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quarta-feira, 18 de agosto de 2021
Agostinho da Silva
segunda-feira, 16 de agosto de 2021
Tieta
Imagem: tudosobreprodutos.com |
sábado, 14 de agosto de 2021
COVID: O Palácio das Araras
"Até quanto a ânsia narcísica e obsessiva de um se fazer notar
continuará,
nesta atrasada e mal governada terrinha, a opor-se ao
interesse de todos?”
“Não é ciência aquilo que, todos os dias e a todas as horas, nos entra
pelos olhos e ouvidos:
é uma vozearia ignorante, pedante,
oportunista e, por vezes, desesperada,
que apenas contribui para
agravar a já catastrófica situação"
1. Da Importância da Sustentação
Científica das Opiniões Formuladas
2. Vacina-se os Miúdos ou Não?
3. A Chinfrineira Muda na Comunicação Social
4. Missão de Informar versus Liberdade de
Expressão
5. Pluralismo no
Debate versus Motivação para Aparecer na Televisão
No Estado de Direito, é entendido como do mais elementar bom senso – e a
lei prevê – que um decisor que não domine determinada área do conhecimento
recorra à opinião de peritos visando o rigor da decisão a prolatar, bem como
a clareza de uma exaustiva e clara fundamentação.
Tal recurso à presumível sapiência de terceiros pressupõe, necessariamente,
que o laudo produzido por cada perito consultado se sustente em saber
estabilizado e adquirido segundo as regras do método científico, sob pena de
acabar o decisor enleado numa amálgama de opiniões díspares que, em lugar de
contribuir para o desejado esclarecimento, apenas irão a sua ignorância
nestas coisas acabar por aumentar.
Ainda assim - ou seja, mesmo quando os diversos pareceres solicitados se baseiam numa mesma ciência antiga e são redigidos de acordo com os procedimentos preconizados -, não é raro chegarem os respetivos autores a conclusões substancialmente distintas, já que, contrariamente ao que às vezes por aí se diz, conta bem menos o volume do conhecimento do que a efetiva capacidade para corretamente o processar, para, daquele que existir, alguma coisa aproveitar.
A situação agrava-se, evidentemente, quando a ciência consultada não é
antiga nem conhecimento, verdadeiramente, existe porque o problema é recente
e ninguém domina uma matéria que não houve tempo para, serena e
exaustivamente, investigar.
Assistimos, então, a espetáculos tristes por parte de desesperados e desabridos gestores ou governantes que ficam sem saber o que decidir e como manter confiante e tranquila uma população tão ignorante como eles nestes assuntos – e muito bem, porque, se cientistas existem de determinada área, é porque tudo de tudo todos não têm de saber - e ávida de orientações e esclarecimentos coerentes e seguros, ou que, pelo menos, pareçam fidedignos, que estimulem a vontade de os seguir e de à lei obedecer.
Atarantados, não cessam, pelo contrário, os atores sociais e políticos de
ainda mais inquietar os espíritos, lançando na comunicação social o debate
tipicamente estéril que, de forma inevitável, nasce do costume de espalhar
aos quatro ventos todas as palavras alguém diz, seja lá o que for, seja lá
quem for, como que procurando transferir para os desgovernados a
obrigação de, em cada caso específico, decidir sobre aquilo que não
conhecem, e deixando-os sem saber o que fazer nem em quem, afinal,
acreditar.
2. Vacina-se os Miúdos ou Não?
Enquanto, na imensa praia da insanidade comunicacional típica do Portugal de todos nós o areal vai, a cada dia que passa, ficando cada vez mais poluído, decisões de sentido inverso vão sendo tomadas em regiões distintas do País. Foi o que aconteceu na Madeira, onde, a despeito da recomendação de sentido contrário da Direção-Geral da Saúde – e não de Saúde, como alguns peritos e alguns ólogos, quiçá por soar mais chic gostam de dizer -, se decidiu inocular os menores com idades entre os 12 e os 16 anos*), independentemente da existência ou inexistência de patologias – direito esse que, diga-se de passagem, à Região Autónoma plenamente assiste, nos termos constitucionais.
