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quinta-feira, 9 de dezembro de 2021


Joacina Katar Moreira e o Elogio da Oligofrenia

"Razões fortes, compromissos claros".

Esta mensagem num cartaz do Bloco de Esquerda terá provocado na rede social Twiter, a mensagem "A dicotomia claro/escuro no discurso político já mudava*).

Salvo o devido respeito, a imbecilidade da coisa apenas é comparável à manifesta ignorância vocabular de quem a produziu, bem como à pobreza gramatical evidenciada pela construção frásica pseudo-moderna e pseudo-progressista do  seguido do pretérito imperfeito do indicativo pretendendo significar que já se poderia isto ou aquilo (neste caso, já mudava, em lugar da expressão correta já se poderia mudar. Ou, na forma popular, já se podia mudar).

Claro, significando evidente, preciso nada tem, em sentido estrito, a ver com claro, no sentido de luminoso, pouco escuro. O adjetivo é o mesmo, mas a utilização que dele é feita num e noutro caso quase as torna palavras homónimas, apenas o não sendo na medida em que a classificação gramatical é a mesma.

Não há, assim, como considerar que se trata de um ataque aos ideais anti-racistas, mais a mais vindo de quem vem. Não passa de uma patetice, de uma alarvidade, da tentativa desesperada de quem politicamente se arrisca a desaparecer para manter um protagonismo que não merece, se é que alguma vez mereceu.

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O aproveitamento abusivo de tudo quanto cai ao alcance dos nossos olhos para o distorcer, para o enviesar à medida da conveniência de uma causa ou argumentação a ele completamente alheia apenas tem como resultado imediato a evidenciação do vazio daquilo que se defende e da fundamentação de suporte que temos para lhe oferecer. No presente incidente, apenas serve para menorizar a nobre causa do racismo, que, é caso para dizer, bem melhores defensores poderia merecer.

Alguém me dizia, há tempos, que para se obter um grau de mestre ou de doutor é mais necessária capacidade de trabalho do que inteligência. Dir-se-ia que alguns parecem profundamente empenhados em o demonstrar...

Se certos doutorados que por aí há trabalharam ou não, jamais saberei. Mas da oligofrenia que caracteriza algumas das suas afirmações não será difícil convencer.

Outros artigos polémicos sobre
POLÍTICA
estão disponíveis no correspondente separador no topo desta página.
NÃO PERCA!

terça-feira, 23 de novembro de 2021


PAN: O Partido do Frei Tomás

Aquilo sempre me fez uma certa confusão, um assim designado Porta-voz - que secretário-geral e presidente já não se usa - de porte atlético, alto e espadaúdo, num partido ecologista em que o dito Porta-voz, em campanha eleitoral, se exibe sentado num comboio a deliciar-se com uma mísera saladinha. Se ali não havia à mistura umas viandas menos convencionais compradas em nome dos vizinhos para compensar as contas das alfaces e do tofu...

Enfim, o Porta-voz vai-se, e uma Porta-voz*) vem, com uma carinha laroca e um corpinho de fazer inveja a qualquer deputado do PEV - que, honra lhe seja feita, nos mostra deputados a condizer com a dieta que outros dizem ter adotado.

As dúvidas quanto à bondade dos propósitos não melhoram, compreensivelmente, a tal nova Porta-voz - 'vegana, feminista e workaholic'*) e de ar tão positivo e proativo, como agora se diz, nas múltiplas declarações que profere - parece ter andado envolvida em negócios um bocadinho enviesados, digamos, relativamente àquilo que o Partido diz defender. A fazer fé no que dizem os meios de comunicação, claro está...

Ah, e corre, também, por aí uma história acerca de uma acumulação indevida de funções no setor privado e no Estado*), que deve ser absolutamente falsa, ou não teria sido tão enfaticamente negada, tal como falsa também deve ser uma estupidez qualquer que para aí inventaram acerca de não ter declarado ao Tribunal Constitucional uma imobiliária em nome do marido*), empresa que faria parte dos bens comuns do casal.

Já se sabe que tudo isto são coisas da campanha eleitoral, sem qualquer correspondência com a realidade - ou, pelo menos, muito mal interpretado -, que não é, apenas, a ponta do iceberg, e que, na política, os adversários são todos "Feios, Porcos e Maus".

Convenhamos, no entanto, que já são maldades a mais, não vos parece?

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A ser verdade - não deve ser... -, será que esta gente que se mete na política nunca ouviu falar de computadores, de bases de dados e dessas coisas todas que, cada vez mais, tornam impossível esconder o que quer que seja da comunicação social? Acaso pensam que basta um sorriso de plástico e meia dúzia de palavras fortes e monocórdicas para fazer esquecer o mais ou menos discutível passado que, por uma razão ou por outra, a maioria de nós acaba por ter?

Episódios semelhantes deveriam inibir tanto alguém que os viveu de ir para a política, como alguém que ouve mal de dirigir uma orquestra. Mas não: ao que parece, continuam a ter o desplante de, politicamente, se promover, supostamente na defesa de causas absolutamente incompatíveis com os seus anteriores - e, quem sabe, atuais...- comportamentos.

Em véspera de eleições, claro que o PAN sempre diria que "mantemos total confiança" na dita Porta-voz. O contrário, seria mergulhar no mesmo charco em que os partidos da direita andam, desesperadamente, a esbracejar para se manterem à tona do, cada vez menos molhado, oceano de votos.

Pobres animaizinhos portugueses, que, se aquilo implode, ainda acabam por ter de se contentar com o esforço abnegado de algumas mais interventivas associações particulares e organizações não governamentais!

Muito fala Frei Tomás: faz como ele diz, mas não faças como ele faz

sábado, 20 de novembro de 2021


Na Sala de Pequenos-Almoços

 

O respeito pelas mais elementares normas de cortesia e de etiqueta é o garante último de que saberemos comportar-nos e controlar-nos, mesmo quando em tudo diferimos ou divergimos, quando estamos entre amigos ou inimigos, entre parceiros ou adversários. É que o ambiente natural não é o único que importa preservar: existe o ambiente social, que também importa saber enriquecer, cultivar


Aos Primeiros Alvores do Dia
Aos primeiros alvores, quando tudo em nós resiste à inevitável mudança da horizontal para a vertical, do escuro para a luz do Sol, do conforto do hotel para o bulício da rua, em trabalho ou em gozo de férias, a sala de pequenos-almoços é o entreposto ideal para atenuar os efeitos da dolorosa transição.

Ainda para mais, se o espaço é agradável, o buffet farto, e o serviço simpático e eficiente.

Anos atrás, estas três expetativas seriam legítimas e naturais, nenhuma menos agradável havendo a acrescentar, já que, salvo um ou outro episódio esporádico e menos edificante, para tal grande razão não se iria encontrar.

