Na sociedade consumista e cada vez mais indiferente em que vivemos, é caso
para dizer que, se é com bombas e espingardas que esperam suster o
trambolhão nas urnas, mais valeria procurar pescar um ou outro voto num
asilo de alienados, nele centrando a campanha eleitoral.
A atual militância mais não é, afinal, do que o reflexo do estado de negação de quem passou toda uma vida a defender algo em que já não consegue acreditar, mas nada mais tem a que, emocionalmente, se agarrar.
Enquanto os patéticos desvarios comunistas e os seus ferrenhos e patéticos
defensores estiverem na base das linhas programáticas do
partido dos trabalhadores, estarão os ditos trabalhadores condenados
a continuar sem defesa efetiva contra as políticas de direita, como
tanto gostam de chamar àquilo que faz quem não navega na esteira do ainda
PCP.
Não é que não haja elementos jovens e válidos para levar a luta dos
trabalhadores avante, por aquilo que de essencial ela sempre representará.
Não é que não haja, nas atuais cúpulas do Partido, elementos capazes de o
manter a esbracejar à tona de água por mais uns anos. Mas, o muro inamovível
que a desoladora ineficácia económica de todas as experiências de
implementação de ideais comunistas lhe põe à frente impede a progressão, a
evolução, o desenvolvimento de ideias que, por condenarem as economias a uma
inevitável falência, estão hoje condenadas à condescendente irrisão.
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Os trabalhadores portugueses necessitam, urgentemente, de um partido novo,
moderno, nascido na sociedade dos tempos atuais, pragmático, virado, não
para a disseminação de uma estafada cartilha ideológica, mas para a
resolução de problemas concretos das classes representadas.
Necessitam de um partido credível, bem definido, e também não daquela amálgama algo estranha, ainda mais à esquerda, que entendeu tudo isto rapidamente e, para namorar os votos dos tontinhos mais à direita, agora se travestiu, em bloco, com a pele de cordeiro social-democrata*).
Mergulhado num intenso processo entrópico, manifestamente irreversível, cada
vez se torna mais evidente a inutilidade atual de um Partido Comunista
Português reduzido a, no limite, servir como muleta dileta do Partido do
Governo.
Contrariamente ao que rezam uns cartazes há tempos espalhados por aí, o
Futuro não tem Partido.
Pelo menos, este.
* *
A ditadura dos patriarcas não é, como alguns poderão pensar, um exclusivo de uma organização comunista em vias de extinção, como o PCP. Coexiste, em Portugal, pelo menos um outro modelo de subjugação, ainda efetiva, das camadas jovens à tirania de velhos incompetentes e completamente ultrapassados, mas agarrados como lapas ao poder.
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Carlos Villaret*) escolheu-a para o genérico do programa do irmão João Villaret*), genérico esse que, num tempo em que as televisões se esforçavam por valorizar o que valor tinha, era tocado ao vivo em cada episódio.
Aqui, a interpretação inesquecível de Ella Fitzgerald*) da música composta para o filme homónimo de Walter Lang*).
“Será o Universo a empresa que Deus gere, ou a obra perfeita de um deus
extinto?
Para onde caminha e quem de facto, gere todo este Mundo onde plantaram
Portugal?”
Acabava a população da Ilha de saborear um almoço tranquilo dias depois dos primeiros alertas quanto ao aumento da atividade sísmica, quando a montanha*) começou a cuspir lava e fogo, em poucos dias sepultando pedras, plantas, casas, estradas, ruas, arruinando colheitas, sonhos, expetativas, modos de vida, enfim, tudo quanto, na amostra de uma pequena ilha, tipifica a realidade e o imaginário de qualquer pessoa em qualquer parte do Planeta.
Porquê? Para quê?
Acaso? Absolutamente normal manifestação da Natureza? Ira de um deus
desagradado e vingativo?
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Todavia, tal demonstração da existência, em dado momento, de um Criador –
quiçá numa fração de segundo, na própria origem do tempo – não fornece
qualquer prova da sua persistência, nada diz quanto à possibilidade ou
probabilidade de, nos nossos dias continuar presente.
