quarta-feira, 8 de junho de 2022


O 9 de Maio e o Jubileu de Platina

Outrora olhados como exibições destinadas a ostentar e a demonstrar o poder político e militar de quem reina ou governa, os mais recentes desfiles militares que as televisões nos trouxeram mais parecem tentativas vãs de aparentar um poder debilitado ou praticamente inexistente.

Na Rússia (ainda) de Vladimir Putin, a parada do 9 de Maio não passou de uma vergonhosa encenação que alguém com vergonha teria preferido cancelar, para não lembrar o enorme fiasco de que, na Ucrânia, já então o aparatoso exército vinha padecendo.

No Reino Unido (para sempre) de Isabel II, a parada que integrou as comemorações do Jubileu de Platina não passou de uma hipócrita tentativa de associar as poderosas forças armadas britânicas a um trono completamente esvaziado de poder, "servido" por um governante descredibilizado, de cabelo loiro desgranhado e, ao que parece, de circuitos cerebrais algo desgrenhados, também.

Não deixa de ser verdade que a ânsia de ver, ao vivo, Sua Majestade ainda atrai uns milhares de deslumbrados vindos um pouco de todo o Mundo, o que algum impacto terá nas finanças do Arquipélago. Mas, além do diminuto significado da monarquia no ordenamento político atual, como não relacionar, em extremos opostos, todo aquele efetivamente inútil dispêndio de verbas com a fome que grassa no Planeta, com a miséria causada pelas guerras, com tanta gente que não tem porque não tem como vir a ter aquilo que outros olham com o desdém de quem muito tem e dos outros nem quer saber?

Estas demonstrações de um cada vez mais imaginário poderio servem, afinal, para quê?

Destinam-se a enganar quem?

segunda-feira, 6 de junho de 2022


Contra-Informação: A Carta (de Acabado Silva)

Não perca! Nem chega a três minutos, e vale bem a pena.

O saudoso Contra-Informação, da RTP,  deixou-nos diversos momentos inesquecíveis, de alguns dos quais os protagonistas bem gostariam de que conseguíssemos esquecer-nos.

Tal é, provavelmente, o caso deste pequeno trecho transmitido em 10 de Junho de 1997 - vinte e cinco anos atrás! - , no qual, ao som da conhecida música dos Rio Grande "Postal dos Correios", Acabado Silva lamenta a longa ausência da ribalta do poder, aparecendo, na resposta, Marques Bentes e o Professor Martelo, que de um regresso de Acabado à política nem querem ouvir falar.

"Querida Mãe, querido Pai, cá estou eu
No degredo da política nacional.
As saudades que eu tenho do poder,
Já são tantas que até me fazem mal
(...)
Mas vocês estão aí no deixa andar,
E o PS faz o que lhe apetece,
Quem não sabe fazer oposição
Depois, olha, tem aquilo que merece"

E por aí fora, até que os outros respondem:

"Este agora anda armado em filho pródigo,
Deve achar que alguém quer vê-lo voltar,
Tal havia de ser o disparate,
Felizmente estamos cá para o evitar".

Vinte e cinco anos depois, não sei por que haveria, agora, de me lembrar disto...
Será por haver pessoas que continuam na mesma vinte e cinco anos depois?


Video também disponível em artuivo.rtp.pt



Em pleno século XXI, que razão poderá, ainda, encontrar-se para a subsistência de um partido que, assumidamente, admira e advoga os princípios da teoria soviética dos primórdios do século passado?

LEIA AQUI

uma análise objetiva sobre o PCP dos nossos dias
e o processo entrópico em que mergulhou




O futuro tem Partido,
ou não há futuro para o Partido?

domingo, 5 de junho de 2022


Sentido de Estado

"No momento em que é eleito para o importante cargo de presidente da República,
um cidadão de adequada qualidade pessoal e intelectual compenetra-se, imediatamente,
do peso da responsabilidade assumida e, com esta, do dever de salvaguardar a aura de superioridade institucional
e moral do lugar que ocupa, e por toda a sua vida ocupará na memória dos cidadãos
"

"Num mundo civilizado, será, assim, impensável que um outrora presidente da República venha, do nada,
desafiar um primeiro-ministro em funções a fazer melhor do que aquele terá feito no passado
"

"Será, além do mais, de esperar que o trato do tempo algumas arestas lime em algum indivíduo mais básico,
menos educado que as contingências da democracia na presidência da República acabem por alcandorar
"

Sentido de Estado
Se o significado de sentido de estado é tão evidente como qualquer outro, não menos certo é que a definição de sentido de estado é tão difícil como qualquer outra. Se não quanto à substância, pelo menos quanto ao grau, ou seja, à fronteira além da qual, do ponto de vista da legalidade, da decência, da probidade, da mais elementar educação, cada um considera que seria ilegítimo comportar-se no desempenho das funções públicas que lhe foram confiadas.

