sábado, 16 de outubro de 2021


Juíz Negacionista ou Advogado Oportunista?

 
Um dos mais escabrosos episódios exemplificativos de uma degradação
da qualidade dos magistrados que se torna cada vez mais sensível e evidente,
num Estado que se diz
de direito, mas de cuja Justiça
a prática judiciária cada vez mais nos faz duvidar

Limites Abstratos da Validação
1. Dos Limites Abstratos da Validação
2. Um Caso de Estudo
    2.1. Cronologia
    2.2. Das Faltas Injustificadas e do Seu Significado
    2.3. Algumas Hipóteses
            2.3.1. Promoção da Atividade Profissional Enquanto Advogado
            2.3.2. Promoção Genuína da Causa Negacionista
            2.3.3. Outras Possibilidades
3. (In)Conclusão

1. Dos Limites Abstratos da Validação

De tenebrosos contornos, aterrador enunciado e inimagináveis consequências sociais futuras, certas hipóteses arrepiam no próprio momento de as formular.

Talvez por isso, a uma grande parte dos investigadores – mesmo os mais sensacionalistas – elas nem ocorram, como efeito de um bloqueio natural do espírito e da mente perante a perversidade, a maldade intrínseca, a quase sociopatia associável aos correspondentes atos, e imanente das pessoas dos imaginários autores.

Todavia, apenas poderá, alguma vez, atingir-se um conhecimento razoavelmente pleno da realidade quando, a par do apuramento dos factos e das respetivas circunstâncias - fundado na certeza oferecida por prova positiva fidedigna -, cuidarmos de, procurando com objetividade, com incansável empenho e até ao limite material e humano do possível, prova negativa aceitável das hipóteses menos prováveis, das mais caricatas, das indizivelmente abjetas, das virtualmente impossíveis.

Desta forma, e só desta forma, se estará, mediante a aplicação da dúvida sistemática*), a fazer, efetivamente, tudo quanto é possível para anular qualquer fator de incerteza, por ínfimo que seja, suscetível de inquinar a segurança que sempre se quer presente na validação de uma formulação em qualquer área do conhecimento.

Pois não é, afinal, a dúvida a única certeza da vida?

- x –

Introdução da Dùvida Sistemática
A introdução da dúvida sistemática nos domínios da Justiça revela-se indispensável designadamente no direito penal das nações livres - em que a presunção inicial da inocência é regra -, devendo a culpabilidade que legitima qualquer punição ser demonstrada para além de qualquer dúvida razoável, e sempre fazendo prevalecer o princípio in dubio pro reo*).

Assim, e por mais improvável e ridículo que se nos possa afigurar, o mais ínfimo resquício de incerteza que possa subsistir só poderá ser eliminado se todas, mas mesmo todas, as pistas em presença forem seguidas e rejeitadas, num esforço sério, honesto, empenhado e levado a cabo até aos mais exigentes, porquanto razoáveis, limites.

Isto é válido, não apenas para a Justiça dos estados, como para a validação, por cada cidadão, da opinião que, em cada altura, forma sobre terceiros, seja no âmbito estrito das relações sociais com o núcleo próximo de familiares e amigos, seja na formação de juízos críticos tendo como objeto personalidades que, na maior parte das vezes, pessoalmente não conhece, a elas apenas tendo acesso através das informações até si veiculadas pelos meios de informação.

Deve, assim, ver-se com olhar crítico quanto de bom e de mau nos chega relativamente a cada um, procurando, mediante o complementar da informação disponível e a aplicação à mesma da mais exigente lógica, encarar de frente e com espírito aberto e rigor científico, quer a mais divinal hipótese, quer a mais abjeta.

 

2. Um Caso de Estudo

Sem prejuízo do desfecho de reclamações ou de recursos pendentes sobre a drástica decisão, acaba de ser, pela quarta vez em Portugal*), um juiz de direito (adiante “Visado”) expulso da magistratura, ou seja, afastado compulsiva e definitivamente do digno cargo que lhe fora confiado, bem como das funções a ele inerentes.

Os atos subjacentes à inevitável e há muito esperada decisão foram objeto de ampla cobertura por jornalistas, juristas, pelos mais diversos comentadores.

