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sábado, 7 de agosto de 2021


Nem mais, nem menos: tal e qual!

Quem, com todo o tempo para refletir, decide, friamente,
pespegar na primeira página uma porcaria destas,
ilusões não deixa quanto ao que efetivamente pensa,
ao que efetivamente sente, e ao que, desgraçadamente,
em futuras capas mostradas nas bancas
não teremos como os olhos deixar de pousar

          1. A “Gaiola Aberta”
          2. Ética? O que É Isso?
          3. A Responsabilidade Mediática Permanente de quem Representa a República
          4. A Ética Jornalística de Um Defunto Ressuscitado
          5. O Importante Papel Social de Leitores e Anunciantes
          6. Quem Não Quer Ser Lobo…

A eterna gaiola aberta da nossa juventude
1. A “Gaiola Aberta”

Existem diversas definições para pasquim. A Infopedia*), por exemplo, adota:

1. escrito afixado em lugar público com expressões injuriosas ao governo ou pessoa constituída em autoridade
2. panfleto difamatório
3. figurado jornal que publica calúnias e artigos difamatórios
4. pejorativo jornal de pouca qualidade

Faz-me isto recordar os meus tempos há muito idos em que por aí circulava um então bem conhecido pasquim, desengraçado, mas supostamente humorístico.

Além de uma ou outra imagem ou trecho em que o Autor lá tinha algum sucesso no seu estranho propósito de fazer gente adulta rir com vontade de coisas com piada nenhuma, aquilo não passava de um desfile de ordinarice da mais rasca, da mais reles, por vezes cruel.

Em nada diferia, diga-se, das ordinarices desoladoramente desengraçadas com que um cada vez maior e mais medíocre rebanho ansioso de protagonismo fácil junto de semelhantes seus vai, ao que me dizem, contaminando certas redes ditas sociais que, afinal e com mais ou menos melaço, muitas vezes não passam, em lugar de redes, de ratoeiras, de eficazes armadilhas destinadas a capturar os espíritos mais simples e às quais, nos nossos dias, não é fácil escapar.

Garantiam a sobrevivência do tal pasquim idiotas como o idiota que aqui escreve e também, de longe a longe, a lia. Na recém-libertada mocidade de então, acabávamos por comprar aquilo porque a "Gaiola Aberta" – assim se chamava a publicação - era, quiçá, o mais evidente sinal da libertação do jugo da censura que, por tantos e tantos anos, o anterior regime ditatorial impôs a quem apenas pretendia livremente escrever e ler, falar e ouvir: nesse tempo, seria impensável abrir a gaiola - ou sair do armário -, fosse quem fosse que lá não quisesse estar.

Era, até, impensável deixar sair as ideias de quem apenas pretendia sorrir, sonhar.

Assumidamente, a Gaiola era um periódico sem qualquer conteúdo jornalístico: era um pasquim! Apenas um pasquim.

Nem mais, nem menos: tal e qual!

2. Ética? O que É Isso?

Ética: o que é?
Numa altura em que os números da COVID já enjoam, em que
o Governo foi de férias e na falta de catástrofes e de escândalos suficientemente rentáveis para que deles valha a pena falar, resta, para assegurar o ganha-pão dos órgãos de comunicação, a luta política de segunda linha, contaminada pela eterna e incurável ânsia de cada um ver os ídolos do seu partido ganhar - sentimento muito próprio da população que temos, maioritariamente hipnotizada pela futilidade das redes sociais e do futebol, e em grande parte tão vazia de intelecto e de espiritualidade como uma dessas pobres bolas que os ricos futebolistas não cessam de martirizar.

No futebol, chuta-se impiedosamente a bola com o intuito principal – ou único, nos dias que correm - de ganhar dinheiro, muito dinheiro mesmo, desvalorizando-se, para que a coisa renda, os tão nocivos efeitos sociais colaterais dessa cada vez mais induzida ânsia de sucesso a todo o custo, efeitos esses bem patentes aos olhos de quem os quiser ver, como o de só pensar na vitória desportiva, profissional, política ou social, a qualquer preço, e por quaisquer meios necessários a atingir tão glorioso fim: ser, na ordem social, Alguém; com maiúscula, claro!

Por outras palavras: pavonear-se.

Desta forma, aquilo a que outrora se chamava a virilidade do futebol rapidamente degenerou numa crescente profusão de faltas ad hominem no campo e fora dele, que nem os cartões encarnados, os jogos de suspensão, os processos de inquérito e as prisões domiciliárias ou preventivas conseguem, já, eficazmente travar; e aquilo a que nos referíamos como combate político leal - frente a frente, olhos nos olhos -, do carril da ética acabou, inexorável e irremediavelmente, por descarrilar.

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A divulgação, nas redes sociais, de um pequeno filme em que aparece, fortemente etilizado, como que a abanar ao vento em plena rua, um destacado representante de Portugal no mais alto órgãolegislativo da Comunidade Europeia*), talvez não seja, contrariamente ao que por aí se entende e o próprio diz, uma violação da vida privada desse cidadão: a inoportuna manifestação dos vapores do álcool aconteceu na via pública e por ação do próprio, que nesse estado nela se mostrou a quem o quisesse ver, razão pela qual nenhuma prévia expetativa de privacidade, nessas circunstâncias, poderia ter.

Foi sem querer
Há quem contraponha que a exposição não foi voluntária, antes devida a um estado de alguma inconsciência decorrente de um acidentalmente abusivo consumo de bebidas alcoólicas. Porém, aos olhos da lei e do mais elementar senso comum tal argumento não colhe, dado que, ao que se sabe, ninguém o obrigou a beber.

Se qualquer condutor pudesse defender-se dizendo “foi sem querer”, ninguém iria para a cadeia por conduzir com um grão na asa; ou, neste caso… com um melão.

Por outro lado, atento o direito que qualquer um tem de ponderar, no momento de votar, se o faz, ou não, num eleito que foi visto no estado que sabemos, é difícil entender como pode alguém pensar que a divulgação das imagens não é de interesse público*); e pouco importa quantos assistiram à cena ao vivo e a cores, já que, mesmo sem filme, estas coisas andam de ouvido em ouvido com tanta facilidade como as pombinhas da Catrina andam de mão em mão.


3. A Responsabilidade Mediática Permanente de Quem Representa a República

Ninguém é obrigado a ocupar lugares em órgãos legislativos ou da governação. Se o faz, há que saber comportar-se com a dignidade esperada por quem o elegeu para a função; e estar ciente de que, embora não trabalhe vinte e quatro horas por dia, é, durante as vinte e quatro horas do dia, o português investido nessa obrigação, assim estando vinculado a cuidar de uma reputação que, por ser ele quem é, inevitavelmente repercute os impactos por ela eventualmente sofridos em toda a população.

