quarta-feira, 29 de junho de 2022


Jéssica e a Bruxa

O assunto já foi amplamente noticiado, discutido e comentado.

Desnecessário será, assim, elaborar mais longamente sobre a maldade, a perversidade, a indiferença, presentes neste caso incluindo a indiferença da própria mãe que parece ter ficado inerte perante o estado calamitoso em que lhe foi entregue a filha moribunda*), em lugar de, prontamente, a levar ao hospital, como mandaria o coração de qualquer mortal, por maioria de razão o de um progenitor minimamente humano e apto a desempenhar o seu papel. Mas, desses, há cada vez menos...

Independentemente da tal capacidade económica que cada vez mais se confunde com classe social e pela qual todos se pisam e esgadanham para, no respetivo imaginário, subir mais um ou outro degrau, a triste realidade de boa parte dos lares portugueses vem, de há muito, sendo relatada pela comunicação social, mormente por aquela que mais aprecia e mais vibra com manifestações de tudo aquilo que de mais baixo, de mais podre, de mais horroroso,em suma, caracteriza o ser humano e se manifesta das mais diversas formas e nos mais variados meios.

Tampouco valerá continuar a fazer vibrar até à náusea a corda da falta de intervenção das autoridades competentes*), junto das quais o caso da Jéssica há muito estava devidamente sinalizado. Terá sido falha dos técnicos? Dos responsáveis? Falta de relevância nos orçamentos do Estado?

Haverá, naturalmente, que apurar responsabilidades individuais, bem como de refletir, exaustivamente, sobre a nunca mais chegada reforma estrutural da segurança social que, a par de muitas outras, continua nas gavetas ou nas pastas do Windows de quem tem outras coisas supostamente mais importantes e urgentes para fazer ou tratar.

O que, verdadeiramente, importa é ir ao cerne da questão, à causa imediata que está na origem de tudo o que aconteceu: uma dívida de umas centenas de euros da mãe, a uma bruxa que não terá hesitado em, cobardemente, exercer represálias sobre a filha da cliente devedora.

Diz quem sabe que esta situação não é caso único, tendo as autoridades judiciárias portuguesas entre mãos casos relacionados com autênticas redes criminosas dedicadas a atividades que irão desde o furto por meios eletrónicos até à perseguição de pessoas ao velho estilo das mafias sicilianas.

Estes bruxos e quejandos exploram, sem piedade, a crendice, a iliteracia, a ignorância, o medo e a insegurança que, a despeito dos atraentes números que enviamos lá para fora relativos à educação em Portugal, caracterizam uma parte muito considerável da população portuguesa.

Sabendo-se, como se sabe, da inutilidade, da inanidade, da falta de substrato científico em que se arrime a atividade profissional destes bruxos, videntes e sabe-se lá o que mais, como entender que serviços destes não sejam, simplesmente, proibidos, banidos? Pois não é verdade que qualquer um pode ser criminalmente perseguido por cobrar por produtos ou serviços que não correspondem ao anunciado, ou não produzem o resultado prometido?

Até quando, então, terão vítimas inocentes de sofrer a brutalidade desta inacreditável e anacrónica forma de exploração?

(continua aqui)

terça-feira, 28 de junho de 2022


Guerra? Que Guerra?

Explosões? Tiros? Muito déja vu...

Há várias décadas que estamos imunizados contra o horror de tudo isso.

Então não passámos os mais recentes anos a contemplar, durante horas a fio, filmes de guerra, históricos ou de ficção, com mais ou menos conteúdo e mais ou menos efeitos especiais, mas sempre brutais, com imagens em tudo semelhantes às que hoje nos trazem do conflito?

Tudo isso se passa lá bem longe, na realidade distante ou para lá da ainda mais distante fronteira da imaginação.

Os mais de nós jamais sentiram na carne o impacto de uma bala ou de um estilhaço, assim podendo permitir-se o luxo de maldizer coisas tão mais graves como uma forte dor de dentes, uma nova borbulha na cara ou o comichar da mais ligeira cutânea erupção, sem esquecer as recorrentes cefaleias típicas daquelas alturas em que, inexoravelmente, se aproxima o terrível momento de fazer aquelas coisas chatas que não podemos deixar de fazer.

Há mortos? Muitos? Sim, mas não morre tanta gente a cada instante? Por esta ou por aquela causa, ou simplesmente de velhice ou de doença; e ainda bem, ou o que seria da Humanidade num ainda mais sobrepovoado planeta?

Refugiados? Pois. Mas, olhe: se têm de fugir, é porque andaram a incomodar os poderes instituídos, ao ninguém os mandou. Ou não estão para ficar a lutar pela pátria deles e, depois, a gente que os ature por cá a dar cabo do sossego da nossa.

Guerra? Que guerra?