Assim, a primeira hipótese que, em plena objetividade, devemos formular é a da
eventual extinção - por causas exógenas ou endógenas, abrupta ou num processo
continuado, iniciado e terminado não se sabe quando - dessa formidável e para
nós infinita Razão que tudo terá criado, movida por causas e visando objetivos
que, com toda a probabilidade, por meios humanos jamais nos será dado
conhecer.
Será o Universo a empresa que Deus gere, ou a obra perfeita de um deus
extinto?
No último caso, tudo quanto hoje acontece por causas estranhas à atividade do
Homem dever-se-ia, unicamente, a obra do acaso em que, extinta a divindade, o
Universo teria mergulhado, num percurso lento mas inexorável para o caos
inevitável e imparável, de alguma forma semelhante ao de uma organização
abruptamente privada das suas principais estruturas diretivas.
Não obstante, mesmo no caso da morte do Criador, haveria que considerar
a possibilidade de a Sua Obra ter resultado de tal forma perfeita que, por si
só e pela mera aplicação das leis por Ele definidas, a expansão do Universo
ainda continuasse – como, do ponto físico, a Ciência sustenta que continua -,
e esse processo, em lugar de cair no caos resultante da extinção da Razão
Criadora, eternamente assegurasse um desenvolvimento coerente e sustentável
que, dessa forma, constituiria a maior prova de perfeição da Criação.
Admitamos, no entanto, como pouco provável e, convenhamos, quase risível a
simples ideia de algo ou alguém, seja lá o que ou quem for, detentor de tão
grande poder não ser capaz de assegurar a própria eternidade; ou que, talvez
cansado e desgostoso com o resultado da componente humana da Obra, dela
desistisse, suicidando-se ou, mais prosaicamente, dedicando-se a outra
atividade ou projeto.
Ou terá, de facto, assim sucedido? Será que Deus não criou o Universo apenas
para acomodar a Terra? Terá focado a sua atenção noutras paragens? Será tão
semelhante a nós ou nós a Ele que esteja sujeito à humana propensão à
desistência quando as coisas não correm pelo melhor? Ou por aquilo que por
melhor entende a Humanidade inconsequente?
Tal abandono, qualquer que fosse a forma, poria, diretamente, em causa a própria ideia de perfeição essencial à evolução natural como julgamos conhecê-la e, com ela, poria igualmente em causa a perfeição do Criador.
Não sendo, porém, esta a hipótese mais provável, resta-nos refletir um pouco
sobre as causas destes acontecimentos e, com elas, sobre as das contrariedades
naturais que, com maior ou menor, expressão e impacto, afetam o nosso
quotidiano.
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A primeira premissa a considerar poderá ser a da aparente liberdade de decisão
e de escolha que aos seres humanos é conferida, tal como, no respetivo
habitat, aos restantes animais.
Sugere ela que, contrariando opiniões pouco sustentadas segundo as quais
seríamos vítimas de um determinismo a que jamais conseguiríamos escapar, as
nossas livres opções e consequentes ações servem um propósito específico que
nos não é dado alcançar.
Afigura-se, não obstante, legítimo considerar que, na medida em que, pelo
menos no plano humano, capacidade e liberdade implicam responsabilidade, uma
significativa componente de avaliação do mérito poderá estar associada ao
acervo de comportamentos por cada um empreendido durante o tempo que
conhecemos como tal; e que este pressuposto de créditos acumulados
durante a vida poderá, razoavelmente, conduzir à conclusão de que os efeitos
da avaliação se produzirão depois da morte terrena – já que não consta que, em
vida, deles extraiamos grande recompensa… -, assim se tornando inevitável
reconhecer algum mérito às teorias que sustentam a persistência de alguma
forma de vida após a sua extinção no corpo.
A ser este o caso, e um pouco a exemplo do que acontece em situações de teste
de competências em que alguém gera situações e impactos artificiais visando
testar a qualidade da reação do examinado, as manifestações físicas da
Natureza, a não resultarem da mera aplicação rotineira de leis por nós ainda
desconhecidas ou pouco conhecidas, seriam, afinal, maiores ou menores
violações dessas mesmas leis, desde a rajada súbita que faz voar até um charco
preciosos documentos em papel, até à fantástica e arrasadora erupção de um
aparentemente adormecido vulcão.
