sábado, 8 de janeiro de 2022


O Português não Gosta da Democracia

"Se a educação é a matéria-prima da democracia, o voto é a estrutura, o que lhe dá forma. Quando a maior parte dos cidadãos com capacidade eleitoral repudia o direito ao voto, deixamos de estar numa democracia, deixamos de ser, efetivamente, governados pela vontade popular"

"Não ir votar, podendo fazê-lo, é um claro sinal, não apenas de egoísmo, mas de estupidez, de boçalidade, de iliteracia. Não importa quantos canudos em casa se tenha, nem quantas loas se cante ao sublime ideal da democracia"


Democracia - Regime
No momento em que rabisco estas linhas que vêm na sequência do texto do passado Sábado*), reza a Wikipedia que "Democracia *) é um regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente — diretamente ou através de representantes eleitos — na proposta, no desenvolvimento e na criação de leis, exercendo o poder da governação através do sufrágio universal".

Goste-se ou não da Wikipedia, olhemos, ou não, para ela como um referencial com algum rigor e a possível validação, será difícil negar que a definição é admirável em toda a sua simplicidade, clareza e precisão.

Aplicada ao caso português, onde vigora uma democracia representativa, significa ela que o regime, o Estado, as pessoas, nós, todos esperam que decidamos, através do voto popular universal, a quem iremos conferir mandato para tão importantes funções.

Voto universal, mas não de todos. Dantes, porque nem todos tinham o direito de votar, agora, porque apenas o exercem aqueles que se levantam da poltrona para o fazer; e são cada vez menos, como insistem em fazer-nos ver os números da abstenção. A COVID não é desculpa, a partir do momento em que quase todos fazem a sua vida normal, e tanta gente por aí anda em grandes eventos desportivos e outros de muita animação.

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Embora as circunstâncias e a legislação de então fossem outras, comparando os 16,7% da taxa de abstenção nas eleições de 1976 com os 51,4% das mais recentes, em 2019*), poucas dúvidas podem restar quanto à atual falta de empenhamento da maior parte dos possíveis votantes em cumprir o dever cívico que sobre eles impende.

Paradoxalmente, nada impede quem não vota de não parar de reclamar, depois. É vê-los, por tudo e por nada, lastimar-se de violações de direitos, liberdades e garantias que, num regime político não democrático, muito dificilmente veriam reconhecidos, mas que nem mereceram o imenso incómodo de uma deslocação a uma assembleia de voto. Mesmo agora, que nem é época de passeatas ou de mergulhos no mar.

Nada disto é novo e, se nada for feito - mas, o quê?... -, chegaremos a um ponto em que não haverá retrocesso, já que a situação não parará de se agravar.

Intelectualmente menos provido
Mesmo antes de chegar esse dia, não custará ao mais desatento ou intelectualmente menos provido entender que, com tanta gente a demitir-se daquilo que, por qualquer concidadão, lhe é legitimamente exigível para que o sistema funcione - o tal sistema de que todos se queixam... -, os resultados eleitorais se tornam cada vez mais vazios de conteúdo: cada vez mais não correspondem à efetiva vontade coletiva da população, sendo a cada dia maior o risco, ou a certeza já, de que, se a taxa de abstenção voltasse aos tais 16,7%, a composição da Assembleia da República seria bem diferente, e até o governo poderia, à direita ou à esquerda, ficar em diferentes mãos.

Se a educação é a matéria-prima da democracia, o voto é a estrutura, o que lhe dá forma. Quando a maior parte dos cidadãos com capacidade eleitoral repudia o direito ao voto, deixamos de estar numa democracia, deixamos de ser, efetivamente, governados pela vontade popular.

Cada vez mais, os chamados eleitores, não o são, não votam: preferem ficar em casa a ver, na televisão, o que resultou  do voto dos que, por eles, assumiram a responsabilidade por uma escolha que os primeiros olham, afinal, com a mesma importância, interesse e dignidade que a votação de um festival da canção ou evento similar.