A Generalidade das Abordagens
Acontece, porém, que a generalidade das abordagens parece ter, deliberada ou, inconscientemente evitando mergulhar nas profundezas da eventual podridão humana, nomeadamente furtando-se a elaborar exaustivamente sobre as motivações possíveis: não através da especulação infundada, difamatória, emotiva, inconsequente e gratuita, mas partindo da sólida base factual não desmentida que nos chega da comunicação social,.

Cumpre, assim, que sobre ela nos debrucemos a fim de procurar afastar qualquer dúvida que, em qualquer plano, possa, ainda, manifestar-se sobre tão triste caso.

 


2.1. Cronologia

Posto que a sequência dos factos parece não ter, ainda, sido objeto de qualquer tentativa de sistematização, aqui fica, a fazer fé no que foi noticiado e no que se refere apenas ao mais relevante, o que quanto nela parece adequado incluir:

i.
Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa*), inicia o Visado, em 2003 ou 2004 as funções de juiz de direito*), que terá exercido até 2011 (ou, segundo alguns, apenas durante quatro anos).

ii.
Por essa altura, e a seu pedido, passa à situação de licença sem vencimento, para se dedicar à advocacia, tendo, no mesmo ano, rumado ao Brasil, onde permaneceria até 2017.

iii.
De regresso a Portugal, algures durante o Outono de 2020 funda o sítio “Juristas pela Verdade”*), centrado na negação da existência de uma pandemia da doença COVID-19.

iv.
Entre 2011 e Fevereiro de 2021, tem como atividade profissional o exercício da advocacia numa sociedade de advogados presumivelmente sediada no Brasil, mas licenciada para operar também em dois escritórios em Portugal, em Oeiras e em Lisboa.

Juiz Negacionista
A página de apresentação dessa Sociedade*), evidencia, além da sua capacidade de advogado, a qualidade de  magistrado judicial em Portugal, em regime de licença”, sendo esta situação de licença omitida no perfil existente no LinkedIn*), onde se apresenta, simultaneamente como “Law Judge (Portugal)/Attorney at law (Brazil and Portugal)

Os serviços da Empresa são apresentados como centrando-se em “Homologação de divórcio”, ”Direitos trabalhistas do estrangeiro ilegal”, “Contumácia: como resolver?” e obtenção da cidadania europeia - embora, na apresentação do escritório português no Linkedin*), se apresente o Visado, de forma bem diferente, como especializada em “Direito Penal e Direito Processual Penal”.

v.
De 19 de Fevereiro de 2021 data a mais recente publicação no sítio “Juristas pela Verdade”.

vi.
Em 01 de Março – não é claro se, automaticamente, no termo da licença sem vencimento, ou na sequência de solicitação do próprio -, retoma o Visado as funções de juiz de direito, tendo sido colocado no tribunal de Odemira.

vii.
Em 02 de Março requer a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados.

viii.
No exercício das funções de magistrado judicial, continua a aparecer como principal rosto da já anteriormente existente página do Facebook ”Habeas Corpus”*), negacionista e, aparentemente, sucessora da “Juristas pela Verdade”.

Cronologia
ix.
Entre 01 e 12 de Março, falta o Visado nove dias úteis consecutivos ao serviço sem apresentar qualquer justificação. Ou seja: demorou nove dias úteis a apresentar-se ao serviço em que, no dia um do mesmo mês, deveria ter iniciado funções.

x. A existência de um inquérito disciplinar*) na sequência da publicação de pequenos filmes manifestando-se contra o estado de emergência é noticiada em 23 de Março.

xi.
A Ordem dos Advogados faz saber, em 25 de Março, que irá proceder disciplinarmente contra o Visado por ter ela tomado conhecimento de atos de competência própria de advogados por ele praticados já com a inscrição suspensa.*)

xii.
No mesmo dia, é o Visado suspenso do exercício de funções*) pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM).

xiii.
Em 29 de Março é noticiado que desafiara, para um combate de artes marciais, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP).*)

xiv.
Em 16 de Junho apresenta defesa no âmbito do processo disciplinar.*)

xv.
Em 29 de Julho, publica no YouTube, um pequeno filme em que classifica como pedófilo o Presidente da Assembleia da República.*)

xvi.
Em 25 de Agosto, apresenta na Procuradoria-Geral da República queixa contra o Presidente da República e o Primeiro-Ministro pela prática de crimes contra a Humanidade.*)

xvii.
Na audição levada a cabo em 07 de Setembro, diz-se o rosto dos injustiçados e reprimidos pelas medidas de combate à pandemia cuja existência nega, tal como nega o facto de haver a doença provocado qualquer morte entre os cidadãos.

