domingo, 1 de setembro de 2024
Tanto IRS ainda por Pagar...
terça-feira, 11 de junho de 2024
Dicionário Alentejano
Abundam, na Internet, páginas intituladas "Dicionário Alentejano", ou coisa que se pareça. Parecem, no entanto, enfermar, umas de uns vícios, outras de outros, outras de uns e de outros.
Encontramos, amiúde, uma manifesta maior preocupação com a quantidade do que com o rigor, a qual gera, pelo menos, as seguintes indesejáveis situações:
- Inclusão de vocábulos e de expressões que tanto são utilizadas no léxico popular alentejano como no de qualquer outro ponto do País, para não dizer que um pouco por toda a parte. São disto exemplos "apoquentado", "bajolo", "bem falante", "campo da bola", "dar de si", "mana" ou até "dá cá um bacalhau" entre largas centenas, para não falar de termos e expressões brejeiros e, até, alguns da maior vulgaridade, que não passam de manifestações da mais rasteira educação de Norte a Sul de Portugal.
- Classificação como vocábulos de meras corruptelas, com especial incidência na pronúncia, e erros gramaticais, como "caféi", "emaili", "irmões", "nôti", "odepois", "pêxe" e outros que tais.
Ora, o que aqui se propõe também jamais será, evidentemente, um documento perfeito. É, antes, um esforço de coleção de vocábulos exclusivamente alentejanos ou utilizados com significado exclusivo do Alentejo, independentemente das terras em que são utilizados, ilustrados, sempre que possível, com exemplos práticos de aplicação na linguagem falada (entre aspas), ou com notas quanto ao significado ou à aplicação.
Também não será, alguma vez, um trabalho "completo", antes um documento em permanente evolução.
D I C I O N Á R I O
Vocábulo ou Expressão | Significado | Exemplos e Notas |
A | Casa, loja, oficina, local de trabalho, proximidade | "Fui à dele". "Fui à de si". "Assim que eu chego, o cão vem logo cá à de mim" |
À bruta | Muito | "Diverti-me à bruta!", "Aquelas paredes estão tortas à bruta!" |
Abaixar-se | Defecar | "Quando os pais da gente eram pobres, era naquele canto que a gente se abaixava" |
Abalar | Partir, ir | "A camioneta já abalou" |
Ajunto | Ajuntamento | - |
Alpendurada | Alpendre | Independentemente da dimensão |
Amanhar | Ajeitar, compor | Amanha-se, entre outros, um canteiro ou uma divisão da casa |
Amiudar-se | Arranjar-se, maquilhar-se | "Estava eu a amiudar-me, quando ele chegou" |
Apanhar * | Recolher para levar | "Lembrei-me de que não apanhei as cortinas (não as guardei no saco)" |
Anexim | Alcunha | - |
Aporcalhado | Com muitos enchidos e gorduras | "Fomos comer uma couve bem aporcalhada" |
Arranhado | Fanático | "É arranhado do Sporting!" |
Arrojar | Arrastar | "Aquela porta está a arrojar no chão" |
Assomar | Espreitar, aproximar | "Assome-se lá aqui ao pé de mim" |
Atabefe | Almece | - |
Aventar | Atirar | "Avente lá isso para cá". "Isso é para aventar (para o lixo)". |
Avinagrar * | Zangar-se, azedar | "Depois, um homem começa a avinagrar e..." |
Balseiro | Preguiçoso, negligente | - |
Banquinha | Mesa de cabeceira | Também se utiliza 'banquinha de cabeceira' |
Barrasco | Porco | v.'marrã' |
Brando | Macio, fresco | "Essa massa ainda está branda". "A terra está branda". v.'bruto' |
Brinhol | Fartura | Bolo de azeite e farinha |
Bruto | Duro, rijo, zangado | "O calor vai bruto". "Ficou bruto comigo" v.'brando' |
Caga no ninho | De pequena estatura | "A equipa é toda caga nos ninhos" (como o pássaro pequeno que não consegue sair do ninho para fazer as suas necessidades) |