Esquecem-se de que não ir votar, podendo fazê-lo, é um claro sinal, não apenas de egoísmo, mas de estupidez, de boçalidade, de iliteracia. Não importa quantos canudos em casa se tenha, nem quantas loas se cante ao sublime ideal da democracia.

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Assentemos, pois, em que a maior parte dos cidadãos portugueses não gosta da democracia; ou, pelo menos, não respeita a democracia. De que gosta, então?

O Partido Chega! sabe-o bem, como bem o sabe o seu Chefe Máximo. Os portugueses gostam, de facto, é daquilo que os faz transferir a escolha diretamente de decadentes e não democráticos partidos de extrema-esquerda ou de partidos maiores e ainda ditos democráticos mas minados por uma imparável tendência para a corrupção -, para incipientes e não democráticos partidos de extrema-direita. Assim, de repente, de uma vez só, como há dois anos aconteceu*) e se prepara para, ainda com maior e mais preocupante expressão, voltar a acontecer.

Não será despropositado lembrar as sábias palavras de quem disse que "um governo seria eterno com a condição, de todos os dias, oferecer ao povo um fogo de artifício, e à burguesia um processo escandaloso". Qualquer político português que prefira esta receita às tradicionais longas e sofisticadas parlengas que ninguém ouve ficará cada vez mais próximo de ganhar uma eleição.

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Partido Chega!
Mas há mais quem saiba do que gostam os eleitores portugueses: o presidente do partido em que o chefe do Chega! anteriormente militou.

Nada tendo, decididamente, a ver com qualquer coisa que se pareça com a extrema-direita, o Presidente do PSD há muito aprendeu que aquilo que, noutras terras, se exprime pelo equivalente à palavra portuguesa demagogia corresponde ao muito nosso conceito de democracia. Essa democracia desiludida, trôpega, quase inerte, que se arrasta sob a alçada de políticos de missão indefinida que procuram, a todo o custo, manter-se alcandorados num poder que de competência e de autoridade pouco ou nada já tem.

Bem o sabendo, optou o dito Presidente por um estilo de linguagem popularucho, por fazer comentários e observações de cariz quase populista com uma ou outra gafe à mistura; por apresentar, ainda ontem, o programa eleitoral falando em estilo informal, espontaneamente, apenas com recurso pontual a tópicos; por recorrer à insinuação, por procurar estimular de qualquer forma as mentes atrofiadas dos tugas mais ávidos de escândalos e de fogos de artifício. É neles, e não nos eruditos e sofisticados -ólogos que, pouco sabendo do que vale a pena saber e nada sabendo do como chegar às massas, ganham rios de dinheiro para mutuamente se copiarem, comentando tudo e mais alguma coisa baseados, unicamente, na sua supostamente erudita mas raramente fundamentada opinião.

"The history of the World is the history of the triumph of the hartless over the mindless" e, neste cantinho da Europa, quem quiser, efetivamente, subir nas urnas há de cuidar de comprazer as hordas de medíocres que se deleitam com a desgraça dos outros. Há de tratar de cativar, sobretudo, essa gentinha inconsciente, oca, falha de ideais, de vontade, de interesse até pela identidade de quem decide o seu destino: essa gente do diz-que-disse e dos cochichos, que passa o tempo a criar formas de sujar o mais possível a roupa que o vizinho acabou de pôr a secar.

A educação e o ensino ministram-se em sede própria, e não em campanha eleitoral. Não é, assim, eficaz nem política ou economicamente razoável insistir em fazer uma campanha elaborada, sofisticada; deve, antes, ser vazia e barulhenta, vocacionada para uma mole humana que outra coisa não sabe apreender ou apreciar.

Isto, o Presidente do Chega! não tardou a entender e, dessa forma, lá vai, apesar da indisfarçável cacofonia e dos inconfessáveis ideais que as suas vibrantes palavras escondem, conseguindo algum ascendente num ou outro debate eleitoral.