Presidente do Supremo Tribunal
Após ter exigido que todos os membros do Conselho retirassem as máscaras, já que "Com as caras tapadas não sei quem são", dirige-se ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ)*) dizendo que "O doutor está mais próximo de ser presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Marrocos ou da Guiné Equatorial. É esse o prestígio que tem. A sua vaidade e o seu narcisismo não lhe valem de nada. E o mesmo se aplica a todos os outros como é óbvio".

xviii. No mesmo dia 07 de Setembro, depois de um graduado lhe garantir que não iria mandar carregar sobre quem quer que fosse, insiste o Visado em destratar agentes da PSP, nos seguintes termos*): "os Senhores não vão carregar sobre as pessoas, porque senão os Senhores é que vão ser detidos, hoje (...) Ai de você que carregue sobre as pessoas, porque há coisas que vão ser sabidas, se você carregar sobre as pessoas. Diga lá aos seus Chefes!". "O Senhor não tem que me dizer que exemplo é que eu dou ou não. Não me toca, hã? Não me toque. Não me toque. 'tá a perceber? Ponha-se no seu lugar! Ponha-se no seu lugar! Eu sou a autoridade judiciária, aqui. E o Senhor também ponha-se no seu lugar. 'tá a perceber? O Senhor vai ser detido, se carregar em alguém (...). Eu ponho-me no meu lugar, e o meu lugar é este: acima de si, acima de si! 'tá a perceber? O Senhor 'tá abaixo de mim. Portanto o Senhor não vai carregar sobre ninguém".

xix.
Em 08 de Setembro a PSP apresenta queixa contra o Visado por haver desrespeitado alguns agentes*) à porta do edifício onde está instalado o CSM.

xx.
Em 07 de Outubro, o plenário do CSM aplica-lhe, por unanimidade, a pena de expulsão da magistratura*) por “Ter nove dias úteis consecutivos de faltas injustificadas e não comunicadas, as quais ocorreram entre o dia 01/03/2021 a 12/03/2021, com prejuízo para o serviço judicial (...)", “Ter proferido despacho, durante uma audiência e julgamento, no dia 24/03/2021, no qual emitiu instruções contrárias ao disposto na lei no que respeita às obrigações de cuidados sanitários no âmbito da pandemia Covid19 (…)” e “Ter publicado uma série de vídeos em várias redes sociais, nos quais, e não deixando de invocar a sua qualidade de Juiz, incentivava à violação da lei e das regras sanitárias, bem como proferia afirmações difamatórias dirigidas a pessoas concretas e a conjuntos de pessoas”.

Embora a condenação seja passível de recurso, este não suspende a eficácia da decisão.*)

xxi.
Na mesma data, a Associação Sindical dos Juízes de Portugal exprime o seu entendimento*) de que a condenação, “que toda a gente esperava e era inevitável”, “coloca uma pedra sobre o assunto”, salientando o “impacto negativo na imagem da justiça” de “um caso isolado e bizarro para aquilo que é o comportamento dos juízes

 

Direito de Não Comparecer ao Trabalho

2.2. Das Faltas Injustificadas e do Seu Significado

Embora raramente comentado, o aspeto das faltas injustificadas assume, no presente caso, uma importância muito especial.

Qualquer trabalhador tem o direito de não comparecer ao trabalho em situações consideradas justificáveis pelas normas aplicáveis, desde que para a falta apresente justificação.

Não sendo tal justificação apresentada, haverá que presumir uma de três coisas: ou justificação válida inexiste e o trabalhador faltou por razões não atendíveis; ou existe justificação válida mas, denotando desrespeito, o interessado optou por nem se dar ao trabalho de a apresentar; ou a omissão é deliberada, procurando assim marcar-se uma posição.

Em qualquer caso, a conduta subjacente denota desrespeito pelos ditames éticos e deontológicos, na medida em que nenhuma organização alguma vez poderá ser eficaz quando sujeita ao capricho e à arbitrariedade daqueles de quem depende para harmoniosamente funcionar, tampouco podendo os que, por sua vez, dela dependem deixar de ser, de alguma forma, prejudicados nos seus legítimos direitos e expetativas, nomeadamente no domínio da Justiça, cuja solenidade e integridade na administração se mostram essenciais ao funcionamento do Estado de Direito.

