sábado, 30 de outubro de 2021


Um Momento verdadeiramente Singular

"Nem tudo o que acontece é notícia, nem pode, objetiva e eticamente,
ser transformado em notícia simplesmente porque… não há notícias"


Chumbo do Orçamento do Estado para 2022
Há coisas de que nem sei como falar...

Não, não é do chumbo do orçamento, nem das eleições que talvez aí venham, nem da inanidade do resultado previsível das mesmas - a menos que uma coisinha má dê aos eleitores portugueses, a ponto de votarem pela destruição do pouco que ainda nos resta de valores, de princípios, enfim, de algum resquício de moralidade que um governo filisteu de uma sociedade maioritariamente de filisteus possa ter deixado, e ao qual, quando tudo der para o torto, nos possamos, ainda, agarrar.

Não. O que aqui me traz é um facto insólito, um “momento único“, “absolutamente fora do comum”, como o classificou o pivot do Jornal das 8 da TVI24 da passada Quarta-feira, dia em que a proposta de Orçamento do Estado chumbou logo na votação na generalidade.

Honra seja feita à comunicação social que temos, se não fosse seu o olhar atento e arguto, teria este acontecimento de extrema importância política e social corrido sério risco de ter passado despercebido e de, muito provavelmente, acabar por nunca chegar ao conhecimento dos eleitores lusitanos.

Tratou-se, no entanto, de um evento da maior relevância para a democracia, tal como todas as anteriores ocorrências do mesmo fenómeno as quais, sabe-se lá porquê, a nenhum órgão da comunicação social ocorreu, no entanto, relatar: o Presidente da República foi pagar umas contas no Multibanco!

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É inaudito!

Acabava a proposta de orçamento de ser rasgada no Parlamento; acabava o País de ficar condenado à mais abjeta miséria, a viver, sabe-se lá por quanto tempo, dos misérrimos duodécimos do generoso orçamento do ano anterior; acabava de ser seriamente posta em causa a estabilidade do pantanal económico e social em que esbracejamos, e o Presidente da República Portuguesa aproveita para, enquanto não chegavam os convidados para jantar, sair do Palácio de Belém pela porta lateral para ir cumprir as suas obrigações para com um ou outro fornecedor, e voltar a entrar, desta vez pela porta principal (isto das portas deve ter um qualquer significado oculto, para os repórteres, que ainda não consegui discernir...).

Como é possível? "Que momento absolutamente fora do comum!", como não conteve o extasiado apresentador - como chamam, agora, aos locutores.

Imprevisto Ocorrido no Parlamento
Perante tamanho e tão dramático imprevisto ocorrido, nesse mesmo dia no Parlamento, como pode não ter o Presidente permanecido triste, acabrunhado, num canto escuro da residência oficial, a roer as unhas enquanto consumia as meninges a pensar no que fazer, à procura de uma solução para tão inesperado desenlace?

Será que teve, até, o desplante de conseguir tomar um café, comer alguma coisa, para se recompor do choque que não teria podido adivinhar? Terá, mesmo, continuado a respirar, enquanto todos os outros lusitanos sufocavam na imensidão da suas preciosas ansiedades?

Como tolerar tamanho desplante, que arrepiou todos os repórteres – perdão, jornalistas -,   numa altura em que as gráficas já faziam contas às existências de papel para os cartazes; em que as televisões já tinham nas telas dos computadores as reservas de publicidade para as dezenas de debates e de comentários para as semanas seguintes; em que as infalíveis empresas de sondagens esfregavam as mãos de contentamento; em que aqueles tipos que há algum tempo esperavam por um lugarzinho para entrar fosse onde fosse se precipitavam a ligar para o telefone do conhecimento político lá da terra a saber se ainda dava tempo; em que até as piruetas do jogador sete com a bola e as brejeirices da apresentadora desbocada foram esquecidas pelos habituais basbaques; em que muitos que já se julgavam bafejados tremiam de medo de que a mama do Plano de Recuperação e Resiliência acabasse por tardar, ainda mais, a começar pingar e a permitir  começar a pagar as prestações atrasadas.

