segunda-feira, 2 de maio de 2022


O Estranho Caso dos Copinhos de Feijão

Não, não é o título de um romance policial. Não passa de um pequeno e indignado texto acerca de uma descarada aldrabice na área da doçaria, impunemente repetida por, pelo menos, um pequeno fabricante, com a complacência de grandes superfícies de retalho.

Poderá ser ingenuidade, excesso de confiança ou, até, mania. Mas, quando passo pela loja de uma marca de supermercados na qual confio, parto do princípio de que os produtos vendidos correspondem, dentro do razoavelmente expetável, ao que é anunciado na embalagem, supostamente para permitir ao potencial consumidor uma informação esclarecida.

Claro que tudo isto é bastante relativo, sobretudo numa sociedade que, ao mesmo tempo que impõe normas e controlos cada vez mais apertados e rígidos à produção e comercialização de tudo e mais alguma coisa, continua - e muito bem, diga-se - a permitir, em feiras e mercados, a venda a granel de produtos das mais diversas naturezas e origens, obtidos segundo processos de cultivo, colheita e processamento maioritariamente artesanais e sem controlo sanitário visível.

Não obstante, em ambientes estritamente controlados pela fiscalização económica - seja a da famigerada ASAE, seja outra entidade qualquer -, torna-se caricato encontrar, num hipermercado do século XXI, uma embalagem que revela, no rótulo, conter um produto composto por açúcar, ovos pasteurizados, água, coco, farinha de trigo, amido de milho, óleo de girassol, sal, lecitina de soja, levedante E500, açúcar em pó com amido de milho, conservantes E200 e E202...  e 0,5% de feijão, chamando à mistela "Copinhos de Feijão".

Ora, segundo a Wikipedia*), "o pastel de feijão é um doce típico de Portugal, confeccionado em Torres Vedras desde os finais do século XIX. Embora a receita varie um pouco consoante o fabricante, tem como ingredientes base a amêndoa e o feijão branco cozido".

Não se tratando, como é evidente, de pasteis propriamente ditos, poderá, mesmo assim, alguém considerar legítimo que se entenda que uma percentagem de 0,5% de feijão basta para que se anuncie que determinado produto como de feijão, quando, em boa verdade, não passa de uma mistela com resquícios de feijão? É que é óbvio e indesmentível que uma percentagem tão ínfima como 0,5%, de feijão ou do que quer que não seja um aromatizante, nada acrescenta ao sabor ou a qualquer outra caraterística do produto final.

De outra forma dito, a admitir-se que algo tão ridículo como 0,5% é suficiente para determinar ou influenciar a designação, os anunciados "Copinhos de Feijão" facilmente se transformariam, com minúsculas alterações ao processo de fabrico, em "Copinhos de Maçã", ou "Copinhos de Kiwi", ou "Copinhos de Cenoura" ou do que quer que fosse, na certeza de que, no que à percepção pelo consumidor diz respeito, o sabor e a consistência se manteriam completamente inalterados.

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Conduzindo a discussão a outro patamar, ocorre, inevitavelmente, a necessidade premente de o legislador se interessar sobre esta temática, designadamente definindo qual a percentagem mínima necessária para que determinado produto possa designar-se como sendo feito de alguma coisa - e não com alguma coisa... -, no sentido de que isso corresponderá à inclusão de determinada componente em quantidade suficiente para alterar as características relevantes para quem o irá adquirir.

Diversos problemas emergem desta questão, como a natureza do produto em causa e a subjetividade inerente à variação da sensibilidade entre uma infinidade de consumidores.

Quanto à natureza, será oportuno referir, num extremo, a obrigatoriedade de quase exclusividade de determinada casta*) na composição de um vinho para que aquela possa constar da designação da variante (como "Touriga Nacional", "Aragonês", "Alvarinho", "Cabernet Sauvignon") dentro da marca.

Claro está que, transposta para o produto aqui tratado, tal imposição tornaria materialmente impossível a fabricação de um pastel com cem 100% de feijão. Mas, haverá, seguramente, medidas intermédias que poderão ser fixadas como mínimos aceitáveis para viabilizar o processo de fabrico garantido, simultaneamente, a diferenciação.

