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quinta-feira, 20 de janeiro de 2022


Inferno e Traição

Isto, preocupa-me. Seriamente.

Hoje de manhã, ao entrar calmamente num supermercado, atraiu-me o olhar uma fileira de capas de revistas habilmente dispostas por forma a chamar a atenção. Revistas daquelas de grande tiragem versando, maioritariamente, sobre os importantes temas relativos a diversas telenovelas, bem como às sem dúvida muito interessantes aventuras e desventuras daquelas criaturas que se consideram personalidades, colunáveis, membros do jet set, ou que ascenderam a qualquer outro patamar porque o elevador social nele os deixou, ou por terem trepado a pulso para o atingir - o que, aqui no Retângulo, cada vez mais parece corresponder a uma especial habilidade para abrir, fechar e movimentar sacos azuis e outras habilidades que tais, a maior parte das quais com significativas repercussões fiscais e outras que tais.

Das ditas capas, sobressaiam os títulos "Inferno e Traição", "Tragédia e Traição", "Amor Proibido", "Todos os Segredos", "Acusado de Pedofilia" e, last but not the least, "Expulsos do BB Famosos".

Como os proprietários da tabacaria não estão ali para perder dinheiro, evidente se torna que sabem muito bem que é aquilo o que mais se vende, o que mais chama clientes, e não os títulos sensaborões  (leia-se "mais sérios") dos representantes da imprensa escrita que, efetivamente, informam e que cada vez menos existe o hábito de ler.

Num dois próximos Domingos, serão estes educados leitores, às centenas de milhar, que, juntamente com os que se deleitam com o conteúdo de pasquins de índole e filiação diversa, juntamente com as notícias fresquinhas da indústria futebolística - que também estavam no escaparate, logo a seguir -, irão, conscienciosa e criteriosamente votar em mais uma eleição.

São estes indivíduos sumamente ocupados e preocupados com a visibilidade do próprio umbigo*) que irão escolher quem, a si, caro Leitor, e a mim irá governar nos próximos quatro anos - se tanto aguentar.

São estas pessoas sem Norte, vazias de si, refugiadas na mirífica ilusão daquilo que nem merece ser -  porque não tem razão válida para existir além da subserviente devoção ao marketing predador que sopra nos lubrificados cataventos destas pequeninas cabeças e destes minúsculos corações -, são estes infelizes que, talvez maioritariamente, irão tomar uma decisão fundamental para o futuro próximo de cada um de nós, e do todo que todos integramos.

Isto, preocupa-me. Seriamente.

domingo, 16 de janeiro de 2022


Your Magesty, I Am Sorry

Parece-me pouco. À Rainha e sua Família deverá saber a pouco, também.

A falta de cortesia do principal ocupante do number ten ao promover ou permitir festas de despedida de funcionários*) na véspera do dia em que  Família Real inglesa se iria despedir de um dos seus mais proeminentes e outrora ativos elementos apenas poderá ser comparável à irresponsabilidade da falta de adequadas medidas de segurança durante os mesmos eventos, enquanto, por causa da pandemia, a Monarca, durante as cerimónias fúnebres, nem junto dos seus mais queridos pode estar.

Por outro lado: só agora, tantos meses depois, é que chega o há muito esperado e inquestionavelmente devido pedido de desculpa? Onde está, então, aquilo que tanta gente diz diferenciar o nível civilizacional do Reino Unido, designadamente quando comparado com o comportamento dos políticos de um certo torrão retangular à beira-mar plantado?

Parece caso para perguntar como reagiria atual o Primeiro-Ministro de Sua Majestade se, um belo dia numa autoestrada inglesa, lá calhasse a  viatura em que seguia atropelar mortalmente um funcionário que tivesse, porventura indevidamente, atravessado a faixa de rodagem à frente de um motorista com o freio nos dentes - fosse à ordem de Sua Excelência ou não.

Será que até teria ele o (quase) nunca visto desplante de ficar, placidamente, dentro do carro à espera de que a coisa se resolvesse e pudessem todos ir para casa? Será que passaria os dias e semanas seguintes a sacudir a água do capote, como que para se livrar do incómodo da contrariedade?

Fala-se da forma como fazem escola noutras terras cientistas, empresários e outros portugueses dignos de especial menção. Parece que os políticos começam, também, a impor o seu estilo, nem sempre na melhor versão.

Por lá, ao menos, ainda têm um funcionário público sénior a quem caberá pronunciar-se sobre a conduta do Governante. Por cá... temos os eternos, monótonos, repetitivos e sediços... comentadores.

sábado, 15 de janeiro de 2022


Vácuo vs Vazio: a Essência dos Debates Eleitorais

"Aquela trintena de mini-programas foi a fantochada e a vergonha que sempre fora programada para ser.
Ninguém alguma vez esperou que tudo aquilo servisse para alguma coisa,
nem acreditou que alguma coisa junto dos eleitores os debates viessem esclarecer.

Tudo não passou do habitual picadeiro das vaidades por parte dos concorrentes,
e da sensaborona inutilidade dos juris de comentadores.
De serões de indisfarçável tédio para todos nós, hesitantes eleitores e obedientes espetadores
"


Debates ou embates?
Impropriamente chamados debates, terminam hoje duas semanas de embates em frente-a-frente, desenhados para isso mesmo: para serem meros embates de escassos minutos, nos quais as televisões promotoras não deixaram, aos convidados, qualquer possibilidade de debater o que quer que fosse além da personalidade e da suposta falta de idoneidade do interlocutor, apenas lhes dando o tempo estritamente necessário à picardia verbal, ou a entediar ainda mais um já de si entediado Portugal.

A ridícula duração fixada para a quase totalidade deles - igual a pouco mais do que a escassa metade de uma parte de um jogo de futebol - não permitiu a subsistência de qualquer dúvida relativamente ao verdadeiro propósito mediático desta maratona que antecedeu mais uma campanha eleitoral: prender à televisão, para consumir publicidade e mais publicidade, o tuga guloso da refrega entre políticos para os quais continua a olhar com o mesmo arregalado clubismo com que se deslumbra com os profissionais da indústria do futebol... que, em tempos, há muito idos, era tida como um desporto, antes de a também indústria da publicidade e da comunicação lhe ter lançado o anzol.

Se dúvidas houvesse quanto à natureza pretendida desta série de clips ao vivo que nos estragou os serões, o teor da pergunta feita por alguns pivots dos comentários que se seguiam a cada disputa dizia tudo: "Que nota dá a cada um? Quem considera que ganhou?"; e era ver àqueles senhores muito sabedores e eruditos oscilar entre o um e o cinco, como se aquilo alguma importância tivesse num assunto tão sério como a preparação de uma eleição legislativa num país democrático, ou que assim se diz.

Não deixa de ser verdade que, em boa parte dos casos, quem lá ia exibir-se - perdão, comentar - parece confundir fala afetada com um dom da palavra que, patentemente, não tem, e bem melhor faria se se contentasse em complementar o salário com uma crónica ocasional neste ou naquele jornal.