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Hotel arejado, amplo, tranquilo.

Num canto da sala, sentado pacatamente, um discreto casal nos cinquenta ou sessenta trocava frases em surdina, aqui e ali deslizando pela sala para guarnecer o prato, quase sem se fazer notar. Ambos com a roupa informal, discreta, de pequenas férias numa bonita cidade em Portugal.

O elevador chega. A porta abre-se. Expele três bocas escancaradas e palavrosas nos seus quarentas, fatos de treino num berrante azul e rosa, a gritar alarvidades em suposto português da América enquanto os pés as havaianas fazem falar.

Escolhida a mesa, chinelam para o buffet, atropelando comentários aos assuntos mais diversos que, sem dó nem piedade, impõem ao casal do canto - já que, os ouvidos, quando a gente come à mesa, não tem como tapar.

Minutos depois, o elevador. Tugas boçais, como se tirados de certos cartazes da campanha autárquica, com graça nenhuma.

No carrinho, um infante de tenra idade geme e grita a desdita, ou alguma desconhecida e lancinante dor. O mano, de três ou quatro encantadores aninhos, dá largas à birra de um capricho negado pelos progenitores.

Pais Indiferentes aos Filhos
Imunizados da choradeira, a mamã e o papá, indiferentes, olham placidamente em redor. Buscam, deleitados, a mesa com melhor vista, omitindo o mais débil esforço para suster as lágrimas dos mimados – ou ignorados – futuros doutores.

Pára o elevador. Mais gente chegou. Como aqueles dois espécimes que, há muito ido o Verão e num hotel de cidade, se lambuzam de calções de banho e havaianas copiadas das dos outros três. Bonés na cabeça com as palas para trás, como alguns humanoides pensam que é moda, que lhes fica bem, que os faz parecer sabe-se lá quem. 

Talvez se sintam importantes influencers, manipuladores ou vendedores de banha da cobra, a mitigar um pouco as frustrações que uma chuva de palavrões projeta no ar matinal de uma outrora tranquila e civilizada sala de refeições.

Outros, mais discretos, sentam-se, hesitantes, ponderando se será prudente por ali ficar ou não.

Entre eles, uma jornalista famosa, desses programas de horário nobre, quase irreconhecível nas enormes olheiras sem a maquilhagem que lhes colam à pele na televisão. Resolve ficar. Cotovelos na mesa, sorve, lânguida e ruidosa, o café com leite, debitando, a espaços, vocábulos esparsos para a farta cabeleira pelos ombros, bigode hirsuto e barba por fazer que em frente come parecendo nem ouvir.

Irremediavelmente comprometida a digestão, o casal do canto precipita o fim da refeição. Levanta-se, ajeita as cadeiras e, desta vez, prefere as escadas, para evitar a confusão.

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Respeito pelas Normas de Cortesia e Etiqueta
A sala de pequenos-almoços de um hotel português de três ou quatro estrelas é um microcosmo do Mundo em que vivemos hoje em dia. Ou, pelo menos, do Portugal que habitamos e aos vindouros vamos deixar: bisonho, fechado, enfadonho, atarantado, humanamente pobre e feio. Faz pensar nas imensas mágoas e tensões latentes na mente e no espírito daquela atarantada gente, bem como no dia em que, com estrondo, fatalmente irão estoirar.

A galopante indiferença de uns poucos perante o ambiente que, em cada lugar, a cada um dos outros é legítimo esperar encontrar, surge como uma das notas dominantes de um inovador mas inqualificável conceito que uma parte cada vez maior da população confunde com liberdade: não passa de uma elementar, básica, risível e parola demonstração de completo desrespeito pela tranquilidade alheia; pelas expetativas de quem a um lugar se dirige com determinado propósito, com todo o direito de esperar aí encontrar condições adequadas, como anteriormente sempre encontrava e a cultura (ainda) dominante sugeriria que continuasse a encontrar.

O respeito pelas mais elementares normas de cortesia e de etiqueta é o garante último de que saberemos comportar-nos e controlar-nos, mesmo quando em tudo diferimos ou divergimos, quando estamos entre amigos ou inimigos, entre parceiros ou adversários. É que o ambiente natural não é o único que importa preservar: existe o ambiente social, que também importa saber enriquecer, cultivar.

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A forma de trajar é uma das vertentes.

Nada explica e, muito menos, legitima que, em lugar de obedecer ao mais elementar preceito da boa educação que diz “em Roma, sê romano”, se opte por, onde quer que seja, impor à comunidade as regras de meia dúzia - quantas vezes, até, de um só - que queira parecer original, por pouco mais de si lá ter para mostrar. Apenas se torna incómodo, digno de pena, patético, ridículo em toda a imensidão do seu miserável comportamento, como alguém que não sabe estar nem dos outros quer saber.

Cada um tem o direito de se vestir e de agir como bem lhe aprouver; mas apenas quando está só ou com quem pense e sinta de forma idêntica: que o mesmo vá buscar onde estiver. Ninguém alguma vez  terá um direito legítimo de impor, a espetadores acidentais ou involuntários, condutas, atitudes ou trajos inadequados ao tempo, ao lugar e às demais circunstâncias; que lhes não interessem, que patentemente lhes desagradem ou os violentem nos seus hábitos, educação ou convicções.

Quem assim agir, terá sido educado como as duas criancinhas que, no hotel, a plenos pulmões berravam as suas mágoas ali mesmo ao lado de pais sem educação ou carinho para lhes dar, virados para o próprio umbigo, insensíveis à perturbação causada a quem tinha pagado para, com todo o direito, ali saborear uma tranquila e pacata primeira refeição.

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Será que esta liberdade que insulta a Liberdade considera ofensivo afixar, à entrada da sala, uma papeleta, um quadrinho, qualquer coisa que informe, em letras bem visíveis, que não é permitida a entrada, pelo menos, a hóspedes em chinelas e calções, ou especificando qualquer outra roupagem estapafúrdia que por lá seja uso encontrar?

Dá mau aspeto o papelinho à porta, dirão. Pois dá. Mas não será bem pior o desfile de manifestações variadas e inacreditáveis de falta de educação com que, de outra forma, cada vez mais nos iremos deparar? É que a forma como trajam sempre diz alguma coisa do modo como as pessoas se irão comportar.

Poderão os estabelecimentos abertos ao público continuar a ignorar os efeitos nocivos da deriva educacional de uma sociedade cada vez mais decadente? Mais do que outros, os estabelecimentos de hoteleria e de restauração, num Portugal em que a captação de turistas estrangeiros é vital para dinamizar a economia?

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As normas de conduta em publico, em sociedade, muito especialmente as que se referem à forma de trajar, nasceram do consenso; e, em quanto não violar as leis do Estado, a sua inobservância ou alteração apenas deve ser permitida ou promovida junto de quem a tal estiver recetivo, e vivida em núcleos que, também consensualmente, comportamentos menos consensuais escolham adotar.