Mesmo não ocupando qualquer cargo, todos devemos ter em conta que, como alguém já escreveu, “a vida consiste em vários fatores importantes e fundamentais, entre os quais se encontra o decente e inteligente domínio dos apetites que partilhamos com os cães. O homem não uiva do alto de um outeiro, de manhã à noite, nem tritura com voracidade os alimentos que lhe atiram. Come alimentos bem confecionados, quando os pode obter, e satisfaz os seus anseios consoante lhe indica a prudência”.

Pode, pois, sem exagero, dizer-se que o pequeno filme transmite um espetáculo degradante, uma tenebrosa imagem do País veiculada por alguém que, mais do que muitos, foi mandatado, contratado e é principescamente pago para a dignificar.

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Joalharia dos famosos e poderosos
Não obstante, trata-se, também de uma situação na qual, em tese, nesta desolada sociedade qualquer ser humano está sujeito a cair: até aqueles imaculados que passam, na Internet e não só por lá, o seu miserável tempo a maldizer tudo e todos relativamente a coisas que também eles fazem, tendo, embora, artes de evitar que se saiba - ou, no caso dos ditos famosos ou poderosos, de, mais ou menos rapidamente, fazer esquecer ou abafar, caso algum prestimoso assessor de imagem disponibilize essa solução.

Mas o que talvez mais choque da parte de quem pôs o triste filme a circular é a premeditação da decisão de o conservar anos a fio, à espera da oportunidade perfeita para, causando o maior dano possível às aspirações políticas do visado, o divulgar.

Tamanha frieza, tão implacável premeditação, apenas se entende no quadro de uma luta pelo poder hoje travada sem quartel sem ética, sem grande coisa além do fedor a lixo que habitualmente a caracteriza.

 

4. A Ética Jornalística de Um Defunto Ressuscitado

Mudando completamente de assunto… há que dizer que, por muito fraca que possa ser a qualidade de determinada publicação, por muito execrável que possam ser os propósitos ou as ideias que impulsionam a divulgação deste ou daquele conteúdo, a pretensão de um pasquim se considerar parte da imprensa escrita de modo nenhum belisca a dignidade e o prestígio da profissão jornalística.

Afinal, a prensa da tipografia imprimia no papel qualquer escrito com que lá se o quisesse esborratar, da mesma forma que a impressora dos nossos dias não apenas reproduz as letras que um jornalista digno desse título produz, não se negando, também, a dar corpo a títulos e capas mais ou menos tonitruantes que qualquer alarve para lá queira mandar.

Qualquer um tem, pois, direito a imprimir o que bem lhe aprouver, desde não torne público o que não deve, como notícias ou declarações falsas ou ofensivas da dignidade de outrem, sobretudo, neste último caso, quando, tal como em certas faltas do futebol, a divulgação apenas visa atingir o indivíduo, sem qualquer interesse ou finalidade digna do ponto de vista social.

Não digam mal de nós
Para que o esforço de um desses alarves da imprensa lhe sirva para alguma coisa, não basta recitar a cantilena estafada de que “não importa o que digam de nós, importa é que falem de nós”: quando o espírito de missão definha e se escarnece do impacto social, o que verdadeiramente resta é garantir que o resultado do desmando tenha, pelo menos, qualidade suficiente para lhe assegurar receitas; e isso torna-se difícil em tentativas de ressuscitação de mamutes há muito enterrados, apenas visando, aparentemente, a glorificação narcísica e saudosística de quem bem menos danos à sociedade causaria se ficasse a saborear a reforma e a ver o tempo passar.

Tudo isto, sem falar no pequeno problema de a decisão de voltar a dar vida a um representante da imprensa escrita há muito amortalhado ser tarefa à partida economicamente inviável - um mamute não tem graça -, que nem valerá muito a pena tentar. Sobretudo no Verão, em que a cabeça dos editores parece que, de tanto procurar notícias de que valha a pena falar, mais cedo ou mais tarde acabará por estourar.

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Ressurgiu, há semanas, na imprensa portuguesa, uma publicação em papel que, logo no primeiro número, até quem lá escreve afirma ser estranha e que pretenderia, ao que parece, dinamizar a imprensa escrita em Portugal.

Vá lá saber-se porquê, acabou por nascer às portas do Verão, a tal altura em que, no defeso da bola, sobre outros assuntos só mesmo um grande alarido consegue tirar os Portugueses da água ou levá-los a, entreabrindo primeiro um olho, depois ou outro, interromper a sestazinha na esplanada enquanto destilam uma bem acompanhada caneca ou imperial.

Talvez por isso mesmo, ainda o renascido mamute andava de cueiros, logo uma capa absolutamente despropositada e jornalisticamente arrepiante veio, a troco de uns trocos nas tabacarias e de mais uma ou outra tão necessária quanto modesta fatura de publicidade, irreversivelmente minar quaisquer pretensões de qualidade e imparcialidade de quem foi uma publicação pioneira no género e outrora respeitada, até pela distinção que então se reconhecia a fundadores e colaboradores – alguns dos quais ainda por lá andam, o que não deixa de tornar ainda mais surpreendente tão tenebrosa evolução.

A badalada capa alardeava, nem mais, nem menos, do que a existência do tal pequeno filme sobre o andar periclitante do tal deputado europeu, obtido nas circunstâncias que se conhece, o que, por si só, sugere grande dificuldade em encontrar temas interessantes, bem como fontes fidedignas que com o dito jornal ainda aceitem colaborar.

Gente que sai do armário
Vai, todavia, mais longe, o jornaleco: a pretexto – assaz conveniente e oportuno, aliás - de guerras de sucessão e quase de secessão no partido do visado, afirma que os seus adversários políticos internos querem vê-lo “a sair do armário”, num claro e despropositado aproveitamento da lastimável exibição por ele protagonizada para gritar aos quatro ventos uma sua eventual homossexualidade.

A não ser do vil metal, a troco de quê? Seguindo que critério jornalístico?

Com que ganho social?

Além de todos os epítetos que a decisão de publicar tal capa me merece, a associação torpe e indesculpável de um momentâneo, porquanto condenável, passo em falso à orientação sexual do embriagado é, além de tirada a ferros, também desinteressante, ilógica, inexistente: não passa de uma manobra rasteira com objetivos que não será difícil descortinar, além de ser, esta sim, uma inaceitável intrusão no mais íntimo da vida privada de alguém que sobre ela tem sabido manter a reserva e o decoro – mérito que a alguns dos seus maiores críticos se não poderá, talvez, associar.


5. O Importante Papel Social de Leitores e Anunciantes

Nos tempos do anterior regime, não se falava porque não se podia falar. Agora, fala-se demais porque o Estado diz não ter como controlar.

Claro que a censura prévia é uma perversão do jornalismo e, possivelmente, a negação maior da democracia. Mas tal não legitima que alguém se distraia do dever de, independentemente da existência ou não de ilícito criminal, depois da publicação de uma capa como esta os seus autores e editores responsabilizar.