Não pode, porém, ignorar-se que, se a disparidade de critérios e de
fundamentações que grassa Europa fora é, já de si, sintomática do desnorte
que por aí reina na ciência destas coisas, torna-se, para a fiabilidade do
que cientificamente é dito, simplesmente catastrófico que, para
salvaguardar particularidades da economia de determinada Região ou por mera
ânsia de protagonismo político, sobre questão são importante e sensível como
a vacinação de menores se não entenda uma região autónoma com o poder
central - por muito débil que este possa ser mau grado o folclore gerado por
cada vez mais frequentes e indisfarçáveis tiques ditatoriais.
Mais grave, porém, será o facto de a Direção-Geral da Saúde e a Ordem dos Médicos terem posições diametralmente opostas sobre este tema da vacinação de menores*).
Note-se que se trata de entidades que, desejavelmente, não estão a proferir opiniões de natureza política: em ambas pontificam cientistas das mesmas áreas do conhecimento que estariam, supostamente, a pronunciar-se de forma sensata, ponderada e cientificamente sustentada sobre matérias da sua especialidade, visando, unicamente, proporcionar aos tais mais ou menos desesperados governantes os elementos necessários à tomada de decisões políticas - decisões essas que acabam por quase sempre tardar, por ficarem os governantes à deriva num confuso oceano de contraditórias opiniões.
Bonito!
Não obstante, entende o Senhor Primeiro-Ministro que não se trata de ziguezague - como, à manobra, um definhado partido da oposição chamou à cambalhota -, mas sim de "evoluir na decisão"*)... mais propriamente, evoluir precisamente para a decisão contrária, com os mesmos dados disponíveis e, praticamente, uma semana depois.
Fala-se muito de linguagem inclusiva, mas esta é simplesmente exclusiva, na medida em que exclui do seu entendimento os olhos e os ouvidos de pessoas minimamente inteligentes e de boa fé, que apenas procuram entender o que se passa, sem estar preocupadas com votos ou campanhas eleitorais, como, por maioria de razão, a um Governo conviria em tempo de tão graves e sensíveis decisões.
3. A Chinfrineira Muda na Comunicação Social
No século passado, era eu ainda mais miúdo do que os miúdos cuja vacinação
tanta celeuma hoje levanta, levava-me a minha Mãe ao Palácio das Araras, no
Jardim Zoológico de Lisboa.
Cá de fora, pouco se dava por isso. Mas, uma vez lá dentro, o diálogo entre
humanos tornava-se completamente impossível, tal era a chinfrineira saída
dos bicos das animadas e tagarelas aves.
O mesmo se passa hoje com a vozearia que, sobre assuntos relacionados com a
COVID, por aí vai nos jornais e televisões, resultando numa chinfrineira
muda, vazia de mensagem, já que ninguém ouve nem ninguém se faz ouvir, com
um mínimo de respeito e de credibilidade, no meio de tanto alarde, de tanta
vontade de se pôr em bicos de pés a dizer “eu é que tenho razão!”
quando lá se arranja maneira de, uma vez mais e ganhando ou não uns trocos,
aparecer na televisão.
Manifestamente, não se baseiam estes discordantes palradores em dados cientificamente recolhidos e validados, uma vez que, em quantidade e com fiabilidade suficientes, os não há: proferem palavras tiradas da mera dedução lógica a partir de algumas notícias e elementos insuficientemente interpretados e testados. Ou seja: deitam-se a divinhar, como, mais coisa, menos coisa, qualquer um de nós seria capaz de fazer.
De nada vale o brocardo segundo o qual, quando um burro zurra – digamos
assim -, os outros baixam as orelhas: todos sabem que ninguém sabe, mas
todos fazem por parecer que sabem, porque, para esta gente, é
“vergonha” não saber.
Mas a título de quê e com que legitimidade ou direito tanto palra esta
gente toda?
Até quanto a ânsia narcísica e obsessiva de um se fazer notar continuará,
nesta atrasada e mal governada terrinha, a opor-se ao interesse de todos?