Tudo quanto vá fora disso, não passa de agressão egoísta, oportunista e gratuita de terceiros, visando a subversão de modos de vida estabilizados cuja manutenção é essencial à Humanidade, à paz que viabiliza o progresso moral e espiritual que permite contemplar, pensar, sonhar, criar.

Enquanto continuarmos a digladiar-nos para sobressair ao nível comezinho do usufruto imediato e dos comportamentos a ele inerentes, não sobrará espaço nem tempo para investir, ainda que levemente, no crescimento e aprimoramento intelectuais ou espirituais. Os únicos desenvolvimentos que sairão de um combate deste tipo serão os habituais arranhões e equimoses, muitas vezes até corporais.

Se cada um se abstiver, antes, de impor ao outro aquilo de que gosta mas ele não, e cuidar de fazer pelo outro aquilo de que não gosta mas ele sim, as relações interpessoais serão muito diferentes e o Mundo será, para todos, um lugar muito mais agradável para se estar, para dar e para usufruir.

Assim, é que não...

* *

Esta coisa da falta de maneiras é, a par de outras por vezes bem mais sérias, uma das características mais irritantes de entre as que parecem omnipresentes, como se fizessem parte de boa parte da população.

(leia aqui a sequência)

quarta-feira, 10 de novembro de 2021


Vergílio Ferreira


"Ser tímido é dar importância aos outros. Ser desinibido é dá-la a si próprio.
Mas normalmente o tímido tem-na. O desinibido não"

Vergílio Ferreira*)
Conta Corrente 5*)  


Parece escrita a pensar em certos cada vez mais desinibidos e insignificantes apresentadores de programas televisivos de consumo corrente, com guião à base de gritos e gargalhadas, sem nada acrescentar à pouco instruída plateia que se compraz na mais vazia e embasbacada contemplação.






quinta-feira, 4 de novembro de 2021


Não Basta Ser...

Depois de ler a notícia, dei comigo a perguntar-me sobre a razão pela qual, por muito entusiasta que possa ser do tema - e é -, terá um outrora coordenador da assim denominada task force da vacinação contra a COVID-19 sido convidado a discursar no WebSummit sobre a sua recente e muito bem sucedida experiência.

Mais admirado fiquei quando soube que a plateia ultrapassava apenas a escassa centena de pessoas, contrastando, fortemente, com o significativo relevo mediático que a iniciativa mereceu.*)

Não teriam o tempo e o esforço sido mais bem empregues noutro qualquer evento onde o Senhor Vice-Almirante pudesse passar a sua importante mensagem a uma plateia bem maior e, até, dela mais necessitada do que um punhado de portugueses supostamente esclarecidos e suficientemente afortunados para ter meios para ali estar?

Lembrei-me, depois, da importância que o certame tem para certos políticos e politiqueiros aqui do nosso Retângulo, onde muitos deles por gente séria já nem tentam passar e sabem mais do que bem que, como também já aqui disse, em política é insensato dar força a uma pessoa sem também nos prepararmos para mais tarde podermos vencê-la

A nossa glória nunca é eterna, e, enquanto dura, sempre haverá outros que dela se saberão aproveitar.

Ocorreu-me, também, que o Senhor Vice-Almirante, a quem todos tanto devemos - mesmo os mais básicos negacionistas...*) -, foi perentório e inequívoco ao exprimir o firme propósito de jamais se dedicar à política; mas ocorreu-me, também, que, não obstante, a aparição naquele meio restrito inevitavelmente traria chorudos proventos em votos expressos a certos políticos habitualmente associados à promoção do Web Summit. Ou não será?

Claro está que o ilustre Oficial é senhor de discernimento mais do que suficiente para ter consciência de tudo isto e, mesmo que o não tivesse, certamente não necessitaria de um recém-nascido blogueiro para o aconselhar. Tampouco deixará de saber como, do ponto de vista emocional, lidar com desmandos parolos do género "Você é o meu herói!"*), sempre apetitoso fruto para aqueles que tendem a olhar para a mais ínfima manifestação de mediocridade como uma fabulosa notícia que num canal qualquer não resistirão a pespegar.

Convirá, no entanto, que, por um lado, se não esqueça facilmente da patifaria que, muito recentemente, lhe fizeram ao nomearem-no Chefe do Estado-Maior da Armada*) quando o lugar estava ocupado e continuaria a estar; e, por outro, que tenha presente que a participação em eventos deste impacto político e mediático, porquanto com uma quantidade de espetadores tão reduzida, poderá soltar as habituais más-línguas, que não deixarão de lucrar com a oportunidade de, aqui e ali, deixar mais um artigo de opinião ou de ir mostrar-se a uma estação televisiva que lhes pague bem para se deliciarem a especular sobre um assunto que, naturalmente, assentará em substância nenhuma, o que nem por isso os desencorajará.

Penso que ninguém terá qualquer motivo para duvidar da hombridade, da idoneidade, da retidão e da honestidade do distinto Oficial da Armada. Mas, Senhor Almirante, foi há muito tempo já que a mulher de César descobriu que não basta ser: é preciso parecer.

Sempre.

 

Atualização: Impasse na Carreira de Gouveia e Melo na Armada*) (07nov2021)

quarta-feira, 3 de novembro de 2021


Erle Stanley Gardner


Stanley Gardner
"Não é preciso ver um homem, olhar o seu rosto, apertar-lhe a mão e ouvi-lo falar, para o conhecer. Basta observar como se comporta. Podemos vê-lo através dos olhos dos outros"

"You don’t need to see a man, look in his face, shake his hand, and hear him talk, in order to know him. You can watch the things he does. You can see him through the eyes of others"

Erle Stanley Gardner*)
The Case of the Silent Partner


Não sei porquê, ao ler isto, vieram-me à memória aquelas carantonhas inenarráveis que, durante semanas a fio, diretamente - e não através dos olhos dos outros - sempre temos de contemplar em milhares de cartazes da campanha para as eleições autárquicas.

Mas não são, apenas, feios: vê-se logo, naqueles olhares fixos, vazios, o real grau de capacidade e de competência para gerir nem que fosse a mais insignificante autarquia, atributos que, aliás, os debates entre candidatos tragicamente confirmam.

Há também aqueles com o tradicional ar de chicos espertos, de candidatos à perda prematura do mandato, que só não é mais rápida porque, no nosso Torrão Natal, a justiça é lenta como a alguns convém, e o sistema judiciário vive à míngua de esmolas que lhe são lançadas pelos sucessivos orçamentos do Estado.

