"Aquela trintena de mini-programas foi a fantochada e a vergonha que
sempre fora programada para ser.
Ninguém alguma vez esperou que tudo
aquilo servisse para alguma coisa,
nem acreditou que alguma coisa
junto dos eleitores os debates viessem esclarecer.
Tudo não passou do habitual picadeiro das vaidades por parte
dos concorrentes,
e da sensaborona inutilidade dos juris de
comentadores.
De serões de indisfarçável tédio para todos nós,
hesitantes eleitores e obedientes espetadores"
Impropriamente chamados debates, terminam hoje duas semanas de
embates em frente-a-frente, desenhados para isso mesmo: para serem
meros embates de escassos minutos, nos quais as televisões promotoras não
deixaram, aos convidados, qualquer possibilidade de debater o que quer que
fosse além da personalidade e da suposta falta de idoneidade do interlocutor,
apenas lhes dando o tempo estritamente necessário à picardia verbal, ou a
entediar ainda mais um já de si entediado Portugal.
A ridícula duração fixada para a quase totalidade deles - igual a pouco mais
do que a escassa metade de uma parte de um jogo de futebol - não permitiu a
subsistência de qualquer dúvida relativamente ao verdadeiro propósito
mediático desta maratona que antecedeu mais uma campanha eleitoral: prender à
televisão, para consumir publicidade e mais publicidade, o tuga guloso
da refrega entre políticos para os quais continua a olhar com o mesmo
arregalado clubismo com que se deslumbra com os profissionais da
indústria do futebol... que, em tempos, há muito idos, era tida como um
desporto, antes de a também indústria da publicidade e da comunicação
lhe ter lançado o anzol.
Se dúvidas houvesse quanto à natureza pretendida desta série de
clips ao vivo que nos estragou os serões, o teor da pergunta feita
por alguns pivots dos comentários que se seguiam a cada disputa dizia
tudo: "Que nota dá a cada um? Quem considera que ganhou?"; e era ver àqueles senhores muito sabedores e eruditos oscilar entre o
um e o cinco, como se aquilo alguma importância tivesse num
assunto tão sério como a preparação de uma eleição legislativa num país
democrático,
ou que assim se diz.
Não deixa de ser verdade que, em boa parte dos casos, quem lá ia exibir-se -
perdão, comentar - parece confundir fala afetada com um dom da palavra
que, patentemente, não tem, e bem melhor faria se se contentasse em
complementar o salário com uma crónica ocasional neste ou naquele jornal.
Mesmo assim, dava dó ver a atrapalhação em que alguns ficavam se alguma
pergunta mais profunda e específica era formulada pelo pivot: iam
responder o quê? Dizer o quê, se, para a vitória, apenas importavam o
tom e a galhardia, a brejeirice, a mais ou menos torpe insinuação? Acima de
tudo, não cair na tontice de dar trela ao tal André, ou escorregar na areia
que, como sempre, por todo o lado andou a espalhar pelo já de si inclinado
chão...
Graças, em boa parte, ao formato adotado, o que deveria ter sido uma
oportunidade única de esclarecimento político, não passou de um montra
privilegiada para moderadores dos debates e comentadores.
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O pânico do irrecuperável dano à imagem que o arruaceiro-mór pudesse
causar-lhes junto do eleitorado deixou carrancuda, tensa, inexpressiva a maior
parte dos adversários que lá se atreveram a defrontá-lo - já que
um deles, habilmente, se esquivou com um argumento manhoso e pateta, próprio de quem,
apesar da idade e da experiência, continua a não aprender como estar, com um
mínimo de eficácia, na política em Portugal.
Em quase todos os casos, o bloqueio intelectual e espiritual que o medo do
arruaceiro a quase todos causava era tal que, quanto aos
chavões habituais e estafados, nem retorquiram perguntando o óbvio: por
que razão quem, em tempos, tinha tido dinheiro para comprar um telemóvel não o
haveria de conservar na sua posse a fim de, através dele, poder tranquilizar
os familiares que deixara para trás? Ou
quantos anos teriam os tais Mercedes (ou, agora, também Porsche e, um
dia, Bentley, quem sabe...) à porta de casa de pessoas que recebem subsídios,
automóveis provavelmente a cair de podres como tantos que por aí se vê
ainda a circular? Ou, ainda, que chorudos proventos, a expensas do
Estado, auferiria todo aquele batalhão de autarcas sem salário que ele diz
querer descontinuar?
