sábado, 22 de maio de 2021


Seremos Todos Almas Penadas?

(Introdução à Secção 'Vida')

"Obstinar-se na defesa do impossível contrário não passa do paradoxo
de alguém pretender raciocinar além da razão, assim negando o primado da racionalidade"

Preocupamo-nos muito com as questões do de onde vimos e do para onde vamos, logo, com a questão da existência de uma Criação.  Mas, a menos que existamos realmente, refletir sobre a criação de algo que não existe ou sobre quem o criou seria uma atividade intrinsecamente inútil por absoluta falta de objeto, uma tontice, uma perda de tempo.  Importa então, antes de mais, saber se terão razão algumas vozes que por aí andam, as quais, porventura para evitar terem de se reconhecer incapazes de responder às velhas questões do quem fez isto tudo e do para quê, procuram desvalorizá-las argumentando que não faria sentido debruçarmo-nos sobre o tema da possível existência de um criador se nem a certeza temos de que existe uma criação, na qual estaríamos incluídos; ou não. 

Nas minhas parcas leituras e algumas conversas sobre o tema, ainda não encontrei uma argumentação estruturada, fundamentada, convincente, ainda que não definitiva, quanto a um motivo logicamente válido para que neguemos a existência de todos e de tudo quanto nos trazem os sentidos – ou, segundo alguns, do que apenas nos parece eles trazerem.  Penso, no entanto, que a melhor demonstração da existência do Universo – e de nós mesmos - se encontra no nexo de causalidade constatável entre os impactos acidentais mutuamente ocorridos com dois quaisquer blocos de matéria inorgânica e os respetivos efeitos.

Acontecendo tais impactos entre mais do que uma entidade não viva e de forma não provocada pela vontade dos sugestionáveis mortais que somos, se chegarmos à conclusão de que, em múltiplas repetições daqueles, os mesmos efeitos visíveis se devem a uma mesma não provocada e imprevista causa, haverá que concluir que esta não é produto da nossa imaginação, tão fértil para quase tudo e que, em tal caso, estaria, de forma entediante, a imaginar sempre um mesmo resultado para algo que, hipoteticamente, não passasse de uma mera e recorrente ilusão, já que, a despeito da nossa – pelo menos, da minha – quase total ignorância da matéria, percecionaríamos precisamente da mesma forma essa fantasmagórica visão, fenómeno que seria evidenciado pela troca de ideias entre os indivíduos presentes nos mesmos locais e nas mesmas ocasiões.

Por outras palavras, se sendo nós independentes uns dos outros e dotados de cérebros diferentes funcionando também independentemente, percecionamos de idêntica forma algo que não provocamos e de cuja ocorrência não tínhamos conhecimento antecipado, descrevendo depois, uns aos outros, da mesma forma o mesmo acontecimento e os seus eventuais efeitos, haverá que concluir que o facto ocorreu fora do nosso imaginário individual ou coletivo, independentemente dele e da forma de funcionamento dos cérebros capazes de o idealizar, os quais, sendo manifestamente diferentes entre si – mesmo na sua eventual virtualidade -, para um mesmo tipo de evento observam sempre resultados que podemos considerar globalmente iguais.

A distinção entre o deliberado e o acidental apresenta-se-me, pois, essencial para fundamentar a rejeição da ideia da inexistência do Mundo tal como todos o vemos e descrevemos – mais coisa, menos coisa, já se sabe.

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Cérebros diferentes, de pessoas educadas de maneiras diferentes não poderiam chegar à mesma conclusão quanto aos danos causados por impactos de determinada natureza; e, a tal não chegando, não seria possível desenvolver teoria quanto à forma de reparar, muito menos de proceder, em equipa, à necessária reparação.

Mesmo que se insista em admitir como possível a ilusão quanto à identidade na aparência dos factos ou dos seus efeitos, não parece razoável considerar que o remédio dado, num local onde não estivemos e por um terceiro que não vimos atuar, seja eficaz se não tiver obedecido a um conhecimento teórico adequado à reparação de danos idênticos causados por idênticos factos.  Se o meu automóvel parece ter o radiador furado e, na sequência da aparente intervenção, numa oficina a que não tive acesso, por parte de alguém que jamais vi e cuja identidade absolutamente desconheço, o popó vem de lá como novo, é porque a intervenção não foi assim tão aparente e seguiu o procedimento técnico adequado, definido pelas especificações do fabricante e pela anterior experiência do mesmo mecânico no decurso de intervenções diversas relativas a bem reais avarias do mesmo tipo.