O arquivo Ephemera*) conserva um vasto acervo, cuja visita recomendo, de imagens de cartazes ilustrativos das mais recentes campanhas eleitorais autárquicas. Diz-se que, quem vê caras, não vê corações, mas até uma vista de olhos superficial por aquela galeria nos fará entender a profundidade do pensamento de Stanley Gardner sobre o assunto...

Não se assustem!...

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Por outro lado, o que vemos através dos olhos dos outros, designadamente dos da comunicação social, diz-nos muto, sobretudo acerca do caráter, da personalidade, da eventual bondade cívica das figuras públicas de políticos, de desportistas, de comunicadores, de toda essa gente que não conhecemos pessoalmente mas, mesmo assim, muitos de nós idolatram, talvez não tanto por aquilo que parecem ser, mas pelo bem que esperamos que nos possam trazer ou fazer.

Já parece preocupar-nos cada vez menos o que outros leiam de nós através daquilo de que, pelo nosso comportamento, se possam aperceber, preferindo, quantas vezes, mostrar o que comprámos, o que temos e que, na maior parte dos casos, connosco pouco ou nada tem a ver.

Vivemos, em suma, numa época de primado da imagem pessoal e institucional, quase sempre manipulada, logo, desprovida de significação válida, resultando num mero e desprezível engodo, num logro onde já só cai mesmo quem preferir fazer de conta que não está a entender.

O que pretendemos, afinal: ser, ou... apenas parecer?

sábado, 23 de outubro de 2021


PAN - A Outra Exploração Infantil

 
Apenas nos fez, uma vez mais, sentir que a designação mais apropriada
seria Partido dos Animais e da Natureza, já que pouco fala das pessoas e das causas delas,
nem se coibindo, para se manter por mais uns tempos na espuma dos votos,
de explorar a imagem das crianças e dos jovens que diz defender


Partido dos Animais e da Natureza
Quando era miúdo, aconteceu levarem-me às touradas, espetáculo que nunca apreciei nem consegui compreender: arte, no sentido de manifestação do espírito, não lhe encontro; e, quanto a manifestações da mente, parece-me ficarem bastante aquém até das que poderão, apesar de tudo, estar presentes num desafio de futebol.

Tampouco alguma vez conseguir entender a razão pela qual, com total indiferença pelo sofrimento infligido, na lide a cavalo um mamífero (Homem) utiliza um também mamífero (cavalo) para torturar um outro mamífero (touro); ou por que, na lide a pé, o primeiro mamífero, supostamente dotado de mente e espírito muito além dos dotes do último, experimenta alguma satisfação pelo facto de sair supostamente vitorioso de um artificiosamente provocado combate entre a força mental de um e a força bruta de outro.

Sempre me ensinaram que um combate, para o ser realmente e para, sendo-o, ser também valoroso e leal, haverão de estar equilibradas as forças em presença, o que, evidentemente, não acontece quando se confrontam, de um lado, uns oitenta quilos e do outro uns seiscentos; quanto, de um lado, ter-se-á, vá lá, uns cem e do outro lado escassos vinte, no que se refere a quociente intelectual.

Será a espécie humana tão pouco segura de si que necessite de martirizar uma bem mais volumosa besta para conseguir demonstrar a mais do que conhecida supremacia intelectual? Ou será tão pouco valorosa que, tendo abdicado do combate corpo a corpo entre iguais em prol da venda de armas de destruição maciça e à distância, apenas lhe resta coragem para, com grande aparato, fingir que trava um combate que tem, afinal, como substância, coisa nenhuma, que apenas existe para inglês ver?*)

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Às coisas ditas e feitas para inglês ver nos vem a política, desde tempos imemoriais, habituando, a ponto de, graças à prática demagógica quotidiana da generalidade dos lusitanos partidos, instintivamente havermos substituído, nos nossos espíritos, a suposta nobreza da política e da missão governativa pela quase certeza da mesquinhez, da jogada vil, do golpe de rins, da mais chã, vazia, inevitável e corrupta hipocrisia.

Partido Comunista Português (PCP)
Há, todavia, quem entenda que estes atributos definem o modus operandi *) unicamente dos maiores partidos, ficando imunes a estas maleitas aqueles que, por incipiência ou entropia, mais pequenos são, já que se persistem em manter-se ativos, estarão, pensa-se, animados das melhores intenções.

Como exemplo da segunda situação*), a da entropia, já aqui se trouxe o caso do Partido Comunista Português (PCP)*) que, manifestamente, hoje para pouco mais serve do que para garantir algum protagonismo às suas eternas glórias, defendendo o indefensável e obstaculizando a formação de um novo e verdadeiro partido dos trabalhadores, que zele eficazmente pelos seus interesses e os desencoraje de, a velocidade crescente, migrar para o extremo oposto do espectro político.

Já quanto à primeira situação, a dos partidos incipientes, acaba o Pessoas, Animais e Natureza (PAN)*) de, com todo aquele  patético folclore em torno da enorme vitória*) conseguida com a imposição de limitações à assistência de menores às touradas, fornecer a prova acabada do que acabo de dizer.

Deixo aos especialistas a discussão científica sobre a influência perversa que a assistência ao abestalhado espetáculo possa exercer sobre a formação da personalidade e do carácter das crianças. Sobre este assunto, direi, apenas, que não tenho memória de alguma vez ter lido ou ouvido notícia de evidência científica quanto a um caso que fosse de um inveterado criminoso cuja propensão para o delito se haja formado por haver, na infância, frequentado as praças de touros*).

Não entrarei, também, na discussão primária e de conclusão impossível sobre se será mais traumatizante ver picar um touro – não digo toiro, com i, porque dizem que esta forma é mais poética e, poesia, a tourada tem nenhuma… - ou as continuadas agressões ao adversário num relvado de futebol, ou qualquer catástrofe ou atrocidade que, à hora de jantar, um menor de dezasseis ou, até, de doze ou de seis anos não tem como evitar ver na televisão dos progenitores.

Tudo isso é subjetivo, depende da propensão e das idiossincrasias de cada um, e, a despeito das incomensuráveis fortunas despendidas a tentar provar o impossível, jamais qualquer ciência nomotética*) logrará enunciar, para além da dúvida razoável, uma regra universal.

Muito menos me questionarei quanto à forma como o PAN não deixará, por certo e para ser coerente, de exigir do Partido Socialista (PS)*) que proíba, sem demora, que menores de dezasseis anos assistam, na terra dos pais e dos avós, à matança do porco*) e ao espetáculo de puro horror que a subsequente abertura e limpeza do cadáver constitui. Que assistam e, por maioria de razão, que participem.

Toiros
Não será, também, de esquecer, naturalmente, a Festa Brava*), durante a qual também se pica touros – embora não esteja bem a ver o que poderá aí fazer-se para controlar os acessos dos nossos juvenis.