Não. Em vez disso, quase se via as meninges dos oponentes tremelicar no pânico
de não sobreviver à investida seguinte, à qual respondiam mantendo-se,
obedientemente, no terreno imposto pelo vivaço do outro contendor - que,
aliás, ao longo dos dias e também nas sondagens, foi perdendo fôlego,
acutilância, vigor, como se também ele acabasse desanimado com a falta de
adubo que encontrava para a sua esperteza viva e de resposta pronta, acabando
por esmorecer qual equipa a pairar no relvado depois daquilo a que os
desportistas de poltrona gostam de ouvir chamar uma entrada de leão.
A verdade é que lá vai, de alguma forma, sendo eficaz, como eficaz
é qualquer verdade ligeira ou descarada mentira emotivamente dita a uma
genericamente pouco instruída e pouco educada população.
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Por seu turno, quando os representantes dos partidos democráticos supostamente
debatiam entre si, o vácuo de ideias apenas era equiparável ao vazio das
soluções, continuamente atiradas para o ar como meros desideratos ou
contrapartidas às do adversário, sem especificar o
como e o quanto subjacentes à maior parte delas, tendo a
representante - de olhar fixo, duro e com um esgar cuidadosamente estudado
para parecer um sorriso - de um partido da extrema-esquerda chegado a dizer,
com todas as letras e inacreditável despudor, que isso do custo é
o que tiver de ser!
Fugiram das explicações, da fundamentação, da teoria como o diabo da cruz, e
fizeram bem, já que, quando se explica e quantifica, quase todos se
desinteressam pelo muito que muito poucos são capazes de entender. O furúnculo
da questiúncula partidária prevaleceu, assim, sobre a apresentação das
políticas propostas; e bem, já que a luta de galináceos era, precisamente,
aquilo a que, esquecendo-se da sua qualidade de eleitores, boa parte dos
telespectadores queria, verdadeiramente, assistir, para gáudio das estações.
Nos representantes dos dois filhos pródigos da Geringonça, era notório o olhar
mortiço, cristalizado, arrependido, quase culpado por se terem metido em tão
tremenda alhada ao não viabilizar o Orçamento Geral do Estado, opção que, sem
grande margem para dúvidas, os irá deixar em ainda bem pior situação: um
cantinho no Parlamento e - desgraça das desgraças - o magro pecúlio
correspondente a um resto de votos deixado nas urnas, para evitar que o
partido tenha de andar por aí a estender a mão.
Para estas agora tão débeis forças políticas, apenas importa ter
ideias, fingir ter soluções e acenar com elas aos ignorantes que, iludidos,
ainda os apoiam, sem se ralar minimamente com a evidente inexequibilidade de
meros desejos, de idílicos sonhos, de pretensos projetos que, impossíveis que
são de desenvolver, nem ao menos chegarão a sê-lo.
Parece, enfim, que lá acabaram por entender a rede em que tinham caído,
lançada pelo promotor do arranjo governativo, político competente e
habilidoso, já mais do que farto de andanças nesta terra de Camões, ansioso
que está, como já anunciou, por ir espraiar a sua habilidade lá fora, deixando
em boa parte do centrão político gente sem coluna vertebral que se
veja, de idoneidade mais do que discutível, com interesse quase só para o
fisco e para a justiça penal, sem competência ou qualificações que se vejam,
além de um canudo que vale o pouco que vale para quem, sem
educação que se veja, se propõe, apesar de tudo, assumir as rédeas da
governação.
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Diversos comentadores referiram a suposta falta de preparação para os debates
por parte do representante do maior partido da oposição, considerando-o mal
preparado, arrogante no seu estilo popularucho, demasiado informal.
Como se o eleitor português típico tivesse a capacidade de entender outro tipo
de discurso, mais elaborado, mais elevado, mais humano, até. Sobretudo,
apelando ao processamento intelectual!
Esquecem-se, manifestamente, de que ensino não implica educação;
de que a atividade letiva que dá canudos não dá o resto, de que, como
elevador social, o simples ensino, sem educação, não passa do rés-do-chão; e
de que é, precisamente, este tipo de discurso simplista e próximo daquilo que
é, efetivamente, a mole humana que vota, que a cativa no momento da decisão.