Capacho | Gaspacho | Por vezes, quando utilizado numa variante em que as diversas componentes são servidas à parte e mergulhadas, à mesa, no caldo |
Carne | Força de braços | "É preciso carne para levantar esta pedra" |
Carne cheia | Enchidos | - |
Cegueira | Paixão | "Ele tem uma cegueira por aquele gato" |
Chaboqueirão | Poço tosco, inacabado | - |
Chaparro | Sobreiro de pouca idade | - |
Corto | Cortado | Utiliza-se a forma caída em desuso do adjetivo (v. no Mosaicos 'Limpo ou Limpado'. "A carne já está corta" |
Criador | Viveiro | "Joguei a semente toda num criador" |
Curriol | Curriola (espécie de erva invasora: convolvulus massonii) | "O curriol vai bruto, este ano!" |
Dar andamento | Despachar, acabar | "Estava ardendo que aquilo desse andamento para me vir embora" |
Dar um aconchego | Ajustar | "Só me falta dar um aconchego nesta peça" |
De rijo | O m.q. "À bruta" | "Chorou de rijo" |
Deixar-se | Estar apto a, estar pronto para | "Não se está a deixar desmontar". "Já se deixa comer" |
Derrochado | Extenuado | "Tenho andado que me tenho derrochado" |
Destarpalhar | Dessarumar | - |
Devasso * | Lasso, com folga | "Os parafusos estão devassos" |
Dizer | Ficar bem ou mal | "Vamos lá ver o que é que ele (o material, o equipamento) diz", ou seja, "se fica bem assim". Utilizado em cozinhados, montagens, reparações, por exemplo. |
Empenhado | Atrapalhado | "Agora é que fiquei empenhado" |
Engenho | Motor | "Avariou-se-me o engenho" |
Enguiçar | Aborrecer | "O que mais me enguiça é ter de fazer isto" |
Escolher | Perseguir | "Até parece que me andam a escolher!" |
Escôpalo | Escopro | - |
Esgranacha * | Confusão, desarrumação, chiqueiro, incómodo | "peço desculpa pela esgranacha que aqui fiz" |
Esmartuçado | Deteriorado, estragado | "Aquela cadeira já está toda esmartuçada" |
Esmilhar | Esfarelar, desfazer | "Cuidado que o reboco pode esmilhar!" |
Esparvalhado | Enlouquecido, alucinado | - |
Estojo * | conjunto de ferramentas e utensílios que se leva para o trabalho | "Para qualquer coisinha, já viu o estojo que é preciso?" |
Feiticeira | Espécie de borboleta | Pequena, castanha |
Fazer mal | Atrapalhar | "Estou-lhe a fazer mal?" |
Ganhão | Trabalhador agrícola | Habitualmente, pago à jorna; jornaleiro |
Ganho (adj) | Pronto, concluído | "Este, está ganho" |
Ganir à volta do coreto | Queixar-se | "Esta também não tem muito que ganir à volta do coreto!" |
Garganeiro | Ambicioso | "A filha dele é muito garganeira" |
Lá além | Ali | "O carro dela é aquele lá além" |
Lagarice | Lamaçal | "Isto aqui está uma lagarice!" |
Lonjura | Distância | - |
Maresia | Orvalho | "Ontem caiu muita maresia" |
Marrã | Porca | Porca pequena que já deixou de mamar (v. 'barrasco') |
Matulo | Alto, saliência | "Se pintar por cima deste matulo fica-se a ver a diferença" (no reboco) |
Mimoso | Mimado, que gosta de carícias | "É um gato muito mimoso" |
Moitão | Grande quantidade | "Jogou para aqui um moitão de pedras" (mais utilizado com materiais, mas "gastou ali um moitão de dinheiro") v. 'remessa' |
Monturo | Monte | "Há ali um monturo de lenha" |
Notícia | Perceção | "Não dei notícia da trovoada" |
Pasto * | Erva, relva | "O ralo do tanquer estava cheio de pasto" |
Pertencer | Aplicar a | "Este, não pertence" (não se aplica a isto) |
Pescoço | Nada | "Isso não quer dizer pescoço" |
Pezinho | Acabamento fino da pintura, habitualmente junto ao chão ou no rodapé | "Falta ainda fazer o pezinho" |