Estruturalmente, a democracia é um regime político muito fraco, dada a
facilidade com que se usa e abusa na interpretação dos direitos, garantias e
liberdades constitucionalmente reconhecidos, invocando-os para tudo e mais
alguma coisa em proveito exclusivo de um indivíduo ou de um grupo restrito,
sem que alguém tenha a coragem de a tal se opor. Se o fizer, o mais certo
será deparar-se com acusações de ser fascista, ditador e
mais isto e mais aquilo, como sempre acontece quando alguém procura, no
exercício de direitos ou de deveres e com a melhor das intenções, moderar o
exercício das amplas liberdades da democracia por parte de quem delas
abusa e volta a abusar.
Já, a propósito dos
festejos da vitória do Sporting na Primeira Liga de futebol, aqui falei sobre a confusão entre, por um lado, o direito de cada um
manifestar as suas posições e ideais políticos e, por outro, invocar tal
direito para atividades que nada têm com os direitos garantidos na
Constituição.
O abuso da liberdade de expressão em tempo de pandemia é claramente, mais
um destes casos.
Na verdade, aquilo a que diariamente assistimos nas televisões não é o
exercício do direito de livremente exprimir posições políticas sobre o
assunto, posições essas que, efetivamente, todos têm o direito de manifestar
e todos têm o direito de conhecer.
O que se escreve nos jornais e passa nas televisões são conclusões
meramente técnicas e, quase sempre, não fundamentadas sobre matéria
científica que apenas meia dúzia de portugueses se encontra em condições de
escutar e interpretar. Para a multidão restante, são coisas sem qualquer
interesse prático, sem conteúdo político, apenas destinadas a preencher
tempo de antena quando nenhuma catástrofe ou desastre espetacular em
Portugal fornece matéria para vender anúncios, e cujo principal efeito é
espalhar a confusão, descredibilizar as decisões e convidar, por
desconhecimento ou descrédito, à prática de sucessivas infrações.
Afinal, o que queremos, verdadeiramente, quando vamos ao médico?
Simplesmente, que nos passe a receita e instrua quanto à posologia. Às
discussões técnicas, que nos poupe e as tenha em local próprio e com os
colegas de profissão!
É no INFARMED, e não na praça pública, que deve ter lugar o debate entre
cientistas que falem a mesma língua e que, nesse e noutros fora da
especialidade, expressem livremente as suas opiniões, procurando chegar ao
bom porto de alguma válida e, finalmente, eficaz conclusão, na falta da qual
o Governo ficará desobrigado de seguir o resultado da difusa e
inaproveitável discussão - mas, mesmo assim, obrigado a decidir com base no
bom senso e segundo os mais altos e saudáveis ditames da administração.
Não é ciência aquilo que, todos os dias e a todas as horas, nos entra pelos
olhos e ouvidos: é uma vozearia ignorante, pedante, oportunista e, por
vezes, desesperada, que apenas contribui para agravar a já catastrófica
situação.
5. Pluralismo no Debate versus Motivação para Aparecer na
Televisão
Bem, dir-se-á, mas, no INFARMED isso já é feito, os especialistas já
debatem estes temas antes e durante as famosas reuniões.
Pois sim, mas o que, aparentemente, acontece, é que, convenientemente, não
são convidados cientistas de todas as tendências para essas reuniões, assim
restando aos excluídos e ignorados badalar cá por fora as razões pelas quais
discordam das conclusões.
- x -
Os editores dos jornais e os diretores de informação das televisões prestariam bem mais válido e sério serviço público se, em tempos tão complicados e difíceis, se recusassem a incentivar e a amplificar a chinfrineira destas araras que nos enchem olhos e ouvidos com a sua ignorante confusão; se pensassem um pouco menos em tiragens e em audiências e se abstivessem de dar eco a quem o não merce - ainda que substituindo o interminável rosário de opiniões dos entendidos por cacofónicas crónicas futebolísticas com vocabulário mais ou menos anedótico ou por mais um programas pimba apresentados por gente cada vez mais mal preparada e mais desinteressante.
Agiriam, assim, em defesa do legítimo interesse do público que os sustenta
e a quem se dirigem, em lugar de dar palco a quem, falando daquilo que
supostamente sabe sem, efetivamente, algo saber, apenas perturba a paz
social, desacredita o legislador e as leis que produz, e assim torna ainda
mais incerto e confuso o que já tão difícil é entender.