Resta, naturalmente, o caso daquelas figuras públicas que, sem reserva ou pudor, desvalorizam o dever de se comportar de forma responsável e cívica, reféns que estão do próprio umbigo, do incomensurável ego que terá determinado, desde a génese, a decisão de enveredar por uma carreira política orientada, não para o serviço da coisa pública, mas do engrandecimento e glorificação de coisa própria, mormente património, imagem ou poder.

Ora, casos de manifesta falta de sentido de estado não têm faltado.

Quem não se lembra das trapalhadas do Ministério da Justiça no processo de nomeação de um procurador europeu?*) Ou do Presidente da Assembleia da República que, em plena crise pandémica, convidou todos os portugueses a deslocar-se a Sevilha para assistir a uma partida de futebol?*)

Por mais que estejamos cientes de que por aí anda muita gente mal formada, pouco educada, insensata, insensível, quase todos os dias os mais diversos canais informativos nos confrontam com demonstrações de boçalidade pessoal e política, de inabilidade social, que em nada beneficiam, cá dentro como lá fora, a imagem de Portugal.

O que dizer do ministro da economia - hoje arguido num processo-crime - que, em plena sessão parlamentar, dirigiu, a um deputado da oposição, o conhecido gesto representativo de um par de chifres?*) Ou do secretário de estado que entendeu que, a nível internacional, Portugal saiu beneficiado com a pandemia?*) Ou do outro que apodou de estrume e de coisa asquerosa um programa televisivo de informação?*) Mesmo assim, mantém-se no poder, embora em pasta diferente, o que bem diz do sentido de estado de quem, não obstante, o convidou...

A par da deficiente formação e educação, a incompetência endémica que grassa, descontrolada, pela cena política nacional leva certos indivíduos a personalizar o impessoal, a esquecer-se de que, em prol da inviolabilidade da missão que desempenha, devem ser tratadas na esfera privada e pessoal as disputas privadas e pessoais do titular de um cargo institucional.

Tampouco poderemos esquecer-nos das indecorosas declarações de uma bastonária*) – agora também a contas com a justiça por alegada falsificação de contas – segundo a qual “(…) a quantidade de trastes por metro quadrado no País, que é pequenino, está insuportável! Oh criaturas horrorosas, fina flor do entulho!”; ou que chama esterco a um jornalista*) e envia cumprimentos ao respetivo pai, já falecido.

Ser frontal e, até, polémico é um direito; mas esse exercício elementar da liberdade não pode ser, em instância alguma, confundido com vulgaridade, com ordinarice, com baixeza.

Só ataca o autor quem não tem como atacar a ideia.  Significa isto que, ou o atacante é incompetente, ou o autor tem razão. Seja qual for o caso, a forma ordinária do discurso sempre acabará por ofuscar o brilho do conteúdo, por muito que o autor possa estar com a razão.

Perdurarão na memória coletiva a frieza do escandaloso e degradante desempenho de um certo ministro da administração interna em diversos momentos do seu mandato, e a despudorada exoneração de um chefe do estado-maior da armada em benefício de um popular herói da vacinação. As trampolinices com graus académicos não são novidade, e os recorrentes episódios de excessos de velocidade ao volante de viaturas oficiais sem justificação plausível e aceitável tendem a ser olhados com naturalidade, se não com respeitosa admiração.

O mesmo acontece com a apresentação e promoção, por parte dos diversos partidos políticos, de candidatos autárquicos elementares, manifestamente inaptos para a função, ineptos, até; incapazes de alinhavar duas frases e de articular duas ideias, exemplares emergências do país profundo cuja existência, invocando as estatísticas da frequência escolar que zelosamente alimentam, os poderes instituídos insistem em negar.

