“Quem, podendo fazê-lo, não comparece na assembleia de voto a fim de exercer
o seu direito sagrado,
não passa, ou de alguém no fim da linha da
desilusão com o sistema e sem esperança de que as coisas algum dia mudem,
ou
de um preguiçoso inveterado, de chinelos e roupão”
"Vota o povo, esquecendo-se de que as extremas são o refúgio perigoso dos
desencantados,
e daqueles que não sabem bem para que serve isso de ir
votar"
“ O voto em branco é o cartão vermelho, não ao regime democrático,
mas aos seus
atuais atores que nos deixaram nesta lastimável situação ”
Falamos e escrevemos, as mais das vezes, de pessoas que conhecemos como quem conhece um monumento: vemo-las, ouvimos das suas bocas o que querem que ouçamos, e pouco mais, além daquilo que escrevem ou dizem outros que, afinal, pouco melhor as conhecem do que qualquer de nós.
Por sua vez, outros, que não nos conhecem, leem-nos, e nós lemos outros; e alguns de nós votam, depois.
Ora, imaginemos, em determinado país e como mero cenário virtual, um eleitor informado por estas pessoas que mal conhece, postado em frente a um conjunto físico de materializações individualizadas dos partidos políticos que cada uma destas representa.
Pode, pois, dizer-se que, até por imposição legal, o sentido de voto de um eleitor em cada partido é, inevitavelmente negativo em relação à totalidade menos um daqueles que se apresentam a eleições, uma vez que, limitado por lei a votar, quando muito, numa força partidária, automaticamente excluirá, no ato, todas as outras.
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Esta impossibilidade legal de preencher mais do que uma quadrícula no boletim, sob pena de nulidade do voto, deve fazer-nos pensar na extraordinária importância da decisão de escolher um partido primus inter pares *). Deve fazer ver, a cada um de nós, que o simples facto de determinado programa eleitoral corresponder àquilo que um eleitor pensa que será o melhor para o seu país é insuficiente para que, apenas por isso, o mesmo eleitor lhe confie o seu voto, uma vez que não se deve, com indesejável ligeireza, vulgarizar o que é, afinal, uma enorme e exclusiva distinção.
Para justificar a escolha, torna-se imprescindível que o anúncio da
política defendida e da estratégia para a desenvolver seja credibilizado,
quer pela prática política anterior do partido, quer pela bondade e
idoneidade dos exemplos que invoca para ilustrar o que propõe. Isto, seja em funções governativas ou na oposição, seja no parlamento ou,
fora dele, no recato das reuniões de militantes ou perante todos, em órgãos de
comunicação.
Não parece, de facto, sinal de maturidade política um cidadão deixar-se,
levianamente, manipular por programas ou manifestos. Sobretudo, sabendo-se que
são amiúde elaborados com base nas momentâneas e instáveis tendências do
mercado de eleitores,
moldando-se, depois, os discursos da campanha ao sabor e à medida daquilo
que, antes do ato eleitoral, as pessoas mais pediam, em lugar de, sem prejuízo de uma saudável flexibilidade e capacidade de
adaptação, cada partido se manter firme nos seus princípios estruturantes -
desde que, naturalmente, ainda se lembre de quais eles são...
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Não sendo legítimo, a qualquer força política, pretender o mal do país em que
opera, espera-se que todas elas prossigam o bem, apenas diferindo nos
processos e meios preconizados para o atingir.
Este facilmente constatável facto de as pessoas dos políticos contarem cada vez mais, e o ideário dos partidos cada vez menos, poderá explicar inesperadas transferências de votos entre a extrema-esquerda e a extrema-direita ou vice-versa, sinal evidente de nos encontrarmos perante a tendência, também indesejável, de escolher as pessoas sem olhar às políticas, como cada vez mais se vê acontecer. Não pretendem estes eleitores das extremas implementar uma política cuja prática desconhecem porque, onde moram, jamais terá sido, plenamente, implementada: apenas querem mudar as pessoas, seja lá a política qual for.
No caso português, cada vez mais o eleitor parece intuir que o problema dos principais partidos do centro não reside nos princípios ou nas políticas que defendem, mas sim na prática do compadrio a qualquer preço, do nepotismo, do mais ou menos encapotado caciquismo, cujo efeito imediato é afastar quem, competente, bem formado e de boa-fé estaria disponível para, com verdadeiro espírito de missão, levar o País onde todos nós, de esquerda, de centro ou de direita, gostaríamos de o ver.