Mesmo assim, dava dó ver a atrapalhação em que alguns ficavam se alguma pergunta mais profunda e específica era formulada pelo pivot: iam responder o quê? Dizer o quê, se, para a vitória, apenas importavam o tom e a galhardia, a brejeirice, a mais ou menos torpe insinuação? Acima de tudo, não cair na tontice de dar trela ao tal André, ou escorregar na areia que, como sempre, por todo o lado andou a espalhar pelo já de si inclinado chão...

Graças, em boa parte, ao formato adotado, o que deveria ter sido uma oportunidade única de esclarecimento político, não passou de um montra privilegiada para moderadores dos debates e comentadores.

- x -

O pânico do irrecuperável dano à imagem que o arruaceiro-mór pudesse causar-lhes junto do eleitorado deixou carrancuda, tensa, inexpressiva a maior parte dos adversários que lá se atreveram a defrontá-lo - já que um deles, habilmente, se esquivou com um argumento manhoso e pateta, próprio de quem, apesar da idade e da experiência, continua a não aprender como estar, com um mínimo de eficácia, na política em Portugal.

Meninges dos oponentes
Em quase todos os casos, o bloqueio intelectual e espiritual que o medo do arruaceiro a quase todos causava era tal que, quanto aos chavões habituais e estafados, nem retorquiram perguntando o óbvio: por que razão quem, em tempos, tinha tido dinheiro para comprar um telemóvel não o haveria de conservar na sua posse a fim de, através dele, poder tranquilizar os familiares que deixara para trás? Ou quantos anos teriam os tais Mercedes (ou, agora, também Porsche e, um dia, Bentley, quem sabe...) à porta de casa de pessoas que recebem subsídios, automóveis provavelmente a cair de podres como tantos que por aí se vê ainda  a circular? Ou, ainda, que chorudos proventos, a expensas do Estado, auferiria todo aquele batalhão de autarcas sem salário que ele diz querer descontinuar?

Não. Em vez disso, quase se via as meninges dos oponentes tremelicar no pânico de não sobreviver à investida seguinte, à qual respondiam mantendo-se, obedientemente, no terreno imposto pelo vivaço do outro contendor - que, aliás, ao longo dos dias e também nas sondagens, foi perdendo fôlego, acutilância, vigor, como se também ele acabasse desanimado com a falta de adubo que encontrava para a sua esperteza viva e de resposta pronta, acabando por esmorecer qual equipa a pairar no relvado depois daquilo a que os desportistas de poltrona gostam de ouvir chamar uma entrada de leão.

A verdade é que lá vai, de alguma forma, sendo eficaz, como eficaz é qualquer verdade ligeira ou descarada mentira emotivamente dita a uma genericamente pouco instruída e pouco educada população.

- x -

Por seu turno, quando os representantes dos partidos democráticos supostamente debatiam entre si, o vácuo de ideias apenas era equiparável ao vazio das soluções, continuamente atiradas para o ar como meros desideratos ou contrapartidas às do adversário, sem especificar o como e o quanto subjacentes à maior parte delas, tendo a representante - de olhar fixo, duro e com um esgar cuidadosamente estudado para parecer um sorriso - de um partido da extrema-esquerda chegado a dizer, com todas as letras e inacreditável despudor, que isso do custo é o que tiver de ser!

Fugiram das explicações, da fundamentação, da teoria como o diabo da cruz, e fizeram bem, já que, quando se explica e quantifica, quase todos se desinteressam pelo muito que muito poucos são capazes de entender. O furúnculo da questiúncula partidária prevaleceu, assim, sobre a apresentação das políticas propostas; e bem, já que a luta de galináceos era, precisamente, aquilo a que, esquecendo-se da sua qualidade de eleitores, boa parte dos telespectadores queria, verdadeiramente, assistir, para gáudio das estações.

Nos representantes dos dois filhos pródigos da Geringonça, era notório o olhar mortiço, cristalizado, arrependido, quase culpado por se terem metido em tão tremenda alhada ao não viabilizar o Orçamento Geral do Estado, opção que, sem grande margem para dúvidas, os irá deixar em ainda bem pior situação: um cantinho no Parlamento e - desgraça das desgraças - o magro pecúlio correspondente a um resto de votos deixado nas urnas, para evitar que o partido tenha de andar por aí a estender a mão.

Para estas agora tão débeis forças políticas, apenas importa ter ideias, fingir ter soluções e acenar com elas aos ignorantes que, iludidos, ainda os apoiam, sem se ralar minimamente com a evidente inexequibilidade de meros desejos, de idílicos sonhos, de pretensos projetos que, impossíveis que são de desenvolver, nem ao menos chegarão a sê-lo.

Terra de Camões
Parece, enfim, que lá acabaram por entender a rede em que tinham caído, lançada pelo promotor do arranjo governativo, político competente e habilidoso, já mais do que farto de andanças nesta terra de Camões, ansioso que está, como já anunciou, por ir espraiar a sua habilidade lá fora, deixando em boa parte do centrão político gente sem coluna vertebral que se veja, de idoneidade mais do que discutível, com interesse quase só para o fisco e para a justiça penal, sem competência ou qualificações que se vejam, além de um canudo que vale o pouco que vale para quem, sem educação que se veja, se propõe, apesar de tudo, assumir as rédeas da governação.

- x -

Diversos comentadores referiram a suposta falta de preparação para os debates por parte do representante do maior partido da oposição, considerando-o mal preparado, arrogante no seu estilo popularucho, demasiado informal. Como se o eleitor português típico tivesse a capacidade de entender outro tipo de discurso, mais elaborado, mais elevado, mais humano, até. Sobretudo, apelando ao processamento intelectual!

Esquecem-se, manifestamente, de que ensino não implica educação; de que a atividade letiva que dá canudos não dá o resto, de que, como elevador social, o simples ensino, sem educação, não passa do rés-do-chão; e de que é, precisamente, este tipo de discurso simplista e próximo daquilo que é, efetivamente, a mole humana que vota, que a cativa no momento da decisão.

Esquecem-se os eruditos comentadores daquilo que os publicitários há muito sabem: que não são anúncios com mensagens sofisticadas que vendem a esta boa gente que vota, mas sim pérolas do tipo "Paôpa, Fêlha, perque nã sabes o dêa de amanhã!"...

Prova acabada parecem ser, valham o que valerem, os resultados de sondagens em que a diferença das intenções de voto entre os dois maiores partidos se ia, até há pouco, estreitando, estreitando, arriscando-se a quase se anular, se não acabar por acontecer mesmo uma inversão.

Também no clube dos mais jovens salvadores da Pátria, como todos parecem considerar-se, a conversa de surdos não era melhor, mais a mais com alguns moderadores de debates - que, amiúde, mais pareciam candidatos - obstinados em quase exigir respostas ao rol de perguntas que traziam na cábula, em lugar de deixar que o pugilato se desenvolvesse com a aparência mínima de naturalidade permitida pela ridícula escassez do tempo disponível, no intervalo entre as notícias e o concurso dos croquetes ou outra importantíssima emissão.

Quando não houve pelejas aguerridas mas vazias, foi a vez dos não debates, das frases feitas e dos sound bytes trazidos dos espíritos  vivaços dos consiglieri dos partidos, das coisas nenhumas, moles, ocas, em que ninguém parecia saber bem ao que ia, ou o que havia de dizer. A monótona série de perdas de tempo apenas serviu, se tanto, para revelar um pouco mais da personalidade e da argúcia deste ou daquele candidato: nada, mas nada, de esclarecedor e fundamentado quanto às propostas trazidas a debate - quando as havia - e, semanas mais tarde, à eleição.