No meio desta confusão toda, o que ousa fazer o mais alto magistrado da Nação? Vai, como tanta gente tantas outras vezes fez, ao Multibanco tratar de assuntos pessoais, gerando uma enorme onda de indignação!

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Mas não tem esta gente mais que fazer?

Mandaram-nos para ali, ao frio, esperar que os dois convidados para jantar com o Presidente da República chegassem, apenas para lhes filmar os automóveis e os ouvir, às perguntas, dizer nada, porque nada ainda haveria, naturalmente, para dizer.

Como, entretanto, tinham de arranjar alguma coisa com que ocupar as antenas, vá de meter o nariz onde não eram chamados, alardeando um assunto sem interesse algum e cobrindo de ridículo a estação televisiva cujos responsáveis deram cobertura a tamanho dislate, a ponto de o destacarem como primeira notícia desenvolvida no bloco noticioso do horário nobre, para gáudio dos mais elementares palermas, que vibram com estas coisas chocantes, como, para aumentar a excitação, gostam de lhes chamar.

Herman José - Miguel Guilherme
Não pude deixar de me lembrar de um trecho, já não sei de que programa de Herman José, em que Miguel Guilherme, no papel de apresentador de um qualquer telejornal, baixava as calças para exibir as cuecas do apresentador, último recurso de alguém a quem tinha sido ordenado que aguentasse os espetadores a olhar mais uns minutos para a televisão.

Ingénuos!

Acaso pensam que, antes de descer à rua, um tão mediático Presidente não teria perfeitamente visto que estavam todos especados à porta, ávidos do que quer que fosse que lhes atirasse da janela? Acaso duvidam de que foi por isso mesmo que escolheu aquele momento para ir liquidar as suas continhas lá abaixo?

Acham, mesmo, que ia perder uma oportunidade de, pedagogicamente, alertar para o ridículo daquilo que bem sabia que o seu passeio noturno não deixaria de provocar? Que não sabia estar a criar uma manobra de diversão para arrefecer um pouco o clima de excitação à volta do chumbo do orçamento? Para, habilmente, desdramatizar o chumbo?

Os experientes e muito competentes profissionais da informação caíram que nem uns patos, proporcionando um espetáculo triste de falta de discernimento e de capacidade de seleção daquilo de que vale, verdadeiramente, a pena dar conta, daquilo que é notícia. Porque nem tudo o que acontece é notícia, nem pode, objetiva e eticamente, ser transformado em notícia simplesmente porque… não há notícias.

Aqui, o facto político cedeu, uma vez mais, lugar a uma cena de telenovela barata.

As perguntas eram muito elaboradas, bem preparadas, e de complexidade tal que só o involuntário Entrevistado poderia responder-lhes: “Sabe-nos dizer, pelo menos, a que horas vai receber o Primeiro-Ministro e o Presidente da Assembleia?”, pergunta a que, evidentemente, ninguém mais no Palácio saberia responder; ou “Esta caminhada é para refletir sobre o que vai decidir?”, coisa que já estava mais do que decidida há não sei quanto tempo; ou “Para que é que serve este seu passeio aqui”, já que jamais pode ser tomado como um dado adquirido que, se uma pessoa vai ao Multibanco pagar contas, é para… consultar ou movimentar a conta bancária.

A sofreguidão era tal que, assim que o apanharam a jeito, a urgência de obter um esclarecimento cabal para a impensável ousadia presidencial levou os repórteres a atropelar-se a ponto de um deles se ter estatelado na calçada! Bem, esse, pelo menos, lá conseguiu, dessa forma, arrancar aos Presidente a única palavra que, na altura, lhe ouvimos: “Magoou-se?”.

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Mas para que perco tempo a escrever sobre coisas destas?...