A não muito difusa ideia deste deplorável estado da Nação latente no espírito de um eleitorado carregado de canudos, mas genericamente desinteressado destas coisas e maioritariamente pouco evoluído, leva ao inevitável protesto emotivo, excitado, irracional. Protesto que leva alguns a arriscar, a troco de nada, o tudo que é de todos, ao votar, ora numa extrema-esquerda de ideais dissimulados, ora numa extrema-direita que de si só não diz o que não pode dizer, sob pena de a mandarem, definitivamente, calar.
Assim vota o atarantado e pouco esclarecido eleitor que não sabe, já, para que lado se virar. Não sabe, em suma - ninguém sabe - onde encontrar um partido capaz de convencer alguém de que será capaz de, efetivamente, fazer as coisas evoluir, melhorar, serenar.
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Entre escolher as políticas sem olhar às pessoas e escolher as pessoas sem
olhar às políticas, encontram-se casos, aparentemente raros, de equilíbrio.
Raros, porque, para o desequilíbrio, concorrem o nível cultural, o interesse
pessoal, o ambiente político familiar, laboral ou escolar, a semelhança
pessoal com o candidato, a empatia, entre tantos outros factores.
Intrínseca ou superveniente, esta falta de credibilidade leva a que a democracia não opere no sentido tradicional da participação na escolha de quem nos irá representar ou governar, já que votar num partido cujos lugares cimeiros se encontrem povoados de gente que não é de fiar, será não apenas um ato de insana irresponsabilidade, como uma negação da liberdade que cada um supostamente tem de dizer que, assim, não podemos continuar; e a alternativa de votar em grupos de cidadãos independentes é coisa de que os bem instalados partidos nem querem ouvir falar.
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Sucede, porém, que isto de um eleitor dizer não, entendem alguns que corresponde a ficar comodamente refastelado no sofá, com tamanha passividade a contribuir ativamente para que a taxa de abstenção continue a medrar.
Engano puro:
a abstenção não é uma forma respeitável de manifesto antissistema, antes ficando a democracia cada vez mais enfraquecida à medida que ela
avança. A taxa de abstenção é, antes de mais, um importante indicador da
consciência e motivação políticas do universo dos eleitores, variando no
sentido inverso de cada uma destas.
Também o voto deliberadamente nulo - típico de quem prefere, para exprimir
desagrado ou revolta, desenhar bonecos mais ou menos obscenos no boletim de
voto, nele escrever palavras vomitando ódio a este ou àquele, ou semelhantes
manifestações de falta de respeito e de educação - apenas serve para magoar os
olhos e os espíritos daqueles a quem cabe desdobrar o boletim quando da
contagem, etapa indispensável da votação. O voto nulo é, no mais saudável
entendimento, aquele que corresponde a um erro legítimo no preenchimento do
boletim, e não a um inútil, inapropriado e mais ou menos ordinário
protesto.
Uma elevada contagem de votos nulos apenas sugere que haverá muitos eleitores tão incapazes que nem uma simples cruz sabem fazer; e, isto, todos sabemos que, apesar de tudo, não é verdade, por muito que, quem assim protesta, involuntariamente acabe por fazer crer.
Como nos manifestarmos, então, eficazmente contra o lastimável estado da
Nação?
Em Janeiro de 2022, em Portugal, as coisas apresentam-se-me como segue:
A suposta defesa simultânea de demasiadas causas demasiado fraturantes de demasiadas minorias nem sempre representativas ou suficientemente perseguidas levou o Bloco de Esquerda a perder, completamente, o Norte, restando-lhe viver no desespero de quem tem à frente o muro da indiferença quase generalizada dos já enfadados eleitores entusiásticos de outrora. Ataca, impiedosamente, a extrema-direita - e muito bem... -, esquecendo-se, no entanto, que tem nas suas fileiras destacados membros das FP-25. Entretém-se a mostrar a Coordenadora em pequenos núcleos urbanos onde o Movimento vai passeando a evidente inutilidade ao repetir ad nauseam, para disfarçar os seus verdadeiros propósitos e a responsabilidade no chumbo do Orçamento, chavões copiados da eterna lenga-lenga do Partido Comunista Português sobre a falta de meios dos organismos do Estado e a perseguição a trabalhadores que já nem o podem ver.
Do Livre, talvez nem valha a pena falar: se nem numa única - e, para ele, preciosa - deputada foi capaz de ter mão, nenhum crédito alguma vez virá a ter o seu contributo para a definição dos destinos da Nação.
