"A criatividade verdadeira é inviável no quadro estrito do cumprimento das
    normas legais ou morais estabelecidas. O conformismo total e submisso
    perante o status quo jamais levou, onde quer que fosse, uma sociedade a evoluir. Mas,
    violar uma norma, quebrar uma regra, apenas é útil, salutar e profícuo
    quando o interesse do próximo é a principal razão dessa escolha: nunca
    quando visa, antes de mais, a exaltação do próprio, a notoriedade, o lucro
    fácil, o mais elementar, básico, patego e parolo exibicionismo"
  Ao assistir a certas atitudes e ao ouvir certos comentários, convenço-me de
  que existe uma quase generalizada incapacidade para separar duas realidades
  absolutamente distintas: moda e originalidade.
  A confusão não faz, evidentemente, qualquer sentido, já que os conceitos são,
  não apenas distintos, mas antagónicos: originalidade é a qualidade
  daquilo que é diferente, próprio, inovador, enquanto moda*) corresponde ao conceito estatístico daquilo que constitui a tendência
  dominante, a classe com maior representatividade em determinado universo. Ou,
  no plano social e para utilizar uma linguagem mais terra-a-terra,
  a propensão de um conjunto alargado de pessoas para copiar, para adotar
  uma ideia que crêem original, ou sensacional, ou espampanante a ponto de, de
  certezinha absoluta, ir embasbacar outros invejosos que se irão maravilhar -
  ou roer todos por dentro... - ao olhar para nós.
  Mesmo que o motivo do encantamento não seja original, mas apenas
  supostamente original...
- x -
  Vem este supostamente a propósito, não da eticamente condenável
  prática do plágio - mais ou menos bem disfarçada, mas sempre correspondente à
  admissão íntima, por quem plagia, da incapacidade de se igualar ou, pelo
  menos, aproximar das capacidades e do mérito do original autor -, mas a
  propósito da deriva do conceito de original, ou da própria compreensão
  do significado efetivo do mesmo.
  Dos relatos da História e daquilo que, nas últimas décadas presenciámos,
  extrai-se que jamais se assistiu a tamanho desfilar de criadores, de
  criativos, de entendidos criativos, de
  construtores de ideias, de promotores de ateliers de ideias,
  enfim, de toda a espécie de idiotas que, a par de um punhado dos
  que são, verdadeiramente, originais, verdadeiramente autores, o
  marketing atual vai associando a indivíduos que mais não fazem,
  afinal, do que deteriorar, estragar, adulterar o que de bom outros antes deles
  realmente criaram.
  Podendo, embora, admitir-se que, nas suas mais diversas vertentes, o campo da
  arte se encontra especialmente sujeito a tais desmandos, dá a ideia de que o
  virus da falsa originalidade alastrou, em incontáveis e cada vez mais
  contagiosas variantes, a praticamente todas as áreas de atuação humana onde o
  principal objeto e valor resida na capacidade de gerar ideias dignas desse
  nome; ou seja, de ideias com as condições necessárias a, caracterizando-se
  pela diferença mas respeitando, ao mesmo tempo, a indispensável estabilidade
  da construção social vigente, resultar numa melhoria das condições materiais
  ou espirituais de vida do nosso semelhante.
  Já nos habituámos a pagar para assistir a espetáculos de onde se sai nauseado
  com o vazio ou aberrante original que por lá se vê; a contemplar
  originais obras ditas de arte que não passam de rabiscos e
  borrões cuspidos numa tela - incompreensíveis a menos que o
  autor esclareça o que lhe terá perpassado o espírito quando as
  espirrou -, ou mamarrachos escultóricos que facilmente passariam
  despercebidos, quais calhaus para ali caídos, se os não tivessem plantado numa
  galeria de exposições, no meio de uma rotunda ou em lugar de destaque num
  jardim ou parque qualquer.
  Todavia, a par destas manifestações artísticas, os meios de comunicação
  social dão destaque a uma cada vez maior quantidade de indivíduos à cata de
  factos que lhes proporcionem oportunidades de se evidenciar, de aparentemente
  debater, interminavelmente, os mesmos assuntos em tom pomposo e palrar
  barroco.
  Embasbacam as gentes menos educadas ou cultivadas com
  janelas de oportunidade, com temas abordados em textos sem qualquer
  densidade e que, no final do dia, convocam muitas
  dúvidas sobre icónicas, apelativas e
  estratosféricas personalidades que aparecem linkadas a
  temas públicos e notórios que interessam apenas e só aos
  instagramáveis cuja mundivivência se integra no
  ADN daquelas pessoas top que publicam posts que se
  tornam virais e altamente rentáveis, ou comentam
  desconstruindo raciocínios que geram narrativas talvez
  pouco rentáveis mas incontornáveis, que rentabilizam delas se
  demarcando proativamente, ainda que com as mesmas possam concordar.
