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sábado, 21 de agosto de 2021


Talibãs e Talitugas

"Para a semana há reunião da concelhia.
Tenho de mandar lavar o carro novo que parado à porta.
Aquilo é giro, , e tu mereces melhor do qu’ó que tens!
Hádes vir também!"

O medos dos Talibãs

Sozinhos no vazio, sentimos medo.

Quando o vazio somos nós, domina-nos o pânico.

Com o pânico, vem o oportunismo de outros, vazios como nós, mas que têm a vantagem de uma ou outra habilidade a que chamam competência e com a qual se propõem, para nos salvar do avassalador vazio, preencher a nossa vida e, ao mesmo tempo, o ego ou a carteira deles..

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O grande sonho da maior parte de nós é ter dinheiro: muito, mas muito, dinheiro, como se fôssemos um daqueles ídolos que gostam de relaxar na gaiola (perdão, marquise) da cobertura (perdão, da penthouse, que com estas coisas não se brinca…), enquanto contemplam, numa tela (perdão, écran) panorâmica o anúncio em que uma progenitora balbucia, por entre a resplandecente dentadura que não é dela, uma catadupa de sons ininteligíveis num anúncio de uns óculos belíssimos mas tão acessíveis que até podem ser comprados por nós, pobretanas vazios e ridículos, que, em hipnótico desvelo, nos embasbacamos a contemplar riquíssimos pategos não  menos  vazios e ridículos – que, naquilo que importa, pouco ou nada valem -, pela simples razão de terem sido tão bem sucedidos depois de, coitaditos, terem nascido tão pobrezinhos.

Ou como uma qualquer histérica e desbocada milionária que viva do vigor de umas cordas vocais que pareçam apenas vibrar para e com a brejeirice, que se ache maravilhosa e cujo maior sonho da vida seja trepar por cima daqueles empecilhos que a não deixavam brilhar e acabar a mandar neles; e numa coisa grande, assim como, sei lá, uma televisão.

Ou como outros como eles que, não sendo habilidosos na política, o sejam – e de que maneira! – com os milhões dos outros, até ao momento em que nem os bancos, nem as associações desportivas, nem os poderes públicos consigam continuar a olhar para o lado porque alguém se terá descaído e propagou aquele vírus tinhoso, comichoso, chato e incómodo chamado informação.

Se não pudermos ser ricos e famosos como eles, enfim, ao menos termos o dinheirito suficiente para mostrar aos outros palermas que somos mais ricos do que o pai daquele rapaz que é colega do meu e só teve férias num acampamento daquilo lá da escola - não me lembra agora o nome – e ainda queria ser um tipo importante na secção do partido cá do bairro, como eu.

A estes tolos ambiciosos, serve muito bem a miragem do dinheiro ganho ao jogo, em que o bom do bestializado tuga das jolas e dos pistachos baralha, parte, dá e eructa alarvemente quando a vida lhe corre mal; e, ao jogar, fica mais pobre, muito mais pobre, de dinheiro e de intrínseco valor.

O Jogo é uma treta
Outros de nós, com alguns estudos e miolos mas nem por isso menos anestesiados tugas do que os outros, topam logo, matreiros, que isso do jogo é uma treta, e que o que é a gente ir para aquele partido para onde também foi o habilidoso lá do bairro que hoje manda em tanta coisa, veste e come aquilo que quer, tem a casa e o carro pagos, viaja por todo o Mundo, toda a gente conhece, tem motorista e até vai à televisão, enquanto o burro do meu homem o mais que recebe são as ordens do patrão, a troco de uns miseráveis trocos ao fim do mês que lá deram para a consola nova de jogos para o miúdo mas o passe social é, cá em casa, o principal meio de locomoção.

Ou era, porque vieram aí uns senhores com um contrato para assinar e vamos ter um carro daqueles elétricos*) que entregam cá na Sexta-feira*), para irmos, no Sábado, à reunião da concelhia e, depois, ter com aquele primo da Trudes que pinta uns quadros e até nos convidou para… ai! como é aquilo… qualquer coisa que acaba em age… ah!, pois, a inauguração.

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No fim da extensa lista que aqui não teria lugar, há aqueles de nós que não têm dinheiro, não têm miolos, não têm estudos, não acreditam no elevador social da política, não têm o que quer que seja além da enorme vontade de que alguém lhes diga que são alguém. Pelo menos, algo mais do que o outro que mora ao lado e cuja única afinidade connosco é o vazio imenso, o vazio de tudo, um vazio tão grande que não temos dinheiro para preencher com casotas, com ferrares, com trapos, com palmeiras, piscinas e long drinks; só, mesmo, com os pistachos e as jolas. Um vazio tão grande que já nem pode ser preenchido pelas emoções primárias que põem milhões aos urros e à batatada dentro e fora de um estádio de futebol.

A estes de nós, resta a ilusão da transcendência, da elevação daquela ilusão a que chamam espírito, não por qualquer manifestação do mesmo, mas pela sensação de pertença a quem um dia, algures, nos há de compensar de tanto sofrimento, a quem devemos cega obediência, ainda que à custa das maiores atrocidades e violências sobre o próximo, embora sem saber o que essa providencial divindade ao certo quer de nós.

Ou melhor: sabemos porque nos disseram, porque nos disse alguém que fomos ouvir falar naquela reunião prenhe de elementar misticismo e havida num ambiente de paupérrima encenação, em que um chefe religioso de olhos esbugalhados, aura impiedosa e sorriso cínico nos enviou a fazer explodir em bombas uma interpretação espúria e despudoradamente manipulada da mensagem do Além.

A missão consiste em impor, pela força, a mensagem aos resistentes, privando-os das formas mais elementares de liberdade que apenas subsistem nas vidas e nas mentes retrógradas e estúpidas dos alucinados ideólogos e promotores.

Terra atrasada com um punhado de bestas
Para o conseguir, numa terra atrasada e com a voz da maioria emudecida pelas armas de um punhado de bestas, mobilizam eles outras mentes gananciosas e estultas com ocas promessas de imortalidade – ou de, caso adiram, simplesmente os deixarem viver… -, eliminando os mais fracos, cativando os rapazes, espezinhando as mulheres – coisa que, por cá, não há de chocar muito certos magistrados de tribunais superiores que escrevem coisas que nos poderiam levar a pensar que essa coisa de maltratar mulheres é assim mesmo, e até está muito bem*).

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Quando a divindade tornada fera implacável inventada por uma torpe interpretação das escrituras pede com mais força que os bravos alarves aniquilem os detratores daquilo a que chamam fé, os americanos não gostam do exagero não autorizado nas conversações – três mil conterrâneos mortos, caramba, é demais! -  e entram por ali dentro para garantir que os outrora aliados ficam sossegadinhos pelo menos durante um prazo razoável para que aquele disparate do estupor do Bin Laden em Setembro se desvaneça um pouco da memória das dóceis e ditas civilizadas formigas dos States, tão dóceis como as que civilizadas não são - no resto do Mundo, claro.

Enquanto lá estão a aplicar o corretivo, ocupam pela força, impõem as suas regras, libertam… os corpos, apenas os corpos.

Por ser nada mais do que a restrição da liberdade dos corpos, a mudança resultante da ocupação é ilusória e efémera. Os invasores não educam, não procuram aproximar-se, entender, dedicar àqueles que andam naquilo contrariados uma palavra amiga, um diferente olhar, enfim, algo que os afaste do arrepiante caminho que escolheram ou os obrigaram a trilhar (não muito mal comparando, até faz lembrar a recente legislação publicada sobre a alimentação nas escolas cá da terrinha, feita à pressa e que, em lugar de educar, se limita a proibir).

Depois, cansam-se os americanos de esbanjar dólares com a presença militar, os aliados e também fazem contas aos euritos, aquilo já não faz sentido, eles já devem ter aprendido a lição, e… Butes? Bora lá!

Começa, então, a debandada daqueles que acreditaram ter vivido o ideal da liberdade, o maior sonho das suas pobres vidas prestes a acabar pela força, ou a ser brutalmente desalojadas pela fuga num avião de carga americano qualquer, possibilidade única de sobreviver para ir alimentar o mesmo sonho noutra terra também qualquer.