Em circunstância nenhuma será boa ideia aumentar a depressão e o pânico numa martirizada população e em desnorteados governantes que, manifestamente, não fazem a mais pequena ideia do que ainda poderão fazer, sem meter o pé na argola e sem dar cabo da próxima eleição.
quarta-feira, 11 de agosto de 2021
Oliver Wendell Holmes, Jr
"A mente de um fanático é como a pupila do olho:
quanto mais a iluminamos, mais se contrai"
"The mind of a bigot to the pupil of the eye;
the more light you pour on it, the more it contracts"
Mais propício se torna, assim, esta conjuntura a que a defesa preferida de um fanático seja fechar-se na exaltação dos seus heróis e na repetição ad nauseam dos dogmas que religiosamente segue, naqueles inspirados. Tal ocorre, sobretudo, quando vê atacadas as suas ideias mais ou menos inaceitáveis, mais ou menos loucas, apressando-se a rejeitar à partida quanto se lhes oponha, ainda que baseado em informação mais fidedigna e elaborada a partir dos dados mais objetivos.
segunda-feira, 9 de agosto de 2021
Rachmaninoff, por Arthur Rubinstein
Imagem: www.wqxr.org |
sábado, 7 de agosto de 2021
Nem mais, nem menos: tal e qual!
“Quem, com todo o tempo para refletir, decide, friamente,
pespegar na
primeira página uma porcaria destas,
ilusões não deixa quanto ao que
efetivamente pensa,
ao que efetivamente sente, e ao que,
desgraçadamente,
em futuras capas mostradas nas bancas
não teremos
como os olhos deixar de pousar”
1. A “Gaiola Aberta”
2. Ética? O que É Isso?
3. A Responsabilidade Mediática Permanente de quem Representa a República
4. A Ética Jornalística de Um Defunto Ressuscitado
5. O Importante Papel Social de Leitores e Anunciantes
6. Quem Não Quer Ser Lobo…
Existem diversas definições para pasquim. A Infopedia*), por exemplo, adota:
2. panfleto difamatório
3. figurado jornal que publica calúnias e artigos difamatórios
4. pejorativo jornal de pouca qualidade”
Faz-me isto recordar os meus tempos há muito idos em que por aí circulava um
então bem conhecido pasquim, desengraçado, mas supostamente humorístico.
Além de uma ou outra imagem ou trecho em que o Autor lá tinha algum sucesso no
seu estranho propósito de fazer gente adulta rir com vontade de coisas com
piada nenhuma, aquilo não passava de um desfile de ordinarice da mais rasca,
da mais reles, por vezes cruel.
Em nada diferia, diga-se, das ordinarices desoladoramente desengraçadas com
que um cada vez maior e mais medíocre rebanho ansioso de protagonismo fácil
junto de semelhantes seus vai, ao que me dizem, contaminando certas redes
ditas sociais que, afinal e com mais ou menos melaço, muitas vezes não passam,
em lugar de redes, de ratoeiras, de eficazes armadilhas destinadas a capturar
os espíritos mais simples e às quais, nos nossos dias, não é fácil
escapar.
Garantiam a sobrevivência do tal pasquim idiotas como o idiota que aqui
escreve e também, de longe a longe, a lia. Na recém-libertada mocidade de
então, acabávamos por comprar aquilo porque a "Gaiola Aberta" – assim se
chamava a publicação - era, quiçá, o mais evidente sinal da libertação do jugo
da censura que, por tantos e tantos anos, o anterior regime ditatorial impôs a
quem apenas pretendia livremente escrever e ler, falar e ouvir: nesse tempo,
seria impensável abrir a gaiola - ou sair do armário -, fosse
quem fosse que lá não quisesse estar.
Era, até, impensável deixar sair as ideias de quem apenas pretendia sorrir,
sonhar.
Assumidamente, a Gaiola era um periódico sem qualquer conteúdo
jornalístico: era um pasquim! Apenas um pasquim.
Nem mais, nem menos: tal e qual!
2. Ética? O que É Isso?