  A
  empáfia*) desta gente, a incrustada apetência por esvaziados mas economicamente
  compensadores excursos destinados ao consumo de telespectadores desolados e
  abúlicos, são evidente epifenómeno da explosiva multiplicação de canais
  televisivos que, por esse processo, ficaram limitados a noticiar o que os
  restantes noticiam, a comentar o que os outros comentam, a publicitar os
  mesmos produtos, a simular mudanças profundas, originalidades não originais que copiam de televisões de outros mundos, de outros canais.
  Contratam faladores que, ora copiam o que, na véspera, de outros leram ou lhes
  ouviram, ora buscam, desesperadamente, onde não existem, teorias supostamente
  originais quanto às causas disto ou daquilo, ora se limitam a
  seguir a moda das opiniões por muitos outros já expressas sobre os
  mesmos acontecimentos; em boa verdade, quase sempre algo que, de tão evidente,
  ao espírito de qualquer um imediatamente ocorre, tornando-se absolutamente
  dispensável sequer verbalizar.
  Nós vemos e ouvimos porque nos habituámos.. àquilo que há.
- x -
  Parecem, certas pessoas - falhas de conteúdo mas ávidas de dinheiro, de fama,
  de protagonismo, daquele poder que nem sabem o que, realmente, é - empenhadas
  em explorar o inesgotável filão da ignorância e da estupidez alheia para
  idealizar, não produtos materiais ou espirituais benéficos e propícios
  ao desenvolvimento do seu semelhante, antes ao que de mais chocante, de mais
  aberrante, de mais impactante acorrer aos seus pobres espíritos
  que seja suscetível de causar sobressaltos morais ou intelectuais quase sempre
  úteis aos interesses do suposto criativo, mas quase nunca aos
  daqueles a quem ele a dita criação impinge ou impõe.
   
 
  Há muito tempo sabe toda essa gente, por experiência própria ou alheia, que
sempre encontrará mercado fiel e disposto a pagar seja o que for ou quanto
    for por coisa nenhuma, por qualquer diferença indiferente, por algo tão impossível como uma
  moda original, na certeza quase absoluta de que irá, mediante tão
  obnóxio expediente, brilhar no cinzento meio da pobreza espiritual
  em que evolui e na qual de outra gente como ela se faz rodear.
  Esquecem-se essas pessoas, ou fazem por se esquecer, de que, quem é bem
  sucedido, apenas foge às regras porque teve uma inspiração, uma ideia, um
  impulso espontâneo, legítimo e bem intencionado.
  Esquecem-se de que jamais se consegue ser original - ou criativo, como
  agora gostam de dizer ser - apenas porque, deliberadamente, sem uma ideia
  própria válida e com propósitos inconfessáveis, se escolhe fugir às regras:
  não é essa opção forçada e tomada a qualquer preço e com indiferença perante a
  qualidade dos efeitos que faz alguém ser bem sucedido. Pelo menos, junto de
  quem seja verdadeiramente livre, independente, socialmente válido e
  consciente.
- x -
  Em qualquer ambiente em que se respire, de facto,
  liberdade e civilização, as regras existem por serem, reconhecidamente e dentro daquilo
  que se sabe e conhece, a forma mais eficiente, mais eficaz e mais segura de
  obter determinado resultado; e, económico ou não, a obtenção de qualquer
  resultado positivo, socialmente legítimo e saudável, resulta numa mais-valia
  com impacto direto no habitat de  quem o produz, e indireto na
  transmissão que o efeito multiplicador lhe não deixará de imprimir.
  A criatividade verdadeira é inviável no quadro estrito do cumprimento das
  normas legais ou morais estabelecidas. O conformismo total e submisso perante
  o status quo jamais levou, onde quer que fosse, uma sociedade a
  evoluir. Mas, violar uma norma, quebrar uma regra, apenas é útil, salutar e
  profícuo quando o interesse do próximo é a principal razão dessa escolha:
  nunca quando visa, antes de mais, a exaltação do próprio, a notoriedade, o
  lucro fácil, o mais elementar, básico, patego e parolo exibicionismo.
  Não vale a pena elaborar rebuscadas explicações políticas, científicas, mais
  ou menos criativas, não faz sentido nem é bonito explorar a
  ingenuidade, a ignorância ou a credulidade alheias, ou lançar a dúvida, a
  suspeita, o mistério, o suspense quanto à
  verdadeira razão, à causa profunda de ter sido encontrada uma maçã
  caída debaixo da copa de um pinheiro.
  Não, não acabámos de descobrir um pinheiro que dá maçãs.
  A maçã estava debaixo do pinheiro porque alguém para lá a atirou, ou a deixou
  cair. Ou, mais prosaicamente, dela lá se esqueceu.
      
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