Quanto às diferentes sensibilidades entre consumidores, não será, seguramente, impossível, através de estudos adequados, determinar os mesmos pesos mínimos de forma a assegurar que não daremos connosco a ingerir a mesma mistela, levados ao engano por uma mais ou menos criativa e fantasiosa designação.

Eis, pois, um caso claro de publicidade enganosa decorrente, simplesmente, da incorreta utilização de uma preposição.

quinta-feira, 28 de abril de 2022


Columbo: o Triunfo da Originalidade


   "Não é possível voltar a criar o que é verdadeiramente bom e original"


Muito característica do ser humano e, em boa parte parte potenciada pelo impiedoso marketing, a ânsia de ser ou parecer original tende a culminar em produções e produtos artificiosos, sem qualquer correspondência, quer com a realidade, quer, pelo menos, com o mais belo imaginário que, no meio da desgraça, mantém vivos aqueles a quem tais produtos se destinam; e o que se imagina é, invariavelmente, melhor do que aquilo que se vê.

Tudo acaba, quantas vezes, por se resumir a um infindável desfilar de coisas diferentes apenas porque o são, mas que nada têm a ver, na substância ou, mesmo, na forma, com algo remotamente confundível com a tão desejada originalidade.

Como alguém escreveu, "todo o escritor que é original é diferente. Mas nem todo o que é diferente é original. A originalidade vem de dentro para fora. A diferença é ao contrário. A diferença vê-se, a originalidade sente-se. Assim, uma é fácil e a outra é difícil"*).

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Naqueles anos de que se lembram só os mais velhinhos, pura, verdadeira, e despida de artefactos entrou a originalidade em nossas casas quando a então Radiotelevisão Portuguesa *) (RTP) exibiu, ainda a preto e branco, uma sequência de três séries policiais da NBC*) iniciada com McCloud*) (Dennis Weaver), continuada com Columbo*) (Peter Falk) e concluída por McMillan and Wife*) (Rock Hudson e Susan Saint James).

Em muito semelhantes a tantas outras, da primeira e da última destas séries já pouca gente ou ninguém se lembrará, que isto da memória tem muito a ver com o interesse da coisa e com o bem que nos faz à alma - bem mais difícil de contentar do que um corpo que, ainda que momentaneamente, com qualquer petisco, roupinha, perfume e coisas que tais se satisfaz.

Columbo, porém, ficou e perdurará na memória de quantos, ainda sem box ou gravador de video, sem computador e mp4, para não perder pitada do episódio apressavam o jantar; e era, mesmo, importante não perder o início, no qual residia uma das originalidades da série, cujas histórias começavam revelando a identidade do homicida, ao contrário do que é hábito encontrar.

A atenção do espetador era, desta forma, atraída pela dúvida, não quanto a quem era o mau da fita, mas quanto ao processo mental utilizado por um detetive completamente despretensioso, embalado naquela eterna gabardine mais do que gasta que, tal como todas as outras peças de roupa, integrava o guarda-roupa pessoal do Ator.

Por este caracterizada como alguém que parecia acabar de ter sido vitimado por uma inundação, a personagem conduzia um Peugeot 403 descapotável, decrépito e barulhento - o que não o impedia de, constantemente, lhe enaltecer os méritos dizendo que era um automóvel francês.

Peter Falk era, o tenente Columbo cujo nome próprio nunca chegámos a conhecer - há quem refira Frank... -, o mesmo tendo acontecido com a mulher e o sobrinho, dos quais tanto falava mas jamais nos deixou, sequer, vislumbrar. A quase clonagem entre ator e personagem resultou numa criação inimitável, impossível de qualquer outro intérprete replicar sem desmerecer - o que faz pensar na atual moda dos remakes que, quantas vezes, não passam de fabricações destinadas a exibir meios de produção bem mais sofisticados e dispendiosos do que os da obra original, mas sem a qualidade daquela, sem a veracidade, a consistência, a expressão, despertando muito menos interesse ou emoção.

