"Sou resistente
se resisto a deixar-me quebrar por impactos
ou tensões com que outros me vêm desinquietar.
Sou resiliente
se, tendo acabado por ceder perante a adversidade, tiver a capacidade para
dela inteiramente recuperar"
"Se ambos os termos, resistência e resiliência, significam a mesma coisa,
como designar a tal capacidade de
recuperação?"
Encontramos frequentemente, por essa Internet, n sítios que dizem
ensinar cultura, como tal parecendo entender a mera repetição, por vezes em
tom desnecessariamente popularucho, daquilo que, noutros, facilmente se
encontraria com substancialmente maior qualidade e, sobretudo, com a devida e
consistente fundamentação.
Além de popularucha, a linguagem utilizada aparece, por vezes, de forma
descaradamente evidente, como pensada para atrair leitores menos informados
mas mais sensíveis aos apelos mediáticos - o que até poderia resultar num
contributo válido para a formação de menos instruídas camadas da população, -
bem como para a exaltação mais ou menos narcísica de quem por lá escreve e se
não coíbe de pespegar, em dimensões particularmente generosas, a sua imagem em
fotografias do tipo passe, obtidas, às tiras para recortar, nas máquina
automáticas Photomaton.
Em lugar de prestar esse contributo válido, no caso dos textos em que dizem
abordar questões da língua portuguesa, leva-os, bem pelo contrário, o
mediatismo excessivo
a evidenciar o erro em lugar da palavra ou expressão correta, problemática que foi, recentemente, aflorada num texto, publicado
pelo blog Cota Máxima*), cuja leitura recomendo.
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Ora, legítimo seria esperar que se ocupassem, pelo menos, estes
n sítios - n, porque são muitos... - de
averiguar a exatidão dos significados que ensinam como
sendo, numa classificação inaceitavelmente subjetiva, as 25, ou as 10, ou as
15 palavras mais qualquer coisa da língua portuguesa, em lugar de
comprometer, de forma ainda mais séria do que aquela com que, a cada passo,
nos defrontamos, o parco conhecimento da língua portuguesa detido pela
generalidade da população.
A par da narrativa, da performance, das geografias, do
elencar, do viral, do incontornável e dos restantes
membros da vasta família, resiliência vem-se revelando como um dos termos cuja utilização uma cada vez
maior quantidade de pateticamente presumidos oradores e supostos escritores
parece julgar que os eleva social e culturalmente, quando a torto, a direito,
a despropósito e ad nauseam, a incluem nas mais elementares
orações.
Não será, assim, de estranhar que, no meio de algumas ou muitas outras coisas
bizarras encontradas nesses n sítios de cultura, tenha, num deles,
deparado, para o termo resiliência, com o significado de
lutar, não desistir, ser otimista e superar obstáculos e outras coisas que
tais.
Em lugar de, como de um sítio dito 'de cultura' poderia esperar-se,
limitam-se, assim, a papaguear, de forma absolutamente acrítica, o significado
do termo originariamente utilizado pela física do qual, abusiva e erradamente,
a psicologia se apropriou.
Como já, noutro texto aqui ironizei, resiliência, apenas ao de leve se parece com tal definição:
resiliência
é, antes, a capacidade de, após sofrer um impacto ou tensão, um material
recuperar a sua forma original
- como, no quotidiano, observamos, por exemplo, num elástico ou numa mola.
Aplicado à psicologia, o termo resiliência apenas poderia, assim,
corresponder à capacidade de recuperação após
um impacto ou tensão potencialmente nocivos da estabilidade emocional de uma
pessoa. Não é, pois, confundível com resistência, que, essa sim, define
a capacidade de um material resistir às tensões e impactos
antes
de começar a deteriorar-se ou a alterar a forma, ou de uma pessoa resistir
antes de, baixando os braços perante os desafios se deixar
afetar pela adversidade com que se depara ou lhe é imposta.
Clarificando: sou resistente se resisto a deixar-me quebrar por impactos ou tensões com que outros
me vêm desinquietar. Sou resiliente se, tendo acabado por ceder perante a adversidade, tiver a capacidade
para dela inteiramente recuperar.