A questão de tudo quanto julgamos ver ser irreal, enquanto mera hipótese, é legítima.  Perante qualquer simples facto, continua a sê-lo.  Mas soçobra, irremediavelmente, quando um terceiro se apercebe, de forma idêntica à nossa, do efeito provocado; e, sobretudo, quando pelo mesmo procedimento por nós totalmente desconhecido, o dano é inegável e eficazmente reparado, sabendo-se que apenas por milagre seria possível o carro avariado ou danificado, por si só, voltar a andar; e quem tanto insiste em exercitar a mioleira com sandices que insultam a própria razão não acredita em milagres, pelo que, quanto a este ponto, nada haverá a acrescentar.

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Também no plano da perceção individual a distinção entre o deliberado e o acidental é importante:  ao picar, deliberadamente, um dedo com uma agulha para fazer sair uma gota de sangue, poderei estar a iludir-me, quer quanto à existência do dedo – e do resto de mim, já agora -, quer quanto ao ato de picar, quer quanto à existência da agulha, quer, ainda, quanto à pequena hemorragia resultante.  Numa picadela acidental, em contrapartida, só ao ver o meu dedo começar a sangrar irei investigar a causa do sangramento para, então, concluir que ele se deveu, por exemplo, ao corte por um espinho ou farpa qualquer.  Trata-se, assim, de um acontecimento do qual me apercebo apenas através dos seus efeitos, um acontecimento que não observei nem pude imaginar.  Quanto aos efeitos, podem dizer que a dor é ilusória, mas, nesse caso, quando lhes acontecer uma dessas ilusões, não desatem a gemer ou a gritar.

Quando me estatelo no passeio devido a uma falha na calçada de que me não apercebi, muito há de alguém transpirar para me convencer de que, tal como a dolorosa e inibidora fratura de um osso da perna, a queda foi meramente ilusória, e de que essa ilusão foi provocada por um buraco que nem vi.

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A repetição dos mesmos efeitos devidos à mesma causa diz bem da efetiva existência das duas entidades – os dois blocos de matéria inorgânica, ou o dedo e o espinho – mutuamente independentes antes do facto e depois dele também e que, ao interagir, revelam a respetiva existência. No caso de um impacto acidental, estaremos, indubitavelmente perante a constatação de um efeito inesperado, que acabamos por concluir ter sido originado por uma causa independente da experimentação ou de qualquer outra manifestação da vontade – logo, de qualquer humana elucubração.

Dito isto, resta constatar a existência da realidade, que, na definição dada pelos humanos que talvez não existam, se opõe à ilusão.

A uns outros que sustentam que as coisas só existem quando nos apercebemos delas*), que "a realidade só se materializa quando alguém a observa" pedirei que me expliquem quando aconteceu, quanto existiu, por exemplo, a extinção do Cretáceo-Paleógeno*): há perto de sessenta e seis milhões de anos atrás, quando nem seres humanos havia, ou há uns anitos atrás, quando os cientistas assim concluíram?  Ou, como não a viram, nem terá existido, até?  Quando o gato do meu vizinho come um gafanhoto sem assistirmos ao repasto, significa isso que o gafanhoto continua vivo?  Ou a visão pelo gato – e a deglutição, já agora - também serve para fazer as coisas e os factos existir, para os tornar reais?

Se, ao passar com uma ferramenta na mão, inadvertidamente risco a pintura de um automóvel, quando ocorreu o dano?  No momento em que, sem alguma vez chegar a do facto me aperceber, provoquei o risco ou quando, horas depois, o proprietário da viatura constatou a sua existência?

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Como acontece relativamente a tudo quanto nesta porventura inexistente página e nas que, na secção “Vida”, se lhe seguirão irei escrevendo, posso, naturalmente, estar enganado; mas, como temos, sempre, de partir de algo para conseguir chegar a alguma parte, considerarei que estou certo até alguém me demonstrar que o não estou, desde que o faça de forma fundamentada, racionalmente credível e logicamente sustentada.

Obstinar-se na defesa do impossível contrário não passa do paradoxo de alguém pretender raciocinar além da razão, assim negando o primado da racionalidade.  Claro que nada é apodítico, a certeza é impossível, desde logo porque, sendo questionável a própria existência da lógica, questionáveis serão fatalmente as suas conclusões.  À falta de argumentação contrária - também ela talvez apenas aparente... -, resta-nos, porém, dá-las como boas, sabendo embora que talvez estejamos a viver aquilo que parece ser o ideal de muitos:  uma ilusão.