O que os aliados europeus parecem não ter, ainda, entendido é que o impacto causado pelo drama brutal e pungente destes candidatos a refugiados acontece, sobretudo na Europa: ninguém foge para países ainda mais pobres e subjugados por tiranos... ou por terra ou num bote para os riquíssimos Estados Unidos da América. Afinal... America First!

- x –

Por cá, as autárquicas estão aí à porta e, com elas, a vazia e desoladora campanha habitual.

Para a semana há reunião da concelhia.

Tenho de mandar lavar o carro novo que parado à porta.

Aquilo é giro, , e tu mereces melhor do qu’ó que tens!

Hádes vir também!

* *

A par de toda esta triste figura que não passa, afinal, do resultado de uma necessidade quase compulsiva de seguir os ídolos, a moda, continuam estas pessoas a querer passar por originais, diferentes, alguém digo de se contemplar com admiração.

(leia aqui o desenvolvimento)


sábado, 14 de agosto de 2021


COVID: O Palácio das Araras

"Até quanto a ânsia narcísica e obsessiva de um se fazer notar continuará,
nesta atrasada e mal governada terrinha, a opor-se ao interesse de todos?

Não é ciência aquilo que, todos os dias e a todas as horas, nos entra pelos olhos e ouvidos:
é uma vozearia ignorante, pedante, oportunista e, por vezes, desesperada,
que apenas contribui para agravar a já catastrófica situação
"

          1. Da Importância da Sustentação Científica das Opiniões Formuladas
          2. Vacina-se os Miúdos ou Não?
          3. A Chinfrineira Muda na Comunicação Social
          4. Missão de Informar versus Liberdade de Expressão
          5. Pluralismo no Debate versus Motivação para Aparecer na Televisão

 

Importância da Sustentação Científica
1. Da Importância da Sustentação Científica das Opiniões Formuladas

No Estado de Direito, é entendido como do mais elementar bom senso – e a lei prevê – que um decisor que não domine determinada área do conhecimento recorra à opinião de peritos visando o rigor da decisão a prolatar, bem como a clareza de uma exaustiva e clara fundamentação.

Tal recurso à presumível sapiência de terceiros pressupõe, necessariamente, que o laudo produzido por cada perito consultado se sustente em saber estabilizado e adquirido segundo as regras do método científico, sob pena de acabar o decisor enleado numa amálgama de opiniões díspares que, em lugar de contribuir para o desejado esclarecimento, apenas irão a sua ignorância nestas coisas acabar por aumentar.

Ainda assim - ou seja, mesmo quando os diversos pareceres solicitados se baseiam numa mesma ciência antiga e são redigidos de acordo com os procedimentos preconizados -, não é raro chegarem os respetivos autores a conclusões substancialmente distintas, já que, contrariamente ao que às vezes por aí se diz, conta bem menos o volume do conhecimento do que a efetiva capacidade para corretamente o processar, para, daquele que existir, alguma coisa aproveitar.

A situação agrava-se, evidentemente, quando a ciência consultada não é antiga nem conhecimento, verdadeiramente, existe porque o problema é recente e ninguém domina uma matéria que não houve tempo para, serena e exaustivamente, investigar.

Assistimos, então, a espetáculos tristes por parte de desesperados e desabridos gestores ou governantes que ficam sem saber o que decidir e como manter confiante e tranquila uma população tão ignorante como eles nestes assuntos – e muito bem, porque, se cientistas existem de determinada área, é porque tudo de tudo todos não têm de saber -  e ávida de orientações e esclarecimentos coerentes e seguros, ou que, pelo menos, pareçam fidedignos, que estimulem a vontade de os seguir e de à lei obedecer.

Atarantados, não cessam, pelo contrário, os atores sociais e políticos de ainda mais inquietar os espíritos, lançando na comunicação social o debate tipicamente estéril que, de forma inevitável, nasce do costume de espalhar aos quatro ventos todas as palavras alguém diz, seja lá o que for, seja lá quem for, como que procurando transferir para os desgovernados a obrigação de, em cada caso específico, decidir sobre aquilo que não conhecem, e deixando-os sem saber o que fazer nem em quem, afinal, acreditar.

Políticos escondidos no buraco do avestruz
Inversamente, poderá, também, dar-se o caso de outros desesperados gestores ou governantes se acoitarem no buraco do avestruz, na toca estreita da inação, esperando que peritos e ólogos disto e daquilo se matem e esfolem em debates mais ou menos espalhafatosos mas sempre inconsequentes, esquecendo-se de que, para que da discussão nasça a luz, necessário se torna que ela se processe sobre conhecimento validado e objetivo, e não sobre qualquer sandice que saia da pena ou da boca de quem, pouco ou nada sabendo do assunto, da quantidade do que lhe sai da pena ou da boca depende para viver.


2. Vacina-se os Miúdos ou Não?

Enquanto, na imensa praia da insanidade comunicacional típica do Portugal de todos nós o areal vai, a cada dia que passa, ficando cada vez mais poluído, decisões de sentido inverso vão sendo tomadas em regiões distintas do País. Foi o que aconteceu na Madeira, onde, a despeito da recomendação de sentido contrário da Direção-Geral da Saúde – e não de Saúde, como alguns peritos e alguns ólogos, quiçá por soar mais chic gostam de dizer -, se decidiu inocular os menores com idades entre os 12 e os 16 anos*), independentemente da existência ou inexistência de patologias – direito esse que, diga-se de passagem, à Região Autónoma plenamente assiste, nos termos constitucionais.

Não pode, porém, ignorar-se que, se a disparidade de critérios e de fundamentações que grassa Europa fora é, já de si, sintomática do desnorte que por aí reina na ciência destas coisas, torna-se, para a fiabilidade do que cientificamente é dito, simplesmente catastrófico que, para salvaguardar particularidades da economia de determinada Região ou por mera ânsia de protagonismo político, sobre questão são importante e sensível como a vacinação de menores se não entenda uma região autónoma com o poder central - por muito débil que este possa ser mau grado o folclore gerado por cada vez mais frequentes e indisfarçáveis tiques ditatoriais.

Mais grave, porém, será o facto de a Direção-Geral da Saúde e a Ordem dos Médicos terem posições diametralmente opostas sobre este tema da vacinação de menores*).

Note-se que se trata de entidades que, desejavelmente, não estão a proferir opiniões de natureza política: em ambas pontificam cientistas das mesmas áreas do conhecimento que estariam, supostamente, a pronunciar-se de forma sensata, ponderada e cientificamente sustentada sobre matérias da sua especialidade, visando, unicamente, proporcionar aos tais mais ou menos desesperados governantes os elementos necessários à tomada de decisões políticas - decisões essas que acabam por quase sempre tardar, por ficarem os governantes à deriva num confuso oceano de contraditórias opiniões.

>A Cereja no Topo do Bolo
A cereja no topo do bolo da descrença popular vem-nos do facto de,
dentro da própria Ordem, os médicos não se entenderem quanto ao que devem recomendar*); e, cereja ainda mais saborosa, que, dias mais tarde e, ao que consta, por atuação direta do Senhor Presidente da República no exercício da magistratura de influência para a qual por todos nós foi mandatado, a Direção-Geral da Saúde lá acabe, a contragosto, por dar o dito por não dito e passe a dizer que, ah!, afinal, as coisas não são assim tão simples e os miúdos sempre são todos para vacinar!

Bonito!

Não obstante, entende o Senhor Primeiro-Ministro que não se trata de ziguezague - como, à manobra, um definhado partido da oposição chamou à cambalhota -, mas sim de "evoluir na decisão"*)... mais propriamente, evoluir precisamente para a decisão contrária, com os mesmos dados disponíveis e, praticamente, uma semana depois.

Fala-se muito de linguagem inclusiva, mas esta é simplesmente exclusiva, na medida em que exclui do seu entendimento os olhos e os ouvidos de pessoas minimamente inteligentes e de boa fé, que apenas procuram entender o que se passa, sem estar preocupadas com votos ou campanhas eleitorais, como, por maioria de razão, a um Governo conviria em tempo de tão graves e sensíveis decisões.