Columbo não era um ilustre jurisconsulto, ou um detetive particular ao serviço de elites abastadas. Não era "um pedante seco com toda a poeira das bibliotecas, numa camada espessa, a envolver-lhe o coração": apenas um polícia de aspeto pouco cuidado, que, graças a evidentes inteligência, dedicação e tenacidade muito acima da média - e, também, segundo o próprio, à custa de muito ter observado o que os outros faziam e de muito ter lido e aprendido -, não sossegava enquanto não derrotava, pela lógica, os quase sempre elegantes criminosos que, induzidos, primeiro, numa sensação de falsa segurança e, depois, abruptamente desmascarados, acabavam por se render e admitir a autoria do ato.

Para o sucesso da investigação - e da série - não contribuíam rocambolescas perseguições automóveis pela noite de Los Angeles, ou cenas de sexo ou de violência daquelas que no canto superior direito do écran fazem pôr a bolinha. Columbo era o primado da substância, do conteúdo e da mente, sobre o supérfluo, sobre a forma, sobre o vazio hábito de fazer não importa o quê ao serviço da bilheteira da espetacularidade.

Beneficiando, em vários episódios, do talento de Steven Bochco*) - também autor do guião da Balada de Hill Street - nem o estrondoso sucesso do modelo da série levou alguma outra produtora a tentar replicá-la, a aventurar-se num remake cujo fracasso seria inevitável: não é possível voltar a criar o que é, verdadeiramente, bom e original.

Nada é eterno, no entanto, e, com o avançar dos anos, a qualidade dos textos foi-se deteriorando visivelmente nos fim dos primeiros trinta e oito episódios - os únicos exibidos em Portugal -, o que erá levado a que o protagonista se recusasse a continuar, assim terminando a série. Uns dez anos mais tarde - e "porque a mulher já não podia vê-lo andar ali por casa" -, Peter Falk regressaria para cerca de trinta novos episódios; mas, com um Columbo envelhecido e uma série com um sabor a requentado que Portugal nada perdeu por não ter chegado a conhecer.

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Completar-se-ão, em 2023, cinquenta anos sobre a data em que, por cá, Columbo começou a ser exibido. Tenho pena de que, apesar de tantos anos terem passado, os direitos de autor ainda estejam, aparentemente, ainda a inibir a publicação, na Internet, dos episódios da série.

Fica, a título de compensação, uma pequena parte de um episódio*) em que, num restaurante, apresentam ao tenente uma conta, que ele considera exorbitante, de seis dólares por um chili e um iced tea, ao que, depois de a alterar para seis dólares e setenta e cinco cêntimos, o empregado responde "I forgot to add the iced tea".

Fica, também, a ligação para o bem humorado e pouco convencional discurso de Peter Falk*) quando da aceitação, em 1974, do Emmy que lhe foi atribuído.

Fica, sobretudo, a recordação de uma personagem a lembrar, porque, simplesmente, se não pode deixar esquecer.

(leia aqui a sequência do tema)

Imagem: YouTube



domingo, 24 de abril de 2022


Aljubarrota: Estalagem do Cruzeiro SSAP


Hoje destinada ao alojamento de beneficiários dos Serviços Sociais da Administração Pública *) ( SSAP ), a Estalagem do Cruzeiro foi, em tempos, uma unidade hoteleira de referência na região.

Aqui fica, a título de lembrança, este velho postal...

quinta-feira, 21 de abril de 2022


20 Palavras em Latim que Usamos Frequentemente

Após este título, lista aqui um sítio dito de cultura: Ad aeternum; Agnus Dei; Alibi; a priori; a posteriori; a fortiori; ad hoc; Curriculum Vitae; Cogito, ergo sum; Carpe diem; Ex libris; Errare humanum est; Ex nihilo nihil fit; in extremis; In loco; Ipsis verbis; Quid pro quo; Sine Qua Non; Sine die; Veni, vidi, vici.