Trata-se, inequivocamente, de conceitos e de situações bem diferentes,
afigurando-se absolutamente descabido sustentar que, utilizar uma ou
outra... tanto faz!
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Já aqui escrevi, a propósito do sexo e do género, sobre a
apropriação, por parte das ciências sociais, de termos utilizados por outras
ciências ou disciplinas, assim lançando nos espíritos uma enorme confusão.
Trata-se, ao que tudo parece indicar, de um comodismo excessivo, de um
aproveitar o que já existe sem muito pensar no assunto, de uma falta de
exigência de rigor vocabular, de uma inaceitável displicência com a
comunicação que muitos dizem ser tão cara e importante, a mesma comunicação
que não param de enfeitar com palavras caras mas vazias de
significação.
A apropriação, pela psicologia, do termo resiliência para
exprimir algo que resistência muito bem exprime, não passa, assim, de mais uma tentativa de complicar
o que é simples; de confundir o que é claro; de enfeitar o que é linear,
exaltando a vaidade própria - e provavelmente negada... - de quem opta por uma
expressão vocabular cada vez mais barroca e ridícula, em detrimento da
qualidade do discurso, da propriedade da expressão, da precisão na
compreensão, em suma, minando uma comunicação que se quer pura e exata; pelo
menos, tanto quanto razoável e possível, no meio de toda esta indefinição.
Legítimo será, naturalmente, por que razão haverá alguém de, sobre este
assunto, aceitar como bom o que aqui defendo, e não aquilo que os reputados
linguistas e cientistas fazem e dizem.
Ora, a resposta é bem simples, e arrima-se em dois pilares essenciais:
-
o pilar linguístico, que assenta na imperiosa necessidade de, para nos
entendermos e fazermos entender, não apenas procurar eliminar cada um dos
múltiplos focos de ambiguidade que o idioma foi gerando e desenvolvendo,
através da ignorância e do facilitismo, da indiferença por tudo quanto,
como um idioma, não é visível, não rende euros ou votos, ou prestígio, ou
- pensam alguns - status social;
-
o pilar lógico, que torna evidente ao mais distraído que, se ambos os termos, resistência e resiliência, significam a mesma coisa, como designar a capacidade de
recuperação?
Sem apresentar fundamentação que, literalmente, arrase qualquer destes
alicerces, não será fácil convencer espíritos exigentes e mentes informadas da
justeza da utilização da já estafada resiliência para, a propósito
de tudo de nada, referir algo que resistência perfeitamente
define, sem necessidade de elaborados estudos ou rebuscadas e pomposas
interpretações.
Resistência, qualquer aluno da instrução primária sabe o que é.
Resiliência, pelo contrário, é um termo de cujo verdadeiro significado
muitos que o utilizam nem desconfiam; e, falar sem saber o que se diz, não
será, propriamente, a mais eficaz e fluída forma de comunicar.
Capacidade de RESISTIR |
Resistência |
Resistente |
Capacidade de RECUPERAR |
Resiliência |
Resiliente |
Ato ou efeito de RECUPERAR |
Recuperação |
- |
Primeiro, procura-se resistir. Se não resistimos, mas somos resilientes,
depois de quebrar, recuperamos. Uma vez recuperados, voltamos a procurar
resistir a novos impactos, e assim sucessivamente.
Temos, assim, um dito PRR, um Plano de Ato ou Efeito de Recuperar
e de Capacidade de Recuperar. Para aguentar tolices destas, é, de facto,
necessária muita... resistência.
* *
Eis, pois, um bom exemplo de que, na língua portuguesa, como em tudo na vida,
não é verdade aquilo que, pelas mais diversas razões, muitos querem fazer-nos
crer: que "Tanto Faz"!
Visando, entre outras coisas, alertar para o facto, "Tanto Faz!" é,
precisamente, o título do primeiro artigo publicado aqui no Mosaicos em
Português.
Não perca, no correspondente separador no topo desta página, outros
artigos polémicos sobre diversos temas relacionados com a
LÍNGUA PORTUGUESA
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