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A propósito da insinuação há uma dúzia de dias feita pelo Presidente do PSD, de que a captura de João Rendeiro*) na África do Sul estaria, de alguma forma relacionada com a proximidade do ato eleitoral que se avizinha e, implicitamente, com a necessidade de o Governo apresentar resultados que facilitem a reeleição, contra o dito Presidente muita gente se insurgiu; e com razão, já que a insinuação não tinha em que, racionalmente, se sustentar. Mesmo que tivesse, seria praticamente impossível de provar - apesar de, se a juntarmos ao mais recente e tão oportuno sucesso na aprovação do plano de recuperação da eterna TAP, alguns maldizentes poderem começar por aí a sussurrar...

Houve, no entanto, quem chegasse ao ponto de vaticinar que, com essa atitude, teria o Presidente condenado o PSD à derrota no ato eleitoral.

Não sei como: pois não são, precisamente, as insinuações torpes e escandalosas que fazem viver, que fazem vibrar as hostes eleitorais portuguesas? Não é a trampolinice, a acrobacia fácil, a desfaçatez além do admissível que granjeia simpatias? Que as atrai muito mais facilmente do que belas promessas que todos sabem falsas, pouco sinceras e muito provavelmente inexequíveis?

Quem acredita, ainda em programas políticos jamais cumpridos, em promessas vãs papagueadas ao vento, em palavras de ordem sem sentido, desordenadas, desconchavadas? Pois não são os sound bytes, as bocas muito mais giras, muito mais engraçadas? O tipo até tem piada, aquele é que sabe! Chegou para eles! Este é que vai ! Vamos votar nele. Bora lá!

Acaso não é o folclore político que enche os noticiários, as páginas dos jornais? Quantas ideias dignas desse nome fazem ir às urnas aquela massa caótica e inerte de espetadores passivos e maldicentes apenas ansiosos por ler ou ouvir destratar ou maldizer?

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Não, o PSD não perdeu, naquele dia, as eleições. As pouco elegantes charlas do seu dirigente máximo, o seu quiçá enganador à-vontade, o seu premeditado estilo popularucho, alternando com uma ou outra pose mais formal, são a receita ideal - para não dizer a única exequível - para garantir uma vitória eleitoral nesta terra de eleitores ignorantes, sós, desiludidos, tristes e macambúzios que dão tudo por uma por uma vitória, mesmo pírrica, do clube, do partido, seja lá do que for. Até, por uma piada ordinária, sem graça, partilhada numa rede social qualquer, que, por uns segundos, pelo menos, os faça sorrir.

Se o Partido não ganhar, será por pouco. Talvez, até, por muito pouco. Os votos que perder não serão, seguramente, por inabilidade política, já que a habilidade dos outros, mesmo a do mais habilidoso, é isto que se vê.

Serão, quando muito, esses votos perdidos os daquela meia dúzia que ainda reage mal à demagogia.

Serão, enfim, os dos cada vez menos portugueses que com a vacuidade se arrepiam, e que verdadeiramente, respeitam e honram a democracia que todos dizem defender.

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sexta-feira, 7 de janeiro de 2022


Óbidos: Notável e sempre Leal

Óbidos - Vista Aérea

 "D. Affonso Henriques tomou esta villa *) aos mouros, em 11 de janeiro de 1148, e por ficar muito arruinada a reedificou e povoou, ampliando então e reparando o seu forte Castello. Em 1246, D. Affonso III, sendo ainda conde de Bolonha e regente do reino, pôz apertado cêreo á villa, por ella defender os direitos dn D. Sancho II, mas não pôde tomar o Castello, nem a villa, por seus moradores se defenderem heroicamente. D. Affonso III, depois de rei, premiou a villa, pela sua fidelidade, com o titulo de sempre leal (alem do de notável que já tinha), e lhe concedeu muitos privilégios e mercês. O rei D. Diniz, alargou muito a villa, mandando lhe construir, sobre um grande rochedo, um soberbo castello. Quando em 1282 casou com a infanta de Aragão (a rainha Santa Isabel) lhe deu o senhorio d'Obidos e de outras muitas povoações e castellos, e desde então ficou esta villa sendo da casa das rainhas, até 1834. As muralhas da villa, foram mandadas edificar (ou reedificar, seguudo outros) por D. Fernando I, pelos annos de 1379, quando tínhamos guerra com Castella. A virtuosíssima rainha D. Leonor, mulher de D. João II, e irman do rei D. Manuel, residiu algum tempo n'esta villa (cortindo máguas acerbas pela morte de seu filho), em umas casas, junto ao castello. Foi então que ella instituiu cinco mercieirías, na egreja matriz de Santa Maria. (...) 1.° foral d'Obidos lhe foi dado pela casa das rainhas. D. Manuel lhe deu foral novo, em Lisboa, a 20 de agosto de 1513".