Já todos sabemos que a vida é uma sucessão interminável de incontroláveis fatalidades cujos efeitos gastamos a maior parte do tempo a tentar mitigar.  Mas, depois de tudo por quanto temos de passar, seria demasiado mau não passarmos de almas penadas, assim constituindo um excesso claro, improdutivo e condenável o facto de, para parecer diferente, alguém decidir ocupar-se da exaltação do distópico, fingindo que são diferentes as verdades imutáveis às quais, em última análise, uns e outros acabamos por nos arrimar.  Àqueles que, graças a um processo mental cuja existência sou eu que não consigo idealizar, insistem na cómoda presunção da existência de nada, sem ter, sequer, um ponto de partida que lhes permita caminhar até ao próprio e inexorável ponto de chegada, apenas posso sugerir que, porque, se nada existe, nada vale a pena e nada há do que falar, se mantenham silentes na sua nesse caso inexistente zona de conforto, em lugar de se consumirem e à nossa paciência a discursar sobre…  nada.  Pelo menos, sobre nada de que valha a pena falar

Toda esta história acerca da nossa não existência ilustra, assim, muito bem a diferença entre uma ideia boa e uma, como essa, que não passa de uma ideia…  original; como tantas outras que acorrem ao espírito de quem, por ter pouca graça, se esforça por ser, pelo menos…  original.



Afinal, Deus existe mesmo, ou não passa de pura invenção de um ser humano que desespera com a efemeridade da sua existência?

NÃO PERCA uma reflexão lógica, fundamentada, sobre o tema porventura mais elementar e decisivo da vida humana.





A existir um deus, será ele o representado
no teto da Capela Sistina? Jeová? Alá? Manitou?
Ou nenhum destes?

sábado, 15 de maio de 2021


Limpo ou Limpado?

"Não encontrei um único caso em que a forma do
assim chamado particípio passado irregular diferisse
da forma do correspondente adjetivo qualificativo, o que, desde logo,
poderá fazer-nos aventar a hipótese de estarmos perante uma notória redundância
consubstanciada na adoção inútil de classificações distintas para termos que são,
sempre, exatamente iguais, e declináveis exatamente da mesma forma"

   
   1. A Regra Comummente Aceite
   2. Onde a Lógica Parece Falhar
   3. As Exceções da Mudança


Glossário

Na reflexão que se segue, referir-me-ei a:

 *) particípio passado como uma forma verbal terminada em -ado ou em -ido, declinável em género e número, que se refere a uma ação empreendida no passado pelo sujeito;

*) objeto como a pessoa ou a coisa relativamente à qual foi empreendida essa ação;

Coberto ou cobrido
*) verbo abundante como aquele para o qual se diz coexistirem duas formas de particípio passado, uma delas chamada particípio passado longo, regular ou fraco, e a outra designada por particípio passado curto, irregular ou forte;

*) adjetivo qualificativo como uma palavra declinável em género e em número que indica a natureza ou condição permanente (qualidade) de alguém ou de algo, ou a sua condição temporária (estado);

*) tornar como um verbo que significa transformar ou modificar alguém ou algo, imprimindo-lhe determinado estado ou qualidade diferente do que apresentava antes da ocorrência.

1. A Regra Comummente Aceite

Uma questão das que me parece mais facilmente poderem conduzir, por um lado, à hesitação na escrita ou na fala e, por outro, à ambiguidade na interpretação é a inexistência de uma norma gramatical precisa - e fundamentada em lógica clara e consolidada - quanto à adequada utilização do particípio passado.

Alguma pesquisa empreendida levou-me a concluir que uma regra mais ou menos consensual poderá ser formulada assim:

a)    na voz ativa, isto é, nos casos em que é referida a intervenção do sujeito, enquanto agente, como causadora da alteração da qualidade ou do estado do objeto, emprega-se o chamado particípio passado irregular – como em “depois de eu o ter limpado” -, habitualmente antecedido por uma forma de um dos verbos auxiliares ter ou haver;

b)   na voz passiva, ou seja, nos casos em que é, simplesmente, referida a alteração do estado ou da qualidade do objeto, mas desta vez sendo este o sujeito e indeterminado o agente, emprega-se o designado por particípio passado regular – como em “foi limpo” -, normalmente antecedido por uma forma de um dos verbos ser ou estar, aqui utilizados como auxiliares;