Não basta, contudo, que outros políticos venham, supostamente consternados e solidários, alardear veementescondenações de demonstrações de vileza deste jaez*): a sociedade civil tem a obrigação de, em termos efetivos, condenar e procurar neutralizar comportamentos como este – embora não necessariamente perdendo as estribeiras e formulando apreciações injuriosas acerca das mães dos palermas que aparecem aqui a dizer que até não gostam muito dele mas não gostam do vídeo”, e especificando, com todas as letras onde o apoio dispensado devem enfiar*), o que sugere que, qual infeção por vírus, esta coisa dos descontrolos tende a alastrar.

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Quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele
Ora, por razões sobejamente conhecidas e relacionadas com uns quantos pategos que por aí circulam com cauções penduradas à cinta e ar de quem sabe que, judicialmente falando, nada de mal lhes irá acontecer, fala-se cada vez mais da distinção entre empresários bons e empresários maus; fala-se, como sempre se gostou de falar, do papel social dos empresários que são bons e daqueles que, vendo bem, talvez não sejam assim tão maus.

Acontece, todavia, que, parafraseando alguém, não é possível viver em dois mundos diferentes: para se viver legalmente é necessário aceitar os códigos e a ética. Se quisermos viver numa selva caótica, teremos de pagar caro pela escolha. Depende de nós.

Assim sendo, quem, em presença de capas destas, optar por continuar a dar dinheiro a troco de anúncios a quem no-las impinge sujeita-se a ser desses que terão de pagar caro pela escolha, uma vez que se torna solidariamente responsável pelo que mais dali vier, já que, ao contratar publicidade, está a assegurar a viabilidade comercial de quem, sem tais receitas, não teria como continuar para aí a dizer mal.

Não se alegue, pois, que nada se pode fazer por não haver censura prévia: a censura do mercado, seja do lado das empresas anunciantes, seja do lado do público comprador dos jornais, é, sempre será, o maior garante da qualidade, do rigor e da moralidade do que lemos e ouvimos nos meios de comunicação, bem como um forte incentivo à hombridade e idoneidade de quem com estes colabora em funções jornalísticas, editoriais ou de direção.

6. Quem Não Quer Ser Lobo…

A divulgação, por uma criatura maldosa, do filme na Internet pode, no limite dos limites, entender-se – mas, nunca, aceitar-se – dada a proximidade das eleições internas no partido político do visado às quais, presumivelmente ele irá candidatar-se.

Mas a que propósito sai do prelo - e do nada - a publicação de uma tal capa? Que utilidade para a generalidade dos leitores em férias terá uma aparição tal?

Não deixa de ser verdade que uma publicação não pode ser avaliada, e muito menos julgada, por uma simples capa. Mas não é menos verdade que, sobre o que se publica ou não, há muito tempo antes para pensar; e que, quem, com todo o tempo para refletir, deliberadamente pespega na primeira página uma porcaria destas, ilusões não deixa quanto ao que efetivamente pensa, ao que efetivamente sente, e ao que, desgraçadamente, em futuras capas mostradas nas bancas não teremos como os olhos deixar de pousar.

O que vai dentro do jornal e na última página, só lê quem quer.

A mensagem na capa, em letras garrafais, não temos a liberdade de ignorar, por, simplesmente, não termos como para ela deixar de olhar.

Porque está em parangonas. Porque está lá para impressionar.

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Esclareça-se que, do que dela conheço, a pessoa visada me não merece particular simpatia, uma vez que admiro a vivacidade no debate televisivo apenas quando não resvala, recorrentemente, para um protagonismo exagerado ou para a emotividade excessiva e esganiçada, que sempre acabam por se revelar formas de apresentar ideias seriamente comprometedoras da correta perceção do conteúdo.

Assim, ao condenar a perseguição discriminatória e estupidamente abusiva de que foi vítima, não estou a insurgir-me contra o ataque a este ou àquele, antes contra o aproveitamento abjeto de situações sem interesse jornalístico, promovido por gente que, a meus olhos, de jornalista demonstra ter muito pouco, antes se me afigura ambiciosa, oportunista e vaidosa, desprovida de ideal.

- x –

Honra lhe seja feita, a “Gaiola Aberta” sempre foi um pasquim, e nunca quis passar por outra coisa.

Nem mais, nem menos: tal e qual!

quarta-feira, 14 de julho de 2021


Konrad Adenauer

Konrad Adenauer sobre a diferença entre céu e horizonte

Todos vivemos sob o mesmo céu,
mas nem todos temos o mesmo horizonte
"

"Wir leben alle unter dem gleichen Himmel,
aber wir haben nicht alle den gleichen Horizont
"





Afinal, Deus existe mesmo, ou não passa de pura invenção de um ser humano que desespera com a efemeridade da sua existência?

NÃO PERCA uma reflexão lógica, fundamentada, sobre o tema porventura mais elementar e decisivo da vida humana.





A existir um deus, será ele o representado
no teto da Capela Sistina? Jeová? Alá? Manitou?
Ou nenhum destes?

segunda-feira, 12 de julho de 2021


O Costa d'África


Cartaz do Filme O Costa d'África
Imagem: Memoriale*)
Farsa portuguesa de 1954, dirigida por João Mendes e com roteiro de Henrique Santana*), Vasco Santana*) e Francisco Ribeiro*).

Trata-se da penúltima obra cinematográfica com Vasco Santana, provavelmente, a mais bem conseguida produção portuguesa da época, sendo um filme em que a tradicional ingenuidade pobrezinha dá lugar a um trocadilho magistralmente conseguido em torno das peripécias de um rude português, então negociante em África, de visita a um sobrinho na Metrópole.

Merece especial destaque o desempenho de Erico Braga*), no papel de Barão de Espinhosel, sem esquecer a cena da cabina telefónica, com a eterna Teresa Gomes*)em mais um inconfundível papel. Integram, ainda, o elenco principal Laura Alves*)e Ribeirinho.

Algumas passagens serão suscetíveis de causar arrepios a alguns mais radicais autoproclamados defensores das minorias, o que poderá ter levado a que o filme fosse menos divulgado do que outros que o não merecessem tanto. Mas "O Costa d'África" deve ser olhado, não como uma defesa do racismo, antes como uma sátira que visa, bem pelo contrário, ridicularizar a personalidade de pessoas bastante elementares que viviam a explorar economicamente as populações das colónias portuguesas de então.

Não deixe de ver, se lhe faz falta uma boa gargalhada e não é daqueles que, para se darem uma aura intelectualoide, aturam xaropadas indescritíveis em alguns dos chamados filmes de qualidade, e coram de vergonha quando não conseguem evitar o riso com os menos elaborados filmes velhinhos de produção portuguesa.