Pinho Leal, in "Portugal Antigo e Moderno" - Vol.06 pág.186-187
Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia - Lisboa, 1875

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022


Negacionistas - Juiz ou Médico: o que É pior?

Definindo de uma forma muito simples, negacionismo é uma forma básica, boçal, rudimentar, elementar de rejeição da mais evidente e clara razão.

Para a condenação de tal teoria e da correspondente prática, releva, assim, da mesma forma a atuação de um magistrado judicial que negue a existência de uma pandemia, como a de uma médica que ensine a manipular testes*) por forma a que produzam resultados negativos em doentes infetados.

A atuação da médica é, no entanto, bem mais grave, roçando a do próprio homicídio com dolo eventual: é que, enquanto o juiz negacionista incitava ao incumprimento da lei, a médica ensinava a falsificar testes cujo resultado manipulado permitirá a indivíduos infetados andar por aí a espalhar o virus, transmitindo-o a eventuais futuras vítimas, designadamente mortais.

Como explicar, então, que o juiz tenha sido expulso da magistratura pelo Conselho Superior - e muito bem! -, enquanto a médica apenas foi condenada, pela Ordem a seis meses de suspensão*), reduzidos a três em sede de recurso?*)

Que matéria de direito terá prevalecido? Que influência?

Que corporativismo desbragado?

* *

O suposto liberalismo dos defensores da abolição da máscara não passa, muitas vezes, de encapotado negacionismo, perante uma realidade bem presente como é a COVID-19.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022


Jerónimo de Sousa

Jerónimo de Sousa


"O capital não só não tem pátria, como não tem sentimentos, é amoral, e a sua lei suprema é o lucro"

Jerónimo de Sousa*)  
(em Comício)                 
             

Diz isto, ao mesmo tempo que, supostamente, defende o apoio do Estado às pequenas e médias empresas, as mais numerosas representantes do famigerado capital - e que, a propósito, dão emprego à esmagadora maioria dos trabalhadores portugueses. Será que já ninguém tem sentido crítico, no Partido Comunista Português (PCP), para lhe dizer "Olhe lá, Camarada, não é bem assim!", ou já só quem tem patine é que por lá ainda pode opinar?

Ninguém há que lhe diga que, por muito espontâneas, comoventes e emotivas que possam ser, as generalizações baratas nem sempre são muito recomendáveis? Que lhe diga que capital é sempre capital, independentemente da dimensão e das intenções e idoneidade dos seus detentores?

Com cantilenas profundamente eleitoralistas e demagógicas como esta, num país que, embora tímida e ineficazmente, lá vai, pelo menos, procurando enriquecer o nível de instrução dos eleitores, como espera esta gente cristalizada na memória do antigamente*) conseguir evitar uma votação cada vez mais humilhante nas sucessivas eleições? Atacando um imenso tecido empresarial que gera emprego, como irá convencer alguém de que defende os interesses dos trabalhadores?

A coisa está tão negra, que os comunistas de hoje já nem têm, como os de antigamente, a lata de, por muito que desçam, continuar a dizer, cada vez que perdem, que acabaram de ganhar...