Esquecem-se os eruditos comentadores daquilo que os publicitários há muito
sabem: que não são anúncios com mensagens sofisticadas que vendem a esta boa
gente que vota, mas sim pérolas do tipo "Paôpa, Fêlha, perque nã sabes o dêa de amanhã!"...
Prova acabada parecem ser, valham o que valerem, os resultados de sondagens em
que a diferença das intenções de voto entre os dois maiores partidos se ia,
até há pouco, estreitando, estreitando, arriscando-se a quase se anular, se
não acabar por acontecer mesmo uma inversão.
Também no clube dos mais jovens salvadores da Pátria, como todos parecem
considerar-se, a conversa de surdos não era melhor, mais a mais com alguns
moderadores de debates - que, amiúde, mais pareciam candidatos - obstinados em
quase exigir respostas ao rol de perguntas que traziam na cábula, em lugar de
deixar que o pugilato se desenvolvesse com a aparência mínima de naturalidade
permitida pela ridícula escassez do tempo disponível, no intervalo entre as
notícias e o concurso dos croquetes ou outra importantíssima emissão.
Quando não houve pelejas aguerridas mas vazias, foi a vez dos não debates, das
frases feitas e dos sound bytes trazidos dos espíritos vivaços
dos consiglieri dos partidos, das coisas nenhumas, moles,
ocas, em que ninguém parecia saber bem ao que ia, ou o que havia de dizer. A
monótona série de perdas de tempo apenas serviu, se tanto, para revelar um
pouco mais da personalidade e da argúcia deste ou daquele candidato: nada, mas
nada, de esclarecedor e fundamentado quanto às propostas trazidas a debate -
quando as havia - e, semanas mais tarde, à eleição.
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Assim sendo, para, de facto, quê dar mais tempo àquilo? Para quê dignificar
conversas de surdos que, para os próprios partidos, não passaram do
cumprimento de uma obrigação para com uma comunicação social da qual
inteiramente dependem para aparecer em casa dos eleitores, em cujas boas
graças necessitam de estar, e que lhes não dispensa o beija-mão?
Acaso representa mais do que isso? Como explicar, então, o facto de alguns
para lá terem ido antes mesmo de o programa eleitoral que iriam debater
ter sido publicado? Se, para esses partidos, a série de programas tinha algum
genuíno interesse, como explicar esta clara demonstração de desinteresse, de
falta de dedicação?
Se alguma qualidade verdadeira as estações antevissem na iniciativa, teriam
dado o dobro da duração à coisa, assim sempre arranjando mais ou outro anúncio
no intervalo. Mas, não: as refregas duraram apenas o tempo suficiente para
fazer arrebitar, durante uns minutos e com as picardias da praxe, os
espetadores das eternas telenovelas e dos populares concursos da televisão; e,
a fazer fé nos números das audiências, a tática funcionou. Já se dessem, aos
desinteressantes atores políticos, tempo para entrar no debate de ideias e de
projetos, estragariam tudo, convidando a esmagadora maioria de uma população
politicamente analfabeta a rapidamente mudar de canal ou, pelo menos, a deixar
de prestar atenção.
O que dizer, por fim, da escandalosa falta de pontualidade de certos canais
que atrasaram, por vezes vários quartos de hora, o início dos ditos
debates face à hora anunciada, assim obrigando os espetadores
ainda interessados naquilo a gramar notícias e mais notícias, algumas sem
qualquer interesse - como no recentemente rebatizado canal que insiste em
incluir nos telejornais pequenas histórias transmitidas pela casa-mãe
americana, de interesse diminuto ou, pelo menos, sem o ter em dose suficiente
para legitimar o atraso na transmissão de um debate eleitoral?
Ou, pior ainda, dos embates que começaram antes da hora anunciada, fazendo-nos
perder boa parte do tão precioso alimento intelectual?
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Aquela trintena de mini-programas foi a fantochada e a vergonha que sempre
fora programada para ser. Ninguém alguma vez esperou que servisse para alguma
coisa, nem acreditou que também alguma coisa junto dos eleitores os debates
viessem esclarecer.
Tudo não passou do habitual picadeiro das vaidades por parte dos
concorrentes, e da sensaborona inutilidade dos juris de comentadores. De
serões de indisfarçável tédio para todos nós, hesitantes eleitores e
obedientes espetadores.
Sic transit gloria mundi
LEIA AQUI O ARTIGO SEGUINTE DESTA SÉRIE DEDICADA AO ATO ELEITORAL!