- x -

Assim sendo, para, de facto, quê dar mais tempo àquilo? Para quê dignificar conversas de surdos que, para os próprios partidos, não passaram do cumprimento de uma obrigação para com uma comunicação social da qual inteiramente dependem para aparecer em casa dos eleitores, em cujas boas graças necessitam de estar, e que lhes não dispensa o beija-mão?

Acaso representa mais do que isso? Como explicar, então, o facto de alguns para lá terem ido antes mesmo de o programa eleitoral que iriam debater ter sido publicado? Se, para esses partidos, a série de programas tinha algum genuíno interesse, como explicar esta clara demonstração de desinteresse, de falta de dedicação?

Se alguma qualidade verdadeira as estações antevissem na iniciativa, teriam dado o dobro da duração à coisa, assim sempre arranjando mais ou outro anúncio no intervalo. Mas, não: as refregas duraram apenas o tempo suficiente para fazer arrebitar, durante uns minutos e com as picardias da praxe, os espetadores das eternas telenovelas e dos populares concursos da televisão; e, a fazer fé nos números das audiências, a tática funcionou. Já se dessem, aos desinteressantes atores políticos, tempo para entrar no debate de ideias e de projetos, estragariam tudo, convidando a esmagadora maioria de uma população politicamente analfabeta a rapidamente mudar de canal ou, pelo menos, a deixar de prestar atenção.

O que dizer, por fim, da escandalosa falta de pontualidade de certos canais que atrasaram, por vezes vários quartos de hora, o início dos ditos debates face à hora anunciada, assim obrigando os espetadores ainda interessados naquilo a gramar notícias e mais notícias, algumas sem qualquer interesse - como no recentemente rebatizado canal que insiste em incluir nos telejornais pequenas histórias transmitidas pela casa-mãe americana, de interesse diminuto ou, pelo menos, sem o ter em dose suficiente para legitimar o atraso na transmissão de um debate eleitoral?

Ou, pior ainda, dos embates que começaram antes da hora anunciada, fazendo-nos perder boa parte do tão precioso alimento intelectual?

- x -

Aquela trintena de mini-programas foi a fantochada e a vergonha que sempre fora programada para ser. Ninguém alguma vez esperou que servisse para alguma coisa, nem acreditou que também alguma coisa junto dos eleitores os debates viessem esclarecer.

Tudo não passou do habitual picadeiro das vaidades por parte dos concorrentes, e da sensaborona inutilidade dos juris de comentadores. De serões de indisfarçável tédio para todos nós, hesitantes eleitores e obedientes espetadores.

Sic transit gloria mundi




  LEIA  AQUI  O  ARTIGO SEGUINTE DESTA SÉRIE DEDICADA AO ATO ELEITORAL!  

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022


Já não Posso Trocar a Varinha Mágica...

Talvez por o assunto principal dizer respeito a poucos, parece ter conseguido passar sem grande celeuma o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, uniformizando jurisprudência, decidiu que o cliente não tem o direito de reclamar por o produto não obedecer às características publicitadas pelo fornecedor, a menos que demonstre que, se conhecesse aquela que alega como determinante da compra, não teria efetuado o negócio.

Foi, precisamente, isto que o douto Tribunal decidiu quanto ao caso dos lesados do BPN, como aqui já referi, assim abrindo a porta a que qualquer fornecedor de eletrodomésticos se recuse a aceitar de volta algo tão insignificante como uma varinha mágica que, afinal, não tritura amêndoas, como dizia no anúncio, ou tão complicado como uma máquina de lavar e secar que, afinal, não seca.

Curiosamente, não vejo qualquer clamor público por parte de associações de defesa do consumidor, embora esteja em causa a violação de direitos constitucionais. Também não li sobre eventuais recursos para o Tribunal Constitucional.

Como se esperará que alguém demonstre o que lhe ia no espírito no momento da compra? Com que legitimidade vem o Tribunal exigir uma prova que será quase sempre impossível de produzir? Com decisões deste calibre, como poderá dizer-se que se prossegue a paz social?

Será que anda tudo tão entretido com a habitual politiquice que antecede os atos eleitorais que só vai acordar e reagir quando as coisas começarem a acontecer?

Ou seja, quando alguém com capacidade de intervenção, tendo sido vítima de publicidade enganosa, se vir obrigado a ficar com algo que não queria ter encomendado e depois não vai poder devolver?

Aguardemos para ver...

domingo, 9 de janeiro de 2022


Vamos à Bruxa? Que Emoção!


Elaborando um pouco sobre o anúncio da 'poderosa e competente' Dona Maria com que ilustrei o artigo do passado dia 8, qualquer de nós não deixará de notar, naquela coisa, aspetos curiosos que, lamentavelmente, não parecem merecer a atenção, quer de organizações das quais se esperaria que defendessem os interesses dos seus fiéis ou associados, quer dos poderes públicos mandatados para a defesa da lei e da ordem.

Não existindo, que se saiba, qualquer imagem autenticada e fidedigna de Jesus Cristo, dúvidas não poderão, porém, restar quanto ao facto de a ele se pretender associar a figura representada naquele miserável panfleto em que se publicita os serviços de uma 'famosa senhora de poderes naturais e sobrenaturais', seja lá isso o que for; e, até, 'divinos', o que pouca margem deixa quanto ao propósito de se recorrer a uma alegada e fraudulenta relação com a Divindade cuja imagem é representada no panfleto. Mesmo porque a penúltima linha expressamente a nomeia, numa saudação de paz...

Não obstante, a Igreja Católica parece indiferente a estes despudorados aproveitamentos tendentes a cobrar chorudos honorários vendendo o que não existe e tendo como veículo a crendice e a ignorância de muitos dos nossos concidadãos; ou com eles não sabe lidar, preferindo continuar a assistir à disputa entre a Senhora de Fátima e as bruxas, como aqui, a este propósito, já referi.

Por outro lado, e não menos surpreendentemente, os médicos parecem conformados com a concorrência ilícita - e contraproducente para aqueles de cuja saúde lhes compete cuidar - por parte de quem chama, aos potenciais pagadores, 'Querido Paciente' e refere, além dos tais poderes, um aprofundamento de conhecimentos, necessariamente na área da saúde, ou não designaria por paciente os incautos que lá irão parar.

Não obstante, e tal como acontece com a passividade eclesiástica, a Ordem dos Médicos parece dedicar às Donas Marias desta terrinha um desprezo altivo, de efeito nenhum no combate a esta variante da banha da cobra de cariz popular.

Note-se que a pessoa em questão - e, como ela, tantas outras... -, não apenas se arroga infalíveis e especialíssimos poderes curativos, como se propõe comercializar, está-se mesmo a ver que  mediante a emissão de fatura e recibo, 'poderosos talismãs para si e para a sua casa que lhe darão toda a sorte em menos de quinze dias terá todos os seus problemas resolvidos'.