No futebol, chuta-se impiedosamente a bola com o intuito principal – ou único,
nos dias que correm - de ganhar dinheiro, muito dinheiro mesmo,
desvalorizando-se, para que a coisa renda, os tão nocivos efeitos sociais
colaterais dessa cada vez mais induzida ânsia de sucesso a todo o custo,
efeitos esses bem patentes aos olhos de quem os quiser ver, como o de só
pensar na vitória desportiva, profissional, política ou social, a qualquer
preço, e por quaisquer meios necessários a atingir tão glorioso fim: ser, na
ordem social, Alguém; com maiúscula, claro!
Por outras palavras: pavonear-se.
Desta forma, aquilo a que outrora se chamava
a virilidade do futebol rapidamente degenerou numa crescente profusão
de faltas ad hominem no campo e fora dele, que nem os cartões
encarnados, os jogos de suspensão, os processos de inquérito e as prisões
domiciliárias ou preventivas conseguem, já, eficazmente travar; e aquilo a que
nos referíamos como combate político leal - frente a frente,
olhos nos olhos -, do carril da ética acabou, inexorável e
irremediavelmente, por descarrilar.
- x -
A divulgação, nas redes sociais, de um pequeno filme em que aparece, fortemente etilizado, como que a abanar ao vento em plena rua, um destacado representante de Portugal no mais alto órgãolegislativo da Comunidade Europeia*), talvez não seja, contrariamente ao que por aí se entende e o próprio diz, uma violação da vida privada desse cidadão: a inoportuna manifestação dos vapores do álcool aconteceu na via pública e por ação do próprio, que nesse estado nela se mostrou a quem o quisesse ver, razão pela qual nenhuma prévia expetativa de privacidade, nessas circunstâncias, poderia ter.
Se qualquer condutor pudesse defender-se dizendo “foi sem querer”,
ninguém iria para a cadeia por conduzir com um grão na asa; ou, neste caso…
com um melão.
Por outro lado, atento o direito que qualquer um tem de ponderar, no momento de votar, se o faz, ou não, num eleito que foi visto no estado que sabemos, é difícil entender como pode alguém pensar que a divulgação das imagens não é de interesse público*); e pouco importa quantos assistiram à cena ao vivo e a cores, já que, mesmo sem filme, estas coisas andam de ouvido em ouvido com tanta facilidade como as pombinhas da Catrina andam de mão em mão.
3. A Responsabilidade Mediática Permanente de Quem Representa a
República
Ninguém é obrigado a ocupar lugares em órgãos legislativos ou da governação.
Se o faz, há que saber comportar-se com a dignidade esperada por quem o elegeu
para a função; e estar ciente de que, embora não trabalhe vinte e quatro horas
por dia, é, durante as vinte e quatro horas do dia, o português investido
nessa obrigação, assim estando vinculado a cuidar de uma reputação que, por
ser ele quem é, inevitavelmente repercute os impactos por ela eventualmente
sofridos em toda a população.
Mesmo não ocupando qualquer cargo, todos devemos ter em conta que, como alguém
já escreveu, “a vida consiste em vários fatores importantes e fundamentais, entre os
quais se encontra o decente e inteligente domínio dos apetites que
partilhamos com os cães. O homem não uiva do alto de um outeiro, de manhã à
noite, nem tritura com voracidade os alimentos que lhe atiram. Come
alimentos bem confecionados, quando os pode obter, e satisfaz os seus
anseios consoante lhe indica a prudência”.
Pode, pois, sem exagero, dizer-se que o pequeno filme transmite um espetáculo
degradante, uma tenebrosa imagem do País veiculada por alguém que, mais do que
muitos, foi mandatado, contratado e é principescamente pago para a
dignificar.
- x -
Mas o que talvez mais choque da parte de quem pôs o triste filme a circular é
a premeditação da decisão de o conservar anos a fio, à espera da
oportunidade perfeita para, causando o maior dano possível às aspirações
políticas do visado, o divulgar.
Tamanha frieza, tão implacável premeditação, apenas se entende no quadro de
uma luta pelo poder hoje travada sem quartel sem ética, sem grande coisa além
do fedor a lixo que habitualmente a caracteriza.