Vemos as terríveis imagens da desgraça enquanto nos deliciamos com a mesma beberragem que acompanha os filmes de horror. Depois de tanta desgraça e de tanta ameaça, acontece-nos agora o mesmo nada que então.

Para quê tanta conversa, tanta preocupação?

- x -

A esta indiferença abjeta nos conduziu um estilo de vida confortável, comparativamente idílico face ao inimaginável que caracteriza o agora de quem vive os horrores de uma invasão, provocada pelo delírio de um louco, empurrado ou não por qualquer outra menos evidente, menos clara personagem ou razão.

Ah, mas estamos de férias, no Verão! A solo ou com a famelga, na tasca da praia, em casa com os amigos, com o uisque no copo, com a mine e os pistachos, ou com o chouriço e o garrafão, chateados com as férias da bola, indispensável para começar uma bela discussão.

Digam lá: acaso a guerra nos vai tirar isto? Claro que não!

Vão cair bombas em Lisboa? Nucleares? Não brinquem! Isso não passa de notícias falsas, para nos espevitar a adrenalina e fazer palpitar o adormecido coração!

A guerra, pois...  É chato, mas vai tudo acabar bem; e eles, lá, os outros, que aguentem, que a gente também já cá aguentou muita coisa... no tempo dos reis e isso, sei lá...

São coisas que acontecem, mas passam. Tudo passa, e a gente cá continua  na nossa Terrinha. Ou não?

Eu cá, de tanta coisa sobre essa guerra, até já me aborrece só de olhar para a televisão.

O pior é que agora nem há bola. Vou falar de quê? Fingir que sou um perito em quê? Na guerra?

Cruzes! Já não basta a inflação! Ou a guerra acaba, ou ainda entro eu em depressão...

segunda-feira, 27 de junho de 2022


Marta Temido, António Costa e os Gráficos da SIC

Faz uma certa confusão...

Baseando-se em informação facultada pelo Observatório Português dos Sistemas Saúde, o Comentador do horário nobre da SIC, ao Domingo, apresentou a habitual sequência de gráficos, segundo a qual, entre 2015 e 2022:

  • a quantidade de profissionais - médicos incluídos - afetos ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) aumentou significativamente;
  • a produtividade dos profissionais afetos ao SNS diminuiu significativamente;
  • os salários do pessoal médico baixaram, enquanto os da maior parte dos restantes setores - incluindo outros profissionais de saúde - subiram;
  • a quebra de produtividade deve-se, além das saídas por redução do nível salarial, em boa parte à tensão nervosa em que toda aquela gente vive, resultando num crescente absentismo.

Mesmo sem aqui especificar números, evidente se torna ao cidadão menos informado, ao telespectador mais distraído, que tudo decorre, por um lado, de absoluta incapacidade de planeamento e, por outro, de notória incapacidade até para assegurar a gestão corrente; e, antes que alguns comecem a culpar a COVID, será oportuno salientar que a Senhora Ministra da Saúde se encontra em funções desde Outubro de 2018, embora a doença apenas tenha sido promovida a pandemia já em 2020.

Assim, houvesse a indispensável reforma estrutural começado a ser desenhada ano e meio antes, pelo menos duas coisas bem positivas teriam ocorrido:

  1. a situação no SNS estaria, hoje, razoavelmente controlada e estabilizada, não dando azo àquilo a que temos assistido;
  2. teria sido incomparavelmente menos complicado gerir a pandemia.
Perguntemo-nos, pois:

  • o que andou, nesse primeiro ano e meio, a Senhora Ministra a fazer?
  • o que espera o sorridente Senhor dos Nossos Destinos para a substituir?

Faz uma certa confusão...

(leia aqui o desenvolvimento)

domingo, 26 de junho de 2022


Vitorino Nemésio


"Admirar não é, nem mais, nem menos do que
 prestar atenção.
Uma forma sublimada de prestar atenção

Vitorino Nemésio*)              
>(Se bem Me Lembro)                       


Cabe, a propósito, refletir um pouco sobre aquilo que, nos dias que correm, mais tendemos a admirar; ou a dedicar uma sublimada forma de atenção.

A resposta é, evidentemente, impossível de dar, uma vez que não somos um único ser, antes largos milhões de seres, a cada unidade desses milhões correspondendo um universo muito próprio e irreplicável de focos de interesse e atenção.

Nisto reside uma das maiores maravilhas dos seres: a individualidade.

Pensada, por quem nos terá criado, talvez para ser o veículo daquela diferença que impulsiona a evolução da Humanidade, a individualidade perdeu, nas poucas mas intensas décadas mais recentes, praticamente toda a substância. Impulsionada por uma rede mediática mercenária, voraz e descontrolada, a globalização amalgamou-nos em rebanhos de seres que, como as ovelhas, tendem a seguir os semelhantes que lhes parecem mais sábios, mais sabedores ou, mais propriamente, que lhes parecem mais pujantes, mais proativos, como agora dizem, independentemente das asneiras empreendidas em nome dessa proatividade.