3. A Chinfrineira Muda na Comunicação Social

No século passado, era eu ainda mais miúdo do que os miúdos cuja vacinação tanta celeuma hoje levanta, levava-me a minha Mãe ao Palácio das Araras, no Jardim Zoológico de Lisboa.

Cá de fora, pouco se dava por isso. Mas, uma vez lá dentro, o diálogo entre humanos tornava-se completamente impossível, tal era a chinfrineira saída dos bicos das animadas e tagarelas aves.

O mesmo se passa hoje com a vozearia que, sobre assuntos relacionados com a COVID, por aí vai nos jornais e televisões, resultando numa chinfrineira muda, vazia de mensagem, já que ninguém ouve nem ninguém se faz ouvir, com um mínimo de respeito e de credibilidade, no meio de tanto alarde, de tanta vontade de se pôr em bicos de pés a dizer “eu é que tenho razão!” quando lá se arranja maneira de, uma vez mais e ganhando ou não uns trocos, aparecer na televisão.

Manifestamente, não se baseiam estes discordantes palradores em dados cientificamente recolhidos e validados, uma vez que, em quantidade e com fiabilidade suficientes, os não há: proferem palavras tiradas da mera dedução lógica a partir de algumas notícias e elementos insuficientemente interpretados e testados. Ou seja: deitam-se a divinhar, como, mais coisa, menos coisa, qualquer um de nós seria capaz de fazer.

Missão de Informar De nada vale o brocardo segundo o qual, quando um burro zurra – digamos assim -, os outros baixam as orelhas: todos sabem que ninguém sabe, mas todos fazem por parecer que sabem, porque, para esta gente, é “vergonha” não saber.

Mas a título de quê e com que legitimidade ou direito tanto palra esta gente toda?

Até quanto a ânsia narcísica e obsessiva de um se fazer notar continuará, nesta atrasada e mal governada terrinha, a opor-se ao interesse de todos?

4. Missão de Informar versus Liberdade de Expressão

Estruturalmente, a democracia é um regime político muito fraco, dada a facilidade com que se usa e abusa na interpretação dos direitos, garantias e liberdades constitucionalmente reconhecidos, invocando-os para tudo e mais alguma coisa em proveito exclusivo de um indivíduo ou de um grupo restrito, sem que alguém tenha a coragem de a tal se opor. Se o fizer, o mais certo será deparar-se com acusações de ser fascista, ditador e mais isto e mais aquilo, como sempre acontece quando alguém procura, no exercício de direitos ou de deveres e com a melhor das intenções, moderar o exercício das amplas liberdades da democracia por parte de quem delas abusa e volta a abusar.

Já, a propósito dos festejos da vitória do Sporting na Primeira Liga de futebol, aqui falei sobre a confusão entre, por um lado, o direito de cada um manifestar as suas posições e ideais políticos e, por outro, invocar tal direito para atividades que nada têm com os direitos garantidos na Constituição.

O abuso da liberdade de expressão em tempo de pandemia é claramente, mais um destes casos.

Na verdade, aquilo a que diariamente assistimos nas televisões não é o exercício do direito de livremente exprimir posições políticas sobre o assunto, posições essas que, efetivamente, todos têm o direito de manifestar e todos têm o direito de conhecer.

O que se escreve nos jornais e passa nas televisões são conclusões meramente técnicas e, quase sempre, não fundamentadas sobre matéria científica que apenas meia dúzia de portugueses se encontra em condições de escutar e interpretar. Para a multidão restante, são coisas sem qualquer interesse prático, sem conteúdo político, apenas destinadas a preencher tempo de antena quando nenhuma catástrofe ou desastre espetacular em Portugal fornece matéria para vender anúncios, e cujo principal efeito é espalhar a confusão, descredibilizar as decisões e convidar, por desconhecimento ou descrédito, à prática de sucessivas infrações.

Direção-Geral da Saúde
Não se trata, neste caso de, ao espalhar por aí palavras a esmo, a Direção-Geral da Saúde, a Ordem dos Médicos, os epidemiologistas, os outros istas, os ólogos, os espertalhões, os jornais e as televisões estarem no exercício de qualquer direito previsto na constituição, designadamente o direito à liberdade de expressão: trata-se, antes e muito evidentemente, de uma clara violação do dever social de contenção, de reserva, sobre temas que não são do interesse da generalidade de uma população que tudo quanto quer é saber o que é para fazer, porque é isso que importa: é isso que, se cumprido, poderá ainda ter alguma eficácia e, da COVID e do seu Exmº Vírus, em alguma medida evitar maior propagação.

Afinal, o que queremos, verdadeiramente, quando vamos ao médico? Simplesmente, que nos passe a receita e instrua quanto à posologia. Às discussões técnicas, que nos poupe e as tenha em local próprio e com os colegas de profissão!

É no INFARMED, e não na praça pública, que deve ter lugar o debate entre cientistas que falem a mesma língua e que, nesse e noutros fora da especialidade, expressem livremente as suas opiniões, procurando chegar ao bom porto de alguma válida e, finalmente, eficaz conclusão, na falta da qual o Governo ficará desobrigado de seguir o resultado da difusa e inaproveitável discussão - mas, mesmo assim, obrigado a decidir com base no bom senso e segundo os mais altos e saudáveis ditames da administração.

Não é ciência aquilo que, todos os dias e a todas as horas, nos entra pelos olhos e ouvidos: é uma vozearia ignorante, pedante, oportunista e, por vezes, desesperada, que apenas contribui para agravar a já catastrófica situação.


5. Pluralismo no Debate versus Motivação para Aparecer na Televisão

Bem, dir-se-á, mas, no INFARMED isso já é feito, os especialistas já debatem estes temas antes e durante as famosas reuniões.

Pois sim, mas o que, aparentemente, acontece, é que, convenientemente, não são convidados cientistas de todas as tendências para essas reuniões, assim restando aos excluídos e ignorados badalar cá por fora as razões pelas quais discordam das conclusões.

A assim não ser, isto é, se existe o cuidado de garantir que participam nas reuniões especialistas com as mais diversas visões do problema, serão os vencidos no debate que, dando mostras de ausência, nos seus espíritos, da mais elementar noção de ética, vêm publicamente - e de forma mais ou menos equívoca – destilar o fel que, da derrota no debate, lhes ficou. Ou, então, os medíocres que querem, à viva força, ser alguém mas nada de útil têm a acrescentar e já ninguém tem paciência para ouvir, sem que por isso se coíbam de bater à porta desta ou daquela estação televisiva onde lá acabam por encontrar alguém que, por sua vez, conhece alguém que, a troco de uns minutos a encher com alardeada erudição uma antena desprovida de interesse, lá arranjam maneira de, no próximo jantar em família, exibir o vídeo de mais aquela vez em que as importantes criaturas foram à televisão.

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Os editores dos jornais e os diretores de informação das televisões prestariam bem mais válido e sério serviço público se, em tempos tão complicados e difíceis, se recusassem a incentivar e a amplificar a chinfrineira destas araras que nos enchem olhos e ouvidos com a sua ignorante confusão; se pensassem um pouco menos em tiragens e em audiências e se abstivessem de dar eco a quem o não merce - ainda que substituindo o interminável rosário de opiniões dos entendidos por cacofónicas crónicas futebolísticas com vocabulário mais ou menos anedótico ou por mais um programas pimba apresentados por gente cada vez mais mal preparada e mais desinteressante.

Agiriam, assim, em defesa do legítimo interesse do público que os sustenta e a quem se dirigem, em lugar de dar palco a quem, falando daquilo que supostamente sabe sem, efetivamente, algo saber, apenas perturba a paz social, desacredita o legislador e as leis que produz, e assim torna ainda mais incerto e confuso o que já tão difícil é entender.

Em circunstância nenhuma será boa ideia aumentar a depressão e o pânico numa martirizada população e em desnorteados governantes que, manifestamente, não fazem a mais pequena ideia do que ainda poderão fazer, sem meter o pé na argola e sem dar cabo da próxima eleição.

sábado, 7 de agosto de 2021


Nem mais, nem menos: tal e qual!