Tudo isto é feio, tudo isto é triste, tudo isto é fado, a fatalidade quotidiana e comezinha da política nacional, que, de tão degradada que está, já não consegue recrutar pessoas de qualidade pessoal e técnica para nos dirigir ou governar.

- x –

Constitucionalmente situado num patamar muito acima de qualquer outro cidadão e, supostamente, ao serviço de todos eles, eleva-se, desejavelmente intocável, a imagem dos sucessivos Presidentes da República Portuguesa, supremos magistrados da Nação, garantes da estabilidade, da liberdade e da igualdade, para os quais todos quereremos poder olhar com respeito e admiração.

No momento em que é eleito para tão importante cargo, um cidadão de adequada qualidade pessoal e intelectual compenetra-se, imediatamente, do peso da responsabilidade assumida e, com esta, do dever de salvaguardar a aura de superioridade institucional e moral do lugar que ocupa, e por toda a sua vida ocupará na memória dos cidadãos.

Este dever de salvaguarda não resulta, longe disso, de propósitos de engrandecimento ou exaltação pessoais, antes da necessidade de preservação da dignidade do cargo, independentemente de quem, em cada momento, o ocupar, preservação essa essencial ao exercício, quer da magistratura de influência, quer dos poderes efetivos de supervisão da atividade governativa de que estará investido e lhe competirá exercer.

O momento em que assumir tão altas funções deverá, por tudo isto, ofuscar, quase apagar, quaisquer reminiscências do passado em funções hierarquicamente inferiores que, ao longo da carreira política, o novo titular possa ter desempenhado.

Jamais deverá, assim, o próprio vir a campo defender, sobretudo a despropósito ou com motivação forçada e sem provocação, o seu anterior desempenho no governo, ou desafiar a fazer melhor quem, imediatamente ou não, o tiver sucedido no mesmo cargo. Fazê-lo, seria, não apenas ridicularizar-se, mostrar de si uma essência eticamente pouco estruturada e uma forma indizivelmente elementar, como minimizar o estatuto de tão alto magistério, dessa forma comprometendo, ingloriamente, o desempenho dos que nele lhe viessem a suceder: a imagem do cargo oscilaria no pedestal que, à eficácia no desempenho, é tão essencial.

Já de si, e em quaisquer circunstâncias, o combate político vazio de ideias, comezinho, rasteiro é, a todos os títulos, um espetáculo degradante. Que a tal nível pudesse, alguma vez, descer um outrora presidente da República seria uma inequívoca demonstração, não apenas da incapacidade genérica e inata para o desempenho do cargo, como do erro histórico em má hora cometido pelos votantes quando da eleição.

Num mundo civilizado, será, pois, impensável que um outrora presidente da República alguma vez venha, do nada, desafiar um primeiro-ministro em funções a fazer melhor do que aquele terá feito no passado. Será impensável que, numa espécie de carta aberta eivada de pronomes pessoais e possessivos na primeira pessoa do singular, publique um monótono e entediante cardápio dos seus feitos no exercício de um pretérito poder executivo, numa aparente tentativa egocêntrica de atrair para si a atenção de uma comunicação social que já pouco ou nada lhe ligue por, sobre ele, já pouco ou nada de interesse haver a noticiar.

Será, além do mais, de esperar que o trato do tempo algumas arestas lime em algum indivíduo mais básico, menos educado que as contingências da democracia na presidência da República acabem por alcandorar.

- x -

Os Presidentes da República que já não estão entre nós sempre assim o entenderam e agiram em conformidade. O primeiro Presidente da República eleito no atual regime, também.

O atual Presidente da República tem manifestado igual entendimento.

O elevado sentido de estado de todos estes sempre, respeitosamente, poderemos louvar.

* *

Como o exemplo vem de cima - seja lá, no presente caso, este cima o que for... -, não admira que diversos atores políticos continuem a fazer figuras tristes, supostamente em defesa de... de quê?

(continua aqui)

sábado, 4 de junho de 2022


Em Defesa do Idioma

Vale o que vale, mas não deve passar em claro a tentativa da França no sentido de expurgar o idioma da enxurrada de anglicismos*) importados mormente através dos canais associados à informática e às redes sociais - aos quais haverá que juntar, a desenfreada proliferação de emojis e, no caso português, de brasileirismos atirados a esmo.