4. A Ética Jornalística de Um Defunto Ressuscitado
Mudando completamente de assunto… há que dizer que, por muito fraca que possa
ser a qualidade de determinada publicação, por muito execrável que possam ser
os propósitos ou as ideias que impulsionam a divulgação deste ou daquele
conteúdo, a pretensão de um pasquim se considerar parte da
imprensa escrita de modo nenhum belisca a dignidade e o prestígio da
profissão jornalística.
Afinal, a prensa da tipografia imprimia no papel qualquer escrito com que lá
se o quisesse esborratar, da mesma forma que a impressora dos nossos dias não
apenas reproduz as letras que um jornalista digno desse título produz, não se
negando, também, a dar corpo a títulos e capas mais ou menos tonitruantes que
qualquer alarve para lá queira mandar.
Qualquer um tem, pois, direito a imprimir o que bem lhe aprouver, desde não
torne público o que não deve, como notícias ou declarações falsas ou ofensivas
da dignidade de outrem, sobretudo, neste último caso, quando, tal como em
certas faltas do futebol, a divulgação apenas visa atingir o indivíduo, sem
qualquer interesse ou finalidade digna do ponto de vista social.
Tudo isto, sem falar no pequeno problema de a decisão de voltar a dar
vida a um representante da imprensa escrita há muito amortalhado ser tarefa à
partida economicamente inviável - um mamute não tem graça -, que nem valerá
muito a pena tentar. Sobretudo no Verão, em que a cabeça dos editores parece
que, de tanto procurar notícias de que valha a pena falar, mais cedo ou mais
tarde acabará por estourar.
- x -
Ressurgiu, há semanas, na imprensa portuguesa, uma publicação em papel que,
logo no primeiro número, até quem lá escreve afirma ser estranha e que
pretenderia, ao que parece, dinamizar a imprensa escrita em Portugal.
Vá lá saber-se porquê, acabou por nascer às portas do Verão, a tal altura em
que, no defeso da bola, sobre outros assuntos só mesmo um grande
alarido consegue tirar os Portugueses da água ou levá-los a, entreabrindo
primeiro um olho, depois ou outro, interromper a sestazinha na esplanada
enquanto destilam uma bem acompanhada caneca ou imperial.
Talvez por isso mesmo, ainda o renascido mamute andava de cueiros, logo uma
capa absolutamente despropositada e jornalisticamente arrepiante veio, a troco
de uns trocos nas tabacarias e de mais uma ou outra tão necessária quanto
modesta fatura de publicidade, irreversivelmente minar quaisquer pretensões de
qualidade e imparcialidade de quem foi uma publicação pioneira no género e
outrora respeitada, até pela distinção que então se reconhecia a fundadores e
colaboradores – alguns dos quais ainda por lá andam, o que não deixa de tornar
ainda mais surpreendente tão tenebrosa evolução.
A badalada capa alardeava, nem mais, nem menos, do que a existência do tal
pequeno filme sobre o andar periclitante do tal deputado europeu, obtido nas
circunstâncias que se conhece, o que, por si só, sugere grande dificuldade em
encontrar temas interessantes, bem como fontes fidedignas que com o dito
jornal ainda aceitem colaborar.
A não ser do vil metal, a troco de quê? Seguindo que critério
jornalístico?
Com que ganho social?
Além de todos os epítetos que a decisão de publicar tal capa me merece, a
associação torpe e indesculpável de um momentâneo, porquanto condenável, passo
em falso à orientação sexual do embriagado é, além de tirada a ferros, também
desinteressante, ilógica, inexistente: não passa de uma manobra rasteira com
objetivos que não será difícil descortinar, além de ser, esta sim, uma
inaceitável intrusão no mais íntimo da vida privada de alguém que sobre ela
tem sabido manter a reserva e o decoro – mérito que a alguns dos seus maiores
críticos se não poderá, talvez, associar.
5. O Importante Papel Social de Leitores e Anunciantes
Nos tempos do anterior regime, não se falava porque não se podia falar. Agora,
fala-se demais porque o Estado diz não ter como controlar.