Para quem pensar que exagero, termino aqui deixando, ipsis verbis, a transcrição destes três minutos alucinados:

Pivot: “Um momento verdadeiramente singular: o Presidente saiu do Palácio de Belém pelo acesso lateral da Calçada da Ajuda, acompanhado pelo seu Ajudante de Campo, e aí, naturalmente, passou pelos jornalistas que se aglomeravam para ouvir as palavras aguardando a chegada de Ferro Rodrigues e de António Costa, e que, subitamente, depararam com esta imagem única: Marcelo Rebelo de Sousa não respondeu, e o mais surpreendente estava para acontecer. O Presidente dirigiu-se a uma caixa Multibanco e efetuou vários movimentos com o cartão bancário, incluindo o que parecia ser o pagamento de contas. No regresso, entrou pela porta principal para o Palácio, deixando os jornalistas atónitos e, alguns, magoados, porque a agitação súbita levou à queda de um deles. As perguntas ficaram… por responder”.

Voz no local: “Sabe-nos dizer, pelo menos, a que horas vai receber o Primeiro-Ministro e o Presidente da Assembleia?

Voz no local: “Tem horas para receber o Primeiro-Ministro?

Voz no local: “Esta caminhada é para refletir sobre o que vai decidir?

Voz no local: “Diga-nos lá se já tomou alguma decisão, e para que é que serve este seu passeio aqui

Voz no local: “É um passeio de reflexão, Senhor Presidente?

Pivot: “Que momento, absolutamente fora do comum! A Alexandra Monteiro é a jornalista da TVI que foi surpreendida por esta manifestação presidencial. Alexandra, boa noite. Começo por perguntar se já há alguma explicação para o que sucedeu com esta saída do Presidente, e se há movimentações, porque é isso que aguardamos, efetivamente, no Palácio de Belém, esta noite”.

Repórter no local: “Boa noite, Zé. A explicação para este passeio de Marcelo Rebelo de Sousa, eu julgo que a explicação exata só mesmo o Presidente da República saberá dar. Fomos, de facto, surpreendidos. Não estávamos, de todo, à espera que, numa altura destas, depois daquilo que aconteceu no Parlamento, da seriedade do momento, víssemos o Presidente da República sair do Palácio de Belém a pé para vir fazer um pagamento ao Multibanco. Foi isso que Marcelo Rebelo de Sousa veio fazer, veio pagar uma conta, aqui no Multibanco que fica mesmo ao lado da entrada principal do Palácio de Belém. Quanto a movimentações, de certeza que Ferro Rodrigues já se encontra no Palácio de Belém, e eu arrisco dizer que António Costa poderia vir, também, nesse carro. Isto porquê? Porque a TVI sabe que António Costa e Ferro Rodrigues vão jantar com o Presidente da República e, portanto, é provável que tenham vindo na mesma viatura. Portanto, este encontro será à volta de uma mesa, à volta de um jantar, talvez para descontrair um pouco este ambiente tenso que envolveu todo este dia de votação, na generalidade, do orçamento que acabou neste chumbo”.

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quarta-feira, 27 de outubro de 2021


António Cardoso e Cunha

Estrutura e Estratégia


"A estrutura vence sempre a estratégia"


António Cardoso e Cunha

Debate na RTP 1                
  13 de Junho de 1999             


Numa terra como a nossa, e que a política é feita de improvisos, de jeitos, de favores e de truques de prestidigitação, seria interessante que alguém se lembrasse de investir em dotar a governação e a administração pública de alguma estrutura duradoura, consensual, suprapartidária, que transmitisse aos governados alguma sensação de, efetivamente, estarem a sê-lo.

Em vez disso, continuamos imersos numa imensidão de desconchavos, de arbitrariedades de motivação meramente eleitoralista e de favores destinados a procurar garantir a permanência no poder a quem o exerce já sem qualquer autoridade.

Parece ser nosso destino que, ao fim de meia dúzia de anos os governos fiquem de tal forma desgastados que, tanto nós como eles, tudo o que queremos é que a legislatura acabe depressa, para o que contamos com os favores daquele que pode acelerar o fim.