Atentos os valores astronómicos de que a comunicação social vem dando presumivelmente rigorosa notícia, parece claro estarmos em presença de crimes de burla, alguns deles de valor elevado, para os quais, dada a aparente inércia das autoridades judiciárias e fiscais, talvez a Igreja e a Ordem pudessem ter algum papel relevante ao pressioná-las, se não no interesse das próprias organizações, pelo menos como ato de intervenção cívica elementar nas respetivas áreas de atuação.

- x -

Será que investigar, devidamente, este tipo de crime de colarinho pardacento é considerado pouco meritório por quem com coisas mais mediáticas tem com que se entreter? Serão as Donas Marias e seus equivalentes masculinos - como, com as devidas adaptações, o célebre Padre Gama*) - já tantos, mas tantos, que rapidamente tornariam insuportável a vida nas já sobrelotadas cadeias?

Seria interessante conhecer algumas respostas, já que o problema existe com 'consultas em todo o País', não é uma mistificação.

Agora, a minha vida vai começar a correr mal, cheio que vou ficar de alfinetes espetados num boneco, como mais que merecida e justa retaliação.

* *

Existem, no entanto, certas amplamente disseminadas formas de adivinhação que apresentam, nos fundamentos, alguma base científica e lógica e que, por isso mesmo, são merecedores de um escrutínio atento, da nossa maior atenção.

(leia aqui o desenvolvimento)

terça-feira, 4 de janeiro de 2022


Promoveram o Major Alvega!

O Presidente da República Portuguesa, pessoa conhecida e reconhecida pela qualidade do português com que, habitualmente, se exprime, fez publicar, no passado dia 27 de Dezembro, a seguinte frase*):

"É nomeado para o cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada (...) o Vice-Almirante (..),
bem como a correspondente promoção ao posto de Almirante (...)
".

Na minha habitual lentidão de raciocínio, entendi, inicialmente, que houvera dois nomeados para o cargo: o Vice-Almirante e a respetiva promoção. Mas... não, pensei depois: se fossem dois, em lugar de "é nomeado", teria escrito "são nomeados", o que não fez; e, seja como for, não se pode nomear uma promoção.

Tendo-se, assim, feito luz, apesar da fraca perspicácia lá acabei por concluir, perplexo por vir de quem vinha, que a construção da frase estava, simplesmente, errada, exprimindo um inegável disparate que em nada prestigia, quer quem o redigiu, quer o jornal oficial que o publicou.

Não me passa, evidentemente, pela cabeça que tenha sido o ilustre Magistrado a lavrar aquela coisa, antes algum apressado e distraído escriba cuja função consista, essencialmente, no chamado copy/paste *), sem, pelos vistos, ter, ao menos, o cuidado de reler as letras que nos minúsculos decretos presidenciais vai deixando ficar.

Nem ele releu, nem o Presidente antes de assinar, nem o fez alguém num Diário da República que, apesar de passar por ser o todo-importante Jornal Oficial, parece não ter a mais pequena responsabilidade ou interferência na qualidade daquilo que publica e outros escrevem - e mal feito seria se tivesse, ou se alguém de lá se atravesse a chamar a atenção a alguém de cá, coisa que jamais este alguém iria perdoar, político ou não.

Mas é triste. É triste porque, tal como, no presente caso, a questão é de somenos, o mesmo poderia ter acontecido - e acontece - em situações bem mais graves, a ponto de, quantas vezes, em orações assim tornadas equívocas se ficar sem saber qual a intenção do legislador, com o inevitável impacto acrescido sobre a carga de trabalho dos tribunais, advogados, notários e solicitadores.

- x -

Dirão, claro, as más línguas que a pressa em remover o Chefe do Estado Maior da Armada*) (CEMA) agora exonerado era tal, que nem houve tempo para grandes preciosismos ou, sequer, cuidados. Terá sido assim? Tirada do caminho a oposição do Presidente da República - que acabou por ceder ingloriamente nesta trama birrenta e desconchavada -, seria assim tanta a pressa em içar ao estrelato o prospetivo salvador de um Partido Socialista*) sem candidato presidencial carismático à vista que o tire, daqui a poucos anos, das garras de um mais ou menos anunciado desaire eleitoral?

De que outra forma interpretar a afirmação de que, para a substituição, era este o momento oportuno*), sem minimamente explicar onde estava essa oportunidade, essa extrema urgência que ninguém vê, e que acabou por gerar uma trapalhada tão maltrapilha que se manifesta, até, em coisas tão simples como... um pequeno e despretensioso parágrafo de nomeação?

Ademais, que justificação paupérrima e insultuosa é essa, de que a oportunidade do momento decorria da recente aprovação da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas?*) Vão correr com o Chefe do Estado Maior General? Com os chefes militares dos outros ramos, também?

Já agora: o decreto vai ficar assim?

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Nos meus tempos de estudante liceal, quase todos comprávamos O Falcão, revista de banda desenhada a preto e branco, da qual uma das mais conhecidas personagens era o Major Jaime Eduardo de Cook e Alvega - nome que o meteorologista Anthímio de Azevedo traduzira de Battler Britton, o nome original 

Acontecia assim, e acontece, porque os miúdos portugueses sempre gostaram de fardas, fosse há muitos anos n'O Falcão, seja agora nos jogos de computadores e consolas: e, depois de crescidos, continuam a achar que, quem quer que vista uma farda, é um herói pelo simples facto de aparecer assim vestido. Todo limpinho e arranjadinho, com a roupa bonita e passadinha a ferro, julgam logo que é competente, e a pessoa indicada para o lugar, seja ele qual for. Isto, os partidos políticos sabem muito bem...

Enquanto Vice-almirante, o agora Almirante CEMA soube tirar o devido partido do seu uniforme de combate*) - sempre serviu para alguma coisa... - para aparecer, com aspeto dinâmico e despretensioso, quando, ao comando da task-force, era apanhado pelas câmaras, em flagrante contraste com a desalinhada fatiota que levou aos Globos de Ouro*), na qual não estava, evidentemente, confortável. Tirou, também, partido das imagens em que aparecia de uniforme de gala*), qual Capitão Iglo, dos douradinhos da dita marca.

Agora, nomeado e promovido à pressa, quase no limite de idade e para assegurar a terceira faixa nos punhos, lá apareceu com uma enorme faixa verde*) a evidenciar, sobretudo, a habitual foleirada latente ou submersa na maior parte dos nossos políticos, que no Almirante parece estar agora a vir à superfície.

Ou não tivesse o homem andado tanto tempo nos submarinos...

- x -

Talvez por jamais ter sido promovido, nunca vi o Major Alvega engalanado com uma faixa... O Major Alvega era o que era, sem necessitar de faixas.

Afinal, a que corresponderia aquela faixa verde?

Para o ego do Almirante, o que significaria?

Para o novo cargo, que vantagem?

domingo, 2 de janeiro de 2022


60.000 Candidatos a Operador de "Call-center"


"Sessenta mil candidatos a bolsas de estudo receberam o pagamento relativo ao mês de Dezembro", ouvi há dias já não sei em que estação de televisão. Não sei se terão, também, noticiado os pagamentos relativos aos meses anteriores, nem se irão massacrar-nos com outras notícias igualmente desinteressantes nos meses que se seguem.