Não será, propriamente, animadora a previsão de acolhimento pela restante população da imposição, aos funcionários públicos, da utilização de expressões como joueur professionel em lugar de pro-gamer, ou de joueur-animateur en direct para substituir o bem mais simples streamer. Pode, até, dizer-se com propriedade que a coisa é pouco prática, que gasta mais tinta, que demora muito tempo a dizer e uma infinidade de argumentos contrários absolutamente razoáveis.

A iniciativa é, não obstante, meritória, quanto mais não seja por procurar quebrar a incompreensível inércia cúmplice por parte daqueles a quem cumpriria zelar pela preservação dos idiomas, e que a todas estas agressões vão, passivamente, assistindo, chegando ao ponto de adotar o indesejável, de defender o indefensável, de aplaudir uma deturpação que nada mais favorece do que a ambiguidade, a perda de identidade cultural e linguística, enfim, uma descontrolada e cada vez mais criticada globalização.

Ainda que provavelmente condenada ao insucesso, seria bom que, por cá, a iniciativa levasse a alguma calma, ponderada e séria reflexão...


Não perca, no correspondente separador no topo desta página,
outros artigos polémicos sobre diversos temas relacionados com a

LÍNGUA PORTUGUESA

quinta-feira, 2 de junho de 2022


O Verdadeiro Pecado de João Rendeiro


"Na ordem económica das coisas, Rendeiro não passou de um pobre diabo, de um pequeno espertalhão que almejou chegar a grande trapaceiro. De alguém que cometeu o imperdoável pecado de tentar seguir as pisadas dos grandes e, porventura, de sonhar um dia ocupar o respetivo lugar. Algo que nenhum oligarca, em nenhumas paragens, alguma vez poderá perdoar"


     1. Dinheiro, o Suporte Vital das Ditaduras
     2. Implacabilidade e Frieza, o Suporte Instrumental
     3. O Escudo face às Investidas da Lei: Dimensão!
     4. O Verdadeiro Pecado de João Rendeiro



1. 
Dinheiro, o Suporte Vital das Ditaduras

Figura mais marcante

António de Oliveira Salazar foi e, porventura, ainda é a figura mais marcante da política portuguesa dos últimos cem anos.

As razões da longevidade de tal lembrança não serão, seguramente, as melhores. Tampouco tudo quanto nos longos anos do seu consulado aconteceu estará, já, desvendado ou, pelo menos, divulgado. A verdade conhecida evidencia, porém, que a força do Estado que serviu dependia, antes de mais, da submissão das forças armadas e das forças policiais aos desígnios de quem verdadeiramente mandava no regime que tinha por mero, embora principal, administrador Oliveira Salazar.

De facto, nenhuma ditadura alguma vez poderá impor-se sem contar com o apoio efetivo de quem constitui o braço armado indispensável a quem pretenda subjugar a vontade de toda uma nação; nem, uma vez atingido o poder, nele poderá manter-se sem a empenhada obediência de quem, no quotidiano, controla, vigia, investiga, espia, desenvolve, enfim, as atividades das quais depende a manutenção da ordem pública, independentemente dos ideais e dos interesses seguidos ou servidos pela governação.

Sustentando estes imensos dispositivos armados e policiais, que tanto podem servir os mais nobres ideais da liberdade como os mais pérfidos desígnios da repressão, surge a riqueza, o vil metal sem o qual, armados ou não, os humanos não têm assegurados os alimentos, o vestuário, a habitação e tudo aquilo que, supérfluo ou não, consideram indispensável à sobrevivência, bem como à legítima e moderada ou mais ou menos ilegítima e descontrolada fruição.

Não parece, assim, razoável atribuir-se, unicamente, às virtudes espirituais, intelectuais, oratórias, profissionais ou políticas de um ditador - Salazar ou não - a sua manutenção, por décadas a fio, num poder efetivo e repressivo que seria, evidentemente, impossível conservar apenas por via dos méritos pessoais do próprio: a montante, importa, sobremaneira, garantir, por um lado, o suporte financeiro obtido da cobrança dos impostos que irão financiar a máquina repressiva; por outro, a concordância daqueles que, em mais chorudas fatias, os haverão de pagar, sob pena de os ver para outras paragens debandar.