Triste terrinha, de facto, em que a política se tornou alimento de si própria, em lugar de servir a comunidade para cujo bem terá sido pensada. Em princípio, claro.

segunda-feira, 25 de outubro de 2021


My Fair Lady

Audrey Hepburn - My Fair Lady
Há filmes que apenas servem para alimentar críticos que lhes atribuem classificações díspares e arbitrárias, quando muito acompanhadas de apressados comentários apenas destinados a justificar bem sabemos o quê.

Outros há, porém, que, em lugar de em celulóide, parecem ter sido gravados em pedra, quais marcos indestrutíveis de memórias indeléveis que sobrevivem a uma sequência virtualmente infinita de gerações.

De George Cukor*), protagonizado por Audrey Hepburn*), Rex Harrison*) e Stanley Holloway*), sem esquecer a música de Alan Jay Lerner*)que, inevitavelmente, acabamos a trautear, trago-vos aqui a lembrança de My Fair Lady*).

Veja aqui o insequecível Wound't It Be Lovely?


Fonte da imagem: https://www.hollywoodreporter.com

sábado, 23 de outubro de 2021


PAN - A Outra Exploração Infantil

 
Apenas nos fez, uma vez mais, sentir que a designação mais apropriada
seria Partido dos Animais e da Natureza, já que pouco fala das pessoas e das causas delas,
nem se coibindo, para se manter por mais uns tempos na espuma dos votos,
de explorar a imagem das crianças e dos jovens que diz defender


Partido dos Animais e da Natureza
Quando era miúdo, aconteceu levarem-me às touradas, espetáculo que nunca apreciei nem consegui compreender: arte, no sentido de manifestação do espírito, não lhe encontro; e, quanto a manifestações da mente, parece-me ficarem bastante aquém até das que poderão, apesar de tudo, estar presentes num desafio de futebol.

Tampouco alguma vez conseguir entender a razão pela qual, com total indiferença pelo sofrimento infligido, na lide a cavalo um mamífero (Homem) utiliza um também mamífero (cavalo) para torturar um outro mamífero (touro); ou por que, na lide a pé, o primeiro mamífero, supostamente dotado de mente e espírito muito além dos dotes do último, experimenta alguma satisfação pelo facto de sair supostamente vitorioso de um artificiosamente provocado combate entre a força mental de um e a força bruta de outro.

Sempre me ensinaram que um combate, para o ser realmente e para, sendo-o, ser também valoroso e leal, haverão de estar equilibradas as forças em presença, o que, evidentemente, não acontece quando se confrontam, de um lado, uns oitenta quilos e do outro uns seiscentos; quanto, de um lado, ter-se-á, vá lá, uns cem e do outro lado escassos vinte, no que se refere a quociente intelectual.

Será a espécie humana tão pouco segura de si que necessite de martirizar uma bem mais volumosa besta para conseguir demonstrar a mais do que conhecida supremacia intelectual? Ou será tão pouco valorosa que, tendo abdicado do combate corpo a corpo entre iguais em prol da venda de armas de destruição maciça e à distância, apenas lhe resta coragem para, com grande aparato, fingir que trava um combate que tem, afinal, como substância, coisa nenhuma, que apenas existe para inglês ver?*)

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Às coisas ditas e feitas para inglês ver nos vem a política, desde tempos imemoriais, habituando, a ponto de, graças à prática demagógica quotidiana da generalidade dos lusitanos partidos, instintivamente havermos substituído, nos nossos espíritos, a suposta nobreza da política e da missão governativa pela quase certeza da mesquinhez, da jogada vil, do golpe de rins, da mais chã, vazia, inevitável e corrupta hipocrisia.

Partido Comunista Português (PCP)
Há, todavia, quem entenda que estes atributos definem o modus operandi *) unicamente dos maiores partidos, ficando imunes a estas maleitas aqueles que, por incipiência ou entropia, mais pequenos são, já que se persistem em manter-se ativos, estarão, pensa-se, animados das melhores intenções.