Quem, com todo o tempo para refletir, decide, friamente,
pespegar na primeira página uma porcaria destas,
ilusões não deixa quanto ao que efetivamente pensa,
ao que efetivamente sente, e ao que, desgraçadamente,
em futuras capas mostradas nas bancas
não teremos como os olhos deixar de pousar

          1. A “Gaiola Aberta”
          2. Ética? O que É Isso?
          3. A Responsabilidade Mediática Permanente de quem Representa a República
          4. A Ética Jornalística de Um Defunto Ressuscitado
          5. O Importante Papel Social de Leitores e Anunciantes
          6. Quem Não Quer Ser Lobo…

A eterna gaiola aberta da nossa juventude
1. A “Gaiola Aberta”

Existem diversas definições para pasquim. A Infopedia*), por exemplo, adota:

1. escrito afixado em lugar público com expressões injuriosas ao governo ou pessoa constituída em autoridade
2. panfleto difamatório
3. figurado jornal que publica calúnias e artigos difamatórios
4. pejorativo jornal de pouca qualidade

Faz-me isto recordar os meus tempos há muito idos em que por aí circulava um então bem conhecido pasquim, desengraçado, mas supostamente humorístico.

Além de uma ou outra imagem ou trecho em que o Autor lá tinha algum sucesso no seu estranho propósito de fazer gente adulta rir com vontade de coisas com piada nenhuma, aquilo não passava de um desfile de ordinarice da mais rasca, da mais reles, por vezes cruel.

Em nada diferia, diga-se, das ordinarices desoladoramente desengraçadas com que um cada vez maior e mais medíocre rebanho ansioso de protagonismo fácil junto de semelhantes seus vai, ao que me dizem, contaminando certas redes ditas sociais que, afinal e com mais ou menos melaço, muitas vezes não passam, em lugar de redes, de ratoeiras, de eficazes armadilhas destinadas a capturar os espíritos mais simples e às quais, nos nossos dias, não é fácil escapar.

Garantiam a sobrevivência do tal pasquim idiotas como o idiota que aqui escreve e também, de longe a longe, a lia. Na recém-libertada mocidade de então, acabávamos por comprar aquilo porque a "Gaiola Aberta" – assim se chamava a publicação - era, quiçá, o mais evidente sinal da libertação do jugo da censura que, por tantos e tantos anos, o anterior regime ditatorial impôs a quem apenas pretendia livremente escrever e ler, falar e ouvir: nesse tempo, seria impensável abrir a gaiola - ou sair do armário -, fosse quem fosse que lá não quisesse estar.

Era, até, impensável deixar sair as ideias de quem apenas pretendia sorrir, sonhar.

Assumidamente, a Gaiola era um periódico sem qualquer conteúdo jornalístico: era um pasquim! Apenas um pasquim.

Nem mais, nem menos: tal e qual!

2. Ética? O que É Isso?

Ética: o que é?
Numa altura em que os números da COVID já enjoam, em que
o Governo foi de férias e na falta de catástrofes e de escândalos suficientemente rentáveis para que deles valha a pena falar, resta, para assegurar o ganha-pão dos órgãos de comunicação, a luta política de segunda linha, contaminada pela eterna e incurável ânsia de cada um ver os ídolos do seu partido ganhar - sentimento muito próprio da população que temos, maioritariamente hipnotizada pela futilidade das redes sociais e do futebol, e em grande parte tão vazia de intelecto e de espiritualidade como uma dessas pobres bolas que os ricos futebolistas não cessam de martirizar.

No futebol, chuta-se impiedosamente a bola com o intuito principal – ou único, nos dias que correm - de ganhar dinheiro, muito dinheiro mesmo, desvalorizando-se, para que a coisa renda, os tão nocivos efeitos sociais colaterais dessa cada vez mais induzida ânsia de sucesso a todo o custo, efeitos esses bem patentes aos olhos de quem os quiser ver, como o de só pensar na vitória desportiva, profissional, política ou social, a qualquer preço, e por quaisquer meios necessários a atingir tão glorioso fim: ser, na ordem social, Alguém; com maiúscula, claro!

Por outras palavras: pavonear-se.

Desta forma, aquilo a que outrora se chamava a virilidade do futebol rapidamente degenerou numa crescente profusão de faltas ad hominem no campo e fora dele, que nem os cartões encarnados, os jogos de suspensão, os processos de inquérito e as prisões domiciliárias ou preventivas conseguem, já, eficazmente travar; e aquilo a que nos referíamos como combate político leal - frente a frente, olhos nos olhos -, do carril da ética acabou, inexorável e irremediavelmente, por descarrilar.

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A divulgação, nas redes sociais, de um pequeno filme em que aparece, fortemente etilizado, como que a abanar ao vento em plena rua, um destacado representante de Portugal no mais alto órgãolegislativo da Comunidade Europeia*), talvez não seja, contrariamente ao que por aí se entende e o próprio diz, uma violação da vida privada desse cidadão: a inoportuna manifestação dos vapores do álcool aconteceu na via pública e por ação do próprio, que nesse estado nela se mostrou a quem o quisesse ver, razão pela qual nenhuma prévia expetativa de privacidade, nessas circunstâncias, poderia ter.

Foi sem querer
Há quem contraponha que a exposição não foi voluntária, antes devida a um estado de alguma inconsciência decorrente de um acidentalmente abusivo consumo de bebidas alcoólicas. Porém, aos olhos da lei e do mais elementar senso comum tal argumento não colhe, dado que, ao que se sabe, ninguém o obrigou a beber.

Se qualquer condutor pudesse defender-se dizendo “foi sem querer”, ninguém iria para a cadeia por conduzir com um grão na asa; ou, neste caso… com um melão.

Por outro lado, atento o direito que qualquer um tem de ponderar, no momento de votar, se o faz, ou não, num eleito que foi visto no estado que sabemos, é difícil entender como pode alguém pensar que a divulgação das imagens não é de interesse público*); e pouco importa quantos assistiram à cena ao vivo e a cores, já que, mesmo sem filme, estas coisas andam de ouvido em ouvido com tanta facilidade como as pombinhas da Catrina andam de mão em mão.


3. A Responsabilidade Mediática Permanente de Quem Representa a República

Ninguém é obrigado a ocupar lugares em órgãos legislativos ou da governação. Se o faz, há que saber comportar-se com a dignidade esperada por quem o elegeu para a função; e estar ciente de que, embora não trabalhe vinte e quatro horas por dia, é, durante as vinte e quatro horas do dia, o português investido nessa obrigação, assim estando vinculado a cuidar de uma reputação que, por ser ele quem é, inevitavelmente repercute os impactos por ela eventualmente sofridos em toda a população.

Mesmo não ocupando qualquer cargo, todos devemos ter em conta que, como alguém já escreveu, “a vida consiste em vários fatores importantes e fundamentais, entre os quais se encontra o decente e inteligente domínio dos apetites que partilhamos com os cães. O homem não uiva do alto de um outeiro, de manhã à noite, nem tritura com voracidade os alimentos que lhe atiram. Come alimentos bem confecionados, quando os pode obter, e satisfaz os seus anseios consoante lhe indica a prudência”.

Pode, pois, sem exagero, dizer-se que o pequeno filme transmite um espetáculo degradante, uma tenebrosa imagem do País veiculada por alguém que, mais do que muitos, foi mandatado, contratado e é principescamente pago para a dignificar.

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Joalharia dos famosos e poderosos
Não obstante, trata-se, também de uma situação na qual, em tese, nesta desolada sociedade qualquer ser humano está sujeito a cair: até aqueles imaculados que passam, na Internet e não só por lá, o seu miserável tempo a maldizer tudo e todos relativamente a coisas que também eles fazem, tendo, embora, artes de evitar que se saiba - ou, no caso dos ditos famosos ou poderosos, de, mais ou menos rapidamente, fazer esquecer ou abafar, caso algum prestimoso assessor de imagem disponibilize essa solução.

