sábado, 22 de outubro de 2022


INTERVALO

i n t e r v a l o . . .

domingo, 28 de agosto de 2022


Ponta Delgada: Campo de São Francisco

 

Campo de São Francisco - Ponta Delgada


Ponta Delgada - Campo de São Francisco
Imagem: Google                                   


Ponta Delgada "está situada ao longo da costa, em terreno plano e aprazivel, nas margens d’uma enseada formada por dois cabos chamados Ponta da Galé e Ponta Delgada, que deu o nome á cidade. A este segundo cabo lhe chamam também Ponta de Santa Clara, por causa d'uma ermida d’esta invocação, que se edificou ali ha muitos annos (...).

O seu porto, muito desabrigado dos ventos do quadrante do sul, é defendido pela fortaleza de S. Braz, construida em 1552, e pelos fortes de S. Pedro e de Rosto do Cão. A ilha começou a povoar-se, por ordem e diligencias do infante D. Henrique, em 1445. N’essa epoca. Ponta Delgada não passava d'um simples logar, sujeito á jurisdicção de Villa Franca do Campo, que era a capital da ilha, porém, pelas vantagens da sua posição, começou a desenvolver-se e a ampliar-se, principalmente depois do anuno de 1480 e os seus habitantes, em vista d’esta prosperidade, revoltaram se contra a tutela, que lhes impunham, dando origem a successivos conflictos com os habitantes da capital. Para acabar com esses conflictos, el rei D. Manuel resolveu attender as suppiicas que lhe dirigiam os habitantes de Ponta Delgada, que pretendiam a sua independencia, e no anno de 1499 erigiu a povoação em villa.

Houve na ilha de S. Miguel um grande terremoto em 1522, que sepultou a maior parte de Villa Franca do Campo debaixo dos montes do Rabaçal e Louriçal, sendo até transferida a alfandega para Ponta Delgada, que também soffreu grande ruina. N’essa catastrophe morreram perto de 5:000 pessoas. Ponta Delgada restaurou se depressa, graças aos esforços dos seus moradores, e novamente começou a prosperar, no obstante as representações da camara municipal do Villa Franca do Campo, que durante
algum tempo reclamaram contra esta alteração, vendo que aquella villa ia caindo em grande decadência. El rei D. João Ili, por carta regia de 2 de abril de 1546, a elevou á categoria de cidade e de capital da ilha. Os vulcões de João Ramos e do Paio, que rebentaram em 1552, e o do Pico do Sapateiro, que rebentou em 1563, vomitando por muitas vezes torrentes de lavas abrazadoras, produziram abalos de terra, que prejudicaram, mais ou menos, todas as povoações da ilha (...).

Em 1839 padeceu a cidade de Ponta Delgada um fiagello de outro genero, mas não menos horroroso e devastador. O mar, agitando-se e crescendo de improviso, arremessou-se contra a cidade com tal fúria, que derrubou o paredão que abrigava o porto do areal de S. Francisco, e a praça da feira do gado; fez consideráveis estragos no castello de S.Braz e n’outras fortificações, na alfandega e caes contiguo, arruinando também muitas casas e armazéns particulares (...).

A entrada na praça do Município, indo ao lado do mar, é formada por tres arcos contíguos, tendo na frente a egreja matriz, consagrada a S. Sebastião, a qual é um templo vasto, que sem ser majestoso, não é, comtudo, uma egreja vulgar, antes se recommenda pelos bellos ornatos das suas portas manuelinas, e pela sua torre quadrangular, erguida á direita e terminando em eirado, como se nota em quasi todas as egrejas da ilha de S. Miguel. N’essa torre existe um relogio, que é considerado um verdadeiro padrão pela importância dos seus machinismos. Foi legado pelo negociante Nunes da Silva, que entre as disposições umanitarias que o tornaram benemerito de Ponta Delgada, destinou 10 contos de réis para a egreja matriz ser dotada com o referido relogio(...).

O Theatro Micbaelense é um vasto edifício de boa apparencia, situado na parte oceidental da cidade, no local da antiga parochia de S. José. Foi construido por algumas pessoas influentes que constituiram uma sociedade por acções na importância de 40 contos de réis. Tem bella sala com 52 camarotes, galeria, platéas e fauteuils; café e salões de passeio. Inaugurou-se em 2 de junho de 1864 com um concerto, sendo enorme a concorrência, que enchia completamente o theatro. No anno seguinte, a 25 de março, estreou-se uma companhia dramatica, que deu uma serie de recitas. Aquelle theatro tem sido explorado por diversas companhias dramaticas e liricas, portuguezas e italianas, hespanbolas, etc. O Club Michaelense é também um vasto edifício, situado no bairro central da cidade, sendo os seus elegantes salões sempre muito frequentados pelas pessoas da primeira sociedade michaelense(...).