Mesmo pondo de parte as recentes polémicas envolvendo a porta-voz, evidente se torna que o >Pessoas, Animais e Natureza se esqueceu, definitivamente, das pessoas, que da natureza pouco fala, e parece só se interessar pelas saladinhas, pelos tornedós de tofu e pela legítima defesa de alguns adoráveis bichinhos - não sei se das cobras venenosas também. Tremo só de pensar no que seria um governo formado por aquela gente que anda ao sabor do vento soprado pelos desígnios do PS, na esteira da moda iniciada pelo inexistente Partido Ecologista Os Verdes, que se constituiu abcesso do PCP.
O Partido Social Democrata lá vai fazendo a sua romaria, dirigida por um líder que, sem dúvida, transpira honestidade, mas está só: não tem a quem confiar responsabilidades governamentais numa amálgama de gente em tudo semelhante à do PS. É um líder que, ora toca bombo ora é o bombo da festa. Bem-intencionado e com muita vontade de fazer alguma coisa, mas completamente só num deserto de quadros partidários, alguns dos quais seguramente seriam tão incompetentes ou mais ainda do que certas pessoas que pelo atual Governo passaram e outras que ainda lá continuam a ocupar lugar.
Do Chega!, francamente, chega! O Chefe já se pavoneou que bastasse, já se divertiu à grande e à francesa*), já passeou o seu incomensurável ego por tudo quanto era sítio, já se pseudo-demitiu não sei quantas vezes, e faria bem em deixar-se daquelas coisas e ir tratar da vida fazendo algo que servisse para alguma coisa ou, pelo menos, não atrapalhasse. O Partido parece não passar de uma histriónica amálgama de ressabiados façanhudos, que só sabem que são do contra, sem saber, porquê ou, sequer, de que contra são. O Chega! não tem identidade, não existe, como bem o prova o facto de, para evitar as loucas arbitrariedades locais que redundaram no triste e alucinado espetáculo das autárquicas, tenha tido o tal cada vez mais eterno Presidente que, desta vez, avocar, com poder absoluto, a decisão e a responsabilidade pela formação das listas de candidatos.
(Acabo de me lembrar daquilo que resta de um tal Partido do Centro Democrático Social / Partido Popular, praticamente relegado à categoria de inexistente, não sei ao certo se por culpa do Presidente que lhe deu corpo e depois se foi, se por culpa da Presidente que depois por lá passou, ou por culpa do Presidente que quis muito sê-lo, continua a querer, mas parece ser o único a pensar assim)
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Começa agora mais uma campanha eleitoral. Melhor: continua, porque em campanha
todos os partidos sempre estão.
Uma campanha inútil, uma vez que jamais a validade de uma promessa para o
futuro se sobreporá, num espírito minimamente lúcido, à da prática continuada
nos meses ou anos que a terão antecedido. Não no espírito do meu caro Leitor,
e no meu também não.
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Ninguém pode ser interrogado quanto à forma como votou ou irá votar no dia das
eleições. Mas não é menos certo que ninguém está proibido de o declarar
espontaneamente, exceto após o encerramento da campanha eleitoral.
Irei votar, claro! Mas o sentido positivo do meu voto será... nenhum.
Será um voto tão branco, como branco, vazio é o panorama político em Portugal,
cenário apático ideal para que um dia caiamos sob o jugo de um ditador ou de
equiparável animal.
Certo é que, tal como a abstenção, um voto em branco pode ter como efeito privilegiar partidos não democráticos, cujos apaniguados não deixarão de, pressurosamente, ir depositar o seu voto expresso. Todavia, esse efeito não ocorrerá, esse risco não se correrá, se apenas votarem em branco os absolutamente desiludidos, como o que aqui escreve, e os ainda esperançosos que, a não votar em branco, iriam protestar votando nos inenarráveis partidos extremistas, que todos sabemos o que têm por trás.
Em vez de, inconscientes do real e bem próximo risco que correm ao protestar votando em extremas, melhor fariam os últimos optando, também, pelo voto em branco. Sabiamente. Sensatamente. Esclarecidamente, como se quer numa verdadeira democracia.
O voto em branco não é desejável: é, simplesmente, a alternativa acertada e democrática ao voto nulo deliberado e, sobretudo, à abstenção. É o cartão vermelho, não ao regime democrático, mas aos seus atuais atores, que nos deixaram nesta lastimável situação.
Os votos em branco não parecem votos. Mas são...
LEIA AQUI O ARTIGO SEGUINTE DESTA SÉRIE DEDICADA AO ATO ELEITORAL!