* *

Gargalhadas à parte, o antirracismo continua a ser, para uns, uma nobre causa que cumpre defender; para outros, um mero palco privilegiado para exibir o oportunismo de quantos procuram, a todo o custo, uma montra, ou uma aparência e militância que permita adiar por mais uns tempos a extinção política.

(continua aqui)

sábado, 26 de junho de 2021


Racismo: O Homem Cor de Rosa


"Tal como é condenável a rejeição liminar de um ser humano
por outro que dele difere num aspeto ou noutro,
também se não pode, a coberto de uma falsa ideia daquilo que é
ou deixa de ser politicamente correto, fechar os olhos a desmandos e ilicitudes
que a ninguém podem ser permitidos porque, muito simplesmente,
são contrários ao costume e, acima de tudo, à lei que a todos deve obrigar
"


     1. O Ideal Cor-de-Rosa
     2. Causas Remotas do Racismo em Portugal
     3. O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro
     4. Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé
     5. A Aberrante Linguagem Pseudo-Inclusiva
     6. Ambiguidade à Esquerda
     7. O Estafado Chavão das Quotas
     8. Não Há Negros Comunistas? Ou Só Faltam na Polícia?
     9. O Dever Universal de Respeitar o Próximo
   10. Conclusão


O Homem Cor de Rosa

1. O Ideal Cor-de-Rosa

Partilho do ideal da superioridade do branco.

O branco é alvo, puro, superior, calmo, tranquilo, positivo, alegre, desinfetado e dá até aquela ideia de muito limpinho que fica bem em qualquer lado; e é, por isso, a cor quase sempre escolhida para representar os mais puros sentimentos, as mais angélicas criaturas, os mais sofisticados ambientes e lugares.

O branco resulta da junção de todas as cores, reúne em si quanto de alegre, de puro e por aí fora existe na natureza: o branco é, todo ele, seriedade, honestidade, integridade, generosidade, amabilidade.  O homem branco não comete crimes, acode a quem precisa, não se porta mal, é educado, devendo ser por todos seguido, cuidado, acarinhado, protegido, até privilegiado, preferido, idolatrado.

Quando um dia encontrar um homem branco – entenda-se, de alma branca -, não me vou limitar a olhar para ele:  vou segui-lo, vou observá-lo, vou escutá-lo, vou procurar imitá-lo no que puder. Porque uma alma branca, pura é um exemplo para quantos, como todos nós, a têm de outra cor.

- x -

Acontece, porém, que, tal como ocorre com as almas, também na pele não há homens brancos - a não ser, porventura, um herói wagneriano, o palhaço rico ou um daqueles infelizes que ganham a vida a simular estátuas, contendo as comichões e retendo o fôlego a troco da pequena esmola atirada pelos basbaques do costume para uma esfarelada caixinha de cartão*).

Pela minha parte, tendo, no Verão, para o acastanhado e, no Inverno, para algo a puxar para o cor-de-rosa.  Mas não me importaria de ser até verde como os marcianos, porque, quando falamos da cor da pele, o ideal do homem branco é um perfeito disparate, como o é o do homem preto.  A cor da pele não é, nem faz sentido ser, um ideal.

O problema dos racismos, venham de onde vierem, não me parece estar na cor ou no tom da pele, antes residindo na convicção de alguns, mais centrados em si mesmos, de que os seres humanos se dividem, unicamente, em dois mundos: o mais restrito grupo dos que são como nós, e o dos outros, aqueles que não apreciamos, não valorizamos, nos incomodam, nos inquietam e nos desagradam. Não por qualquer razão específica - como o tom da pele, que até pode ser igual ao nosso -, mas, simplesmente, por não serem como gostaríamos que toda a gente fosse: igual a nós.

Lidamos muito mal com a diferença
A verdade é que, embora sejamos todos diferentes, lidamos muito mal com a diferença, a ponto de nos sentirmos ameaçados por ela. Admiramos e invejamos os que consideramos maiores do que nós, e desprezamos os que consideramos menores do que nós; e tememos os que consideramos ao mesmo nível que nós, mas são diferentes de nós e, se nos apanham distraídos, possivelmente irão subir a pulso por cima de nós.

A par do primário instinto de sobrevivência, mostra a experiência que o patético deslumbre pelo próprio umbigo – seja o seu barrigudo proprietário branco, amarelo, encarnado, preto ou às riscas cor de rosa e azuis - pode, com alguma facilidade, evoluir para patologias sociais com raiz na tendência quase generalizada para nos assustarmos com as diferenças que abalam a concha, a redoma a que é agora uso chamar-se zona de conforto.

Não conhecemos, não estamos habituados, não nos interessa, estamos muito bem assim, vão lá para as terras deles antes que isto acabe por dar para o torto porque com esta gente nunca se sabe” parece exprimir o egoísmo dominante, porventura justificado, em parte, pelo temor alimentado pela desenfreada proliferação de formas de conduta censuráveis nas populações de qualquer parte do Mundo.

Esquecemo-nos de que recear alguém ou a sua influência é sentirmo-nos inseguros perante esse alguém – logo, inferiores a ele -, o que à partida anula qualquer veleidade de supremacia de determinado grupo social ou étnico sobre outro ou outros, já que, quem teme algo ou alguém, nunca pode considerar-se-lhe superior; nem é.

Lembremo-nos, também, de que, não só não existem homens pretos ou brancos ou de qualquer outra cor absolutamente definida, como muitas vezes é, na prática, no que toca a negros e brancos quase impossível discernir onde acaba o castanho e começa o cor-de-rosa ; e vice-versa. A despeito da altura, do peso, da cor da pele e do mau feitio ou não tão mau assim, ninguém é o que quer que seja além da própria essência e dos acertos que a vida nela fez.

Penso, assim, que haveria, para uns e outros, uma certa vantagem em procurar esgravatar um pouco as profundezas das causas, das origens de tão tenebrosa problemática, de toda esta estupidez racista - cientes, embora, do eventual dano para a oportunidade única que a sua exploração política oferece a certos partidos que desesperam na demanda de causas que lhes permitam equilibrar-se numa cada vez mais periclitante balança eleitoral.

Causas Remotas do Racismo em Portugal

2. Causas Remotas do Racismo em Portugal

Racismo Não!” é boa ideia, está muito bem; mas, se for dirigido a seres inteligentes, há que explicar por que é que “Racismo Não!”, ou não passaremos do impasse, do preconceito rasteiro, da parvoíce do “ambos temos razão, porque tu dizes que sim e eu digo que não”: os pretos não gostarão dos brancos porque não, os brancos não gostarão dos pretos porque não, tal como um sportinguista não gosta do Benfica e um benfiquista não gosta do Sporting. "Porque não! *)"

Emoções à flor da pele, instintos, palermices. Onde leva isto? Não leva. São, apenas, manifestações tíbias de cérebros em permanente hibernação, que não levam a parte alguma, a não ser à mútua destruição.