Poejinho | Hortelã da ribeira | Também 'poejo do Guadiana' |
Polvoró | Polvorosa | "Andava tudo num polvoró" |
Recado | Ralhete, reprimenda | "Lá me vai a cliente dar um recado..." |
Remessa | Grande quantidade | "Foi-me lá levar uma remessa delas" (mais utilizado com substantivos abstratos ex: uma remessa de casos) v. 'moitão' |
Sarrisca | Brita | - |
Saruga | Espécie de espiga | (Espiga pequena e seca, que se prende na roupa) |
Sopa depois do almoço | Ato inútil ou vão | "Desculpas, são sopa depois do almoço" |
Tarro * | Pequeno balde de cortiça para transporte de alimentos | "-" |
Titarada | Tralha, confusão | "Tenho de arrumar esta titarada" |
Trazer | Ter disponível (tempo) | "Só trago a manhã", "Eu, naquele dia, nem trazia paciência" |
Vasculho | Vassoura de urze para varrer a eira, o cimento | O m.q. 'canheiro' noutras regiões |
Ver de | Tratar de; procurar | "Bem, vou ver do almoço" ou "vou ver dele" |
Virotada | Vezada | "Fiz aquilo tudo de uma virotada" |
Zambarino | Bamboleante, instável | "Aquela escada é muito zambrina" |
Zorra | Raposa | - |
* | Adicionado na mais recente atualização (20.08.2024) |
Os termos e expressões foram recolhidos diretamente, ficando a questão da exclusividade alentejana e do rigor sob qualquer outro aspeto sujeitos à generosa validação do Leitor, para o que poderá utilizar o espaço de comentários, referindo, por exemplo, outras regiões portuguesas em que o tenha ouvido utilizar.
Ao Leitor não anónimo peço, também, que enriqueça com palavras ou expressões por si ouvidas no Alentejo, cuja exclusividade alentejana possa garantir.
sexta-feira, 29 de março de 2024
Tripolarização
Tal como sucede com muitos supostos neologismos que não passam, em boa verdade, de mais ou menos graves degenerações da língua portuguesa, aqui o erro é crasso e evidente, embora ninguém pareça preocupar-se muito com o assunto.
"Polo" pode também ser, extensivamente, cada uma das duas extremidades opostas de um magnete, ou, em sentido figurado, qualquer dos elementos de um conjunto de duas realidades opostas entre si.
Do que antecede, extrai-se, antes de mais, que os polos são, sempre, dois, o que conduz a também duas conclusões:
- primeira: o amplamente dicionarizado termo "bipolarização" contém evidente redundância, pois, sendo os polos sempre dois, bastaria falar de "polarização" para qua a dualidade ficasse perfeitamente estabelecida, assim se mostrando, no contexto, o prefixo "bi" absolutamente inoperante e, como tal, indesejável;
- segunda: a felizmente ainda não dicionarizada "tripolarização", em sentido próprio, que aqui nos traz - ou seja, a existência de três extremos, supostamente opostos entre si - não passa de uma impossibilidade material inopinadamente introduzida pelo prefixo "tri".
Há que mencionar, no entanto, a existência do termo "tripolar", também impropriamente utilizado, por exemplo, em física ou em psicologia, referindo-se, não a uma verdadeira polaridade, mas à mera diversidade, à margem da ideia de oposição, o que tampouco é admissível.
-x-
Esta infeliz ideia da "tripolarização" política teve origem no ganho de preponderância de um pequeno partido quando da eleição legislativa portuguesa de Março de 2024, a qual lhe deu algum peso efetivo na contabilidade parlamentar. Terá, desta forma, deixado de existir, como até então acontecia, um quadro com dois partidos dominantes, para, ainda que forçando um pouco as coisas, se passar a poder falar de um trio.