Limpo ou limpado
c)  nos casos em que não existe qualquer ação ou alteração da condição do objeto, mas apenas a informação quanto à mesma, independentemente do tempo - e seja ela temporária ou permanente mas não atribuível a um terceiro - não se emprega qualquer das chamadas formas do particípio passado, mas sim o adjetivo qualificativo – como em “ele é limpo” (ele é uma pessoa limpa), “ele foi limpo” (ele foi, em tempos, uma pessoa limpa), “ele era limpo” (ele era, em tempos, uma pessoa limpa) ou “ele está limpo” (hoje, ele está limpo, embora possa não o estar habitualmente) - também antecedido, habitualmente, de uma forma de um dos verbos ser ou estar, embora aqui atuando como verbo principal, já que, não sendo referida qualquer ação externa que, no passado, haja provocado uma alteração da qualidade ou do estado do objeto, não há lugar à utilização de um particípio passado antecedido por um verbo auxiliar.

2. Onde a Lógica Parece Falhar

O que sintetizei em 1. c) quanto à utilização do adjetivo qualificativo parece pacífico entre as pessoas que, na Internet, se pronunciam sobre este assunto.

Gasto ou gastado
Há, no entanto, que salientar que não encontrei um único caso em que a forma do assim chamado particípio passado irregular referido em 1. b) diferisse da forma do correspondente adjetivo qualificativo – limpo e limpo -, o que, desde logo, poderá fazer-nos aventar a hipótese de estarmos perante uma notória redundância consubstanciada na adoção inútil de classificações distintas para termos que são, sempre, exatamente iguais, e declináveis exatamente da mesma forma.

Mas o que significa, na verdade, dizer que algo “foi limpo”?  Em que consiste este particípio passado irregular?

Salvo melhor opinião, entendo que “foi limpo” significa que algo “foi tornado limpo”, "foi-lhe dada a qualidade ou estado de limpo", apenas acontecendo que, abreviando por comodidade de expressão, acabamos por omitir a forma do verbo tornar - como em "viu-se (tornado) envolto em polémica".

O particípio passado de “foi limpo” não será, pois, limpo, mas tornado, do que resulta que limpo não é um particípio passado, mas o adjetivo qualificativo que exprime a nova condição – estática - que o objeto passa a apresentar uma vez concluída a ação de em algo diferente o tornar.

Haverá, assim, que reconhecer que o particípio passado do verbo tornar ou de um equivalente se encontra sempre presente, embora omisso, nas frases que exprimem, na voz passiva, uma alteração da qualidade ou do estado de um objeto – que aqui atua como sujeito -, independentemente da forma como é conjugado o verbo auxiliar, sendo, então, forçoso concluir pela inexistência de verbos abundantes com dois particípios passados, um regular e o outro irregular.

Extinto ou extinguido
Com este enunciado bem mais simples e fácil de aplicar, estaremos perante um único particípio passado – terminado em -ado ou -ido (v. 3. infra) correspondente ao atualmente chamado irregular -, que será, na voz ativa, o do verbo principal e, na voz passiva, o do verbo tornar ou, pontualmente, o de uma expressão de significado idêntico, como, por exemplo, mudar para ou transformar em.

Um bom exemplo disso é a expressão, corrente nos tribunais, "foi presente ao juiz de instrução", na qual se não afigura possível negar a presença implícita de tornado, no sentido de "foi-lhe conferido o estado de presente perante o juiz".

Na voz passiva, o particípio passado – elidido – do verbo tornar será, então, seguido pelo adjetivo qualificativo que escolhermos aplicar, atualmente chamado particípio passado regular

Isto, porque, embora omisso, estando na voz passiva o particípio passado de tornar sempre presente, se o limpo que se lhe segue fosse, também ele, classificado como particípio passado - como a atual regra pretende - teríamos dois particípios passados seguidos, algo que me parece que a língua portuguesa não iria suportar.

Note-se, por fim, que, quanto à estrutura da oração no que se refere aos nomes predicativos, quer do sujeito, quer do complemento direto, a nova regra aqui proposta nada vem alterar.

3. As Exceções da Mudança

Falta dizer que, como é sabido, a linguagem corrente se vem encarregando de suprimir alguns dos mais comuns particípios passados terminados em -ado e -ido, metamorfoseando-os em ditas exceções que mais não representam, afinal, do que a cómoda adoção, como particípio passado, da forma tendencialmente mais breve do adjetivo qualificativo (entre outros, feito por fazido, dito por dizido, escrito por escrevido), para já não falar daqueles particípios passados ditos regulares que talvez jamais tenham existido, como os correspondentes a posto, vindo e visto.