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Independentemente das razões por que possa tê-lo feito, é impossível negar o contributo essencial que o PCP teve na motivação das ações que culminariam com a queda da ditadura em Portugal. No entanto, isso apenas adensa o mistério, torna mais patética a teimosia, quanto à insistência em continuar, num estado de negação dificilmente compreensível, a defender o indefensável, ainda que à custa de ter de rejeitar a mais clara evidência e a mais lúcida razão.

Aponta-se à Igreja Católica um indesejável alheamento da realidade ao insistir na difusão de aspetos mais anacrónicos da sua doutrina;  aponta-se, e penso que bem, já que todos os princípios, mesmo os mais sagrados, devem ser formulados - e, mais tarde, reformulados - atendendo ao tempo em que irão ser observados. Mas como explicar e legitimar, então, o ainda maior desfasamento, face à sociedade atual, da doutrina do PCP?

Pouco importando a forma mais ou menos hábil como o disfarçam os programas partidários, a doutrina comunista ortodoxa, propriamente dita, não se limita a sustentar a importância de defender os interesses das classes de trabalhadoras: isso, qualquer partido democrático, inevitavelmente, alardeia, sob pena de nele quase ninguém votar. O que distingue o comunismo puro é a proposta de que se defenda tais interesses pela força das armas, mensagem terrível que, admitamos, será, na sua plenitude, apercebida por muito poucos dos seus mais ingénuos e menos cultos eleitores. Muitos poucos deles quererão andar por aí, de arma em punho, a matar, a fuzilar: votam no Partido por não ver alternativa, por clubismo, ou pelo simples e nada esclarecido hábito de assim votar.

O PCP é, hoje, um partido anódino que tem na cada vez menos eficaz greve a principal forma de luta. Uma vez perdida a paciência ou confrontado com o fim inevitável, deixará, seguramente, de ter como único braço armado uma central sindical: não nos admiremos se a por muitos esquecida ARA (Ação Revolucionária Armada)*), ou alguma descendente mais preparada e sofisticada, vier um dia desestabilizar, ainda mais, este já tão desnorteado Portugal.

(continua aqui)

terça-feira, 4 de janeiro de 2022


Promoveram o Major Alvega!

O Presidente da República Portuguesa, pessoa conhecida e reconhecida pela qualidade do português com que, habitualmente, se exprime, fez publicar, no passado dia 27 de Dezembro, a seguinte frase*):

"É nomeado para o cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada (...) o Vice-Almirante (..),
bem como a correspondente promoção ao posto de Almirante (...)
".

Na minha habitual lentidão de raciocínio, entendi, inicialmente, que houvera dois nomeados para o cargo: o Vice-Almirante e a respetiva promoção. Mas... não, pensei depois: se fossem dois, em lugar de "é nomeado", teria escrito "são nomeados", o que não fez; e, seja como for, não se pode nomear uma promoção.

Tendo-se, assim, feito luz, apesar da fraca perspicácia lá acabei por concluir, perplexo por vir de quem vinha, que a construção da frase estava, simplesmente, errada, exprimindo um inegável disparate que em nada prestigia, quer quem o redigiu, quer o jornal oficial que o publicou.

Não me passa, evidentemente, pela cabeça que tenha sido o ilustre Magistrado a lavrar aquela coisa, antes algum apressado e distraído escriba cuja função consista, essencialmente, no chamado copy/paste *), sem, pelos vistos, ter, ao menos, o cuidado de reler as letras que nos minúsculos decretos presidenciais vai deixando ficar.

Nem ele releu, nem o Presidente antes de assinar, nem o fez alguém num Diário da República que, apesar de passar por ser o todo-importante Jornal Oficial, parece não ter a mais pequena responsabilidade ou interferência na qualidade daquilo que publica e outros escrevem - e mal feito seria se tivesse, ou se alguém de lá se atravesse a chamar a atenção a alguém de cá, coisa que jamais este alguém iria perdoar, político ou não.