Admiramos, também, os que nos parecem mais belos, apesar da distorção de que o conceito de beleza inferna já. Acima de tudo admiramos, todavia, os mais ricos, que nos deixam ora embasbacados, ora deslumbrados, ora simplesmente invejosos perante o glamoroso sucesso, como gostamos de chamar àquilo que nos aparece como fausto, fartura, tempos livres sem limite, piscinas, iates, relógios de um milhão de euros, viagens, automóveis, aviões, sei lá.

Como o tempo não dá para tudo, deixámos, em contrapartida, de o ter para contemplar e admirar a verdadeira sabedoria, a verdadeira sapiência; com estas, deixámos, de um modo geral, de admirar as outras antigas virtudes, hoje consideradas fora de moda, cenas de velhos, chatices a evitar.

De mentes vazias e espíritos anestesiados, paralisados, lá se vão estes magotes de boa mas mal educada gente queixando de tudo e mais alguma coisa, sobretudo quando vem do Estado, esquecendo-se de que, afinal, somos governados por pessoas como nós, que admiram o mesmo que nós e das quais, por isso mesmo, jamais será de esperar grande coisa. Como de nós.

Não sabemos quem somos, nem queremos saber. Não sabemos para que nascemos, nem queremos saber. Não sabemos para onde vamos, nem queremos saber.

Acreditamos, piamente, que um qualquer criador inconsequente, alucinado, tresloucado cá nos pôs com o propósito exclusivo de nos fazer curtir, aproveitar o máximo da vida, cair que nem uns patos nas esparrelas de anunciantes que diariamente nos espevitam a necessidade de criar dependências, de consumir, de comprar; e muito bem, já que, da maneira como a sociedade acabou por se organizar, se o consumo pára, ficamos todos na miséria.

(Repararam? A inversão de valores já é tal, que até o outrora tão condenado consumismo se transformou, assim, num ato de... altruísmo!)

Para que todas estas maravilhas possam acontecer - mesmo em tempos de pandemias ou desta coisa aborrecida da guerra, que não há de ser nada, se Deus quiser... -, o que importa é seguir o rebanho que, por sua vez, segue o pastor.

Mas não aquele pastor pobre e de feições desfiguradas pelas intempéries de uma vida desgraçada à doentia chuva e ao sol implacável. Esse, desprezamo-lo pela sua falta de sucesso.

Os pastores de hoje são os ídolos, os craques, aqueles que se exibem na montra mediática como se de peças de museu se tratasse. Como se tivessem abdicado da sua condição de seres humanos, de pessoas, para já não passar de objetos numa imensa vitrina que apenas existem para regalar os olhos embrutecidos de quem passa.

- x -

Haverá ambiente mais favorável do que este ao ressurgimento da extrema-direita e de novas e implacáveis ditaduras? Claro que não!

Depois, sim. Lá vamos cair em nós. Lá vão as cabeças recomeçar a funcionar, a olhar para trás, com olhos de ver. Lá vamos horrorizar-nos, retrospetivamente, com a vacuidade daqueles que tínhamos escolhido admirar. Lá vamos, aflitos, começar a pensar em como recuperar a tão querida mas desperdiçada liberdade que, por culpa nossa, outros nos conseguiram tirar.

Mas será que o ser humano não entende, mesmo, a responsabilidade imensa que implica viver em liberdade? Por que continuamos a confundir laxismo e anarquia com liberdade? Riqueza com felicidade?

Será assim tão difícil parar um pouco para pensar?

(leia aqui a sequência deste assunto)

sábado, 25 de junho de 2022

quinta-feira, 23 de junho de 2022


A Bica e o Preço da Cevada

Acabo de beber um descafeinado por 0,75€ num sítio onde, há bem pouco tempo, pagava menos dez cêntimos.

Significa isto que os anteriores 0,65€ sofreram, em três meses, um aumento de 15%, correspondentes a uma taxa de inflação anual de 60% - calculada de forma singela, para não complicar.

Ora, entretanto, os salários não aumentaram, as rendas das lojas, também não, a água tampouco e o preço da matéria-prima café sofreu um aumento em nada equiparável a este descalabro..

Assim, e tendo em conta o brutal aumento, por razões tristemente conhecidas, do preço dos cereais, a explicação apenas pode encontrar-se numa outra matéria-prima, que, supostamente, não entra na chávena.

Ou seja: a bica aumentou dez cêntimos por causa do aumento do preço da... cevada!

* *

A caricatura poderá ser forçada, mas situações de práticas comerciais de ética duvidosa é o que por aí não falta. Uma delas está ligada à venda, em supermercados, de embalagens de camarão.

(continua aqui)