Como exemplo da segunda situação*), a da entropia, já aqui se trouxe o caso do Partido Comunista Português (PCP)*) que, manifestamente, hoje para pouco mais serve do que para garantir algum protagonismo às suas eternas glórias, defendendo o indefensável e obstaculizando a formação de um novo e verdadeiro partido dos trabalhadores, que zele eficazmente pelos seus interesses e os desencoraje de, a velocidade crescente, migrar para o extremo oposto do espectro político.

Já quanto à primeira situação, a dos partidos incipientes, acaba o Pessoas, Animais e Natureza (PAN)*) de, com todo aquele  patético folclore em torno da enorme vitória*) conseguida com a imposição de limitações à assistência de menores às touradas, fornecer a prova acabada do que acabo de dizer.

Deixo aos especialistas a discussão científica sobre a influência perversa que a assistência ao abestalhado espetáculo possa exercer sobre a formação da personalidade e do carácter das crianças. Sobre este assunto, direi, apenas, que não tenho memória de alguma vez ter lido ou ouvido notícia de evidência científica quanto a um caso que fosse de um inveterado criminoso cuja propensão para o delito se haja formado por haver, na infância, frequentado as praças de touros*).

Não entrarei, também, na discussão primária e de conclusão impossível sobre se será mais traumatizante ver picar um touro – não digo toiro, com i, porque dizem que esta forma é mais poética e, poesia, a tourada tem nenhuma… - ou as continuadas agressões ao adversário num relvado de futebol, ou qualquer catástrofe ou atrocidade que, à hora de jantar, um menor de dezasseis ou, até, de doze ou de seis anos não tem como evitar ver na televisão dos progenitores.

Tudo isso é subjetivo, depende da propensão e das idiossincrasias de cada um, e, a despeito das incomensuráveis fortunas despendidas a tentar provar o impossível, jamais qualquer ciência nomotética*) logrará enunciar, para além da dúvida razoável, uma regra universal.

Muito menos me questionarei quanto à forma como o PAN não deixará, por certo e para ser coerente, de exigir do Partido Socialista (PS)*) que proíba, sem demora, que menores de dezasseis anos assistam, na terra dos pais e dos avós, à matança do porco*) e ao espetáculo de puro horror que a subsequente abertura e limpeza do cadáver constitui. Que assistam e, por maioria de razão, que participem.

Toiros
Não será, também, de esquecer, naturalmente, a Festa Brava*), durante a qual também se pica touros – embora não esteja bem a ver o que poderá aí fazer-se para controlar os acessos dos nossos juvenis.

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O que venho aqui salientar é a inanidade, a inutilidade, o impacto absolutamente ridículo da proibição que o PAN conseguiu, a troco de um punhado de votos, forçar o PS a impor àquela que todos sabemos ser a incontável quantidade de jovens entre os doze e os dezasseis anos que gosta de ir, sozinha, ver a corrida sem estar acompanhada por um adulto.

Incontável, porque o que não existe não se pode contar.

A verdade é que a oca e pírrica vitória agora conseguida pelo PAN apenas afeta a meia dúzia de jovens, se tanto, que por lá passava sem ter, a acompanhá-las, um adulto, que nem um dos pais tem de ser!*)

O número 6 do art.8º do Decreto-Lei nº 23/2014, de 14 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 90/2019, de 5 de julho, é taxativo: “O promotor do espetáculo de natureza artística ou de divertimento público deve negar a entrada de menores quando existam dúvidas sobre a idade face à classificação etária atribuída, avaliada pelos critérios comuns de aparência, salvo quando acompanhados dos pais ou de um adulto, devidamente identificado, que se responsabilize”.

Simplificando: qualquer criança, desde que tenha mais do que os três anos de idade mínima previstos na mesma lei, pode assistir a qualquer espetáculo, desde que acompanhada por um qualquer adulto que por ela se responsabilize.

Note-se que, isto, nem o vitorioso PAN desmentiu…

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O que conseguiu, então, o PAN?

Nada. Absolutamente nada com que valha a pena desperdiçar um minuto sequer.

Apenas nos fez, uma vez mais, sentir que a designação mais apropriada seria Partido dos Animais e da Natureza, e não Pessoas, Animais e Natureza, já que pouco fala das pessoas e das causas delas, nem se coibindo, para se manter por mais uns tempos na espuma dos votos, de explorar a imagem das crianças e dos jovens que diz defender.