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O que venho aqui salientar é a inanidade, a inutilidade, o impacto absolutamente ridículo da proibição que o PAN conseguiu, a troco de um punhado de votos, forçar o PS a impor àquela que todos sabemos ser a incontável quantidade de jovens entre os doze e os dezasseis anos que gosta de ir, sozinha, ver a corrida sem estar acompanhada por um adulto.

Incontável, porque o que não existe não se pode contar.

A verdade é que a oca e pírrica vitória agora conseguida pelo PAN apenas afeta a meia dúzia de jovens, se tanto, que por lá passava sem ter, a acompanhá-las, um adulto, que nem um dos pais tem de ser!*)

O número 6 do art.8º do Decreto-Lei nº 23/2014, de 14 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 90/2019, de 5 de julho, é taxativo: “O promotor do espetáculo de natureza artística ou de divertimento público deve negar a entrada de menores quando existam dúvidas sobre a idade face à classificação etária atribuída, avaliada pelos critérios comuns de aparência, salvo quando acompanhados dos pais ou de um adulto, devidamente identificado, que se responsabilize”.

Simplificando: qualquer criança, desde que tenha mais do que os três anos de idade mínima previstos na mesma lei, pode assistir a qualquer espetáculo, desde que acompanhada por um qualquer adulto que por ela se responsabilize.

Note-se que, isto, nem o vitorioso PAN desmentiu…

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O que conseguiu, então, o PAN?

Nada. Absolutamente nada com que valha a pena desperdiçar um minuto sequer.

Apenas nos fez, uma vez mais, sentir que a designação mais apropriada seria Partido dos Animais e da Natureza, e não Pessoas, Animais e Natureza, já que pouco fala das pessoas e das causas delas, nem se coibindo, para se manter por mais uns tempos na espuma dos votos, de explorar a imagem das crianças e dos jovens que diz defender.

O que perdem as crianças com isso? Nada, claro. A não ser pela falta, com o que não existe, é difícil perder.

Por outro lado, com todo este teatro barato, com toda esta estapafúrdia demonstração de prosápia ignorante, o que ganham os desinteressantes zelotas do PAN?

Talvez uma inscrição no clube dos satélites de um Partido Comunista Português mais do que desiludido com o inerte desempenho do Partido Ecologista ‘Os Verdes’ (PEV)*), que já só dois ou três votos lhe garante e do qual nem se ouve falar.

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Eis, pois, o perfeito exemplo de uma vitória meramente formal, que garantiu a um partido minúsculo umas linhas na imprensa escrita e uns escassos minutos de televisão, mas sem qualquer efeito prático, sem substância, destinada apenas a promover, a qualquer preço, a imagem de um partido moribundo, de mais um fanático da suposta proteção animal, em que o termo Pessoas na marca parece meramente instrumental, marginal.

A menos que as crianças e os jovens não sejam consideradas pessoas, e possam impunemente servir de mote à promoção dos os outros dois bem legítimos e importantes ideais.


sábado, 16 de outubro de 2021


Juíz Negacionista ou Advogado Oportunista?

 
Um dos mais escabrosos episódios exemplificativos de uma degradação
da qualidade dos magistrados que se torna cada vez mais sensível e evidente,
num Estado que se diz
de direito, mas de cuja Justiça
a prática judiciária cada vez mais nos faz duvidar

Limites Abstratos da Validação
1. Dos Limites Abstratos da Validação
2. Um Caso de Estudo
    2.1. Cronologia
    2.2. Das Faltas Injustificadas e do Seu Significado
    2.3. Algumas Hipóteses
            2.3.1. Promoção da Atividade Profissional Enquanto Advogado
            2.3.2. Promoção Genuína da Causa Negacionista
            2.3.3. Outras Possibilidades
3. (In)Conclusão

1. Dos Limites Abstratos da Validação

De tenebrosos contornos, aterrador enunciado e inimagináveis consequências sociais futuras, certas hipóteses arrepiam no próprio momento de as formular.

Talvez por isso, a uma grande parte dos investigadores – mesmo os mais sensacionalistas – elas nem ocorram, como efeito de um bloqueio natural do espírito e da mente perante a perversidade, a maldade intrínseca, a quase sociopatia associável aos correspondentes atos, e imanente das pessoas dos imaginários autores.

Todavia, apenas poderá, alguma vez, atingir-se um conhecimento razoavelmente pleno da realidade quando, a par do apuramento dos factos e das respetivas circunstâncias - fundado na certeza oferecida por prova positiva fidedigna -, cuidarmos de, procurando com objetividade, com incansável empenho e até ao limite material e humano do possível, prova negativa aceitável das hipóteses menos prováveis, das mais caricatas, das indizivelmente abjetas, das virtualmente impossíveis.

Desta forma, e só desta forma, se estará, mediante a aplicação da dúvida sistemática*), a fazer, efetivamente, tudo quanto é possível para anular qualquer fator de incerteza, por ínfimo que seja, suscetível de inquinar a segurança que sempre se quer presente na validação de uma formulação em qualquer área do conhecimento.

Pois não é, afinal, a dúvida a única certeza da vida?

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Introdução da Dùvida Sistemática
A introdução da dúvida sistemática nos domínios da Justiça revela-se indispensável designadamente no direito penal das nações livres - em que a presunção inicial da inocência é regra -, devendo a culpabilidade que legitima qualquer punição ser demonstrada para além de qualquer dúvida razoável, e sempre fazendo prevalecer o princípio in dubio pro reo*).

Assim, e por mais improvável e ridículo que se nos possa afigurar, o mais ínfimo resquício de incerteza que possa subsistir só poderá ser eliminado se todas, mas mesmo todas, as pistas em presença forem seguidas e rejeitadas, num esforço sério, honesto, empenhado e levado a cabo até aos mais exigentes, porquanto razoáveis, limites.

Isto é válido, não apenas para a Justiça dos estados, como para a validação, por cada cidadão, da opinião que, em cada altura, forma sobre terceiros, seja no âmbito estrito das relações sociais com o núcleo próximo de familiares e amigos, seja na formação de juízos críticos tendo como objeto personalidades que, na maior parte das vezes, pessoalmente não conhece, a elas apenas tendo acesso através das informações até si veiculadas pelos meios de informação.

Deve, assim, ver-se com olhar crítico quanto de bom e de mau nos chega relativamente a cada um, procurando, mediante o complementar da informação disponível e a aplicação à mesma da mais exigente lógica, encarar de frente e com espírito aberto e rigor científico, quer a mais divinal hipótese, quer a mais abjeta.

 

2. Um Caso de Estudo

Sem prejuízo do desfecho de reclamações ou de recursos pendentes sobre a drástica decisão, acaba de ser, pela quarta vez em Portugal*), um juiz de direito (adiante “Visado”) expulso da magistratura, ou seja, afastado compulsiva e definitivamente do digno cargo que lhe fora confiado, bem como das funções a ele inerentes.