Mas é triste. É triste porque, tal como, no presente caso, a questão é de somenos, o mesmo poderia ter acontecido - e acontece - em situações bem mais graves, a ponto de, quantas vezes, em orações assim tornadas equívocas se ficar sem saber qual a intenção do legislador, com o inevitável impacto acrescido sobre a carga de trabalho dos tribunais, advogados, notários e solicitadores.

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Dirão, claro, as más línguas que a pressa em remover o Chefe do Estado Maior da Armada*) (CEMA) agora exonerado era tal, que nem houve tempo para grandes preciosismos ou, sequer, cuidados. Terá sido assim? Tirada do caminho a oposição do Presidente da República - que acabou por ceder ingloriamente nesta trama birrenta e desconchavada -, seria assim tanta a pressa em içar ao estrelato o prospetivo salvador de um Partido Socialista*) sem candidato presidencial carismático à vista que o tire, daqui a poucos anos, das garras de um mais ou menos anunciado desaire eleitoral?

De que outra forma interpretar a afirmação de que, para a substituição, era este o momento oportuno*), sem minimamente explicar onde estava essa oportunidade, essa extrema urgência que ninguém vê, e que acabou por gerar uma trapalhada tão maltrapilha que se manifesta, até, em coisas tão simples como... um pequeno e despretensioso parágrafo de nomeação?

Ademais, que justificação paupérrima e insultuosa é essa, de que a oportunidade do momento decorria da recente aprovação da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas?*) Vão correr com o Chefe do Estado Maior General? Com os chefes militares dos outros ramos, também?

Já agora: o decreto vai ficar assim?

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Nos meus tempos de estudante liceal, quase todos comprávamos O Falcão, revista de banda desenhada a preto e branco, da qual uma das mais conhecidas personagens era o Major Jaime Eduardo de Cook e Alvega - nome que o meteorologista Anthímio de Azevedo traduzira de Battler Britton, o nome original 

Acontecia assim, e acontece, porque os miúdos portugueses sempre gostaram de fardas, fosse há muitos anos n'O Falcão, seja agora nos jogos de computadores e consolas: e, depois de crescidos, continuam a achar que, quem quer que vista uma farda, é um herói pelo simples facto de aparecer assim vestido. Todo limpinho e arranjadinho, com a roupa bonita e passadinha a ferro, julgam logo que é competente, e a pessoa indicada para o lugar, seja ele qual for. Isto, os partidos políticos sabem muito bem...

Enquanto Vice-almirante, o agora Almirante CEMA soube tirar o devido partido do seu uniforme de combate*) - sempre serviu para alguma coisa... - para aparecer, com aspeto dinâmico e despretensioso, quando, ao comando da task-force, era apanhado pelas câmaras, em flagrante contraste com a desalinhada fatiota que levou aos Globos de Ouro*), na qual não estava, evidentemente, confortável. Tirou, também, partido das imagens em que aparecia de uniforme de gala*), qual Capitão Iglo, dos douradinhos da dita marca.

Agora, nomeado e promovido à pressa, quase no limite de idade e para assegurar a terceira faixa nos punhos, lá apareceu com uma enorme faixa verde*) a evidenciar, sobretudo, a habitual foleirada latente ou submersa na maior parte dos nossos políticos, que no Almirante parece estar agora a vir à superfície.

Ou não tivesse o homem andado tanto tempo nos submarinos...

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Talvez por jamais ter sido promovido, nunca vi o Major Alvega engalanado com uma faixa... O Major Alvega era o que era, sem necessitar de faixas.

Afinal, a que corresponderia aquela faixa verde?

Para o ego do Almirante, o que significaria?

Para o novo cargo, que vantagem?

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022


Camané - Que Flor Se Abre no Peito



Às vezes apetece parar tudo, fazer silêncio, e ouvir um fado sentido e bem cantado.

Uma música, entre tantas, de Camané*), que é uma música, entre tantas, de Pedro Abrunhosa*).

Mas, não sei porquê, acho-lhe alguma coisa de diferente, de especial...

Pode ouvir aqui.


Imagem: Blog Ferreira Dias e Noites