Há que dizer, antes de mais, que a ideia de divulgar, junto da população menos atenta a estas coisas, temas da língua portuguesa em linguagem que se esforça por facilitar a compreensão e a aprendizagem, aparece como uma iniciativa sem dúvida louvável, faceta que seria injusto não salientar. Isto, apesar de essa linguagem se afastar, por vezes, tanto de algum cuidado na escrita que acaba por redundar em erros gramaticais ou, pelo menos, num facilitismo excessivo, numa ausência de rigor e de precisão na utilização do mesmo idioma que, supostamente, estariam a ensinar - como é o caso, por exemplo, da utilização, no referido título, de usamos em lugar do quiçá mais apropriado utilizamos, uma vez que utilizar de palavras as não torna usadas ou desgastadas, assim sendo aqui preferível o verbo utilizar.

Mas como aceitar que o à-vontade seja tal que nem se trate de cuidar que o título corresponda ao que é apresentado? Vejamos.

Palavras diferentes, não são vinte: são mais de quarenta; e, se se referem a artigos da lista compostos por uma única palavra, resumem-se a um: Alibi. Tudo o resto são locuções, conjuntos de mais de uma palavra.

Além do mais, tem o caro Leitor por hábito utilizar frequentemente a expressão Ex nihilo nihil fit? Sabe, pelo menos, o que significa? Ou Agnus Dei, comum na missa em latim que há muito tempo praticamente acabou? Quid pro quo? Carpe diem? "Frequentemente" utilizadas?

Mas, por quem, afinal?

E o alibi? Por que estranha razão estaremos, a proferi-lo, a utilizar a forma latina, quando, também em português, se encontra dicionarizada? Será que quando dizemos vida estamos, também, a proferir ou escrever uma palavra espanhola que, em português, é frequentemente utilizada?

Mesmo as restantes, serão elas "frequentemente" utilizadas pelos destinatários do artigo? Ou, de outra forma visto, que interesse terá um artigo como este para as pessoas que tais "palavras" utilizam "frequentemente"?

Nem vou gastar o meu tempo e a paciência do caro leitor a referir-me aos numerosos artigos dos dez mais isto ou dos trinta mais aquilo, tudo de acordo com critérios absolutamente subjetivos e sem a mais pequena parcela de fiabilidade, a não ser para quem os escreve.

Lamentavelmente, estas coisas são ad nauseam - esqueceram-se desta, que é, pelo menos, mais utilizada do que Ex nihilo nihil fit... - pespegadas naquela coisa chamada Discovery da Google, que me aparece cada vez que alguma coisa no motor de busca vou procurar.

Desta forma lamentável se desvaloriza, se subverte uma ideia com inegável potencial, sacrificando-a à vontade ou à necessidade de publicar à viva força, "frequentemente"; de manter as audiências e o interesse da Google e dos anunciantes que, no meio de muito disparate, as coisas mais incríveis e desinteressantes vêm divulgar.

Pobre língua portuguesa, e pobre de quem ainda pensa que, a páginas dessas, alguma coisa de verdadeiramente válido ainda irá buscar...


Não perca, no correspondente separador no topo desta página,
outros artigos polémicos sobre diversos temas relacionados com a

LÍNGUA PORTUGUESA

segunda-feira, 18 de abril de 2022


ALAIN (Émile-Auguste Chartier)


 
"Nada é mais perigoso do que uma ideia,
quando se tem uma única ideia


"Rien n’est plus dangereux qu’une idée,
quand on n’a qu’une idée
"

Atribuída a Alain*)           


Tal como na citação de Oliver Wendell Holmes, Jr que aqui já referi, também esta nos fala, essencialmente, do fanatismo na defesa de causas - quase sempre perdidas e de legitimidade discutível... - por parte de políticos incapazes de discernir a falta de interesse da generalidade das populações em, séria e exaustivamente, considerar tais mudanças ou, mesmo, em discutir tais assuntos.

Entre todas, a mais abjeta, condenável, hipócrita e mesquinha das causas, será, porém, a do enriquecimento da imagem e da bolsa de autodenominados políticos que nada mais são, na verdade, do que empresários, agentes de negócios, penduras, seres enfatuados, vazios de outros sentimentos e emoções que não sejam, ora a glorificação dos insignificantes feitos e das desgraças alheias que estes causam, ora a mortificação pela triste sorte e pelo invejado sucesso dos opositores - e, quantas vezes, de correlegionários e parceiros.