Todavia, nem no anterior cenário parlamentar português a utilização do termo "polarização" - ou "bipolarização", se insistirem na redundância - faria qualquer sentido, dado que os tais dois maiores partidos se posicionavam no centro do espetro político, e não nas extremidades, como é pressuposto de uma polarização.
Ponhamos, assim, um freio à criatividade destemperada, absurda, geradora de neologismos chabouqueiros que a mais não levam do que à inapropriada "evolução" do português, e fiquemo-nos pelo "bipartidarismo", ou pelo "tripartidarismo". Ou, até, pelo "tetrapartidarismo" e por aí fora, que, dominantes ou não, sempre poderá haver tantos partidos quantos quisermos em democracia.
Polos, extremos opostos, é que não.
terça-feira, 19 de março de 2024
A Gata do Coração
Às vezes, até dormiam juntos. Ele a abraçar-lhe o frio, ela a aquecer-lhe o coração.
Para ele, o café da manhã; para ela, um pouco de ração. Para ele, o trabalho por casa ou no quintal, que era o mundo dela; para ela, um rato ou um passarinho, o troféu, a refeição.
À noite, lá ele lhe abraçava o frio, lá ela lhe aquecia o coração.
-x-
Dormir com a gata na cama? Que horror, dirão! Que porcaria! Micróbios! Álcool, já! Desinfeção!
Não passa, afinal, esta história de mais uma do primado do coração sobre a razão, eternos opostos que, a cada dia, dentro de nós debatem, por um lado, a substância, a essência da vida; por outro, o que dela fizemos, a grande e caricata ilusão.
Faz-se, agora, inteligência não humana, artificial, desumana, nascida da razão dos computadores, do puro e frio raciocínio, destituída de emoção. Mas o núcleo de nós, homens e gatos, não é replicável, explicável, racionalizável; e é ele a razão de tudo, da própria Criação.
Essa nova inteligência de que falam, imensa, deslumbrante, aterradora, não passa do exponencial desenvolvimento do conhecimento e da lógica que sobre ele opera, arrimado em intermináveis sequências de instruções e em bancos de dados de inimaginável dimensão.
Mas, dizem os sábios, jamais alguém vencerá o verdadeiro desafio: entender o coração, seja ele o do Homem, do gato ou do cão.
- x -
A nós, simples e pequenos, convém o simples e pequeno: fica mal a roupa, quando é larga ou roça o chão.
Por um segundo da Vida, a pequena gata foi a fiel companhia do também pequeno velho.
Nas noites de Inverno, ele abraçou-lhe o frio; ela, aqueceu-lhe o coração nas noites de solidão.
sábado, 2 de março de 2024
A Queda do Anjo
"A incompetência dos democratas é o berço dos ditadores"
"Foi o carisma que lançou a extrema direita, e é de falta dele que a democracia irá morrer"
"~(...) grassa a nuvem negra e lambaz da corrupção instalada, que a inércia do legislador, a inépcia do judiciário
e o titubear do judicial parecem empenhar-se em perpetuar sob o céu azul que ela há muito de nós escondeu"
Esta coisa do bipartidarismo português nunca passou de um mito.
O que emergiu do 25 de Abril foi um Partido Socialista (PS) endeusado pelo indiscutivelmente meritório desempenho de Mário Soares na definição e posterior consolidação da lusa democracia.
Nunca houve dois polos: apenas um partido, dito socialista. Resolvidos os incómodos e sobressaltos que, imediatamente se seguiriam à Revolução, os restos que ficaram, de um de de outro lado do Hemiciclo, jamais passaram de paisagem mais ou menos alcantilada da qual se ia precipitando, imparável, o Partido Comunista, pontilhada por mais ou menos expressivas, mais ou menos caricatas e invariavelmente efémeras emanações partidárias de coisa nenhuma.
- x -
Acostumou-se, pois, o nosso bom povo a vegetar politicamente sob a asa protetora de um eterno PS, em cujos patriarcas de divina áurea sempre confiou, e a cuja angelical asa protetora quase sempre se encomendou.