O principal commercio do concelho é álcool, ananazes, assucar, cereaes, chá, laranja e gado. A cultura do chá na ilha de S. Miguel foi um importante serviço prestado à agricultura. Na cidade de Ponta Delgada está estabelecida a Sociedade Promotora da Agricultura Michaelense. Esta sociedade, no seu louvável empenho de desenvolver a industria local, procurando a exploração de qualquer produto que fizesse florescer nos Açores, pensou em janeiro de 1843 na cultura e fabricação do chá, que tem sido uma das riquezas do império chinez. Na ilha de S. Miguel julga-se ter sido introduzida esta planta em 1833, anno em que foi trazida do jardim botânico do Rio de Janeiro. E’ de presumir, porém, que já antes se cultivava na ilha; pelo menos, nos Açores, a sua cultura data de 1801, em que o governador das ilhas mandou ao governo algumas plantas d’aquelle arbusto, que vegetava admiravelmente na ilha Terceira. Iniciada a idéa de explorar o chá na ilha de S. Miguel, e vencidos os embaraços pelo lado de meios pecuniários, foram contratados em Macau, a 13 de novembro de 1877, em nome do presidente da referida sociedade agricola, o fallecido conde da Praia da Victoria, dois chinas para irem á ilha ensaiar e ensinar a fabricação e cultura do chá. O enthusiasmo foi tal, que os michaelenses promoveram entre si uma subscripção para auxiliar as despezas a cargo da prestante e emprehendedora collectividade. Os chinas chegaram a Lisboa no transporte portuguez África, seguindo d'aqui para a ilha de S. Miguel no paquete Luso, chegando a Ponta Delgada a 5 de março de 1878. A sociedade já tinha montado convenientemente uma fabrica para a exploração do chá, começando os ensaios logo a 15 do referido mez de março. A apanhada folha para as primeiras experiencias fez-se em arbustos existentes na villa da Ribeira Grande, e nos logares do Pico da Pedra, Porto Formoso, Capellas e outros. O producto de toda a fabricação considerada como ensaio, foi de 8 k. de chá verde e 10 de chá preto. A sociedade agricola encarregou um seu empregado de estudar o fabrico do chá, e nomeou uma commissão para dirigir estes trabalhos. A sociedade agricola e o seu empregado fizeram executar vários processos descriptos por autores, taes como: Fr. Leandro do Sacramento, que publicou em 1824 uma memória no Rio de Janeiro, impressa na ilha em 1879, e os escriptores inglezes: Samuel Ball e Money. A conselho dos chinas, a sociedade mandou vir em 1878 plantas para aromatizar o chá verde; vieram do Macau a Jasminum grandiflorum ou Vambac, e malva vaccionides. Não chegaram, porém, a ser utilisadas na labricação. Na primavera de 1879, em que continuaram os ensaios, fabricou-se cerca de 70 k. de chá, na sua maioria preto. A variedade era: preto, verde, ponta branca e o chamado do povo. Sobre as primeiras experiencias publicou um relatorio a commissão encarregada de as dirigir, e nomeada pela Sociedade Promotora da AgricuBura Michaelense, em 5 de fevereiro de 1879. As experiencias a que depois se procedeu, deram sempre os melhores resultados, e hoje o fabrico do chá é uma das industrias mais importantes da ilha de S. Miguel".

Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues,
in "PORTUGAL - Diccionario Historico, Chorographico, Heraldico, Biographico, Bibliographico, Numismatico e Artistico" -
- vol.V, pág.862-868 - João Romano Torres & C.ª - Lisboa, 1911

quinta-feira, 25 de agosto de 2022


O Rio de Nós

Vemos os outros como quem olha o rio.

Contemplamos, letárgicos, o vago tremular uniforme das águas e os lampejos do Sol que elas refletem, como gentes que se movem sem se mexer e nos atiram à cara a diferença que julgam ter.