Tal é, por exemplo, o caso do caricato deputado Alípio Abranhos, senhor daquele sobranceiro, ourado e implacável olhar sobre o próximo que caracteriza os oportunistas, os incompetentes, os seres vazios daquela riqueza de substância, daquela nobreza de caráter que deveriam ser apanágio de quem as mais altas funções do Estado se propõe desempenhar.

Esse é, também, o caso de quantos presumidos ascendem de indiferenciados militantes a garbosos e enfatuados protagonistas, antes de o crime os precipitar no fosso da prisão e do anátema, de onde, graças a amigos como eles, alguns saem para nova eleição ou nomeação que lhes permita os mesmos ou idênticos ilícitos voltar a praticar.

Com uns e outros se identificam, por fim, os patetas que admiram  - quando não idolatram... - quem deles necessita para voos próprios, convencendo-os de uma inteligência, de uma capacidade política e governativa que, manifestamente, não detém.

Tal como nas relações sociais mais corriqueiras quase sempre acontece, impera a ideia fixa do incomensurável euDentro de nós, e em cada lugar ou esquina que a nossa presença vá, supostamente, "iluminar"...

* *

No caso dos "operários e camponeses" é o Partido Comunista Português quem se arroga o exclusivo da defesa dos respetivos interesses, escamoteando, no entanto, os verdadeiros propósitos da sua (ainda) existência e dos princípios que sempre o regeram.

(leia aqui a sequência)

sexta-feira, 15 de abril de 2022


Sport Lisboa e... GNR

Ponte Vasco da Gama, Lisboa. Ontem, véspera de fim-de-semana prolongado. Filas a perder de vista, desde a zona do Aeroporto até muito para além de Alcochete.

Algures no tabuleiro, já passada metade da tortura, frenéticos batedores motorizados da Guarda Nacional Republicana (GNR) acenavam aos saturados e imobilizados condutores para que abrissem alas.

Não, não era uma viatura de emergência, nem de um político atrasado para uma aparição urgente na televisão. Tratava-se, mais singelamente, do enorme autocarro encarnado.

Regressavam os futebolistas de Liverpool, onde tinham conseguido um inútil empate a três, depois do desaire em casa. Mas as primas-donas vinham, por certo, fatigadas, e ansiosas por chegar rapidamente à universidade, ou à academia, ou lá o que é aquela coisa que têm ali para o Seixal.

Não tinham, que se saiba, jogos nos dias seguintes. Estavam, simplesmente, cansados do dia de trabalho, desejosos de uma boa banhoca e de ficar em paz e harmonia na dependência da sua Catedral.

No tabuleiro da ponte, ao mesmo tempo, desesperavam, no trânsito, centenas de portugueses sem batedores da GNR, de clubes desportivos diferentes e muitos deles sem clube, também cansados do dia de trabalho, desejosos de uma boa banhoca e de ficar em paz e harmonia nos respetivos lares.

O que deve um destes portugueses - mesmo pagando... - fazer para conseguir batedores que o escoltem mais rapidamente a casa?

Que estatuto especial têm, ao olhos da lei e da ética, esta dezena ou duas de pessoas - do Sport Lisboa e Benfica ou de outros clubes -, especializadas em maltratar uma bola e os pés e outras partes do corpo dos adversários, que lhes permita tratamento tão diferenciado relativamente à restante população?

Será que os membros do Governo têm direito a escolta e, até, a exceder a velocidade máxima também quando estão desejosos de chegar a casa para a banhoca, ou só quando têm, em representação do Estado, de comparecer a determinada hora em determinado lugar?

O que têm, afinal, de tão especial estas pessoas que, no meio da maior das desgraças, exibem relógios de milhares de euros, automóveis de milhões, casas fabulosas, iates, sei lá mais o quê, perante milhões de basbaques que nem entendem que, ao fazê-lo, aqueles craques com eles apenas estão a gozar?

Com gente a pensar e a agir assim, onde é que tudo isto irá parar?


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