- x –

Embora todos sejamos criados e educados de maneiras muito diferentes, qualquer representante do assim chamado homem médio, do bonus pater familiae*), entenderá que é pressuposto da admissão de alguém a um posto de trabalho que esse alguém ao mesmo ser irá dedicar de forma diligente, no interesse de quem contrata e daqueles a quem o empregador presta serviço ou com os quais desenvolve uma relação comercial.

Sendo, no caso do sistema judiciário, o Estado o empregador e sendo a generalidade dos cidadãos aqueles a quem presta serviço, não há como ilidir a inevitabilidade da conclusão pelo dever de o juiz agir com irrepreensíveis brio e empenhamento profissional no desempenho das suas funções, até no superior interesse da dignificação da atividade judicial.

O facto de o Visado ter, nos dezanove dias úteis em que esteve ao serviço, faltado nove – quase metade! - sem apresentar qualquer justificação torna irrazoável não concluir que o regresso do outrora advogado à magistratura judicial se deveu, exclusivamente, a motivação egoísta que, embora de natureza e contornos desconhecidos, nada teve alguma vez a ver com qualquer ideal de missão, de serviço público ou sequer, de aplicado desempenho de qualquer função.

Ganha, assim, esta aparentemente menor questão das faltas injustificadas especial relevância quando se trata de, em vão, procurar afastar qualquer dúvida relativa à falta de bondade da motivação do regresso aos tribunais de quem há muito era o rosto principal de uma sociedade de advogados com o seu nome e, simultaneamente, de uma campanha mediática contrária ao interesse nacional, designadamente na área da saúde pública.

Acresce, naturalmente, o facto de ser humanamente impossível ao Visado desconhecer a inexorável e fatídica sorte a que, dada a sua conduta imprópria, a carreira de magistrado estava, à partida, condenada. Por outras palavras, bem sabia, porque enquanto magistrado não podia deixar de saber, ser impossível não expulsar da magistratura alguém que como ele tivesse agido.

Jamais podendo alguém minimamente lúcido esperar, de facto, poder continuar a ser juiz de direito após tamanhos desmandos públicos amplamente divulgados, seria logicamente aberrante não concluir que sempre o Visado pretendeu que a sua nova passagem pela magistratura fosse efémera e acabasse no meio de retumbante queda, durante um espetáculo cuidadosamente encenado.

Mas com que objetivo? Qual a motivação?

 


2.3. Algumas Hipóteses


2.3.1. Promoção da Atividade Profissional Enquanto Advogado

Todos temos presente o caso de um quase desconhecido advogado que, há não muito tempo, esteve na origem da fundação de um sindicato que acabou extinto por decisão judicial devido a irregularidades na sua constituição*), não sem antes ter quase paralisado o País inteiro por privação de combustível que permitisse aos cidadãos assegurar a mais elementar deslocação.

O rosto do mesmo advogado promover-se-ia, mais tarde, em enormes cartazes de um insignificante partido político, nunca mais, desde então, do portador da triste cara se tendo ouvido falar, mas sendo de presumir que a respetiva atividade profissional tenha muito favoravelmente evoluído graças à ampla e generosa divulgação mediática da imagem do indivíduo, independentemente da motivação da atuação.

A primeira hipótese a eliminar quanto ao que verdadeiramente move um alegado negacionista que regressa à magistratura em plena campanha por si alimentada para, menos de uma quinzena depois, faltar ao trabalho nove dias consecutivos sem justificação, enquanto continua a manifestar, com o alarde de sempre, as suas alucinadas posições, exagerando desnecessariamente no protagonismo e tratando de assegurar que dele muito se ouviria falar é, assim, a de estarmos, não diante de um juiz de direito, mas de um advogado oportunista que viu e aproveitou uma oportunidade única para chamar a atenção pública para a sua pessoa como forma de atrair clientes.

Tratar-se-ia, a assim ser, de algo que se estaria a tornar num hábito na profissão de advogado: dada a proibição de publicitar a atividade profissional, optar pela promoção, embora negativa, da imagem pública da pessoa, indiferente ao prejuízo para o Estado e retirando-se da ribalta logo de seguida – ou sendo removido.