Essas contravenções, estas violações das leis naturais, seriam, evidentemente,
empreendidas pelo único com capacidade para delas ser culpado: o
próprio Legislador, o examinador-Criador, já que apenas a ele é dado impor,
modificar, derrogar ou, mesmo revogar, a todo o tempo, os ditames do inicial
ímpeto gerador da Criação.
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Teremos, pois, de aceitar como mais provável a possibilidade de as leis
naturais terem sido originariamente delineadas de forma perfeita, sem
necessidade de quaisquer correções ou adaptações, e de estarmos nós imersos
num planeta e num Universo absolutamente estáveis.
Considerando quão pouco o que dessas leis conhecemos, decorrerão, quer os
desastres, quer as meras contrariedades que diariamente nos acontecem, do
dominante desconhecimento de algo que jamais iremos plenamente conhecer; ou da
imprudência face ao que conhecemos, consubstanciada tanto no facto de não
acondicionarmos devidamente os tais documentos e valores que acabam por ir
parar ao charco, como, por muito cruel que assim dito isto pareça, no de, com
tanto espaço inabitado na Terra, insistirmos em desafiar as leis divinas,
teimando em construir casas e a viver nas faldas de potencialmente mortíferos
vulcões.
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A objeção maior a esta maior probabilidade de validação da hipótese de um
equilíbrio homeostático inabalável, decorrente da vigência de leis naturais
imutáveis e perfeitas resume-se na pergunta: se apenas o Homem causa impactos
suscetíveis de – pelo menos, na Terra e na respetiva atmosfera, arranhando
levemente a estratosfera - interferir no curso normal da Criação, se Deus não
interfere na ordem natural que pensou e implementou, será mera coincidência a
ocorrência daquilo que nos habituámos a considerar o divino favor? Será a
oração inútil? A própria religião?
Não passarão, num tal quadro, os teólogos de alucinados exegetas de teorias
ocas, apenas úteis ao entretenimento das suas ávidas mentes, ao comprazimento
de quem se julga detentor da chave que um dia irá escancarar a porta do cofre
que guarda os divinos mistérios da Criação?
Serão as religiões nada mais do que formas de ocupar, de alienar, de evadir,
de fazer pensar noutra coisa espíritos aterrados perante o pavor do inevitável
termo? Serão elas meras formas ilegítimas de domínio - umas pelo temor, outras
pelo terror – de seres humanos por outros, fundadas na promessa de evitar o
fim aterrador?
Comparado com a aparente serenidade, naturalidade mesmo, dos restantes animais
perante a morte, que demonstração miserável este pavor imenso acaba por ser da
humana pequenez! Se estivermos a ser avaliados, que insensata prova de
incomensurável estupidez!
Como nos poderemos esquivar da distopia a tudo isto subjacente? Que propósito
útil haverá nessa esquiva, se o mérito intrínseco de cada ser humano residir
na capacidade de aceitar e de viver segundo as regras naturais do que seriam
os nossos princípio, meio e fim?
Que gozo nos trará a vida se a busca do conhecimento apenas for legitimada
pela vontade de conhecer as leis da Natureza e de a elas obedecer, em lugar de
aprender a destruir recursos do planeta e a exterminar outros seres? Se, em
lugar da luta fratricida que nos dá aquela sensação de vitória, de sucesso, de
sermos os maiores, o mérito estiver em aprender a viver em paz com o
próximo e em homeostática complacência?
O que será, então, de uma economia quase exclusivamente baseada no consumo se,
em lugar da busca incessante do prazer, repentinamente nos apercebermos do
logro e dermos meia volta rumo à vida retrógrada e sensaborona do
início dos tempos e relativamente à qual, no que toca à matéria e à técnica,
já evoluímos tanto?
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A forma indiferente ao próximo, egocêntrica, como socialmente nos comportamos
demonstra bem que, sobretudo entre a população mais jovem, já muito poucos
acreditam, após as terrenas deambulações e atribulações, no
descanso em paz numa prometida vida eterna.