Uma asa, diga-se, curtida na resistência heroica de uns quantos aos desmandos da República em tempos de má memória. Uma asa que nada parecia capaz de perfurar, e que jamais se imaginaria poder soçobrar ao sopro de adversas mas, desta vez, mais moderadas tormentas.
Jamais, até que aconteceu um Sócrates, de magníloqua "narrativa", campeão da anchura, cuja indelével nódoa de narcísica jactância e básica incompetência governativa, nem que piquem e reboquem, de alto a baixo, as paredes do Largo do Rato, alguma vez as deixará. Ao que já vai parecendo, só mesmo a História o julgará...
Seguiu-se Costa, o pantanoso arrastar de criptobióticos governos que se diria de mera gestão, devotos da tesouraria, e aos quais a simples ideia de uma reforma estrutural que fosse parecia causar infernal brotoeja e comichão.
Enquanto dava golpes de rins para se equilibrar no periclitante baloiço da geringonça, Costa, qual bonecreiro, criou e orientou jovens "turcos e turcas" que, a ele "colados e coladas" como musgo, germinaram "ansiosos e ansiosas" por fazer coisas bonitas para agradar ao mestre; e por alardear ideias que, cá por fora, os burros dos mais crescidos achassem apelativas, ousadas, inteligentes e inovadoras.
Politicamente adolescentes, ignorantes da vida fora do aparelho partidário que os vira parecer crescer, cedo lograriam fazer definhar em redor, por desânimo e saturação, aquelas velhas e frondosas árvores socialistas cujo exemplo desprezavam, em lugar de dele beber ensinamentos. Delas, apenas vemos hoje levantar-se um pouco do chão ressequidas flores da memória, ao sabor de alguma brisa mais travessa.
Outrora pertinazes e pugnazes, resistentes como tartígrados, em vez de morrer de pé foram, suavemente, baixando os desalentados ramos, perdendo as poucas e envergonhadas folhas, deixando o Partido, oco de causas, desnorteado, vazio; e, à deriva, aqueles de nós que, outrora, na sua governação se aninharam, depois nele continuando a votar apenas por inércia e à falta de verdadeira alternativa.
- x -
A hipocrisia das ideologias ditas "de esquerda" - as que prometem a igualdade a expensas do défice e, depois, "os ricos que paguem a crise" -, encarregou-se a História de desmascarar.
As atuais supostas diferenças partidárias reduzem-se, assim, ao carisma de quem dá a cara: é o carisma que ganha o voto de uma população de eleitores, ora ainda ignorante, ora já desinteressada. Como bem sabem as direções de campanha, dêem-lhes palhaçada, intriga, folclore, almoços, frigoríficos, e o voto é garantido.
Foi o carisma que lançou a extrema direita, e é de falta dele que a democracia irá morrer. Quebradas as em tempos majestosas mas há muito estaladiças asas, já se estatelou no solo o último bastião, o anjo dito socialista. Tombou órfão, tal como, antes dele, os outros três Magníficos de Abril.
Costa, goste-se dele ou não, foi o último carismático nos quatro partidos dignos desse nome. Do PS do dia seguinte a Costa... ficou isto que se vê.
Fracos, como tantos outros, em ideologia, que carisma têm, que fé merecem, que confiança inspiram tão pouco acendrados meninos de coro, quais atarantados escuteiros de voz monocórdica, fala titubeante, rosto tenso, falta de planta, ar desinteressante?
Gente "com estudos", que se exprime como se perorasse em reuniões de alunos convocadas para dizer mal dos professores. Gente estuante de desejo de sobressair, de mandar, mas de discurso sem futuro, arauto das estafadas "empatia" e "humildade", mas elogiosa do passado inútil de um mestre sem obra estrutural feita, com o qual nos acena qual marco glorioso no qual algo houvesse do que se orgulhar.
Irá a falta de identidade, de estrutura, de carisma merecer a benquerença de quem vota, a ponto de confiar num partido apenas bom para agravar o caos em que a Administração Pública ele próprio afundou?
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A incompetência dos democratas é o berço dos ditadores.