Excitamo-nos quando, fugaz, um peixe salta a espreitar o Mundo que lhe tira a vida, deleitamo-nos com os círculos efémeros que deixa no espelho tranquilo e se esbatem até ao infinito. Vibramos com novas chocantes, mas logo esquecidas, que nos dizem do podre de nós que mora nos outros, da dor da morte, da pungente desgraça, de coisas de arrepiar. De espíritos esmagados pela torrente de notícias sem novidade, pasmamos ante as lágrimas choradas por quem a desdita fere, ao longo de uma vida para si ou para os seus jamais sonhada, imaginada, sequer.

Arrepiamo-nos quando a pedra atirada ao rio nos salpica; mas não quando a atiramos nós e arrepia outros como nós, que nem vimos que por ali também andavam como nós. 

Afinal, quem os mandou lá estar?

- x -

O rio é lindo; é calmo, e pacífico. Pelo menos, é lindo, calmo e pacífico o que dele vemos .

Mas o que vemos do rio não passa de uma ridícula porção dele.

O rio não é superfície: é massa. Uma gigantesca mole de líquido que a gravidade impele, prenhe de vivos e de mortos, de peixes que nadam e daqueles que iremos almoçar, dos que não foram pescados e apodrecem na lama do leito do rio que corre para o mar, com os ramos, os escolhos e os despojos que para lá não paramos de atirar.

O rio é lindo, mas brutal. É corrente que, à passagem, tudo amassa, moi, tritura, mata, destrói, sem, ao menos, parar para pensar.

A molécula de água é fonte da vida. O rio, é fonte da morte. Também nós, fonte de vida, unidos para ser firmes na defesa, acabamos fonte de morte, sempre a atacar; ou, bem pior, a ignorar.

A riqueza que gostamos de acreditar que em nós habita, dilui-se, fenece à vista de alheias virtudes. Ao fatal anonimato, resistimos tolamente num infindável e frenético vai-vem de imagens e frases que pespegamos na montra social para sobressair, quantas vezes pisando outros para, humilhando-os, o  nosso protagonismo assegurar.

- x -.

Somos lindos, desde que não olhemos o espelho de nós nas águas calmas. Nas do lago que nos é próximo, ou nas do imenso rio que passa e continuará a passar.

quarta-feira, 24 de agosto de 2022


Tróia - Travessias de Ontem e de Hoje

 

Tróia - Ferry de Antigamente

"Quando uma povoação perde a sua remota origem na, noite dos tempos, é não só difficil, mas impossível, marcar-lhe a época da sua fundação, e o nome do seu fundador, pois tudo se acha envolvido em hypotheses e opiniões, mais ou menos fundamentadas, e em fabulas, qual d'ellas mais absurda. Est circumstancia se dá em Setúbal, assim como em Lisboa, Porto, Braga, Coimbra, Santarém, Villa Nova de Portimão, Faro, e outras muitas cidades e villas, como temos visto em muitos logares d'esta obra. 

Estou porem persuadido que a actual cidade de. Setúbal, não é tão antiga como muitos escriptores pretendem; porque — a cidade a que Cláudio Ptolomeu Alexandrino dá o nome de Caetobrix — Antonio Augusto, Catobriga — Marciano Heracleota, Castobrix — e o anonymo Ravenate, Cetobrica — era indisputavelmente na margem esquerda do Sádo, em frente da actual Setúbal, e no sitio hoje chamado Tróia. Esta sim, que era antiquíssima, e, com toda a probabilidade, fundação dos phenicios".

Pinho Leal, in "Portugal Antigo e Moderno" - Vol.9 pág.205
Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia - Lisboa, 1880


Tróia - Ferry Boat
Imagem: Atlantic Ferries


sexta-feira, 19 de agosto de 2022


Figueira de Castelo Rodrigo

Postal Antigo de Figueira de Castelo Rodrigo

"Villa. Beira Baixa, comarca e 18 kilometros de Pinhel, 345 ao NE. de Lisboa, 250 fogos, 800 almas. No concelho 2:450 fogos.

Em 1757 tinha a villa e freguezia 157 fogos. Orago S. Vicente, martyr. Bispado de Pinhel, districto administrativo da Guarda. O papa e o bispo apresentavam alternativamente o vigário, que tinha 70.000 réis e o pé d'altar.