Mas o que talvez mais choque da parte de quem pôs o triste filme a circular é a premeditação da decisão de o conservar anos a fio, à espera da oportunidade perfeita para, causando o maior dano possível às aspirações políticas do visado, o divulgar.

Tamanha frieza, tão implacável premeditação, apenas se entende no quadro de uma luta pelo poder hoje travada sem quartel sem ética, sem grande coisa além do fedor a lixo que habitualmente a caracteriza.

 

4. A Ética Jornalística de Um Defunto Ressuscitado

Mudando completamente de assunto… há que dizer que, por muito fraca que possa ser a qualidade de determinada publicação, por muito execrável que possam ser os propósitos ou as ideias que impulsionam a divulgação deste ou daquele conteúdo, a pretensão de um pasquim se considerar parte da imprensa escrita de modo nenhum belisca a dignidade e o prestígio da profissão jornalística.

Afinal, a prensa da tipografia imprimia no papel qualquer escrito com que lá se o quisesse esborratar, da mesma forma que a impressora dos nossos dias não apenas reproduz as letras que um jornalista digno desse título produz, não se negando, também, a dar corpo a títulos e capas mais ou menos tonitruantes que qualquer alarve para lá queira mandar.

Qualquer um tem, pois, direito a imprimir o que bem lhe aprouver, desde não torne público o que não deve, como notícias ou declarações falsas ou ofensivas da dignidade de outrem, sobretudo, neste último caso, quando, tal como em certas faltas do futebol, a divulgação apenas visa atingir o indivíduo, sem qualquer interesse ou finalidade digna do ponto de vista social.

Não digam mal de nós
Para que o esforço de um desses alarves da imprensa lhe sirva para alguma coisa, não basta recitar a cantilena estafada de que “não importa o que digam de nós, importa é que falem de nós”: quando o espírito de missão definha e se escarnece do impacto social, o que verdadeiramente resta é garantir que o resultado do desmando tenha, pelo menos, qualidade suficiente para lhe assegurar receitas; e isso torna-se difícil em tentativas de ressuscitação de mamutes há muito enterrados, apenas visando, aparentemente, a glorificação narcísica e saudosística de quem bem menos danos à sociedade causaria se ficasse a saborear a reforma e a ver o tempo passar.

Tudo isto, sem falar no pequeno problema de a decisão de voltar a dar vida a um representante da imprensa escrita há muito amortalhado ser tarefa à partida economicamente inviável - um mamute não tem graça -, que nem valerá muito a pena tentar. Sobretudo no Verão, em que a cabeça dos editores parece que, de tanto procurar notícias de que valha a pena falar, mais cedo ou mais tarde acabará por estourar.

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Ressurgiu, há semanas, na imprensa portuguesa, uma publicação em papel que, logo no primeiro número, até quem lá escreve afirma ser estranha e que pretenderia, ao que parece, dinamizar a imprensa escrita em Portugal.

Vá lá saber-se porquê, acabou por nascer às portas do Verão, a tal altura em que, no defeso da bola, sobre outros assuntos só mesmo um grande alarido consegue tirar os Portugueses da água ou levá-los a, entreabrindo primeiro um olho, depois ou outro, interromper a sestazinha na esplanada enquanto destilam uma bem acompanhada caneca ou imperial.

Talvez por isso mesmo, ainda o renascido mamute andava de cueiros, logo uma capa absolutamente despropositada e jornalisticamente arrepiante veio, a troco de uns trocos nas tabacarias e de mais uma ou outra tão necessária quanto modesta fatura de publicidade, irreversivelmente minar quaisquer pretensões de qualidade e imparcialidade de quem foi uma publicação pioneira no género e outrora respeitada, até pela distinção que então se reconhecia a fundadores e colaboradores – alguns dos quais ainda por lá andam, o que não deixa de tornar ainda mais surpreendente tão tenebrosa evolução.

A badalada capa alardeava, nem mais, nem menos, do que a existência do tal pequeno filme sobre o andar periclitante do tal deputado europeu, obtido nas circunstâncias que se conhece, o que, por si só, sugere grande dificuldade em encontrar temas interessantes, bem como fontes fidedignas que com o dito jornal ainda aceitem colaborar.

Gente que sai do armário
Vai, todavia, mais longe, o jornaleco: a pretexto – assaz conveniente e oportuno, aliás - de guerras de sucessão e quase de secessão no partido do visado, afirma que os seus adversários políticos internos querem vê-lo “a sair do armário”, num claro e despropositado aproveitamento da lastimável exibição por ele protagonizada para gritar aos quatro ventos uma sua eventual homossexualidade.

A não ser do vil metal, a troco de quê? Seguindo que critério jornalístico?

Com que ganho social?

Além de todos os epítetos que a decisão de publicar tal capa me merece, a associação torpe e indesculpável de um momentâneo, porquanto condenável, passo em falso à orientação sexual do embriagado é, além de tirada a ferros, também desinteressante, ilógica, inexistente: não passa de uma manobra rasteira com objetivos que não será difícil descortinar, além de ser, esta sim, uma inaceitável intrusão no mais íntimo da vida privada de alguém que sobre ela tem sabido manter a reserva e o decoro – mérito que a alguns dos seus maiores críticos se não poderá, talvez, associar.


5. O Importante Papel Social de Leitores e Anunciantes

Nos tempos do anterior regime, não se falava porque não se podia falar. Agora, fala-se demais porque o Estado diz não ter como controlar.

Claro que a censura prévia é uma perversão do jornalismo e, possivelmente, a negação maior da democracia. Mas tal não legitima que alguém se distraia do dever de, independentemente da existência ou não de ilícito criminal, depois da publicação de uma capa como esta os seus autores e editores responsabilizar.

Não basta, contudo, que outros políticos venham, supostamente consternados e solidários, alardear veementescondenações de demonstrações de vileza deste jaez*): a sociedade civil tem a obrigação de, em termos efetivos, condenar e procurar neutralizar comportamentos como este – embora não necessariamente perdendo as estribeiras e formulando apreciações injuriosas acerca das mães dos palermas que aparecem aqui a dizer que até não gostam muito dele mas não gostam do vídeo”, e especificando, com todas as letras onde o apoio dispensado devem enfiar*), o que sugere que, qual infeção por vírus, esta coisa dos descontrolos tende a alastrar.

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Quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele
Ora, por razões sobejamente conhecidas e relacionadas com uns quantos pategos que por aí circulam com cauções penduradas à cinta e ar de quem sabe que, judicialmente falando, nada de mal lhes irá acontecer, fala-se cada vez mais da distinção entre empresários bons e empresários maus; fala-se, como sempre se gostou de falar, do papel social dos empresários que são bons e daqueles que, vendo bem, talvez não sejam assim tão maus.

Acontece, todavia, que, parafraseando alguém, não é possível viver em dois mundos diferentes: para se viver legalmente é necessário aceitar os códigos e a ética. Se quisermos viver numa selva caótica, teremos de pagar caro pela escolha. Depende de nós.

Assim sendo, quem, em presença de capas destas, optar por continuar a dar dinheiro a troco de anúncios a quem no-las impinge sujeita-se a ser desses que terão de pagar caro pela escolha, uma vez que se torna solidariamente responsável pelo que mais dali vier, já que, ao contratar publicidade, está a assegurar a viabilidade comercial de quem, sem tais receitas, não teria como continuar para aí a dizer mal.

Não se alegue, pois, que nada se pode fazer por não haver censura prévia: a censura do mercado, seja do lado das empresas anunciantes, seja do lado do público comprador dos jornais, é, sempre será, o maior garante da qualidade, do rigor e da moralidade do que lemos e ouvimos nos meios de comunicação, bem como um forte incentivo à hombridade e idoneidade de quem com estes colabora em funções jornalísticas, editoriais ou de direção.

6. Quem Não Quer Ser Lobo…

A divulgação, por uma criatura maldosa, do filme na Internet pode, no limite dos limites, entender-se – mas, nunca, aceitar-se – dada a proximidade das eleições internas no partido político do visado às quais, presumivelmente ele irá candidatar-se.

Mas a que propósito sai do prelo - e do nada - a publicação de uma tal capa? Que utilidade para a generalidade dos leitores em férias terá uma aparição tal?