Não é novidade a figura ridícula de quem não tem notícias com interesse para dar, nem reportagens prontas para entrar no ar quando escasseia a matéria-prima das picardias políticas, dos fora de jogo que não eram, dos que eram e não chegaram a ser e das catástrofes que, felizmente parece que só acontecem por esse mundo fora. Mas mais ridícula tal figura se torna ainda por anunciar, como se de grande coisa se tratasse, algo que não passa de chamariz para o embuste em que continuam a cair os infelizes estudantes que, ou saem da universidade com notas altas - mesmo muito altas - e lá acabam por se orientar lá por fora, ou, com uma muito maior frequência e probabilidade, irão parar a um call-center, tábua de salvação para os que, simplesmente, tiveram aquelas notas que, não sendo excecionais, revelam, pelo menos, que andaram na escola a fazer o que se esperava que andassem a fazer.

Para estes, todos sabemos que, ao nível dos conhecimentos adquiridos, não existe emprego compatível para todos, ou, sequer, para a maior parte; muito menos, na respetiva área de formação. Mas, como é preciso mostrar números lá para fora, ninguém lhes diz que vão ficar atrasados na vida profissional indiferenciada em que outros começam a singrar e a ganhar o sustento antes deles: eles que correm desesperadamente pelo canudo que permitirá, um dia, aos babados e mais ou menos parolos mamãs e papás, convidar os vizinhos, parentes e amigos para uma grande festa, com um enorme bolo que diz: "Temos Doutor!".

Será esse, para muitos, o ponto alto da carreira académica. O derradeiro, também...

Em Portugal, "Licenciado", quer dizer "igual a todos os outros que se arrastam pelos call-centers", sonhando com a maravilhosa vida há muito imaginada... que jamais chegarão a ter.

domingo, 26 de dezembro de 2021


Gouveia e Melo: Mais Um Daqueles?


"A palavra que reténs nos teus lábios é tua escrava;  a que dizes fora de propósito é tua senhora".

Ninguém conclua, das linhas que se seguem, que não estou, como qualquer português deve estar, grato ao, a partir de amanhã, ex-Vice-Almirante que, recentemente, desempenhou funções como coordenador da assim designada task force da vacinação anti-COVID. Claro que estou!

Tal não me obriga, porém, a deixar-me ofuscar pelo brilho do sucesso da reconhecidamente válida ação por ele desenvolvida enquanto executante do enunciado atual - que não encontro, se é que existe... - do Plano Nacional de Vacinação*) iniciado em 1965 com a aceitação, pelo Estado Português, de um donativo da Fundação Calouste Gulbenkian destinado à vacinação contra a poliomielite*), difteria*), tétano*) e tosse convulsa*) (Decreto-Lei n.º 46533, de 09 de Setembro de 1965)*), continuado  com a implementação do velhinho mas, então, indispensável Boletim Individual de Saúde (Decreto-Lei n.º 46621, de 27 de Outubro de 1965)*) (Decreto-Lei n.º 46628, de 11 de Novembro de 1965)*) e assim sucessivamente.

Não me ofusca, pelo menos, a ponto de evitar que fique perplexo, desagradado e apreensivo com o que leio nas entrelinhas das recentes respostas do amanhã promovido a Almirante, como "o futuro a Deus pertence", "não se deve dizer 'dessa água não beberei'" ou "até lá muita coisa pode acontecer", produzidas quando interpelado acerca de uma eventual candidatura futura à presidência da República.

A ter, de facto, sido proferido este chorrilho de lugares-comuns*), há que questionar, antes de mais, a capacidade para o desempenho de tão altas funções por parte de um cidadão que, ainda há poucos meses atrás - e, porventura, antes de o terem aconselhado a ter tento na língua - sobre o mesmo assunto dizia coisas de sentido contrário, tão claras e sem margem para dúvidas como "Não sou político", ou "vou tirar esta farda, mas é para vestir outra. Eu sou militar, não tenho jeito para político. Fecho essa porta*).

Tudo isto é muito estranho. Principalmente, tratando-se de um militar, de uma pessoa que pertence à elite de uma estrutura conhecida pela solidez da palavra dada. Enfim...

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Mas há mais.

Enquanto desempenhou as referidas funções, o Senhor Almirante notabilizou-se como executante privilegiado, como mero coordenador de esforços e de boas-vontades. Não como gestor; muito menos, como um velho sábio a exercer uma magistratura de influência presidencial. Nem me parece, dada a sua notória apetência pela ação, talhado para tal.

Como explicar, então, que alguém que se assume como não político, que desempenhou funções que em nada se assemelham àquelas que de um presidente da República será de esperar, abra agora uma porta, pelo próprio há pouco inequivocamente fechada para sempre, para, mais ano, menos ano, vir a candidatar-se ao lugar?

Já se sabe que, pelo menos até agora, ninguém, num dos partidos políticos do costume, se tem vindo a perfilar como candidato às mais altas funções do Estado. Já se sabe, também, que não se vislumbra quem poderá ter carisma suficiente para, sem fazer muito triste figura, as desempenhar na sombra do atual Presidente da República, o qual dificilmente alguém, num futuro mais ou menos próximo, poderá, no plano mediático, sequer sonhar em igualar. O que suscita, inevitavelmente, a pergunta: qual dos partidos estará a piscar o olho ao Almirante? Quem o estará a empurrar?

Além do mais, começa, como vimos, a dar a ideia de que o talvez putativo Candidato tem uma imagem bastante difusa de si próprio, o que não convém ao mais alto magistrado da nação: disse, em tempos de que já não parece lembrar-se, não ser um político, mas a recente inversão de marcha nos seus projetos futuros acaba de demonstrar que, embora inábil, afinal, o é.

No entanto, diz quem é sensato que a imortalidade, quando já está garantida, mais vale defender do que desbaratar. Por isso, a sério, alguém lhe diga que, mesmo quando movidos pelas melhores intenções, se não somos ou não nos sentimos competentes - ou alguma coisa nos diz que, mais ou menos suavemente, estão a passar-nos a mão pelo pelo -, bem melhor faremos, no interesse daqueles que, supostamente, iríamos servir, em em não insistir em avançar; em não nos tornarmos... mais um daqueles.

Honesta fama est alterum patrimonium

terça-feira, 21 de dezembro de 2021


Liberalismo ou Encapotado Negacionismo?

De entre tantos outros defeitos herdados da educação que recebi, ressalta o da convicção de que a nossa liberdade termina precisamente onde começa a dos outros. Ou, como já aqui citei, que "a única maneira de defender a liberdade é limitar a liberdade de cada um".

Corolário inevitável deste facilmente compreensível pressuposto, é que o liberalismo que extravasa a fronteira precisa em que entramos no domínio do interesse social legítimo dos nossos concidadãos não passa de incitamento à mais abjeta e caótica anarquia, ao primado do egoísmo e do egocentrismo, à irracionalidade de quem pretende, à viva força, que a liberdade individual de qualquer um - ao que quer que seja e por mais doentia e desvairada que ela seja - se sobrepõe, sempre e incondicionalmente, a qualquer esforço sério e socialmente legítimo do Estado de direito na defesa dos interesses da população.