Claro que a censura prévia é uma perversão do jornalismo e, possivelmente, a
negação maior da democracia. Mas tal não legitima que alguém se distraia do
dever de, independentemente da existência ou não de ilícito criminal, depois
da publicação de uma capa como esta os seus autores e editores
responsabilizar.
Não basta, contudo, que outros políticos venham, supostamente consternados e solidários, alardear veementescondenações de demonstrações de vileza deste jaez*): a sociedade civil tem a obrigação de, em termos efetivos, condenar e procurar neutralizar comportamentos como este – embora não necessariamente perdendo as estribeiras e formulando apreciações injuriosas acerca das mães dos “palermas que aparecem aqui a dizer que até não gostam muito dele mas não gostam do vídeo”, e especificando, com todas as letras onde o apoio dispensado devem enfiar*), o que sugere que, qual infeção por vírus, esta coisa dos descontrolos tende a alastrar.
- x -
Acontece, todavia, que, parafraseando alguém, não é possível viver em dois
mundos diferentes: para se viver legalmente é necessário aceitar os códigos e
a ética. Se quisermos viver numa selva caótica, teremos de pagar caro pela
escolha. Depende de nós.
Assim sendo, quem, em presença de capas destas, optar por continuar a dar
dinheiro a troco de anúncios a quem no-las impinge sujeita-se a ser desses que
terão de pagar caro pela escolha, uma vez que se torna solidariamente
responsável pelo que mais dali vier, já que, ao contratar publicidade, está a
assegurar a viabilidade comercial de quem, sem tais receitas, não teria como
continuar para aí a dizer mal.
Não se alegue, pois, que nada se pode fazer por não haver censura prévia: a
censura do mercado, seja do lado das empresas anunciantes, seja do lado
do público comprador dos jornais, é, sempre será, o maior garante da
qualidade, do rigor e da moralidade do que lemos e ouvimos nos meios de
comunicação, bem como um forte incentivo à hombridade e idoneidade de quem com
estes colabora em funções jornalísticas, editoriais ou de direção.
6. Quem Não Quer Ser Lobo…
A divulgação, por uma criatura maldosa, do filme na Internet pode, no limite
dos limites, entender-se – mas, nunca, aceitar-se – dada a proximidade das
eleições internas no partido político do visado às quais, presumivelmente ele
irá candidatar-se.
Mas a que propósito sai do prelo - e do nada - a publicação de uma tal capa?
Que utilidade para a generalidade dos leitores em férias terá uma aparição
tal?
Não deixa de ser verdade que uma publicação não pode ser avaliada, e muito
menos julgada, por uma simples capa. Mas não é menos verdade que, sobre o que
se publica ou não, há muito tempo antes para pensar; e que, quem, com todo o
tempo para refletir, deliberadamente pespega na primeira página uma porcaria
destas, ilusões não deixa quanto ao que efetivamente pensa, ao que
efetivamente sente, e ao que, desgraçadamente, em futuras capas mostradas nas
bancas não teremos como os olhos deixar de pousar.
O que vai dentro do jornal e na última página, só lê quem quer.
A mensagem na capa, em letras garrafais, não temos a liberdade de ignorar,
por, simplesmente, não termos como para ela deixar de olhar.
Porque está em parangonas. Porque está lá para impressionar.
- x -
Esclareça-se que, do que dela conheço, a pessoa visada me não merece
particular simpatia, uma vez que admiro a vivacidade no debate televisivo
apenas quando não resvala, recorrentemente, para um protagonismo exagerado ou
para a emotividade excessiva e esganiçada, que sempre acabam por se revelar
formas de apresentar ideias seriamente comprometedoras da correta perceção do
conteúdo.
Assim, ao condenar a perseguição discriminatória e estupidamente abusiva de
que foi vítima, não estou a insurgir-me contra o ataque a este ou àquele,
antes contra o aproveitamento abjeto de situações sem interesse jornalístico,
promovido por gente que, a meus olhos, de jornalista demonstra ter muito
pouco, antes se me afigura ambiciosa, oportunista e vaidosa, desprovida de
ideal.
- x –
Honra lhe seja feita, a “Gaiola Aberta” sempre foi um pasquim, e nunca quis
passar por outra coisa.
Nem mais, nem menos: tal e qual!