Os atos subjacentes à inevitável e há muito esperada decisão foram objeto de ampla cobertura por jornalistas, juristas, pelos mais diversos comentadores.

A Generalidade das Abordagens
Acontece, porém, que a generalidade das abordagens parece ter, deliberada ou, inconscientemente evitando mergulhar nas profundezas da eventual podridão humana, nomeadamente furtando-se a elaborar exaustivamente sobre as motivações possíveis: não através da especulação infundada, difamatória, emotiva, inconsequente e gratuita, mas partindo da sólida base factual não desmentida que nos chega da comunicação social,.

Cumpre, assim, que sobre ela nos debrucemos a fim de procurar afastar qualquer dúvida que, em qualquer plano, possa, ainda, manifestar-se sobre tão triste caso.

 


2.1. Cronologia

Posto que a sequência dos factos parece não ter, ainda, sido objeto de qualquer tentativa de sistematização, aqui fica, a fazer fé no que foi noticiado e no que se refere apenas ao mais relevante, o que quanto nela parece adequado incluir:

i.
Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa*), inicia o Visado, em 2003 ou 2004 as funções de juiz de direito*), que terá exercido até 2011 (ou, segundo alguns, apenas durante quatro anos).

ii.
Por essa altura, e a seu pedido, passa à situação de licença sem vencimento, para se dedicar à advocacia, tendo, no mesmo ano, rumado ao Brasil, onde permaneceria até 2017.

iii.
De regresso a Portugal, algures durante o Outono de 2020 funda o sítio “Juristas pela Verdade”*), centrado na negação da existência de uma pandemia da doença COVID-19.

iv.
Entre 2011 e Fevereiro de 2021, tem como atividade profissional o exercício da advocacia numa sociedade de advogados presumivelmente sediada no Brasil, mas licenciada para operar também em dois escritórios em Portugal, em Oeiras e em Lisboa.

Juiz Negacionista
A página de apresentação dessa Sociedade*), evidencia, além da sua capacidade de advogado, a qualidade de  magistrado judicial em Portugal, em regime de licença”, sendo esta situação de licença omitida no perfil existente no LinkedIn*), onde se apresenta, simultaneamente como “Law Judge (Portugal)/Attorney at law (Brazil and Portugal)

Os serviços da Empresa são apresentados como centrando-se em “Homologação de divórcio”, ”Direitos trabalhistas do estrangeiro ilegal”, “Contumácia: como resolver?” e obtenção da cidadania europeia - embora, na apresentação do escritório português no Linkedin*), se apresente o Visado, de forma bem diferente, como especializada em “Direito Penal e Direito Processual Penal”.

v.
De 19 de Fevereiro de 2021 data a mais recente publicação no sítio “Juristas pela Verdade”.

vi.
Em 01 de Março – não é claro se, automaticamente, no termo da licença sem vencimento, ou na sequência de solicitação do próprio -, retoma o Visado as funções de juiz de direito, tendo sido colocado no tribunal de Odemira.

vii.
Em 02 de Março requer a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados.

viii.
No exercício das funções de magistrado judicial, continua a aparecer como principal rosto da já anteriormente existente página do Facebook ”Habeas Corpus”*), negacionista e, aparentemente, sucessora da “Juristas pela Verdade”.

Cronologia
ix.
Entre 01 e 12 de Março, falta o Visado nove dias úteis consecutivos ao serviço sem apresentar qualquer justificação. Ou seja: demorou nove dias úteis a apresentar-se ao serviço em que, no dia um do mesmo mês, deveria ter iniciado funções.

x. A existência de um inquérito disciplinar*) na sequência da publicação de pequenos filmes manifestando-se contra o estado de emergência é noticiada em 23 de Março.

xi.
A Ordem dos Advogados faz saber, em 25 de Março, que irá proceder disciplinarmente contra o Visado por ter ela tomado conhecimento de atos de competência própria de advogados por ele praticados já com a inscrição suspensa.*)

xii.
No mesmo dia, é o Visado suspenso do exercício de funções*) pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM).

xiii.
Em 29 de Março é noticiado que desafiara, para um combate de artes marciais, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP).*)

xiv.
Em 16 de Junho apresenta defesa no âmbito do processo disciplinar.*)

xv.
Em 29 de Julho, publica no YouTube, um pequeno filme em que classifica como pedófilo o Presidente da Assembleia da República.*)

xvi.
Em 25 de Agosto, apresenta na Procuradoria-Geral da República queixa contra o Presidente da República e o Primeiro-Ministro pela prática de crimes contra a Humanidade.*)

xvii.
Na audição levada a cabo em 07 de Setembro, diz-se o rosto dos injustiçados e reprimidos pelas medidas de combate à pandemia cuja existência nega, tal como nega o facto de haver a doença provocado qualquer morte entre os cidadãos.

Presidente do Supremo Tribunal
Após ter exigido que todos os membros do Conselho retirassem as máscaras, já que "Com as caras tapadas não sei quem são", dirige-se ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ)*) dizendo que "O doutor está mais próximo de ser presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Marrocos ou da Guiné Equatorial. É esse o prestígio que tem. A sua vaidade e o seu narcisismo não lhe valem de nada. E o mesmo se aplica a todos os outros como é óbvio".

xviii. No mesmo dia 07 de Setembro, depois de um graduado lhe garantir que não iria mandar carregar sobre quem quer que fosse, insiste o Visado em destratar agentes da PSP, nos seguintes termos*): "os Senhores não vão carregar sobre as pessoas, porque senão os Senhores é que vão ser detidos, hoje (...) Ai de você que carregue sobre as pessoas, porque há coisas que vão ser sabidas, se você carregar sobre as pessoas. Diga lá aos seus Chefes!". "O Senhor não tem que me dizer que exemplo é que eu dou ou não. Não me toca, hã? Não me toque. Não me toque. 'tá a perceber? Ponha-se no seu lugar! Ponha-se no seu lugar! Eu sou a autoridade judiciária, aqui. E o Senhor também ponha-se no seu lugar. 'tá a perceber? O Senhor vai ser detido, se carregar em alguém (...). Eu ponho-me no meu lugar, e o meu lugar é este: acima de si, acima de si! 'tá a perceber? O Senhor 'tá abaixo de mim. Portanto o Senhor não vai carregar sobre ninguém".

xix.
Em 08 de Setembro a PSP apresenta queixa contra o Visado por haver desrespeitado alguns agentes*) à porta do edifício onde está instalado o CSM.

xx.
Em 07 de Outubro, o plenário do CSM aplica-lhe, por unanimidade, a pena de expulsão da magistratura*) por “Ter nove dias úteis consecutivos de faltas injustificadas e não comunicadas, as quais ocorreram entre o dia 01/03/2021 a 12/03/2021, com prejuízo para o serviço judicial (...)", “Ter proferido despacho, durante uma audiência e julgamento, no dia 24/03/2021, no qual emitiu instruções contrárias ao disposto na lei no que respeita às obrigações de cuidados sanitários no âmbito da pandemia Covid19 (…)” e “Ter publicado uma série de vídeos em várias redes sociais, nos quais, e não deixando de invocar a sua qualidade de Juiz, incentivava à violação da lei e das regras sanitárias, bem como proferia afirmações difamatórias dirigidas a pessoas concretas e a conjuntos de pessoas”.