Esquece-se, porventura, quem o defende de que, se ele e os outros acérrimos defensores circulam em segurança pela via pública e se sentem seguros nos seus lares, tal se deve à ação do Estado na perseguição, detenção, julgamento, condenação e - quando não os deixa fugir... - detenção de quem comete crimes, designadamente contra as pessoas e contra a propriedade, em tais atividades estando o mesmo Estado, afinal, a fazer precisamente aquilo que dele se espera e que é, ao fim e ao cabo, parte importante da sua razão de ser.

Olvidam, também, essas pessoas que, tal como a lei penal considera criminoso quem mata, quem fere, quem, de alguma forma, causa prejuízo grave a outrem, criminoso é, também, quem causa ou se arrisca a causar-lhe sério dano à saúde. Isto, seja o agente um mal intencionado e mal formado ser humano  ou um virus na sua atividade legítima e habitual.

Pretender, mesmo sem assumir contornos negacionistas, que cada indivíduo tem a liberdade de escolher ser vacinado ou não quando estão em causa a eficácia, a eficiência e, mesmo, a sobrevivência do Sistema Nacional de Saúde - não apenas no tratamento de doentes com COVID-19 mas no dos que padecem de qualquer outra doença - é ultrapassar todas as linhas encarnadas do que é natural, legítimo, razoável; é ultrapassar o mais liberal limite da própria definição de humanidade.

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Dar eco, como há dias deu o jornal Observador, a um arrazoado de infindáveis aberrações*) por parte de uma representante da assim chamada Oficina da Liberdade*) que sustenta que se torna cidadão de segunda quem vive em países que, à falta de alternativa, se vêem constrangidos, para evitar a propagação da pandemia, a decretar a vacinação obrigatória não estará, propriamente, a agir no exercício da liberdade de imprensa, antes talvez a propagar ideias perigosas, bem próximas de um acéfalo e parolo negacionismo e que, numa altura tão crítica para estas andanças como é a do Natal, se arriscam a prejudicar gravemente o mais legítimo e sagrado interesse nacional.

Pretender, por exemplo, que "por toda a Europa, parece renascida a ideia de que quaisquer medidas adotadas pelo poder político, em nome da saúde pública, são legítimas, mesmo que sejam absurdas, como é o caso da irónica divulgação de dados pessoais de saúde para aceder a um restaurante de fast food" diz bem da verdadeira natureza das ideias expressas, quando é certo e sabido que, para aceder a qualquer restaurante, basta apresentar um certificado digital a uma aplicação que apenas responde "Válido", sem especificar se o é por a pessoa ter contraído anteriormente a doença, por ter sido vacinada ou por qualquer outra razão admissível. Ou seja: sem revelar qualquer dado pessoal de saúde, mas apenas o estado de conformidade ou de inconformidade perante uma lei que vai de encontro ao mais básico e universal interesse nacional.

Como pode, de facto, alguém pretender que é do interesse ou do bem-estar de qualquer indivíduo estar permanentemente sujeito a uma contaminação potencial?  Como pode alguém de boa-fé alegar que a administração de uma vacina viola a dignidade humana? Ou que está a ser discriminado alguém impedido de entrar num restaurante por não apresentar a prova possível de que tudo fez para não contaminar outros?

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O apodado "certificado digital da discriminação" não passa de um "certificado digital da diferenciação", apenas condenável por aqueles que defendem a liberdade de tudo e a qualquer preço, não hesitando em, a contrario, violar a própria Constituição que dizem defender, já que insistem em considerar tudo igual a tudo. Mesmo ao que, manifestamente, por natureza ou por estado é tudo menos igual.

A manipulação da comunicação com os espíritos de leitores menos críticos ou menos preparados a troco de algo que, num tal quadro, poderá ser facilmente confundido como ânsia de protagonismo ou de promoção social ou profissional parece pouco prudente, nada profícua e, até, contraproducente para a imagem própria de alguém que ciosamente se possa estar a procurar promover ou socialmente alardear.

A defesa dos interesses e direitos de cada cidadão é fundamental para evitar abusos e desmandos como aqueles que durante décadas conhecemos em Portugal. Mas é pernicioso e atenta contra os mais elementares e nobres propósitos de qualquer organização societária insurgirmo-nos contra aquilo que, objetiva e fundamentadamente, a Ciência e os seus representantes consideram uma precaução essencial.

ª ª

No âmbito da defesa dos interesses e direitos, até que ponto será lícito o Estado conceder gratuitidade de tratamentos a pessoas que, simplesmente, se recusam a tomar as precauções consideradas essenciais a limitar a propagação da doença?

(continua aqui)

domingo, 12 de dezembro de 2021


E que tal Fazê-los Pagar a Continha?

Da pusilanimidade e falta de objetividade do Governo de Portugal na gestão da crise pandémica, muito especialmente na altura do Natal, já aqui falei após o descalabro vivido no início deste ano de 2021.

A par de algumas medidas que, na época festiva que se avizinha, se afiguram, à partida, mais avisadas e fundamentadas do que no ano anterior, assistimos, no entanto, a nova demonstração de timidez e omissão governativas, eventualmente devidas à proximidade de mais um ato eleitoral.

Tem isto ao ver com a conclusão expressa em estudos recentemente divulgados segundo os quais, juntamente com os imunodeprimidos, os não vacinados constituem a grande maioria dos internados com COVID-19 em Portugal*); e no Brasil também*), e não é de agora.

Ora, como é sobejamente sabido, a todos os portugueses com idade e nas condições clínicas adequadas, foi, gratuitamente, dada a oportunidade de serem atempadamente vacinados, não apenas no interesse da comunidade, mas no interesse próprio, tão querido a quem tende a pouco querer saber dos outros.

Esquecem-se aqueles que recusaram a vacina de que oportunidade implica responsabilidade, designadamente a responsabilidade económica pela recusa da vacina.

Não parece, assim, fazer qualquer sentido que continue o Estado para o qual economicamente todos somos obrigados a contribuir a suportar os custos com o internamento de indivíduos egocêntricos, medrosos ou apenas ansiosos de protagonismo a qualquer preço, que recusarem vacinar-se, assim acabando, quase inevitavelmente, por apanhar o sempre incómodo, dispendioso e, por vezes, letal bicharoco.

Que o Serviço Nacional de Saúde os trate, acho muito bem. Agora, que todos tenhamos de pagar a continha de uns quantos idiotas que, ainda por cima, comprometem a eficiência e eficácia do Serviço que, desnecessariamente, solicitam já me parece muito além daquele razoável que um governo, por muito pouco razoável, deverá tolerar.

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Em democracia, e por uma elementar questão de justiça, não é lícito tratar igualmente o que não é igual.

Todos fomos postos em pé de igualdade no processo de vacinação. Agora, os benefícios devem ser, também, iguais para quantos foram vacinados, mas bem diferentes para quem recusou a inoculação.