O que perdem as crianças com isso? Nada, claro. A não ser pela falta, com o que não existe, é difícil perder.

Por outro lado, com todo este teatro barato, com toda esta estapafúrdia demonstração de prosápia ignorante, o que ganham os desinteressantes zelotas do PAN?

Talvez uma inscrição no clube dos satélites de um Partido Comunista Português mais do que desiludido com o inerte desempenho do Partido Ecologista ‘Os Verdes’ (PEV)*), que já só dois ou três votos lhe garante e do qual nem se ouve falar.

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Eis, pois, o perfeito exemplo de uma vitória meramente formal, que garantiu a um partido minúsculo umas linhas na imprensa escrita e uns escassos minutos de televisão, mas sem qualquer efeito prático, sem substância, destinada apenas a promover, a qualquer preço, a imagem de um partido moribundo, de mais um fanático da suposta proteção animal, em que o termo Pessoas na marca parece meramente instrumental, marginal.

A menos que as crianças e os jovens não sejam consideradas pessoas, e possam impunemente servir de mote à promoção dos os outros dois bem legítimos e importantes ideais.


quarta-feira, 20 de outubro de 2021


Mário Lago

 

Mário Lago

"Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo:
nem ele me persegue, nem eu fujo dele.
Um dia a gente se encontra"

atribuída a Mário Lago*)



Como dizia Villaret*), "Corre corre, Corridinho, corre a vida sem parar"*)

A louca corrida por aquela felicidade que não sabemos ao certo o que é mas ainda não desistimos de alcançar, faz-nos esquecer que há tempo para tudo, desde que tenhamos a lucidez de apenas querer fazer aquilo que as circunstâncias e o tempo de vida nos permitem.

Quer isto dizer que devamos baixar os braços, cair na inércia, no comodismo, no facilitismo? Nada disso! Sempre haverá, no entanto, que reconhecer a invencibilidade do tempo, cuja cadência constante nem Einstein*) descobriu como, efetivamente, alterar.

Assim, uma boa parte da arte de viver consiste, não em persistir na tolice de querer dominar o tempo, mas em aprender como a ele nos sujeitarmos sem prejuízo daquilo que, em prol dos outros, a cada um de nós couber realizar, em lugar de nos ocuparmos, de forma infantil e egocêntrica, em aproveitar ao máximo aquilo que da vida pudermos levar.

De outra forma, estaremos a lutar contra os nossos dois maiores inimigos:

um, o tempo que nunca mais passa;
outro, o tempo que não pára de passar.

Se os temas da
VIDA
são um mistério para si, leia os artigos indexados no correspondente separador no topo desta página,
Serão um ponto de partida para refletir...

segunda-feira, 18 de outubro de 2021


Carlos Kleiber - O Morcego

Carlos Kleiber - Die Fledermaus - O Morcego
Existe, relativamente à opereta*), um certo preconceito de certas pessoas mais eruditas nestas coisas da música, que a consideram um género menor.

No entanto, quando o autor é um dos mais consagrados mestres vienenses*)e a regência fica a cargo de alguém consensualmente considerado um dos maiores maestros de todos os tempos, não poderão os mais críticos deixar o preconceito para trás, e deliciar-se com um todo dificilmente comparável ao de qualquer outra gravação?

Notável e inesquecível, também na componente teatral, nesta apenas haverá a lamentar o facto de não ter sido filmada, ao contrário de outra, datada de alguns anos mais tarde, também dirigida por Carlos Kleiber*)(na imagem), mas que ficará, talvez, aquém daquela que hoje aqui vos deixo.

Die Fledermaus*), de Johann Strauß II, na gravação de 1976 da Bayerisches Staatsorchester, protagonizada, entre outros, por Julia Varady*), Hermann Prey*) Iwan Rebroff*).

A edição é da Deutsche Grammophon.

A não perder...

Fonte da imagem: www.udiscovermusic.com