Embora a condenação seja passível de recurso, este não suspende a eficácia da decisão.*)

xxi.
Na mesma data, a Associação Sindical dos Juízes de Portugal exprime o seu entendimento*) de que a condenação, “que toda a gente esperava e era inevitável”, “coloca uma pedra sobre o assunto”, salientando o “impacto negativo na imagem da justiça” de “um caso isolado e bizarro para aquilo que é o comportamento dos juízes

 

Direito de Não Comparecer ao Trabalho

2.2. Das Faltas Injustificadas e do Seu Significado

Embora raramente comentado, o aspeto das faltas injustificadas assume, no presente caso, uma importância muito especial.

Qualquer trabalhador tem o direito de não comparecer ao trabalho em situações consideradas justificáveis pelas normas aplicáveis, desde que para a falta apresente justificação.

Não sendo tal justificação apresentada, haverá que presumir uma de três coisas: ou justificação válida inexiste e o trabalhador faltou por razões não atendíveis; ou existe justificação válida mas, denotando desrespeito, o interessado optou por nem se dar ao trabalho de a apresentar; ou a omissão é deliberada, procurando assim marcar-se uma posição.

Em qualquer caso, a conduta subjacente denota desrespeito pelos ditames éticos e deontológicos, na medida em que nenhuma organização alguma vez poderá ser eficaz quando sujeita ao capricho e à arbitrariedade daqueles de quem depende para harmoniosamente funcionar, tampouco podendo os que, por sua vez, dela dependem deixar de ser, de alguma forma, prejudicados nos seus legítimos direitos e expetativas, nomeadamente no domínio da Justiça, cuja solenidade e integridade na administração se mostram essenciais ao funcionamento do Estado de Direito.

- x –

Embora todos sejamos criados e educados de maneiras muito diferentes, qualquer representante do assim chamado homem médio, do bonus pater familiae*), entenderá que é pressuposto da admissão de alguém a um posto de trabalho que esse alguém ao mesmo ser irá dedicar de forma diligente, no interesse de quem contrata e daqueles a quem o empregador presta serviço ou com os quais desenvolve uma relação comercial.

Sendo, no caso do sistema judiciário, o Estado o empregador e sendo a generalidade dos cidadãos aqueles a quem presta serviço, não há como ilidir a inevitabilidade da conclusão pelo dever de o juiz agir com irrepreensíveis brio e empenhamento profissional no desempenho das suas funções, até no superior interesse da dignificação da atividade judicial.

O facto de o Visado ter, nos dezanove dias úteis em que esteve ao serviço, faltado nove – quase metade! - sem apresentar qualquer justificação torna irrazoável não concluir que o regresso do outrora advogado à magistratura judicial se deveu, exclusivamente, a motivação egoísta que, embora de natureza e contornos desconhecidos, nada teve alguma vez a ver com qualquer ideal de missão, de serviço público ou sequer, de aplicado desempenho de qualquer função.

Ganha, assim, esta aparentemente menor questão das faltas injustificadas especial relevância quando se trata de, em vão, procurar afastar qualquer dúvida relativa à falta de bondade da motivação do regresso aos tribunais de quem há muito era o rosto principal de uma sociedade de advogados com o seu nome e, simultaneamente, de uma campanha mediática contrária ao interesse nacional, designadamente na área da saúde pública.

Acresce, naturalmente, o facto de ser humanamente impossível ao Visado desconhecer a inexorável e fatídica sorte a que, dada a sua conduta imprópria, a carreira de magistrado estava, à partida, condenada. Por outras palavras, bem sabia, porque enquanto magistrado não podia deixar de saber, ser impossível não expulsar da magistratura alguém que como ele tivesse agido.

Jamais podendo alguém minimamente lúcido esperar, de facto, poder continuar a ser juiz de direito após tamanhos desmandos públicos amplamente divulgados, seria logicamente aberrante não concluir que sempre o Visado pretendeu que a sua nova passagem pela magistratura fosse efémera e acabasse no meio de retumbante queda, durante um espetáculo cuidadosamente encenado.

Mas com que objetivo? Qual a motivação?

 


2.3. Algumas Hipóteses


2.3.1. Promoção da Atividade Profissional Enquanto Advogado

Todos temos presente o caso de um quase desconhecido advogado que, há não muito tempo, esteve na origem da fundação de um sindicato que acabou extinto por decisão judicial devido a irregularidades na sua constituição*), não sem antes ter quase paralisado o País inteiro por privação de combustível que permitisse aos cidadãos assegurar a mais elementar deslocação.

O rosto do mesmo advogado promover-se-ia, mais tarde, em enormes cartazes de um insignificante partido político, nunca mais, desde então, do portador da triste cara se tendo ouvido falar, mas sendo de presumir que a respetiva atividade profissional tenha muito favoravelmente evoluído graças à ampla e generosa divulgação mediática da imagem do indivíduo, independentemente da motivação da atuação.

A primeira hipótese a eliminar quanto ao que verdadeiramente move um alegado negacionista que regressa à magistratura em plena campanha por si alimentada para, menos de uma quinzena depois, faltar ao trabalho nove dias consecutivos sem justificação, enquanto continua a manifestar, com o alarde de sempre, as suas alucinadas posições, exagerando desnecessariamente no protagonismo e tratando de assegurar que dele muito se ouviria falar é, assim, a de estarmos, não diante de um juiz de direito, mas de um advogado oportunista que viu e aproveitou uma oportunidade única para chamar a atenção pública para a sua pessoa como forma de atrair clientes.

Tratar-se-ia, a assim ser, de algo que se estaria a tornar num hábito na profissão de advogado: dada a proibição de publicitar a atividade profissional, optar pela promoção, embora negativa, da imagem pública da pessoa, indiferente ao prejuízo para o Estado e retirando-se da ribalta logo de seguida – ou sendo removido.

Regressaria, então, à advocacia quando já sobejamente conhecido junto de potenciais clientes pouco sensíveis aos prejuízos causados à coletividade, mas muito atentos aos desacatos, ao tom agressivo, à suposta coragem com que o interessado afrontaria os poderes públicos e as autoridades, comportamentos por alguns considerados fortemente promissores de um bom desempenho na barra dos tribunais.