No tempo em que os Up WithPeople *) cantavam What Color Is God’s Skin? *), um tuga cor de rosa olhava para um preto e associava-o, imediatamente a um dos mais indiferenciados trabalhadores da construção civil, dotados de menores ou de nenhumas habilitações ou literárias ou profissionais.

Esquecia-se, naturalmente, o mesmo homem cor de rosa de que era, precisamente, assim que o mais comum cidadão de qualquer país desenvolvido e recetor de imigrantes portugueses olhava para ele*), logo o associando aos mesmos baldes de massa e à picareta que ele, por sua vez, ao preto tinha por hábito associar – quando não ia ao ponto de lhos atirar à cara para o humilhar.

Esta eructação de impulsos primários e selváticos que a civilização, supostamente, serviria para anular ou, pelo menos, atenuar nos humanos, não passa, pois, de presunção e água benta, de um complexo de superioridade – ou será o contrário? - que tem muito mais a ver com diferenças económicas, sociais e culturais do que com um mais ou menos pigmentado tom de pele. Ou alguém se lembra de ouvir queixar-se de ser vítima de racismo um daqueles abastados cidadãos de origem africana que para cá vêm fazer grandes vidas e assoalhar a riqueza, fazendo os tugas pelintras babar-se de inveja, e os não tão pelintras bajulá-los na tentativa desesperada de captar-lhes os milhões que, em certos casos, por processos bem portugueses aprenderam a ganhar?

De África – porque o racismo em Portugal tem mais a ver com brancos europeus e pretos africanos -, parece existir a ideia distorcida de que só para cá vêm os muito pobres e ignorantes ou os muito ricos e poderosos, porque só de uns e de outros se fala: uns como matéria-prima de quem tudo faz para se salientar agitando freneticamente a bandeira do racismo, os outros também nem sempre pelas melhores razões.

Up With People
Bem sabemos, porém, que não é assim: residem hoje em Portugal milhares de pessoas que para cá migraram vindas dessas paragens ou que desses primeiros migrantes descendem, e vivem hoje integradas na sociedade e na cultura portuguesas sem que isso implique o esquecer e, muito menos, o renegar das origens que legitimamente cuidam de perpetuar e de divulgar na sua nova terra. Divulgar, mas em plena liberdade, entenda-se, sem impor, já que, tal como não posso ser obrigado a gostar de cachupa*) ou a ouvir com agrado música africana, ninguém é obrigado a gramar o meu Beethoven, ou a deliciar-se com umas sardinhas acabadinhas de assar; e a ninguém assiste o direito de, a pretexto do direito de impingir a sua cultura, uns ou outros incomodar.


3. O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro

Defendem, por aí, certos partidos políticos emergentes a alegada supremacia branca, invocando terem estudos supostamente científicos concluído que, em média, a população negra é dotada de um quociente intelectual inferior ao do homem cor de rosa – ou ariano, expressão porventura suscetível de mais lhes agradar.

Ora, nos anos já não tão recentes, em que tais estudos terão sido levados a cabo, bem assim poderia acontecer, atendendo a que, durante tempos esquecidos, a segunda população alarvemente explorou a primeira e dela abusou, negando-lhe, entre tantas outras coisas, o acesso à educação e à formação, logo, a meios essenciais ao adequado desenvolvimento das capacidades intelectuais latentes.

Não nos esqueçamos de que, tal como acontece com os músculos, o cérebro também só se desenvolve se for estimulado, se trabalhos exigentes lhe forem solicitados, o que não é, seguramente, compatível com a brutalidade da escravatura e, abolida esta, com a exploração do trabalho braçal mal remunerado e apartado de qualquer formação, específica ou não – do qual, atualmente e por razões alheias à cor da pele, podem queixar-se pretosbrancos e de qualquer outra cor, sem distinção.

A serem esses estudos efetivamente científicos, e a ser acertada e validada a respetiva conclusão, esse défice, em média, de capacidade intelectual nada teria, pois, a ver com a raça, com a cor da pele, mas sim com a vida miserável imposta a seres humanos por seres supostamente humanos que, em lugar de pedir desculpa, ainda daqueles o infortúnio vêm mofar.

O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro
Acontece, porém, que, mesmo nos já estereotipados e preconceituosos inícios do século XX, se escrevia que “a raça negra não é certamente das mais mal dotadas da humanidade. O negro tem, geralmente, uma imaginação viva, aprende depressa, é sangüíneo, sensual, não é mau no fundo, é muito impulsivo mas pouco perseverante. Assinala-se o seu gôsto do extravagante e o desordenado das suas ideias; aliás falta-lhe a energia necessária para tirar partido das suas capacidades intelectuais. Os negros não são selvagens: formam estados e têm até grandes cidades. As guerras crueis e o tráfico de escravos perturbam-lhes o estado social1.

Ademais, se é verdade que não foi entre a população negra que, mormente por falta de condições, primeiro singraram a investigação científica e o desenvolvimento industrial, não nos esqueçamos de que tal epifania também não terá acontecido, propriamente, em Portugal... o que não impede que, com o andar do tempo, cada vez mais migrantes africanos e portugueses europeus se tornem proeminentes na ciência, na técnica, na gestão bancária e em altos cargos políticos de projeção universal.

Como os tempos recentes parecem vir, insofismavelmente, demonstrando, a situação inicial de eventual maior capacidade – efetiva, prática, oportunista - da população cor de rosa, acaba, até, por se inverter em presença de negros em situações de igualdade de oportunidades e de circunstâncias, tornando legítimo acreditar que, com a explosão da Internet e com o acesso generalizado à informação que ela proporciona – lida por olhos pretos, castanhos, verdes, azuis e outros -, tudo tenderá a homogeneizar-se; e tenderá, também, a desaparecer a última motivação para a existência dessa coisa insana chamada racismo.

 

4. Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé

A própria necessidade de alguns passarem a vida a dizer que existe racismo sugere que ele cada vez menos é sentido, cada vez mais nos olhamos como iguais, e que, abstraindo da exploração mediática levada a cabo por certos partidos políticos e seus satélites, não é já tão intensa assim a implementação, na sociedade, do abominável estigma.

Existem, no entanto, obstáculos sérios à diluição e, desejavelmente, à erradicação da própria ideia de racismo, até chegar ao ponto de dele passarmos a falar como hoje nos referimos à tuberculose ou a outro mal extinto qualquer. Se, tão cedo, se não extinguir completamente, isso bem poderá ficar a dever-se à exaltação do racismo que acaba por acontecer como reação a excessos no ataque ao racismo, ao permanente radicalismo com que o tema é tratado por aqueles que se ensoberbecem ou politicamente sobrevivem à custa do combate que, de forma mais ou menos arrojada, dizem fazer-lhe.

Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé

Para começar: porquê esta mania de evitar dizer pretos ou negros, preferindo cidadãos de origem africana? Será que quem assim fala também vê filmes de “cowboys e cidadãos de origem americana”?

Eu, que sou cor de rosa, cara-pálida, não fico particularmente feliz quando dizem que sou branco ou, sequer, caucasiano, mas não me sinto por isso discriminado, perseguido. Importa a forma como trato os outros e eles me tratam. O resto, a forma como, sem má intenção, me chamam, não tem qualquer importância.

Dado que, com já disse, não há, entre os humanos, pretos nem brancos, nenhum dos termos tem correspondência na realidade, pelo que incomodarmo-nos com estes pormenores de linguagem não passa de tiros no pé, de atroz e primária patetice, fortemente favorável à causa de quem pretende, da essência do tema, desviar-nos a atenção.

Cidadãos de origem africana é, além de ridículo, fortemente inexato e discriminatório relativamente aos outros negros: não importa, então, o racismo dirigido, por exemplo, a negros timorenses ou jamaicanos? Ou estará, quem utiliza aquela expressão, a referir-se, também, aos brancos africanos? Que importa ser eu um cidadão de origem europeia ou de outro continente qualquer? E que importa chamarem-me brancocaucasiano ou cara-pálida, ou outros serem chamados pretosnegros ou de cor?

Ou vamos ter de adotar designações como a localidade Paço dos Cidadãos de Origem Africana *), a Rua do Poço dos Cidadãos de Origem Africana *)… a Loja do Gato de Origem Africana *)? Ou vamos a Sintra comprar queijadas à Casa do Cidadão de Origem Africana *)? Vamos ter de mudar o nome da nossa Avó Branquinha? Ou da Dona Branca *)? Deverá a personagem de Walt Disney passar a chamar-se Mancha de Origem Africana *)?

O que importa não é o vocábulo utilizado, mas a intenção com que um termo é escrito ou proferido: referirmo-nos a alguém como branco ou como preto ou como qualquer que seja a cor, é um inaceitável ato racista e discriminatório se o fizermos com acinte. Já falar, genericamente, de brancos ou de pretos, ou de um branco ou de um preto pode, em certos casos, não passar de uma incorreção verbal, concetual - e, se quisermos, social -, apenas nessa medida censurável, como tantas outras incorreções.

A expressão “bando de preto safado” não passa de uma demonstração abjeta de racismo primário e virulento; mas punir um desportista apenas porque chamou a um amigo “meu preto querido” é radical tontice*), perseguição intolerável que mais não faz do que desvalorizar a causa nobre do combate à discriminação.


A Aberrante e Contraproducente Linguagem Inclusiva
5. A Aberrante e Contraproducente Linguagem Inclusiva

A propósito, toda esta imbecilidade da aberração gramatical chamada linguagem inclusiva *) dos “amigues”, do ”cartão de cidadania” ou do “Cart@o de Cidad@o” – como já escrevi*)–, e dos “cidadãos de origem africana” não passa de uma invenção destinada a, de forma contraproducente, potenciar uma ação já de si tímida e ineficaz, que se resume a apelos aparentemente desesperados por parte desta nova geração de partidos mendicantes, que não perdem um pretexto para procurar confundir exigência vã com causa verdadeira, assim procurando captar a esmola de mais um precioso voto junto dos seus mais ou menos esgrouviados e aluados simpatizantes.

Nestas coisas, como em tantas outras e sem desvalorizar o rigor da expressão, o que conta é o conteúdo e a intenção com que é expresso, o que se diz, e não tanto a forma como se diz.

A simples ideia de inclusão é, aliás, aberrante e contraproducente, já que, pelo simples facto de existir, ela própria reconhece a existência de diferenças entre pessoas: não é necessário esforçarmo-nos por incluir o já faz parte por ser genuinamente igual. No caso do intolerável racismo, ao falar de cidadãos de origem africana, o que estamos, efetivamente – e impropriamente -, a dizer é: "pessoas que, como nasceram em África e têm a pele escura, não são como nós".

Será que, agora, além de preto dizer negro também é racismo? Que, em vez de chocolate preto ou negro, vou ter de passar a pedir chocolate de origem africanamesmo sabendo que o cacau que maioritariamente o compõe é originário da América do Sul*)?

Ou irão chamar-me racista se não gostar de chocolate negro? E, se não gostar de chocolate branco, também vão? Chocolate negro parece ser a alternativa dita inclusiva a chocolate preto. E a alternativa inclusiva a chocolate branco? Qual é? Chocolate alvoCor de rosa?

O que há de condenável em preto que não há em negro, quando, com qualquer dos termos, queremos significar precisamente a mesma coisa? Ou entre branco e alvo? Ou entre o cidadão de origem europeia e o cidadão de origem africana?


6. O Estafado Chavão das Quotas

Depois, se não se vê assim tantos negros na Polícia, isso deve-se, muito provavelmente, ao facto de, com toda a naturalidade e toda a legitimidade, uma menor quantidade deles se ter interessado por uma profissão que, pelos vistos, mais seduz os cor de rosa como eu, hipótese elementar que, de tão natural, apenas poderá ser afastada da mente do homem médio em presença de prova que demonstre que, às forças de segurança, concorreram muitos cidadãos de origem africana e que foram eles rejeitados sem válida razão.

Ou será que, para ficarem mais garridas as cores das bandeiras de certos movimentos e partidos, todos, independentemente da cor da pele, devemos interessar-nos igualmente por todas as profissões? Vamos começar a impor quotas também para obrigar igual quantidade de negros, amarelos, encarnados, brancos e verdes a dedicar-se a cada ocupação, a isso chamando combate ao racismo estrutural e institucional? Ensandeceram todos?

Combate ao Racismo Estrutural e Institucional
Se é abatido um branco ou um negro relativamente conhecido*), mas com reduzida notoriedade, será de estranhar ou de nos revoltarmos pelo simples facto de os meios de comunicação não haverem dado ao facto uma cobertura sensacional? A comunicação social vive, hoje em dia, da espetacularidade da notícia, que lhe assegura o ganha-pão, não lhe interessando fazer favores à causa deste ou daquele, nem a injustificada discriminação positiva exaltaria tal causa como quer que fosse - além do que é, manifestamente, abusivo conotar com racismo a expressão “volta para a tua terra”, também usual e frequente entre caucasianos autóctones que, com razão ou sem ela, se sentem incomodados por alguma atitude de caucasianos forasteirospor parte de tugas xenófobos dirigindo-se a brancos estrangeiros*).

Será, digam-me lá, com patetices destas que pretendem, junto de seres um bocadinho menos irracionais, romper a crosta da indiferença, acender a chama da adesão? O que importa é proibir a discriminação, e não, mediante a imposição de quotas, promover a incompetência e a desmotivação.