Em tempos há mais tempo idos, os monarcas guerreiros impunham-se interna e externamente pela força das armas que adquiriam e das vidas daqueles que as manejavam. O monarca governava de forma mais ou menos absoluta, ou porque era o mais rico, ou porque contava com a boa vontade - e com os fundos - dos ricos oligarcas que, na sombra, o influenciavam ou dirigiam.

A lei do mais rico mais forte prevalecia, pois, quase sempre à revelia de valores e de princípios que, provavelmente, a muitos deles jamais iriam, sequer, ocorrer, quanto mais orientar.

A lembrança da governação de Oliveira Salazar é, assim, a mais próxima e recente de que dispomos de algo que, desde os primórdios da Humanidade, se sabe, e que, hoje como então, continua a valer para quem, pela força, o seu semelhante se propõe dominar: as forças armadas e as forças policiais são a base de sustentação de qualquer regime, e, para um ditador se manter no poder, alguém de fartas posses as há de, direta ou indiretamente, sustentar.

 

2. Implacabilidade e Frieza, o Suporte Instrumental

Se as ditaduras vivem do dinheiro com que garantem os alimentos daqueles cuja força ou vigilância as mantêm no poder, é, também, verdade que dependem da frieza, da crueza, da maldade e da implacabilidade dos seus servos e sequazes para se conservarem no poder.

Formados e treinados para aterrorizar com o fantasma do medo induzido pelos relatos das sevícias praticadas sobre os opositores políticos, inspetores e agentes das polícias políticas das ditaduras tudo veem, analisam, escalpelizam da vida pública e privada de cada um, sem qualquer pudor ou consideração pelos mais elementares direitos próprios dos estados em que se respira liberdade, aquela liberdade que, para estes torcionários e seus mentores, não passa de um palavrão a banir do léxico ou, pelo menos, a evitar.

Entre estas máquinas infernais ao serviço dos tiranos que governam nações e os exércitos ao serviço de cartéis de droga ou de mafias organizadas pouca ou nenhuma diferença se há de encontrar.

Há muito alcandorado na presidência da Federação Russa, Vladimir Vladimirovitch Putin não passa, afinal, de um entre centenas de milhar de funcionários de polícias políticas ao serviço das ditaduras que existem e sempre existirão por esse Mundo fora. São esbirros de confiança, designados e pagos pelas oligarquias para garantir a implacável manipulação e repressão dos cidadãos, visando a maximização dos interesses ilegítimos e os desvios de verbas supostamente destinadas à administração da coisa pública para servirem, antes, as vidas faustosas de multimilionários sem escrúpulos que, da política, nada mais querem do que garantir uma cada vez maior acumulação.

O frio Vladimir ter-se-á, entretanto, convencido de que, por lhe terem os detentores do verdadeiro poder – o poder económico - permitido viver, também ele, no luxo e na abundância, se tornou um oligarca como eles, um par, um igual: alguém com poder suficiente para, por sua iniciativa, tomar decisões tão importantes e irresponsáveis como a de invadir um país vizinho em nome da própria e tresloucada obsessão pela reintegração das repúblicas que ganharam a independência quando do desmembramento da União Soviética.

Tamanho erro jamais os verdadeiros oligarcas lhe perdoarão. Daí, os cada vez mais audíveis rumores de tensões internas no Kremlin, da suposta debilidade do estado de saúde do Presidente – sabendo-se, como se sabe, a predileção de Moscovo pela doença como forma de fazer desaparecer ou, pelo menos, afastar os indesejáveis -, das alternativas que se perfilam para o substituir no poder fantoche de que, em má hora, o investiram.

Tal como as grandes fortunas portuguesas jamais perdoariam a Salazar que lhes não defendesse as colónias que os enriqueciam, também as grandes fortunas russas jamais perdoarão a Putin os gigantescos prejuízos decorrentes das pesadas sanções impostas por diversas organizações e países que censuram a sua atuação.

 

3. O Escudo face às Investidas da Lei: Dimensão!

Ora, coisas destas, não acontecem só em ditaduras.