Dar-se-ia, assim, razão ao velho chavão publicitário segundo o qual não importa o que digam de nós: o que importa é que falem de nós.

- x -

A favor desta hipótese milita praticamente toda a sequência cronológica acima resumida em 2.1., sobre a qual, dada a evidente clareza, não valerá muito a pena elaborar.

Contra ela, temos o facto de se tratar de algo tão abjeto, tão vil, tão manipulador, são indiferente aos interesses e aos direitos do próximo que, considerá-la válida seria o reconhecimento último de que muito pouco haverá, já, que esperar de certos representantes da Humanidade. Ou dela toda…

A propósito: terá, quando deixou a profissão, o Visado vendido as quotas na sociedade de advogados, obrigada que esta está a apenas contar, no capital, com participações de advogados inscritos e no exercício da atividade profissional?

Terá a Ordem cuidado de averiguar o que, efetivamente, se passou?


2.3.2. Promoção Genuína da Causa Negacionista

Outra hipótese que não pode deixar de ser considerada quanto à motivação para o uso e abuso da oportunidade de regresso à magistratura com o fito específico de dela ser rapidamente expulso no meio de enorme alarido será ter o Visado pretendido chamar a atenção, não para a atividade de advogado - que, necessitando de assegurar o sustento, provavelmente irá retomar -, mas para a causa negacionista da pandemia.

Tal possibilidade não pode deixar de nos fazer refletir um pouco também sobre a motivação dos próprios negacionistas: o que ganharão em insistir na tola ideia de que não existe pandemia, de que a evidência científica apresentada não é válida, de que ninguém morreu devido a infeção pelo vírus Sars-Cov-2?*)

O que ganharão elementos da extrema-direita em negar o holocausto nazi*), ou elementos da extrema-esquerda em negar Holodomor?

O que ganhará, afinal, quem quer que seja em, de entre aquilo que se encontra cientificamente demonstrado, negar seja o que for?

No caso da COVID, será assim tão nocivo andar de máscara, ou ser inoculado com uma vacina idêntica a tantas outras? Será que o dano residual a um ou outro vacinado entre largos milhões justificará que milhões se neguem a proteger-se e a proteger os outros?

Não estaremos, antes, diante de pessoas que advogam causas em que não acreditam, que nem chegam a entender bem, às quais aderem apenas pelo ruído mediático que provocam e que, dessa forma, algum protagonismo a um punhado de barulhentos e irracionais frustrados poderá trazer?

Como poderá encarar-se como legítima a posição de um verdadeiro, de um genuíno juiz de direito que, com porventura inconfessáveis ou condenáveis e egocêntricos objetivos, em grupelhos destes se imiscui, advogando posições antissociais e anti o que quer que de saudável e construtivo para o bem de todos queiramos fazer?

Como considerar natural a identificação de um magistrado com gente que é do contra seja no que for, pela notoriedade, pela mera fruição, pelo prazer de o ser?


2.3.3. Outras Possibilidades

Significarão aquelas camisolas pretas, aquele ar agressivo, aquele discurso desconexo e repetitivo, a negação desrazoável, que o juiz apenas estará a advogar, numa toscamente encapotada manobra, práticas extremistas visando a desestabilização e a subversão?

Ou, mais singelamente, não passará de uma personalidade narcísica - característica que se não coibiu de atribuir ao Presidente do STJ quando, durante a audição no CSM, o interrogou?

Estará o pretenso juiz negacionista a agir apenas como advogado oportunista de si mesmo, da própria imagem, consistentemente com as múltiplas fotografias do próprio que povoam a Internet, seja no sítio da Sociedade de Advogados, seja nos sítios das causas que diz defender?

Tratar-se-á, afinal, de uma completa indiferença ao sofrimento que, se atendidas as suas inenarráveis pretensões, estas poderiam causar a todos, desde que o seu estatuto pessoal acabasse elevado por via da defesa exacerbada das mesmas?

Se não, como explicar, a não ser por mero exibicionismo, a insistência em, valendo-se do seu estatuto, proibir uma carga policial sobre quem se manifestava à porta das instalações do CSM, quando já lhe fora, por mais de uma vez, garantido que ela não iria ser ordenada?

Mais a mais, proibiu estando suspenso do exercício de funções, coisa que ninguém se lembrou de lhe recordar…

 

3. (In)conclusão

Se a primeira hipótese for verdadeira, o sujeito rapidamente desaparecerá de cena - e nem terá, provavelmente, chegado a vender as quotas da sociedade comercial.

Se a segunda o for, continuará a manifestar-se como prometido*), pelo menos enquanto a pandemia fizer manchetes - eventualmente mudando depois de bandeira para uma então mais mediática.

Se é válida uma destas duas ou qualquer outra igualmente desprezível, cada um por si o julgará. Jamais poderá, no entanto, uma das hipóteses ser plenamente validada: por um lado, porque só o Visado saberá o que, efetivamente, o moveu; por outro, porque, mesmo que o admita, perante as características que a pessoa tem vindo a manifestar, de muito escassa credibilidade se iria tal admissão afigurar.

Causa cognoscitur ab effectu, mas nem sempre…

- x -

Independentemente de qual a hipótese verdadeira - se alguma -, certo é que todas sempre acabarão por beneficiar, ainda que acessoriamente, da atuação destemperada e imprópria de quem, se um verdadeiro magistrado fosse, também de todas elas deveria ter tido o cuidado de se distanciar.

De facto, quer a imagem enquanto advogado, quer a causa negacionista, quer, eventualmente, as causas de quem milita com camisolas pretas, quer, por fim, a imagem pessoal do Visado acabarão, inevitavelmente, promovidas, se não pelas melhores razões e junto do mais recomendável auditório, pelo menos de quem aprecie o género de pessoa de quem as pessoas certas se não esquecerão.

Tudo isto à custa de irreparável dano para a ideia que cada um tem do sistema judiciário, da magistratura judicial, daquilo que ambos representam, da Justiça que, supostamente, administram e da qual, a assim continuar, pouco mais esperarão os cidadãos.

Estamos perante um então juiz de direito que, enquanto tal, se não coibiu de achincalhar, de humilhar, que se sentiu acima de outros que entendia que deveriam pôr-se no respetivo lugar, em posição de subserviência perante tão distinta e iluminada criatura.

Mais ou menos tenebrosa e arrepiante, cada uma destas quatro hipóteses e qualquer outra que, além delas, possa formular-se, terá estado na origem daquele se apresenta como um dos mais escabrosos episódios exemplificativos de uma degradação da qualidade dos magistrados que se torna cada vez mais sensível e evidente, num Estado que se diz de direito, mas de cuja Justiça a prática judiciária cada vez mais nos faz duvidar.

* *

Negacionista por negacionista, o que será pior? Juiz, ou Médico?

(continua aqui)