PS: Como já espero reações apatetadas ao texto, aqui transcrevo um elevadíssimo comentário afixado no artigo "Juiz Negacionista ou Advogado Oportunista, que diz bem do que vai na cabeça de alguma desta gente:

    "Prepara-te para um contra ataque em breve do https://forasteiro.net
    Vão ser todos abatidos, tu e o Scimed e mais uns quantos, prometemos.
    A bem ou a força irão ser todos expostos, como vieste ao mundo nú asism o serás em breve.
    Aguarda".

sábado, 11 de dezembro de 2021


Originais à Viva Força

"A criatividade verdadeira é inviável no quadro estrito do cumprimento das normas legais ou morais estabelecidas. O conformismo total e submisso perante o status quo jamais levou, onde quer que fosse, uma sociedade a evoluir. Mas, violar uma norma, quebrar uma regra, apenas é útil, salutar e profícuo quando o interesse do próximo é a principal razão dessa escolha: nunca quando visa, antes de mais, a exaltação do próprio, a notoriedade, o lucro fácil, o mais elementar, básico, patego e parolo exibicionismo"


Ao assistir a certas atitudes e ao ouvir certos comentários, convenço-me de que existe uma quase generalizada incapacidade para separar duas realidades absolutamente distintas: moda e originalidade.

Confusão
A confusão não faz, evidentemente, qualquer sentido, já que os conceitos são, não apenas distintos, mas antagónicos: originalidade é a qualidade daquilo que é diferente, próprio, inovador, enquanto moda*) corresponde ao conceito estatístico daquilo que constitui a tendência dominante, a classe com maior representatividade em determinado universo. Ou, no plano social e para utilizar uma linguagem mais terra-a-terra, a propensão de um conjunto alargado de pessoas para copiar, para adotar uma ideia que crêem original, ou sensacional, ou espampanante a ponto de, de certezinha absoluta, ir embasbacar outros invejosos que se irão maravilhar - ou roer todos por dentro... - ao olhar para nós.

Mesmo que o motivo do encantamento não seja original, mas apenas supostamente original...

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Vem este supostamente a propósito, não da eticamente condenável prática do plágio - mais ou menos bem disfarçada, mas sempre correspondente à admissão íntima, por quem plagia, da incapacidade de se igualar ou, pelo menos, aproximar das capacidades e do mérito do original autor -, mas a propósito da deriva do conceito de original, ou da própria compreensão do significado efetivo do mesmo.

Dos relatos da História e daquilo que, nas últimas décadas presenciámos, extrai-se que jamais se assistiu a tamanho desfilar de criadores, de criativos, de entendidos criativos, de construtores de ideias, de promotores de ateliers de ideias, enfim, de toda a espécie de idiotas que, a par de um punhado dos que são, verdadeiramente, originais, verdadeiramente autores, o marketing atual vai associando a indivíduos que mais não fazem, afinal, do que deteriorar, estragar, adulterar o que de bom outros antes deles realmente criaram.

Podendo, embora, admitir-se que, nas suas mais diversas vertentes, o campo da arte se encontra especialmente sujeito a tais desmandos, dá a ideia de que o virus da falsa originalidade alastrou, em incontáveis e cada vez mais contagiosas variantes, a praticamente todas as áreas de atuação humana onde o principal objeto e valor resida na capacidade de gerar ideias dignas desse nome; ou seja, de ideias com as condições necessárias a, caracterizando-se pela diferença mas respeitando, ao mesmo tempo, a indispensável estabilidade da construção social vigente, resultar numa melhoria das condições materiais ou espirituais de vida do nosso semelhante.

Já nos habituámos a pagar para assistir a espetáculos de onde se sai nauseado com o vazio ou aberrante original que por lá se vê; a contemplar originais obras ditas de arte que não passam de rabiscos e borrões cuspidos numa tela - incompreensíveis a menos que o autor esclareça o que lhe terá perpassado o espírito quando as espirrou -, ou mamarrachos escultóricos que facilmente passariam despercebidos, quais calhaus para ali caídos, se os não tivessem plantado numa galeria de exposições, no meio de uma rotunda ou em lugar de destaque num jardim ou parque qualquer.

Manifestações artísticas
Todavia, a par destas manifestações artísticas, os meios de comunicação social dão destaque a uma cada vez maior quantidade de indivíduos à cata de factos que lhes proporcionem oportunidades de se evidenciar, de aparentemente debater, interminavelmente, os mesmos assuntos em tom pomposo e palrar barroco.

Embasbacam as gentes menos educadas ou cultivadas com janelas de oportunidade, com temas abordados em textos sem qualquer densidade e que, no final do dia, convocam muitas dúvidas sobre icónicas, apelativas e estratosféricas personalidades que aparecem linkadas a temas públicos e notórios que interessam apenas e só aos instagramáveis cuja mundivivência se integra no ADN daquelas pessoas top que publicam posts que se tornam virais e altamente rentáveis, ou comentam desconstruindo raciocínios que geram narrativas talvez pouco rentáveis mas incontornáveis, que rentabilizam delas se demarcando proativamente, ainda que com as mesmas possam concordar.

A empáfia*) desta gente, a incrustada apetência por esvaziados mas economicamente compensadores excursos destinados ao consumo de telespectadores desolados e abúlicos, são evidente epifenómeno da explosiva multiplicação de canais televisivos que, por esse processo, ficaram limitados a noticiar o que os restantes noticiam, a comentar o que os outros comentam, a publicitar os mesmos produtos, a simular mudanças profundas, originalidades não originais que copiam de televisões de outros mundos, de outros canais.

Contratam faladores que, ora copiam o que, na véspera, de outros leram ou lhes ouviram, ora buscam, desesperadamente, onde não existem, teorias supostamente originais quanto às causas disto ou daquilo, ora se limitam a seguir a moda das opiniões por muitos outros já expressas sobre os mesmos acontecimentos; em boa verdade, quase sempre algo que, de tão evidente, ao espírito de qualquer um imediatamente ocorre, tornando-se absolutamente dispensável sequer verbalizar.

Nós vemos e ouvimos porque nos habituámos.. àquilo que há.

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Parecem, certas pessoas - falhas de conteúdo mas ávidas de dinheiro, de fama, de protagonismo, daquele poder que nem sabem o que, realmente, é - empenhadas em explorar o inesgotável filão da ignorância e da estupidez alheia para idealizar, não produtos materiais ou espirituais benéficos e propícios ao desenvolvimento do seu semelhante, antes ao que de mais chocante, de mais aberrante, de mais impactante acorrer aos seus pobres espíritos que seja suscetível de causar sobressaltos morais ou intelectuais quase sempre úteis aos interesses do suposto criativo, mas quase nunca aos daqueles a quem ele a dita criação impinge ou impõe.

Experiência própria ou alheia
Há muito tempo sabe toda essa gente, por experiência própria ou alheia, que sempre encontrará mercado fiel e disposto a pagar seja o que for ou quanto for por coisa nenhuma, por qualquer diferença indiferente, por algo tão impossível como uma moda original, na certeza quase absoluta de que irá, mediante tão obnóxio expediente, brilhar no cinzento meio da pobreza espiritual em que evolui e na qual de outra gente como ela se faz rodear.

Esquecem-se essas pessoas, ou fazem por se esquecer, de que, quem é bem sucedido, apenas foge às regras porque teve uma inspiração, uma ideia, um impulso espontâneo, legítimo e bem intencionado.

Esquecem-se de que jamais se consegue ser original - ou criativo, como agora gostam de dizer ser - apenas porque, deliberadamente, sem uma ideia própria válida e com propósitos inconfessáveis, se escolhe fugir às regras: não é essa opção forçada e tomada a qualquer preço e com indiferença perante a qualidade dos efeitos que faz alguém ser bem sucedido. Pelo menos, junto de quem seja verdadeiramente livre, independente, socialmente válido e consciente.