Um pouco por toda a parte no tresmalhado universo das fortunas conseguidas à custa, quer da implacável repressão política, quer da não menos implacável exploração económica, domina uma variável que explica, em boa parte, que pessoas há muito providas de património mais do que suficiente para assegurar uma vida regalada e faustosa para si e para os seus familiares, satélites e penduras continuem, mesmo assim, a procurar engordar mais e mais os seus já fartos pecúlios, movidos, ao que muitos pensam, pela simples ganância. Essa variável é a dimensão.

Tal como um combatente com mais força subjugará, em princípio, o seu oponente mais frágil, também o oligarca mais rico mais facilmente imporá a sua vontade aos restantes; e isto apenas se consegue com fundos virtualmente inesgotáveis ou, pelo menos, existentes em quantidade tal que permitam garantir a boa vontade de todos aqueles a quem se tiver de pagar ou que se tiver de comprar para tais intentos se lograr atingir.

A acumulação de riqueza é, para muitos, menos uma questão de ganância ou de ostentação do que de sobrevivência política e social: o oligarca mais rico, o que tiver o maior iate, o maior avião ou mais hotéis será sempre olhado, pelos outros, com temor e respeito, e, das suas pelejas económicas e políticas, tenderá a sair vencedor. O que vê o seu nome cair nas listas dos mais abastados arrisca-se, pelo contrário, a perder cada vez mais negócios e, consequentemente, a entrar no irreversível processo entrópico que o levará à desgraça.

Além do mais, e quer se queira, quer não, a dimensão da fortuna de um cidadão pesa, também – e de que maneira! -, sobre alguns políticos, governadores de bancos centrais e, até, incómodos inspetores do fisco ou da investigação criminal que, por um lado, tendam a deslumbrar-se com a grandeza alheia e, por outro, tenham consciência do impacto negativo que podem significar, para as respetivas carreiras, demonstrações de inoportuno e indesejável zelo no cumprimento do dever.

Demonstrações de temor ilegítimo como estas não faltaram, associadas aos recentes escândalos que culminaram na extinção de instituições bancárias portuguesas de dimensão diversa, com por vezes bem brutal impacto sobre as vidas de quantos neles confiaram e investiram os seus parcos milhares ou largos milhões.

Os responsáveis pelos atos condenáveis parecem, no entanto, ter tido diferentes destinos consoante a dimensão das respetivas fortunas ou dos bancos que fizeram afundar: enquanto a arraia miúda caiu em desgraça, quem mandava nisto tudo continua a pavonear-se numa inexplicável aura de efetiva impunidade, a despeito de condenações ainda não transitadas por culpas que muito dificilmente alguma vez virão a expiar.


4. O Verdadeiro Pecado de João Rendeiro

Se aos verdadeiramente grandes quase tudo é permitido com a garantia de que alguém olhará para o lado ou, com a devida vénia e reverência, fechará os olhos, aos menos grandes e aos pequenos jamais será perdoada a ousadia de os querer imitar.

Isto, por três principais razões: a primeira, porque aqueles cuja subserviência e mediocridade leva a idolatrar os de mais generosa dimensão tendem a evidenciar certa tendência para descarregar as frustrações nos que lhes não chegam aos calcanhares; a segunda, porque, dispondo de menos meios económicos que lhes permitam escudar-se, estes são, também, mais fáceis de apanhar; por fim, porque os mais crescidos não deixarão de colaborar com as autoridades na caça aos pequenos que, com a sua inaptidão, acabam por ir revelando técnicas e segredos cuja exclusividade aos maiores tanto jeito deram e continuariam a dar.

Com algum dinheiro, competente como Salazar, frio e implacável como Putin perante a credulidade e ingenuidade alheias, o pequeno João Rendeiro ter-se-á convencido de que, lá porque conseguiu presidir a um também pequeno banco e até tinha algum jeito para a coisa, era, também ele, um grande, alguém que tinha subido a pulso a escorregadia corda da vida, enquanto ia dando uns murros na cabeça de uns e pisando a de outros para conseguir escalar.

Faltou-lhe, no entanto, a dimensão.

De mortuis nihil nisi bonum, mas há que dizer que, na ordem económica das coisas, Rendeiro não passou de um pobre diabo, de um pequeno espertalhão que almejou chegar a grande trapaceiro. De alguém que cometeu o imperdoável pecado de tentar seguir as pisadas dos grandes e, porventura, de sonhar um dia ocupar o respetivo lugar.