Como nos espantarmos então, que, encapotados, estes vão brotando de partidos de protesto, sem estrutura, sem Norte, sem causas que não a descarada exaltação do ego de pelotiqueiros e pícaros cabecilhas, e o mal disfarçado encher do bolso do hábil guloso à custa do parco provento do saturado néscio?
Como respeitar, politicamente, minúsculos partidos, velhos ou novos mas quase sempre patéticos, quase todos ínfimos grupelhos de protesto, originalidades sem esqueleto às ordens de caricatos mas despóticos pastores? Para que servem, além do aleatório agitar das águas, nelas diluindo o voto, assim perturbando mais ainda o navegar dos grandes vapores?
Politicamente falido, ideologicamente desacreditado e tecnicamente anedótico, será aquele partido de esquerda que o PS não é que nos vai tirar do lodo e acalmar as angústias? Ou um PSD consumido em guerras intestinas, no qual ninguém se entende? Onde um ou outro esqueleto mais ou menos mumificado, mais ou menos oportunista, insiste, aqui e ali, em dar à costa apenas para mostrar quão bem sabe dar tiros no pé?
Claro que não!
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A paz social está seriamente ameaçada pela desigualdade no tratamento salarial das diversas forças de segurança e militares. Tudo isto, devido a uma decisão*) negligente, precipitada, quase infantil de quem, quando a tomou à pressa e com eleições à porta, muito mais teria já em que pensar.
Poucas semanas se passarão, depois de Março, sem que a bronca estale, a menos que, inesperadamente, um novo anjo por cá aterre com uma inesperada, apaziguadora e, sobretudo, milagrosa solução.
Entretanto, pairando sobre o corpo tombado do PS, grassa a nuvem negra e lambaz da corrupção instalada, que a inércia do legislador, a inépcia do judiciário e o titubear do judicial parecem empenhar-se em perpetuar sob o céu azul que ela há muito de nós escondeu.
De branco, só o meu voto de protesto.
Um voto em branco que nada muda, é certo. Mas. para melhor, pouco ou nada por cá irá mudar.
Vote eu em quem votar...
terça-feira, 27 de fevereiro de 2024
Das Galinhas Colocadeiras
A erudição não nasce do comum, do geral, pelo que "colocar" não é,
Se o facilitismo é, já de si, nefasto e pernicioso,
Simplicidade, está a tornar-se, cada vez mais, um conceito incompatível
com a noção de sucesso no funcionamento do elevador social. O que é simples não exalta, não conta, não tem valor.
Pior ainda, é que os embasbacados com a “cultura”
demonstrada por quem assim tão “bem” fala adiram à nova “moda linguística", sob
o olhar complacente, se não aprovador, daqueles a quem competiria zelar pela
pureza do idioma, mas que, ao invés, contemplam, embevecidos o que consideram evolução
da língua, e não passa, afinal, de simples mudança degenerativa. Ou seja: para
pior!
- x –
Vem este arrazoado a propósito da mais ou menos recente condenação à morte da palavra “pôr”. Lembra-se o Leitor de quando, mais recentemente, ouviu na televisão uma ou outra forma deste verbo? E na boca de quem?
Pois não. É que as pessoas já não põem: colocam!
Colocam vidas em risco, dinheiro a prazo, fogo no armazém, palavras na minha boca, uma pedra no assunto; colocam pessoas em causa, em posição delicada ou sob vigilância; colocam imóveis no mercado, colocam os piscas antes de virar o carro, a vida coloca-lhes obstáculos e desafios, os treinadores colocam jogadores no “onze”; colocam alguém ao nível de outrem, e até colocam o Windows 11 no PC.
Esquecem-se - ou jamais souberam - de que o verbo colocar está associado a uma ideia de cuidado, de precisão na colocação ou instalação física de algo.
Ora, isto é bem diferente daquilo que sucede com o verbo pôr, destinado a apenas significar, genericamente, levar a determinado lugar - material ou imaterial -, ou lá deixar ou largar algo, sem especial preocupação quanto às circunstâncias em que é levada a cabo a ação.