Fala esta boa gente, dos movimentos e dos partidos, de liberdade e de autodeterminação…

 

7. Ambiguidade à Esquerda

Não vejo qualquer mal em, num dia por ano, as camisolas dos jogadores de futebol intervenientes em desafios televisionados ostentarem, em lugar do nome de cada um, os dizeres “Racismo Não *); já a defesa cega e repetitiva ad nauseam de slogans associados a uma causa só a prejudica, como os partidos radicais e as associações vocacionadas*) bem deveriam saber.

Por outro lado, se seres humanos superiores existirem, serão certamente aqueles que se aproximam dos outros neles buscando afinidades intelectuais e espirituais, assim procurando enriquecer-se culturalmente, e não os que se furtam a, ao menos, encará-los só porque são diversos a capacidade económica, os dotes intelectuais, o substrato cultural, o local de residência, as vestes que envergam, o tom da epiderme, assim se envolvendo numa demonstração das mais básicas intolerância e estupidez, próprias dos espíritos pequeninos que por aí vemos embrulhados qualquer cor de pele.

Aliás, para lugares de responsabilidade, há por aí muito cor de rosa que, num processo de recrutamento e seleção, eu rejeitaria ao primeiro olhar, e muito cidadão de origem africana que contrataria sem hesitar; e, já agora, o inverso também é verdadeiro.

Ambiguidade à Esquerda
A diferença não reside na cor da pele, do cabelo ou dos olhos: está no espelho da alma que, seguindo dizem e toda a gente sabe, é o olhar; e tudo poderia ser bem mais fácil para certos políticos não inscritos, de ressabiados olhos esbugalhados de jactância e que para aí atiram parvoíces a esmo, se entendessem que o carisma do primeiro presidente negro do África do Sul*) não advinha do acinte da fala, do veneno da verve, mas da bondade do exemplo, da doçura do sorriso com que nos contemplava, da moderação e brandura pelas quais regia uma sua vida que lhe era imposta em condições miseráveis, enquanto, por seu turno, certos radicais e  supostamente aguerridos defensores das minorias, os que se escandalizam afirmando falsidades - como não se ver negros em forças policiais que, na verdade, com eles contam -, em nada contribuem para a serenidade que a nobreza de tão elevada causa requer.

Por falar neles: onde estavam esses defensores nas quase desertas manifestações promovidas, no Porto*) e em Lisboa*), no primeiro dia da Primavera de 2021?

Alguém lá fora se lembra de inventar o pomposo nome “Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial*) – até parece nome de ministério português*), disto, daquilo e mais daqueloutro, como se, quanto mais termos se encavalitasse no cargo mais competente o ministro fosse … -; outro alguém se lembra de que um Portugal em bicos de pés deveria ter também as suas manifs, pois então; e, entre as duas maiores cidades do País, nem cento e cinquenta pessoas foi possível arregimentar para os eternos chavões gritar e umas vuvuzelas fazer bramar!

Até as Manifs contra o confinamento pareceram, pelos números, bem mais importantes e concorridas do que estas*), já para não falar dos autocarros que, em plena crise sanitária, de todo o pais chegam para as iniciativas políticas do Partido Comunista e para as peregrinações a Fátima. Quanto ao racismo, porém, o interesse parece já tão escasso - leia-se “tão poucos os que se sentem, efetivamente, excluídos” -, que, porventura por não valer a pena, nem a extrema-direita aproveitou para lá ir perturbar a manifestação

Será assim?

Onde andava, então, aquele partido – perdão, movimento - supostamente muito à esquerda e pendurado nas minorias cujas bandeiras ainda são a única vela que os faz navegar? Será que as previsíveis escassas migalhas de protagonismo e a meia dúzia de letras ou segundos neste ou naquele jornal lhe não despertaram o apetite para a exibição? Não?

Pois não, uma vez que era mais do que previsível o fiasco, a deserção.


8. Não Há Negros Comunistas? Ou Só Faltam na Polícia?

Não Há Negros Comunistas?
Por falar em partidos…

Lembram-se daquele deputado negro do Partido Comunista Português?*) Não se lembram, pois não: foi só um, e há tanto tempo, já... O facto de o PCP não ter voltado a apresentar candidatos ditos de cor nas suas listas significará que o racismo já chegou à esquerda?  Ou será, antes, porque mais nenhum negro com apetência, ou vocação, ou ambição, ou queda para a política no Partido se inscreveu? Tal como na Polícia, talvez? Ou em qualquer outra organização?

Nem uma deputada negra nas hostes do Partido ou a falar na televisão... Vamos também, perguntar-nos por que não se vê, no PCP, mais cidadãos de origem africana? Vamos insinuar que o Partido Comunista é racista? Ou não?...

Claro que, em menor ou maior grau, há racismo latente, racismo manifesto, todas as variantes que queiram enumerar; e continuará enquanto forem tão desajeitados, radicais e exagerados os esforços para o debelar. Mas, perante manifs desertas, forçoso se torna concluir que, no Portugal dos nossos dias, o racismo é menos abrangente e a intensidade é, felizmente, já outra.

Tirando o racismo primário e parolo fundado no ódio irracional que só as bestas também irracionais valorizam, lá bem no fundo todos vão reconhecendo, mesmo que nem com todos se identifiquem uns com os outros nem todos mutuamente se admirem – nem, em liberdade, a tal são obrigados -, que, voltando aos Up With People, “everyone is the same in the Good Lord’s sight*).

O Dever Universal de Respeitar o Próximo

9. O Dever Universal de Respeitar o Próximo

Resta lembrar a, por vezes muito esquecida, condição essencial que jaz indelevelmente associada à aceitação espontânea e aberta por qualquer pessoa ou comunidade de pessoas de outras comunidades, sejam elas quais forem: o respeito.

Se, no que é essencial, estrutural, inexiste qualquer distinção com base no tom da pele, nos traços morfológicos ou noutra característica fisiológica, antes operando preponderantemente as diferenças culturais e civilizacionais, há, outrossim, que respeitar e acautelar a defesa dos valores da estabilidade, da segurança e da identidade que estruturam as sociedades que recebem e acolhem, sem prejuízo de quanto de saudável e enriquecedor na diferença houver.

Se é verdade que a solidariedade, a disponibilidade e a boa vontade para com o próximo devem sobrepor-se a qualquer objeção mais ou menos comezinha à plena aceitação de um ser humano por outro, o velho brocardo “em Roma, sê romano” deve estar sempre presente na mente dos que buscam acolhimento, já que manda a mais elementar cortesia que, não só quando visitamos alguém devemos observar as normas e os costumes dos nossos anfitriões, como se espera que nos abstenhamos, em qualquer circunstância, de a eles impor a nossa vontade, os nossos gostos, as nossas convicções, designadamente àqueles com quem um dia venhamos a coabitar, por maioria de razão.