Impresso ou Imprimido
Sem prejuízo de ainda ser, porventura, possível fazê-lo, não se afigura razoável pretender que, tanto tempo decorrido a falar e a escrever assim, se deva, agora, reverter esta situação.

Deveremos considerar, também, casos menos claros, como os de internado e interno, cuja utilização caótica e ambígua dificulta o enquadramento numa regra perfeitamente enunciada.

Não obstante, a adoção do que acima proponho poderá levar a que, em nome e na salvaguarda da clareza na expressão, se logre suster a degeneração na ambiguidade a que, inexoravelmente, conduzirá a eliminação das formas ainda resistentes de particípio passado em -ido e -ado, particularmente daquelas que, como no exemplo limpado - e, com ele, em tantos outros como acendido, cobrido, descobrido, dispersado, enchidoganhado, gastado, imprimido, matadoocultado, pagado, prescrevido (surpreendentemente, já que contém “escrevido”), salvado ou sujado -, também se encontram em vias de extinção em benefício da forma do adjetivo qualificativo – a que a regra atual chama “particípio passado regular”.

No sentido inverso, não parece existirem exceções, apenas situações em que a ação não gera alteração da qualidade ou do estado.  É o que acontece, por exemplo, com os particípios passados assassinado, chegado, enganadoobrigado/desobrigado, molhado trazido, para o qual não existe adjetivo qualificativo diferenciado correspondente, numa forma sintética, uma vez que, por exemplo, pelo simples facto de um objeto ser trazido, não fica treito, ou coisa que o valha, mas sim na mesma condição anterior ao facto de ser trazido, a menos que tenha ela sido alterada por qualquer incidente no percurso devido a causa não diretamente inerente ao ato de trazer, logo, irrelevante para o assunto que aqui nos traz.

Pelo que a nova regra agora proposta possa valer, aqui fica ela, para o caso de alguém autorizado a querer considerar, por entender não ser verdade que, para a gente comunicar… “Tanto faz !”.

* *

Este tema dos particípios, do limpo ou limpado é, talvez, um dos mais polémicos e interessantes da gramática portuguesa, ocorrendo a dúvida muito frequentemente e nas mais variadas situações do dia-a-dia.

No entanto, não menos importante e suscetível de gerar dúvidas a cada passo é a velha questão do "aluga-se quartos" ou "alugam-se quartos", "vende-se casas", ou "vendem-se casas".

(continua aqui)


A gramática de um idioma define-se pela estrutura lógica,
e não pela utilização mais ou menos própria que, aqui ou ali,
um ou outro escritor dela fará


Casos de Particípio Passado "em Risco"

(caso lhe ocorram outros, por favor ajude a completar esta lista informando no espaço "Comentários")

aberto ou abrido
aceite ou aceitado
aceso ou acendido
assente ou assentado
ativo ou ativado
bento ou benzido
cheio ou enchido
coberto ou cobrido
completado ou completo
concluso ou concluído
corto (regionalismo alentejano) ou cortado
descoberto ou descobrido
disperso ou dispersado
eleito ou elegido
empregue ou empregado
entregue ou entregado
envolto ou envolvido (ex: no crime)
expresso ou expressado
expulso ou expulsado
extinto ou extinguido
enxuto ou enxugado
expulso ou expulsado
farto ou fartado
findo ou findado
frito ou fritado (frigido)
ganho ou ganhado
gasto ou gastado
imerso ou imergido
impresso ou imprimido
incluso ou incluído
isento ou isentado
inserto ou inserido
isento ou isentado
junto ou juntado
liberto ou libertado
limpo ou limpado
morto ou matado
oculto ou ocultado
omisso ou omitido
pago ou pagado
preso ou prendido
prescrito ou prescrevido
revolto ou revolvido
roto ou rompido
salvo ou salvado
seco ou secado
seguro ou segurado
solto ou soltado
submerso ou submergido    
sujo ou sujado
suspenso ou suspendido
tinto ou tingido
vago ou vagado

A evolução das línguas vivas haverá de acontecer, como tudo o resto, no tempo devido e a um ritmo razoável, por oposição à crescente tendência para cada um falar como muito bem lhe apraz, na esperança de que, por artes de adivinhação ou por qualquer outro processo transcendental, o outro entenda o que alguém lhe quer dizer - mesmo que lhe seja dito precisamente o contrário do que acabe por entender.