Algo que nenhum oligarca, em nenhumas paragens, alguma vez poderia perdoar.


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- O impacto negativo da (falta de) educação sobre as decisões judiciais no processo Rendeiro Leia AQUI
- O corrupto perdoado que diz ter sido ilibado Leia AQUI

segunda-feira, 30 de maio de 2022


Vila Viçosa

Vila Viçosa - Vila Ducal
Vila Viçosa Hoje

As imagens não deixam dúvida: Vila Viçosa está muito mais arborizada hoje do que nos tempos idos em que a fotografia do postal foi obtida.

Quanto ao mais, quem a visitar encontrará uma vila que, sem prejuízo de uma equilibrada evolução, soube conservar a traça e o ritmo que se esperaria encontrar numa terra de tão grandes tradições, impossível de separar de trechos inesquecíveis da História de Portugal.

Existe, todavia, uma espécie de crendice primária de que enfermam os espíritos de certos autarcas que os leva a procurar compensar eventuais défices de competência técnica e política com tiradas tonitroantes para consumo da comunicação social, levando-os a nem se aperceber, não apenas do porventura irreversível erro de julgamento que a elas subjaz, como da figura triste que acabam por fazer perante quem sobre estes assuntos quiser pensar, a par da indiferença daqueles a quem já parece que nada, além do vício das redes sociais, poderá interessar.

Vai daí, que Vila Viçosa anunciou, recentemente, a intenção de propor à Assembleia da República a sua elevação a cidade *), a fim de garantir "mais valias, quer ao nível do acesso a determinados fundos comunitários locais ou regionais, como ao nível de fundos diretamente em Bruxelas". Nas palavras do recém-eleito Presidente da Câmara, "o ser elevado a cidade é um reconhecimento que da Assembleia da República, que reconhece a evolução de Vila Viçosa, reconhece a sua importante e relevante história, o seu enorme património, e acha que é uma terra com grande relevo para o país. É no fundo, reconhecer a nossa identidade como uma terra que cresceu, que evoluiu, que tem história e que tem relevância".

Entende, assim, o ilustre entrevistado ser necessária a elevação de Vila Viçosa a cidade para que a Assembleia da República reconheça o seu importante passado - o que não passa de um rematado disparate -; e para que lhe reconheça a grande relevância presente, quiçá esquecendo-se ou procurando fazer esquecer que tal relevância terá sido conquistada em sucessivas presidências de câmara do Partido Socialista e do Partido Comunista Português (PCP), já que, consultados os dados oficiais, o Partido Social Democrata a que o atual primeiro autarca pertence não elegia um presidente desde os idos de 1993.

Eis-nos, pois, perante um flagrante caso de aproveitamento político daquilo que, durante décadas, os adversários derrotados vieram fazendo muito antes de nós.

Além do mais, não será despiciendo perguntarmo-nos até que ponto será necessária a elevação a cidade para que uma terra progrida, tendo em conta os casos, entre outras, das vilas de Cascais e de Oeiras, caracterizadas pela teimosia em permanecer vilas sem que tal haja, aparentemente, beliscado, mesmo ao de leve, a sua fulgurante expansão e projeção internacional nas áreas que lhes são de interesse.

Não terá, então, a evolução de uma vila muito mais a ver com a competência e dedicação dos seus autarcas do que com os títulos, com os estatutos a que procura ascender? Sobretudo quando a proposta do PCP de realização de um referendo municipal sobre o assunto foi preterida pela da maioria que impõe que a candidatura a cidade avance, quer a população queira, quer não.

Vamos, assim, ter a Cidade de Vila Viçosa, uma gota de água quando comparada com as cidades de Nova Iorque, de São Paulo, de Tóquio, de Paris e, mesmo, do Porto ou de Lisboa, num país que, de tão ridiculamente pequenino que é - mais nas mentalidades do que no território - até tem cidades com menos de 2000 habitantes, graças à demagogia de certos governos e à necessidade de rapar o tacho dos votos até gastar o teflon.

Auri sacra fames, o que importa é a captação de fundos*) para mais umas rotundas, uns parques infantis, enfim, para aquilo a que as mentes pequeninas chamam desenvolver o que resta das vilas históricas portuguesas, esquecendo-se - ou nem notando... - que, muitas vezes, desenvolver é sinónimo de estragar.