Não deixa de ser verdade que uma publicação não pode ser avaliada, e muito menos julgada, por uma simples capa. Mas não é menos verdade que, sobre o que se publica ou não, há muito tempo antes para pensar; e que, quem, com todo o tempo para refletir, deliberadamente pespega na primeira página uma porcaria destas, ilusões não deixa quanto ao que efetivamente pensa, ao que efetivamente sente, e ao que, desgraçadamente, em futuras capas mostradas nas bancas não teremos como os olhos deixar de pousar.

O que vai dentro do jornal e na última página, só lê quem quer.

A mensagem na capa, em letras garrafais, não temos a liberdade de ignorar, por, simplesmente, não termos como para ela deixar de olhar.

Porque está em parangonas. Porque está lá para impressionar.

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Esclareça-se que, do que dela conheço, a pessoa visada me não merece particular simpatia, uma vez que admiro a vivacidade no debate televisivo apenas quando não resvala, recorrentemente, para um protagonismo exagerado ou para a emotividade excessiva e esganiçada, que sempre acabam por se revelar formas de apresentar ideias seriamente comprometedoras da correta perceção do conteúdo.

Assim, ao condenar a perseguição discriminatória e estupidamente abusiva de que foi vítima, não estou a insurgir-me contra o ataque a este ou àquele, antes contra o aproveitamento abjeto de situações sem interesse jornalístico, promovido por gente que, a meus olhos, de jornalista demonstra ter muito pouco, antes se me afigura ambiciosa, oportunista e vaidosa, desprovida de ideal.

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Honra lhe seja feita, a “Gaiola Aberta” sempre foi um pasquim, e nunca quis passar por outra coisa.

Nem mais, nem menos: tal e qual!

sábado, 8 de maio de 2021


As Irresistíveis Tentações do Derradeiro Mandato

"(...) um primeiro-ministro sem dúvida hábil, mas essencialmente tático,
nunca um estratega, que, lutando para evitar expor-se a coligações negativas
e para repristinar antigas mas preciosas alianças,
mais vulnerável se tornaria a um erro magistralmente provocado"

As razões subjacentes à limitação da quantidade de mandatos consecutivos no desempenho de um cargo imposta a quem a ele pretende candidatar-se sempre alimentarão um debate político mais ou menos acalorado, como não pode deixar de ser.

Parece, inversamente, consensual o facto de, seja qual for o cargo, a impossibilidade de reeleição antes do interregno correspondente a, pelo menos, o tempo de duração efetiva do seguinte, de alguma forma libertar o recém-eleito para um derradeiro mandato para lhe imprimir um cunho pessoal, mais consentâneo com a sua forma de pensar ou de ser.  Alternativamente, poderá viabilizar, sem temor de consequências políticas negativas relevantes e em benefício do partido da sua predileção, uma atuação de oposição mais ou menos subtil a indivíduos de outra cor política que sejam titulares de outros órgãos de soberania ou afins.

Esta libertação da necessidade de assegurar a reeleição torna-se particularmente sensível em pessoas mais próximas do termo da carreira política, que já não considerem razoável ou desejável, após o jejum obrigatório, recandidatar-se a novo mandato.

No caso da oposição política em benefício do partido ou da área política da sua simpatia, convirá, apesar de tudo, cuidar de que a oposição não seja frontal, declarada, sob pena de facilmente poder ser, pelo eleitorado, imputada ao titular a responsabilidade por uma mais ou menos tácita declaração de guerra aberta ou fria, qualquer delas assaz contraproducente face aos objetivos que o pudessem nortear.

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Exemplificando, como poderia, por exemplo, um presidente da república de um estado cuja constituição proibisse a eleição para um terceiro mandato consecutivo quebrar, sem que a iniciativa lhe pudesse ser diretamente associada, uma para ele monótona e sensaborona relação de solidariedade institucional com o primeiro-ministro de um governo algo perdido, atarantado? Como atrair, nos primeiros dias do mandato, a atenção generalizada? Como garantir um protagonismo que lhe permitisse, ainda que informalmente, governar em seara alheia, sabendo que o neutro nada significa mas que, ao que vibra, ninguém fica indiferente?

Uma oportunidade caída do céu seria, entre tantas possíveis, o parlamento desse estado aprovar, em dada altura, contra a vontade do partido do governo e violando formalmente a Constituição por agravar a despesa global do Estado prevista no orçamento, legislação em benefício claro de uma parte da população*) particularmente fragilizada e debilitada pelo impacto de uma catástrofe ao tempo vivida e particularmente sentida.

Tal facto faria, quiçá, acorrer ao espírito de um omnipresente presidente uma original e brilhante - porquanto esguia - fundamentação para a decisão de, não obstante, promulgar os diplomas sem suscitar a fiscalização preventiva da respetiva constitucionalidade; ou não tivesse um outro presidente lembrado que “escrita em chinês, a palavra`crise´ é composta por dois caracteres: um deles, representa perigo, e o outro representa oportunidade” *).

A originalidade poderia, no nosso exemplo, residir na invocação de uma possível prática reiterada, por parte do governo de, em todos os anteriores exercícios, haver assegurado que o montante total da despesa autorizado pelo parlamento nos correspondentes orçamentos gerais do estado não seria atingido*), assim permitindo ao presidente, em presença da oportunidade de iniciar hostilidades, alegar que, dado o valor irrisório das migalhas a distribuir quando comparado com a montanha do orçamento – da qual, porventura, nem um por cento representaria -, dificilmente aquele excederia o das quase certas poupanças que estariam para vir, assim não havendo razão para acreditar que, nas contas finais, viria, de facto, a exceder-se o montante global da despesa orçamentada.

O brilhantismo estaria, por sua vez, no facto de dificilmente o órgão fiscalizador poder deixar de se pronunciar pela inconstitucionalidade caso fosse o governo a levantar a dúvida*), uma vez que a este, e só a este, seria possível conhecer, de antemão, a intenção de apertar, ou não, o cinto no exercício em apreço - apesar de, estranhamente, após um discurso de afrontamento proferido pelo primeiro-ministro, o ministro das finanças até poder ter dito que a despesa seria acomodável.

Seria, então, de assumir que, no caso de pedir a fiscalização sucessiva, o faria o governo por estar a prever que o valor total não despendido seria inferior ao do acréscimo imposto à despesa pela nova medida aprovada, assim resultando aquela, inevitavelmente, agravada pela contestada decisão do parlamento, tomada em claro desrespeito pela norma-travão constitucional*).

Num tal cenário, sempre o presidente ficaria ilibado de qualquer responsabilidade pela decisão de promulgar a legislação sem suscitar a fiscalização preventiva, uma vez que não seria razoável alguém exigir-lhe que, também de antemão, conhecesse, quanto à execução orçamental, as intenções do governo, preferindo promulgar a nova medida perante a por ele considerada efetiva constitucionalidade do cumprimento dos novos diplomas.

Se, contra todas as expetativas, a inconstitucionalidade não fosse declarada em sede da fiscalização sucessiva pedida pelo governo, o presidente teria tido razão ao promulgar, pelo que nada lhe poderia ser censurado – mormente no caso de a execução orçamental ser a por ele antevista e o impacto das novas leis acabado por ser insuficiente para violar o limite da despesa global.

Por outro lado, se, como o presidente esperaria, fossem chumbadas as novas leis, os dividendos políticos seriam, para ele, bem evidentes: no caso de a decisão ser conhecida antes de se dar início à distribuição do dinheiro, nunca poderiam os desiludidos potenciais beneficiários – e eleitores – recriminá-lo pelo facto de, afinal, esta nem ter chegado a acontecer; no caso melhor ainda de a distribuição já haver começado, seria o primeiro-ministro o responsável por uma eventual, porquanto improvável, obrigatoriedade de devolução de algo que já tinha sido dado e, depois, viria a ser tirado sem que a maior parte dos lesados chegasse a compreender bem porquê; ouro sobre azul seria coincidir com este segundo cenário a proximidade de eleições em que o dirigente no zigamocho da estrutura hierárquica do partido apoiante do presidente enfrentasse a aniquilação política no caso de um desaire eleitoral em eleições já bem próximas no tempo*). Qualquer político ou cidadão dito comum bem sabe que, como sabiamente cantavam os Abba... "the winner takes it all".