Regressaria, então, à advocacia quando já sobejamente conhecido junto de potenciais clientes pouco sensíveis aos prejuízos causados à coletividade, mas muito atentos aos desacatos, ao tom agressivo, à suposta coragem com que o interessado afrontaria os poderes públicos e as autoridades, comportamentos por alguns considerados fortemente promissores de um bom desempenho na barra dos tribunais.

Dar-se-ia, assim, razão ao velho chavão publicitário segundo o qual não importa o que digam de nós: o que importa é que falem de nós.

- x -

A favor desta hipótese milita praticamente toda a sequência cronológica acima resumida em 2.1., sobre a qual, dada a evidente clareza, não valerá muito a pena elaborar.

Contra ela, temos o facto de se tratar de algo tão abjeto, tão vil, tão manipulador, são indiferente aos interesses e aos direitos do próximo que, considerá-la válida seria o reconhecimento último de que muito pouco haverá, já, que esperar de certos representantes da Humanidade. Ou dela toda…

A propósito: terá, quando deixou a profissão, o Visado vendido as quotas na sociedade de advogados, obrigada que esta está a apenas contar, no capital, com participações de advogados inscritos e no exercício da atividade profissional?

Terá a Ordem cuidado de averiguar o que, efetivamente, se passou?


2.3.2. Promoção Genuína da Causa Negacionista

Outra hipótese que não pode deixar de ser considerada quanto à motivação para o uso e abuso da oportunidade de regresso à magistratura com o fito específico de dela ser rapidamente expulso no meio de enorme alarido será ter o Visado pretendido chamar a atenção, não para a atividade de advogado - que, necessitando de assegurar o sustento, provavelmente irá retomar -, mas para a causa negacionista da pandemia.

Tal possibilidade não pode deixar de nos fazer refletir um pouco também sobre a motivação dos próprios negacionistas: o que ganharão em insistir na tola ideia de que não existe pandemia, de que a evidência científica apresentada não é válida, de que ninguém morreu devido a infeção pelo vírus Sars-Cov-2?*)

O que ganharão elementos da extrema-direita em negar o holocausto nazi*), ou elementos da extrema-esquerda em negar Holodomor?

O que ganhará, afinal, quem quer que seja em, de entre aquilo que se encontra cientificamente demonstrado, negar seja o que for?

No caso da COVID, será assim tão nocivo andar de máscara, ou ser inoculado com uma vacina idêntica a tantas outras? Será que o dano residual a um ou outro vacinado entre largos milhões justificará que milhões se neguem a proteger-se e a proteger os outros?

Não estaremos, antes, diante de pessoas que advogam causas em que não acreditam, que nem chegam a entender bem, às quais aderem apenas pelo ruído mediático que provocam e que, dessa forma, algum protagonismo a um punhado de barulhentos e irracionais frustrados poderá trazer?

Como poderá encarar-se como legítima a posição de um verdadeiro, de um genuíno juiz de direito que, com porventura inconfessáveis ou condenáveis e egocêntricos objetivos, em grupelhos destes se imiscui, advogando posições antissociais e anti o que quer que de saudável e construtivo para o bem de todos queiramos fazer?

Como considerar natural a identificação de um magistrado com gente que é do contra seja no que for, pela notoriedade, pela mera fruição, pelo prazer de o ser?


2.3.3. Outras Possibilidades

Significarão aquelas camisolas pretas, aquele ar agressivo, aquele discurso desconexo e repetitivo, a negação desrazoável, que o juiz apenas estará a advogar, numa toscamente encapotada manobra, práticas extremistas visando a desestabilização e a subversão?

Ou, mais singelamente, não passará de uma personalidade narcísica - característica que se não coibiu de atribuir ao Presidente do STJ quando, durante a audição no CSM, o interrogou?

Estará o pretenso juiz negacionista a agir apenas como advogado oportunista de si mesmo, da própria imagem, consistentemente com as múltiplas fotografias do próprio que povoam a Internet, seja no sítio da Sociedade de Advogados, seja nos sítios das causas que diz defender?