Uma coisa é todos terem a liberdade de escolher, em função da adequabilidade às necessidades e objetivos de vida de cada um, o país para onde pretendem emigrar.  Outra, muito diferente, é escolher-se uma terra como alvo ideal para a disseminação e imposição indesejada dos costumes próprios do país de onde, por alguma razão, alguém se viu obrigado a emigrar – o que, em última análise, sempre será contraproducente, dado o risco de, dessa forma, se acabar por transformar a terra de adoção precisamente em algo muito parecido com aquela de onde se tiver tido de retirar.

No plano social, este dever de respeito opera, desde logo, na absolutamente legítima exigência do estrito cumprimento das normas jurídicas e da observação dos costumes locais, já que nenhum ser humano tem o direito de sujeitar qualquer outro, de diferente ou igual etnia, à imposição brutal de comportamentos por ele indesejados, ainda para mais escudados numa inaceitável discriminação positiva por parte dos tais partidos políticos ou grupos de pressão que cavalgam a suposta defesa de minorias por mais não terem no que se evidenciar – discriminação positiva essa que pode fácil e indesejavelmente ser conotada com a, em alguns latente, ideia de menoridade de uma ou outra população, ideia essa que, paradoxalmente, se pretende afastar.

Oligarquias marginais e não representativas
Afigura-se, por exemplo, inadmissível a existência, em plena catástrofe sanitária, de muito concorridos eventos de índole familiar que forças militares não têm como interromper*); de veículos de tração animal que, a passo de caracol, inesperadamente se nos deparam ao dobrar uma curva da estrada pondo em risco vidas de animais e de pessoas, designadamente as das crianças de tenra idade e dos adultos que,muitas vezes, a pé e ao lado, esses veículos vão a acompanhar*); de zonas de criminalidade comprovada e injustificadamente excessiva, promovida no interesse exclusivo de oligarquias marginais e não representativas das boas gentes de qualquer etnia; de bairros em que até as forças policiais pensam muitas vezes antes de entrar.

Não me causa especial alarme o racismo primário defendido por meia dúzia de ignorantes, indignos de qualquer crédito ou de que os ouçam, sequer. O que me preocupa é a generalização irracional do racismo decorrente de comportamentos lastimáveis e fortemente condenáveis por parte de uma outra meia dúzia de indivíduos de certas etnias que assim contaminam, junto de fatias consideráveis da população autóctone, a imagem de todo um grupo, ou de diversos, em idênticas circunstâncias.

Em certos casos - talvez não poucos -, a motivação dessa meia dúzia radica, já se sabe, na forma discriminatória como os olhamos e para com eles agimos, enquanto sociedade. Não obstante, o tratamento condenável por parte de meia dúzia de pessoas cor de rosa não justifica ou legitima a violência da reação, à qual, nesse caso, todos teriam direito, do que resultaria um caos maior ainda do que aquele a que assistimos em certos lugares e momentos não tão raros assim.

Quanto a mim, sou, decididamente, racista para com essa raça de indivíduos de todas as culturas, religiões e credos que, independentemente da cor mais ou menos rosa ou acastanhada da pele, indiferentes aos direitos daqueles por quem querem ser tratados como iguais, para com eles se comportam selvaticamente, deliberadamente agredindo, insultando, incomodando, escarnecendo, desprezando, como certos tugas hooliganizados com que nos cruzamos com indesejável regularidade - a maioria dos quais caucasiana.

 

10. Conclusão

Toda e qualquer postura ou atitude de agressão social é inaceitável. Se queremos, efetivamente, erradicar o racismo, cumpre, se necessário, rever a legislação vigente; e, com a maior urgência, nos casos por ela já contemplados, sensibilizar para a necessidade do seu estrito cumprimento toda a população, as autoridades e os poderes judiciários, bem como dotar de meios coercivos as forças policiais com atribuições e competências para a aplicar.

Entre tantos outros, os exemplos que referi - alguns deles comuns a indivíduos de variadas etnias - ilustram bem a impossibilidade prática de confundir, com impunidade laxista ou com anarquia a qualquer preço, o princípio geral de que qualquer cidadão de qualquer outra terra é livre de nos visitar e de, observados determinados requisitos, aqui se radicar: tal como é condenável a rejeição liminar de um ser humano por outro que dele difere num aspeto ou noutro, também se não pode, a coberto de uma falsa ideia daquilo que é ou deixa de ser politicamente correto, fechar os olhos a desmandos e ilicitudes que a ninguém podem ser permitidos porque, muito simplesmente, são contrários ao costume e, acima de tudo, à lei que a todos deve obrigar.

Princípio da Igualdade
A lei é legitimada pela mesmíssima Constituição que consagra esse princípio geral da igualdade que, ora com mais, ora com menos propriedade, anda nas bocas de todos e é essencial à efetivação da consagração teórica da diferença. Representa, pois, séria violação do mesmo princípio da igualdade acolher determinados preceitos constitucionais – os que proíbem a discriminação – enquanto se rejeita outros – os que obrigam ao cumprimento de todas as leis comuns – só porque não nos convêm ou porque, politicamente, fica melhor no retrato.

Num estado de Direito, qualquer cidadão, nativo ou oriundo de outra parte do Mundo, está vinculado ao primado da lei. Isto é algo que ninguém, em qualquer momento ou lugar poderá legitimamente esquecer ou ignorar, sob pena de estar, afinal, a praticar a discriminação que diz condenar.

Em ambos os sentidos, a cada um assiste o direito de se não sentir atraído por pessoas de outros grupos, bem como de não admirar determinadas características culturais ou comportamentos dos mesmos. Tal não confere, todavia, a uns o direito de maltratar e, muito menos, de procurar banir os respetivos representantes que aceitem e observem as leis e os costumes das sociedades que visitam ou os acolhem no seu seio; nem, a estes, o de agir como se, em lugar de convidados, fossem anfitriões, ainda para mais rudes, pouco educados, e felizes por assim se quererem conservar.

Tu deves porque eu quero’ é um absurdo; mas ‘tu deves porque eu devo’ é um objetivo legítimo e a base do Direito 2;  e, perante tais desmandos, tanto as maiorias, como as minorias, têm direito a indignar-se.

* *

Não obstante as convicções que cada um, enquanto indivíduo inserido num estado livre, possa ter, a obrigação de tratar bem o próximo, seja ele quem for, todos obriga; e, por maioria de razão, os que serem em forças de segurança.

Mas nem sempre assim acontece...

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Chantepie de la Saussaie, Pierre Daniel – “Lehrbuch der Religiongeschichte” (Freiburg im Breslau, 1887–1889) – ”História das Religiões” – Editorial Inquérito – Lisboa, 1940 – pp.31

2 Seume, Johann Friedrich – "Prosaische und poetische Werke" - G. Hempel - 1899 - Vols 6-8 – pp.169