Esta Villa era uma aldeia (e freguezia) do concelho de Castello Rodrigo, porém esta Villa, pela asperesa da sua posição, foi decahindo, ao passo que a Figueira ia prosperando; pelo que esta foi elevada á cathegoria de villa em 23 de junho de 1836, e para aqui mudada a capital do concelho n'esse mesmo anno. Os foraes e mais honras, foros, privilégios e armas de Castello Rodrigo, são hoje as d'aqui.

É terra fértil. O concelho da Figueira é composto de 14 freguezias, todas no bispado de Pinhel. São: Algodres, Almofalla, Castello Rodrigo, Esealhão, Escarigo, Figueira, Freixêdo do Torrão, Matta de Lobos, Penha d'Aguia, Quinta de Pêro Martins, Valle d'Affonsinho ou de Affonsim Vermiosa, Villar Torpim e Villar d'Amargo".

Pinho Leal, in "Portugal Antigo e Moderno" - Vol.3 pág.186-187
Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia - Lisboa, 1874

Postal Recente de Figueira de Castelo Rodrigo
Imagem: https://encrypted-tbn0.gstatic.com                          

segunda-feira, 15 de agosto de 2022


Ensinar sem Saber, Governar sem Querer

Continuamos dominados por uma política de facilitismo e de escancarar de portas à confusão entre ensino e educação.

Parecendo ignorar que existe desemprego entre professores, e apesar de garantir que as turmas do próximo ano já têm quase todos os professores atribuídos*), prepara-se o nosso absoluto Governo para, na forma desajeitada que lhe é habitual, reduzir drasticamente o nível de habilitações exigidas para lecionar no ensino secundário*).

Em lugar de se requerer a habilitação própria, passa a considerar-se suficiente a avaliação em função do "percurso formativo dos candidatos", apenas tendo em conta as disciplinas relacionadas com a disciplina a lecionar.

Por outras palavras, tira-se umas cadeiras que já se sabe que irão ter saída, manda-se às malvas o resto do curso e passa-se a, nos termos da lei, poder ser colocado como professor do ensino secundário.

Assim, e à boleia de uma alegada dificuldade pontual em contratar professores licenciados para ministrar aulas de informática, passaremos a poder ter, ao que parece em qualquer disciplina, docentes não licenciados, muito ao jeito daquilo que aconteceu, com os resultados sobejamente conhecidos, pouco depois de 1974, tema que já amplamente desenvolvi a propósito do desempenho dos magistrados judiciais portugueses nos acontecimentos que antecederam a fuga de João Rendeiro.

A manifesta falta de formação, em áreas fulcrais, da trupe de incompetentes tecnocratas que preside aos destinos desta mole de passivos e subservientes eleitores que lhes vai assegurando o pré, não lhe permite compreender que um professor licenciado detém uma cultura mais abrangente, se encontra mais documentado, mais instruído em áreas relacionadas com a dominante na área que escolheu, e não apenas nesta. Encontra-se, assim, mais apto a lecionar, a passar a mensagem por forma a motivar os alunos, não apenas a empinar, mas a investigar, a ampliar, eles mesmos, o leque de conhecimentos, assim se tornando, potencialmente, indivíduos aptos a um desempenho profissional que honre e eleve lá por fora a marca "Portugal", sem o que jamais passaremos da cepa torta, seja no curto, no médio ou no longo prazo.

Tudo isto, teoricamente, já se sabe, uma vez que, eivadas das maleitas causadas pelo destrutivo virus de Bolonha, as licenciaturas de hoje mal afloram o nível de exigência de outrora, antes de mais por pouco haver quem saiba, de facto, ensinar e, sobretudo, educar.

Além do mais, medidas destas, sobretudo com caráter geral, violam frontalmente o princípio de igualdade, na medida em que conferem oportunidades iguais a indivíduos com competências supostamente desiguais. Fazem tábua rasa do esforço suplementar investido, durante anos, por quem se licenciou com o objetivo de ir, um dia, lecionar, o que as torna, também, injustas e desincentivadoras para quem considere licenciar-se.

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Se não existem professores de informática em quantidade suficiente para fazer face às necessidades, houvessem os sucessivos governos tratado de, atempadamente, incentivar inscrições nas licenciaturas nessa área, em lugar de se limitarem a deixar andar e correr, agora, atrás do prejuízo.

A liberdade de escolha é um direito essencial em qualquer democracia, mas não pode ser confundido com o direito dos governos a demitir-se da função de sensibilizar os governados para as atuais e previsíveis necessidades do Estado.