O momento aparentemente menos feliz do presidente, por muitos apontado e estranhado, não teria, desta forma, passado de um golpe de mestre desferido sobre um talvez demasiado confiante primeiro-ministro de outro quadrante político, com objetivos que até nem seriam difíceis de adivinhar.

Sobretudo se se tratasse de um primeiro-ministro sem dúvida hábil, mas essencialmente tático, nunca um estratega, que, lutando para evitar expor-se a coligações negativas e para repristinar antigas mas preciosas alianças, mais vulnerável se tornaria a um erro magistralmente provocado*).

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Na eventualidade de o presidente ser, também, um eminente jurista, sempre o palanfrório de alguns entendidos - desses que, um pouco por toda a parte, gravitam próximos de redações de revistas, de jornais e de estações televisivas – não resistira a apontar-lhe o erro técnico da decisão de promulgar.  Mas, mesmo a existência desse erro, seria muito discutível em presença da tal fundamentação original e brilhante, para não falar do facto, que facilmente poderia ter passado despercebido, de que o primeiro erro - o erro essencial, a verdadeira inconstitucionalidade -, havia sido cometido por um presidente do parlamento manifestamente à deriva até no quotidiano da condução dos trabalhos, que tivesse caído na asneira de admitir à discussão e votação projetos cuja mera apresentação a Constituição proibisse; tudo isto, apenas no nosso exemplo, claro está.

Num tal caso, sempre o presidente da república poderia sustentar que não estava sozinho no seu entendimento pela constitucionalidade, já que, fosse diverso o do presidente do parlamento, não haveria, certamente, a legislação sido admitida na câmara - mormente se, para cúmulo, se tratasse de um presidente do parlamento da mesma cor política do governo contestatário…

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Tratei aqui, como disse, de um exemplo unicamente destinado a ilustrar esta pequena reflexão, pelo que qualquer semelhança com pessoas ou factos reais em qualquer parte do Mundo não passará de mera coincidência.

No entanto, porque todos somos humanos e a tentação é grande, por muito louváveis que sejam as intenções e inquestionáveis a inteligência magnífica e o espírito de missão do presidente da república, também em qualquer parte do Mundo, outros episódios – talvez muitos outros - com motivações de afirmação de protagonismo ou de simpatia política semelhantes às que associei à historieta que acabo de inventar, até ao termo de qualquer derradeiro mandato serão de esperar.

Ut flatus venti, sic transit gloria mundi.

sábado, 17 de abril de 2021


As Portuguesas e os Portugueses

"A gramática destina-se a fazer com que cada um entenda o que o outro está a querer dizer-lhe;
e o que diz a linguagem pseudo-inclusiva - mas, na verdade, divisionista - é que
existem dois tipos bem distintos de seres humanos, e não um único e indiviso,
ao qual uma regra manda referir, no plural, como  portugueses,
como a consulta da mais elementar gramática rapidamente esclarecerá"


   1. Perdeu-se a Noção do Ridículo
   2. Partidos Mendicantes Apoiam a Violação das Normas Constitucionais por Desnorteados Radicais
   3. A Gramática como Instrumento de Manipulação Política


1. Perdeu-se a Noção do Ridículo

...ou, para observar a regra da cortesia, “os portugueses e as portuguesas”, se for uma senhora a falar.

Quem se dedica à causa das animaizinhas e dos animaizinhos, não deverá, também, esquecer-se de dizer “as gatas e os gatos”, “as cadelas e os cães” e por aí fora, não vão as fêmeas dessas espécies achar que nos esquecemos delas; ou as donas e os donos das ditas fêmeas assim pensar;  e quando temos um aquário cheio de peixas e de peixes… o corretor ortográfico queixa-se com um impiedoso sublinhado encarnado.

Como, decididamente, nada disto vem de uma generalizada ignorância da gramática – designadamente por parte da Exmª Linguista que coordena um dos partidos que mais insistem nesta coisa -, todas estas alusões específicas aos elementos femininos não passam, desde a primeira que escrevi, de uma redundância patetoide e deliberada, apenas explicável como tentativa de manipulação comunicacional dos ânimos com o fim exclusivo e popularucho de angariar, quando muito, mais um punhado de votos junto de ingénuas apaixonadas e de ingénuos apaixonados por causas que não chegam a sê-lo, ou de almas hipersensíveis ao politicamente correto a ponto de se embevecerem com coisas destas.

A linguagem neutra em português não é arrimada na gramática, que sustenta, como bem se sabe, que o plural de um conjunto – ainda que parcialmente enumerado – se forma no masculino sempre que, pelo menos, um elemento deste género o integre.  Isto não é discriminação, não é sexismo, não é política: é gramática pura e dura*); e não é a política, mas a gramática, que deve determinar a nossa forma de escrever e de falar.

Não deixa, outrossim, de ser disparatado que esta forma rebuscada e bacoca de gastar mais tinta com descabidas redundâncias provenha, se a memória me não trai, da metade esquerda da bancada parlamentar, na qual tem assento, entre outros, o partido que teve, como destacado militante, o iluminado ser que promoveu e fez aprovar a patetice ortográfica vigente*), cuja única virtualidade parece ser, paradoxalmente, a de economizar uns quantos caracteres de tinta – boa parte dos quais indispensável à boa leitura e à compreensão do que se lê - que, aqui e ali, por artificiosa síncope, se foi tratando de amputar, diligência essa que a manipulada e estafada verborreia feminista de agora, obrigando-nos a gastar mais tinta, vem contrariar.

Como sou exagerado, dei comigo a pensar por que razão não teria o Hino Nacional*)sido, ainda, alterado em consonância com a nova moda: “Heroínas e heróis do mar” e por aí fora, assim irremediavelmente arruinando a métrica - e obrigando, mesmo, a escolher outra música, já que o Autor*) da atual não está entre nós para a poder alterar.  Heroínas e heróis”, “as tuas egrégias avós e os teus egrégios avôs”, quando fosse cantado por elementos masculinos; o inverso quando fosse cantado por elementos femininos e, num coro… a confusão generalizada. 

Lá acabei por concluir que a ideia era parva, quanto mais não fosse porque as egrégias avós não andavam embarcadas em cascas de noz*), privilégio esse então reservado às também egrégias – e heróicas - caras metades.

Convenhamos que, além de gramaticalmente incorreto, “portuguesas e portugueses” se apresenta excessivo na leitura.  No entanto, na linguagem falada de umas quantas políticas e de uns quantos políticos que não se importem de alardear chã ignorância a troco de um poucochinho de popularidade acrescida junto de setores mais permeáveis ao discurso demagógico…  por que não?  Até se faz, por aí, figuras bem piores, como aquela pirosice do Cartão de Cidadania*).  Ou deveria ser Cartona de Cidadã e Cartão de Cidadão?  Ou talvez a solução esteja na gíria das redes sociais*):  Cart@o de Cidad@o?  Sim, o @ não admite – ainda – o til.  É pena…

Já agora: como se lê est@ cois@?

Vendo bem, “Portuguesas e portugueses” poderá não ser, gramaticalmente, um pecado capital.  Mas onde, em qualquer ortografia do Mundo – mesmo naquela idiotice do acordo ortográfico – encontramos portugues@s, a não ser na linguagem abstrusa daquela cena das redes sociais?  Que tal, então, a ideia também abstrusa de substituir Direitos do Homem por Direitos Humanos?  O que muda, neste caso, se a raiz homo da nova palavra é a mesma da anterior?  Talvez Direitos Mulieranos e Humanos, então?

Se anthropos, em grego, significa homem, que nome irão dar, a partir de agora, à antropologia?

Mas anda tudo doido, afinal?

A propósito: já alguém ouviu um desses defensores desta desgraçada coisa dirigir-se-nos de viva vós dizendo "Cares Portugueses"? Ou espera-se que o ridículo seja só para nós?