Tratar-se-á, afinal, de uma completa indiferença ao sofrimento que, se atendidas as suas inenarráveis pretensões, estas poderiam causar a todos, desde que o seu estatuto pessoal acabasse elevado por via da defesa exacerbada das mesmas?

Se não, como explicar, a não ser por mero exibicionismo, a insistência em, valendo-se do seu estatuto, proibir uma carga policial sobre quem se manifestava à porta das instalações do CSM, quando já lhe fora, por mais de uma vez, garantido que ela não iria ser ordenada?

Mais a mais, proibiu estando suspenso do exercício de funções, coisa que ninguém se lembrou de lhe recordar…

 

3. (In)conclusão

Se a primeira hipótese for verdadeira, o sujeito rapidamente desaparecerá de cena - e nem terá, provavelmente, chegado a vender as quotas da sociedade comercial.

Se a segunda o for, continuará a manifestar-se como prometido*), pelo menos enquanto a pandemia fizer manchetes - eventualmente mudando depois de bandeira para uma então mais mediática.

Se é válida uma destas duas ou qualquer outra igualmente desprezível, cada um por si o julgará. Jamais poderá, no entanto, uma das hipóteses ser plenamente validada: por um lado, porque só o Visado saberá o que, efetivamente, o moveu; por outro, porque, mesmo que o admita, perante as características que a pessoa tem vindo a manifestar, de muito escassa credibilidade se iria tal admissão afigurar.

Causa cognoscitur ab effectu, mas nem sempre…

- x -

Independentemente de qual a hipótese verdadeira - se alguma -, certo é que todas sempre acabarão por beneficiar, ainda que acessoriamente, da atuação destemperada e imprópria de quem, se um verdadeiro magistrado fosse, também de todas elas deveria ter tido o cuidado de se distanciar.

De facto, quer a imagem enquanto advogado, quer a causa negacionista, quer, eventualmente, as causas de quem milita com camisolas pretas, quer, por fim, a imagem pessoal do Visado acabarão, inevitavelmente, promovidas, se não pelas melhores razões e junto do mais recomendável auditório, pelo menos de quem aprecie o género de pessoa de quem as pessoas certas se não esquecerão.

Tudo isto à custa de irreparável dano para a ideia que cada um tem do sistema judiciário, da magistratura judicial, daquilo que ambos representam, da Justiça que, supostamente, administram e da qual, a assim continuar, pouco mais esperarão os cidadãos.

Estamos perante um então juiz de direito que, enquanto tal, se não coibiu de achincalhar, de humilhar, que se sentiu acima de outros que entendia que deveriam pôr-se no respetivo lugar, em posição de subserviência perante tão distinta e iluminada criatura.

Mais ou menos tenebrosa e arrepiante, cada uma destas quatro hipóteses e qualquer outra que, além delas, possa formular-se, terá estado na origem daquele se apresenta como um dos mais escabrosos episódios exemplificativos de uma degradação da qualidade dos magistrados que se torna cada vez mais sensível e evidente, num Estado que se diz de direito, mas de cuja Justiça a prática judiciária cada vez mais nos faz duvidar.

* *

Negacionista por negacionista, o que será pior? Juiz, ou Médico?

(continua aqui)

3 comentários:
  1. EXCELENTE TRABALHO DE PESQUISA ONDE A VERDADE SOBRESSAI SOBRE AQUILO QUE EM MINHA OPINIÃO PENSO SER UM CASOS DE DEMÊNCIA

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  2. Prepara-te para um contra ataque em breve do https://forasteiro.net
    Vão ser todos abatidos, tu e o Scimed e mais uns quantos, prometemos.

    A bem ou a força irão ser todos expostos, como vieste ao mundo nú asism o serás em breve.
    Aguarda.

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    1. Obrigado pelo seu comentário, belíssimo exemplo da antítese da elevação e do fino e elaborado conteúdo ideológico que diz muito do que vai no espírito de quem o produziu.
      Não entendo a referência ao Scimed, com o qual nada tenho a ver, nem me passa pela cabeça comentar meras ameaças mais ou menos abestalhadas produzidas por quem aparenta ter o cérebro desprovido de qualquer capacidade de fundamentação.
      Se quiser comentar com base nas ideias, terei gosto em trocar impressões consigo. Em qualquer caso, aqui fica registada a ameaça, para memória futura de quem vier a ser chamado a intervir, em caso de concretização.

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