Que inimaginável caos resultaria, porém, da constatação de que apenas
dependemos de nós e da capacidade de sem limites nos darmos, de aprendermos,
por nós mesmos, a coexistir? De que, na sua teoria e prática atuais, as
religiões a que quase todos se agarram serviriam, afinal, para nada, ou para
quase nada, além da manutenção, pelo temor do castigo, da ordem pública em
quanto os estados não têm capacidade de a assegurar? Da constatação de que, em
muito do que pregam, já nem os mais graduados das hierarquias eclesiais
acreditam?
Em que diferiria esse caos inevitável e manifesto do caos em que bem sabemos
já hoje viverem os espíritos de quem nada vê à sua frente além de um cada vez
mais alto, robusto e intransponível muro de realidades económicas e sociais
degradantes e sem remédio à vista, a não ser pelo inevitável sacrifício dos
bens daqueles que os têm de sobra e deles não querem abdicar, preferindo
deixar o semelhante humilhar-se, definhar, miseravelmente terminar a sua
vida?
Da mesma forma que, além da teimosia e da imprudência humanas, o
desconhecimento da maior parte das leis naturais nos expõe à brutalidade de
alguns dos seus efeitos, o deliberado desconhecimento, por desinteresse, do
nosso semelhante torna-nos alvo da sua luta pela sobrevivência.
Tal como, em La Palma e tantas vezes em tantos outros lugares, a Terra alerta
para o facto de existir e de ser merecedora do nosso respeito, também
populações inteiras de despeitados e perseguidos nos chamam do seu trágico
inferno; ou, reprimidos, se calam, assim avolumando gigantescas tensões
latentes que um dia farão rebentar a crosta: não a terrestre, mas, uma vez
mais, a social, para gáudio dos criadores de vírus mortíferos e dos
fabricantes e vendedores de armamento.
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Terá sido o Deus criador de tudo isto a guiar-nos ou a empurrar-nos até
aqui? Terá o progresso da
espiritualidade e da nossa humanidade acompanhado, proporcionalmente, o da
técnica, o da habilidade política, o da arte de amealhar, de brilhar, de
escarnecer, de espezinhar, de aniquilar?
Poderemos, em nossa defesa, invocar a fatalidade de um suposto determinismo
que nos impede de ser outros, de agir de outra forma? Até quando continuaremos
a desculpar o ataque feroz à Natureza, ao Planeta, à própria Humanidade com
aquilo a que, comodamente, chamos a natureza humana? “Somos assim, o que se há de fazer?”
Pois é bom que haja, e que se encontre depressa o que áde fazer.
Ou será que nem o rebentamento do Cumbre Vieja foi suficientemente forte e
gritante para nos alertar para o que, não por gestão divina mas por
imbecilidade humana, está aí à porta, já que esta ínfima bolinha do imenso
Universo que esse Deus criador concebeu e materializou - e, porventura, ainda
gere - já não aguenta mais impactos de quem ainda se não consciencializou do
facto de, para tudo, dela depender?
Até quando aguentará a Terra a nossa imprudência?
Até quando continuará Deus a acreditar em nós?
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Tê-las-emos em menor ou em maior grau, mas sempre com a possibilidade de, por
via da educação ministrada por terceiros ou mediante o exercício da reflexão a
que a qualidade dos recursos mentais e espirituais de que fomos dotados nos
obrigam, em prol da Humanidade desenvolvermos e ampliarmos essa sabedoria e
essa sensatez.
Somos, também, moralmente obrigados a dispensar a atenção devida, não apenas à
aprendizagem das leis naturais conhecidas e ao desvendar das outras que operam
sem sabermos, mas ao próximo, a quem nos rodeia, a quem, tal como os fenómenos
naturais, a cada momento provoca, em muito maior quantidade, impactos
relevantes na qualidade e na utilidade da vida de cada um de nós.
Serão os nossos enormes problemas comparáveis aos das vítimas de catástrofes como a de La Palma?*) O Benfica perdeu? A nossa discoteca preferida não abriu? A chuva estragou o passeio de amanhã? E que importância tem, afinal, um mero desaire eleitoral?
Para onde caminha e quem de facto, gere todo este Mundo onde plantaram Portugal?