2. Partidos Mendicantes Apoiam a Violação das Normas Constitucionais por Desnorteados Radicais

À míngua de resultados eleitorais dignos desse nome por parte da amálgama de movimentos radicais de esquerda, talvez toda esta antigramatical trapalhada acabe por captar mais uma meia dúzia de votos junto de quem mobiliza boa parte dos neurónios que lhe restam a magicar o que irá tirar da despensa para, ao magro salário, poder surripiar aqueles preciosos dez por cento indispensavelmente destinados à rotina quinzenal de nail art*)- em inglês, para sermos chic como gostam.

O problema com as radicais e com os radicais é serem obrigadas e obrigados a defender até ao fim determinada construção intelectual erigida em torno de um certo ideal ao qual sacrificaram toda a sua energia e, por vezes, toda a vida.  Não podem ceder um milímetro que seja, pois, fazer perigar essa construção, questionar esse ideal, seria, para elas e para eles, o mesmo que questionar a utilidade da sua própria existência; e há quem pense que não há maiores radicais do que as idealistas e os idealistas, principalmente as e os que defendem as minorias contra as maiorias.

Ocorre, porém, que as mulheres não são uma minoria*).  Bem pelo contrário:  são, em Portugal, uma – embora ligeira – maioria; e acontece, também, que os indivíduos de um sexo dizerem mal dos do outro é prática habitual desde tempos imemoriais, por mera picardia e sem que algum prejuízo sério seja conhecido como decorrente dessa prática.  Ademais, sendo este maldizer próprio, quer das mulheres, quer dos homens, ao não se intrometer está o Estado Português simplesmente a dar cumprimento à alínea h) do artigo 9º da Constituição*), que o obriga a “promover a igualdade entre homens e mulheres”.

Entre parênteses, direi que, como tantas outras, esta disposição constitucional corre sério risco de ser considerada, em si mesma, discriminatória, uma vez que refere primeiro os homens e só depois as mulheres.  Haverá, assim, que rever e substituir este discriminatório preceito machista por “promover a igualdade entre @s portugues@s de ambos os sexos” - fazemos figura de parvos em tantas coisas que, mais uma, menos uma, a ninguém fará grande impressão.

Fechando os parênteses, e com o devido respeito, aquilo que diz a Constituição japonesa interessa-me tão pouco como o que diz a Constituição portuguesa poderá interessar ao japonês médio.  Mas já me interessa, e muito, que algumas portuguesas e alguns portugueses achem muito bem que, semanas atrás, o Presidente do Comité Olímpico Japonês tenha sido forçado a demitir-se*), nada mais, nada menos, do que por ter dito mal das mulheres – por, na sua opinião, tenderem a retardar o andamento dos trabalhos ao falar bastante mais do que os colegas homens, nas reuniões.

Por alguma razão que desconheço, é verdade que a Constituição da República Portuguesa não reconhece, expressamente, a liberdade de expressão individual, a qual parece ser prerrogativa exclusiva da comunicação. Não obstante, o seu artigo 16º é bem claro ao dispor que “os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional”, e que “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem*).

Por força do mesmo artigo 16º é, assim, aplicável o que diz o artigo 19º da Declaração Universal: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.

O n.º 2 do artigo 13º da Constituição portuguesa impõe que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão (…) do sexo (…)”.  Conjugado com quanto antecede, quer isto dizer que nem as mulheres podem ser impedidas de dizer mal dos homens, nem os homens podem ser impedidos de dizer mal das mulheres.

Pretender que não se pode opinar livremente acerca das mulheres é desmerecer a nobre motivação e a corajosa atuação dos movimentos feministas*), nascidos para promover a igualdade de direitos entre os sexos e para pôr cobro aos maus-tratos de que eram vítimas as mulheres; não, decididamente, para fomentar a coscuvilhice e o diz que disse, e muito menos para coartar o direito de expressão dos masculinos.

O Mundo foi criado por um homem ou por uma mulher?  Criador masculino ou Criadora feminina?  Embora, com esta parvoíce linguística supostamente feminista, passem o tempo a discutir o sexo dos anjos, uma tal sandice parece que ainda ninguém se lembrou de suscitar…


3. A Gramática como Instrumento de Manipulação Política

A gramática destina-se a fazer com que cada um entenda o que o outro está a querer dizer-lhe; e o que diz a linguagem pseudo-inclusiva - mas, na verdade, divisionista*)- é que existem dois tipos bem distintos de seres humanos, e não um único e indiviso, ao qual uma regra manda referir, no plural, como  portugueses, como a consulta da mais elementar gramática rapidamente esclarecerá.

Os excessos só levam a afastar cada vez mais as pessoas umas das outras: a que olhem umas para as outras como um incómodo, ou como alguém de menor capacidade que se tem de, como se de crianças se tratasse, olhar com carinho e proteger. A vitimização desrazoável e descabida equivale a um autêntico atestado de menoridade passado, paradoxalmente, por quem pugna por se libertar – ou, mais propriamente, por se evidenciar – com a preciosa ajuda das revistas que, para fomentar a igualdade e o equilíbrio, publicam artigos sob o título “As 100 Mulheres Mais Poderosas do País*).

Mas não tem, mesmo, esta gente coisas mais interessantes com que se entreter, coisas verdadeiramente importantes a tratar?  Têm, mesmo, de perder tempo a assassinar a sangue-frio a língua que falamos, numa terra onde tanto se fala e, havendo tanto para fazer, tão pouco se faz?

Só não discriminando garantimos que os outros se não sintam discriminados: não, mediante a utilização de uma assim chamada linguagem inclusiva,  cujo primeiro e imediato efeito é, paradoxal e inevitavelmente, nada mais, nada menos do que lembrar constantemente ao discriminado que, efetivamente o é, que contra ele existe discriminação.  Não passa, assim, de tremendo e oportunista disparate, esta linguagem inclusiva, esta politiquice primária, parola e... contraproducente.

Agora, muito à séria (que horror!) e muito a sério…

Escreveu um filósofo suíço do século XVIII que “no que têm de comum, ambos os sexos são iguais; no que têm de diferente, não são comparáveis*).

Ora, além de ser manifesto erro tratar como igual o que é tão diferente como as Portuguesas e os Portugueses, perante tão flagrante ausência de argumentação válida querer mudar, através da forma de nos exprimirmos - a assim chamada linguagem inclusiva -, o que vai nas cabeças das eleitoras e dos eleitores afigura-se caminho bem pobre, muito redutor, de duvidosa eficácia, quase subversivo, até;  sobretudo na cabeça das eleitoras prospetivas e dos eleitores prospetivos, assim se deseducando a juventude na direção pretendida por umas quantas e por uns quantos… poucas e poucos, esperemos.

Nada disto passa, evidentemente, de uma forma sinuosa mas despudorada de manipulação dos espíritos, mediante a inversão da tendência natural e saudável para ser a língua a acompanhar, a par e passo, a evolução da cultura e das mentes, como quase sempre aconteceu e penso que, no respeito pelos princípios e pelas regras gramaticais, deveria continuar a acontecer.

Ou será que, perante a generalizada resistência à mudança, não passará toda esta fantochada do canto do cisne, do grito de desespero de quem cada vez encontra menos eco para a sua deriva para os temas fraturantes, num derradeiro e patético atirar de poeira aos olhos das menos esclarecidas e dos menos esclarecidos, das menos sensatas e dos menos sensatos, impondo-lhes expressões inventadas à revelia da gramática e que, com a realidade, pouca ou nenhuma correspondência acabam por ter?

Mudar o Mundo é difícil, mas mais difícil ainda sempre será tirar a derradeira tábua de salvação da mão de um político prestes a afundar-se.  Ou de uma política.

Convém, não entanto, que as políticas desesperadas e os políticos desesperados não esqueçam aquilo que, apesar de tudo, boa parte dos seres humanos ainda sabe: que uma mulher que se comporta como um homem tem, para um homem, tanto interesse quanto para uma mulher tem interesse… um homem que se comporta como uma mulher.

Portuguesas e portuguesas significa que existem mulheres e homens; e que não são iguais.