Serve, também, o verbo pôr para significar, em linguagem popular, vestir, incluir, acrescentar, expor, atribuir, ficar, chegar, começar e tantas outras ações.
Admitamos que será, porventura, este caráter popular
associado ao verbo pôr que leva muitos falantes do português - e,
sobretudo, do brasileiro que para cá as telenovelas vão trazendo - a considerar que colocar é, dele, uma forma mais elaborada. Menos simples, mais... sofisticada, pensam eles.
Ora, isto não é verdade. Nem pode ser, já que o próprio verbo pôr, enquanto forma popular, é em si mesmo uma substituição genérica, abrangente, mais cómoda, das diversas formas mais específicas, menos cómodas, mais difíceis; ou mais eruditas, se assim quiserem chamar-lhes. Aquelas de que nem sempre a gente se lembra a tempo e, por isso... coloca, que é mais fácil e dá para tudo. Para cada vez mais.
- x -
A erudição não nasce do comum, do geral, pelo que colocar não é, de modo algum, uma forma genérica supostamente erudita do mais popular pôr. Se o facilitismo é, já de si, nefasto e pernicioso, pior fica, ainda, quando lhe é apimentado com a presunção.
Colocar corresponde a um conceito bem mais definido do que o simples pôr, o qual deve ser, preferencialmente, utilizado em linguagem coloquial, sempre que a ideia de rigor na localização estiver afastada da proposição. Em contrapartida, e com todo o cuidado e precisão, coloca-se um prato sobre a mesa, a loiça no armário, a primeira pedra no terreno de uma construção.
Formula-se ou apresenta-se uma dúvida, mas não se coloca. Pôr uma camisola é a forma popular de vestir uma camisola, pelo que a alternativa a este pôr não será colocar uma camisola, mas sim vesti-la.
Põe-se os piscas do carro, ou liga-se, mas não se coloca os piscas, a não ser durante a montagem do automóvel. Nesse processo, sim: coloca-se os piscas em lugares físicos bem precisos e determinados da carroçaria, de acordo com o projeto.
A esta conclusão conduz, também, o facto de, para pôr, apresentarem esses e outros dicionários cerca de quatro dezenas de significados, enquanto, para colocar, mais não propõem do que, quando muito, uma escassa dúzia. A serem, de facto, sinónimos, para um e para outro a quantidade de significados seria, presumivelmente, igual ou, pelo menos, razoavelmente equivalente, como é bom de ver.
Não é, porém, o verbo pôr a única vítima desta moda
das colocações.
Colocam-nos perguntas, em lugar de as formular ou fazer; colocam artigos na lista, em lugar de incluir; colocam textos em inglês, em lugar de os retroverter; colocam
questões, em lugar de as formular – embora até já haja quem faça, questões, sabe-se lá por que estranho processo de fabricação.
Em lugar de apresentar, atribuir, fornecer, dar, fixar, colocam divergências, responsabilidades, garantias, situações, objetivos e tantas coisas mais. Até já há quem coloque baixas médicas - pergunto-me onde! -, em lugar de as apresentar; ou meter, na forma popularmente.
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Tudo isto não passa, naturalmente, de uma reflexão, de uma visão pessoal da problemática enunciada, procurando explicá-la mediante um olhar crítico sobre a sociedade contemporânea, visão essa destinada a ser, por quem com ela não concorde, contestada de forma fundamentada em conhecimento científico - ou, pelo menos, mais válido do que outras meras opiniões.
Certo, certo, parece ser que o esfumar do verbo pôr e dos outros que, a esmo, com esforço mínimo e a seu bel-prazer, cada qual substitui por colocar irá continuar imparável, paralelamente à ânsia galopante de aparentar saber-se o que se não sabe e de parecer o que se não é.
Continuará, e um dia ouviremos falar de galinhas colocadeiras, as tais que, em vez de, simplesmente, pôr os ovos, de os largar algures no ninho, os colocam num local selecionado.
Com todo o cuidado e precisão.