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Em qualquer ambiente em que se respire, de facto, liberdade e civilização, as regras existem por serem, reconhecidamente e dentro daquilo que se sabe e conhece, a forma mais eficiente, mais eficaz e mais segura de obter determinado resultado; e, económico ou não, a obtenção de qualquer resultado positivo, socialmente legítimo e saudável, resulta numa mais-valia com impacto direto no habitat de  quem o produz, e indireto na transmissão que o efeito multiplicador lhe não deixará de imprimir.

A criatividade verdadeira é inviável no quadro estrito do cumprimento das normas legais ou morais estabelecidas. O conformismo total e submisso perante o status quo jamais levou, onde quer que fosse, uma sociedade a evoluir. Mas, violar uma norma, quebrar uma regra, apenas é útil, salutar e profícuo quando o interesse do próximo é a principal razão dessa escolha: nunca quando visa, antes de mais, a exaltação do próprio, a notoriedade, o lucro fácil, o mais elementar, básico, patego e parolo exibicionismo.

Não vale a pena elaborar rebuscadas explicações políticas, científicas, mais ou menos criativas, não faz sentido nem é bonito explorar a ingenuidade, a ignorância ou a credulidade alheias, ou lançar a dúvida, a suspeita, o mistério, o suspense quanto à verdadeira razão, à causa profunda de ter sido encontrada uma maçã caída debaixo da copa de um pinheiro.

Não, não acabámos de descobrir um pinheiro que maçãs.

A maçã estava debaixo do pinheiro porque alguém para lá a atirou, ou a deixou cair. Ou, mais prosaicamente, dela lá se esqueceu.


Caso se interesse por
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quinta-feira, 9 de dezembro de 2021


Joacina Katar Moreira e o Elogio da Oligofrenia

"Razões fortes, compromissos claros".

Esta mensagem num cartaz do Bloco de Esquerda terá provocado na rede social Twiter, a mensagem "A dicotomia claro/escuro no discurso político já mudava*).

Salvo o devido respeito, a imbecilidade da coisa apenas é comparável à manifesta ignorância vocabular de quem a produziu, bem como à pobreza gramatical evidenciada pela construção frásica pseudo-moderna e pseudo-progressista do  seguido do pretérito imperfeito do indicativo pretendendo significar que já se poderia isto ou aquilo (neste caso, já mudava, em lugar da expressão correta já se poderia mudar. Ou, na forma popular, já se podia mudar).

Claro, significando evidente, preciso nada tem, em sentido estrito, a ver com claro, no sentido de luminoso, pouco escuro. O adjetivo é o mesmo, mas a utilização que dele é feita num e noutro caso quase as torna palavras homónimas, apenas o não sendo na medida em que a classificação gramatical é a mesma.

Não há, assim, como considerar que se trata de um ataque aos ideais anti-racistas, mais a mais vindo de quem vem. Não passa de uma patetice, de uma alarvidade, da tentativa desesperada de quem politicamente se arrisca a desaparecer para manter um protagonismo que não merece, se é que alguma vez mereceu.

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O aproveitamento abusivo de tudo quanto cai ao alcance dos nossos olhos para o distorcer, para o enviesar à medida da conveniência de uma causa ou argumentação a ele completamente alheia apenas tem como resultado imediato a evidenciação do vazio daquilo que se defende e da fundamentação de suporte que temos para lhe oferecer. No presente incidente, apenas serve para menorizar a nobre causa do racismo, que, é caso para dizer, bem melhores defensores poderia merecer.

Alguém me dizia, há tempos, que para se obter um grau de mestre ou de doutor é mais necessária capacidade de trabalho do que inteligência. Dir-se-ia que alguns parecem profundamente empenhados em o demonstrar...

Se certos doutorados que por aí há trabalharam ou não, jamais saberei. Mas da oligofrenia que caracteriza algumas das suas afirmações não será difícil convencer.

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sábado, 20 de novembro de 2021


Na Sala de Pequenos-Almoços

 

O respeito pelas mais elementares normas de cortesia e de etiqueta é o garante último de que saberemos comportar-nos e controlar-nos, mesmo quando em tudo diferimos ou divergimos, quando estamos entre amigos ou inimigos, entre parceiros ou adversários. É que o ambiente natural não é o único que importa preservar: existe o ambiente social, que também importa saber enriquecer, cultivar


Aos Primeiros Alvores do Dia
Aos primeiros alvores, quando tudo em nós resiste à inevitável mudança da horizontal para a vertical, do escuro para a luz do Sol, do conforto do hotel para o bulício da rua, em trabalho ou em gozo de férias, a sala de pequenos-almoços é o entreposto ideal para atenuar os efeitos da dolorosa transição.

Ainda para mais, se o espaço é agradável, o buffet farto, e o serviço simpático e eficiente.

Anos atrás, estas três expetativas seriam legítimas e naturais, nenhuma menos agradável havendo a acrescentar, já que, salvo um ou outro episódio esporádico e menos edificante, para tal grande razão não se iria encontrar.

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Hotel arejado, amplo, tranquilo.

Num canto da sala, sentado pacatamente, um discreto casal nos cinquenta ou sessenta trocava frases em surdina, aqui e ali deslizando pela sala para guarnecer o prato, quase sem se fazer notar. Ambos com a roupa informal, discreta, de pequenas férias numa bonita cidade em Portugal.

O elevador chega. A porta abre-se. Expele três bocas escancaradas e palavrosas nos seus quarentas, fatos de treino num berrante azul e rosa, a gritar alarvidades em suposto português da América enquanto os pés as havaianas fazem falar.

Escolhida a mesa, chinelam para o buffet, atropelando comentários aos assuntos mais diversos que, sem dó nem piedade, impõem ao casal do canto - já que, os ouvidos, quando a gente come à mesa, não tem como tapar.

Minutos depois, o elevador. Tugas boçais, como se tirados de certos cartazes da campanha autárquica, com graça nenhuma.

No carrinho, um infante de tenra idade geme e grita a desdita, ou alguma desconhecida e lancinante dor. O mano, de três ou quatro encantadores aninhos, dá largas à birra de um capricho negado pelos progenitores.

Pais Indiferentes aos Filhos
Imunizados da choradeira, a mamã e o papá, indiferentes, olham placidamente em redor. Buscam, deleitados, a mesa com melhor vista, omitindo o mais débil esforço para suster as lágrimas dos mimados – ou ignorados – futuros doutores.

Pára o elevador. Mais gente chegou. Como aqueles dois espécimes que, há muito ido o Verão e num hotel de cidade, se lambuzam de calções de banho e havaianas copiadas das dos outros três. Bonés na cabeça com as palas para trás, como alguns humanoides pensam que é moda, que lhes fica bem, que os faz parecer sabe-se lá quem. 

Talvez se sintam importantes influencers, manipuladores ou vendedores de banha da cobra, a mitigar um pouco as frustrações que uma chuva de palavrões projeta no ar matinal de uma outrora tranquila e civilizada sala de refeições.

Outros, mais discretos, sentam-se, hesitantes, ponderando se será prudente por ali ficar ou não.

Entre eles, uma jornalista famosa, desses programas de horário nobre, quase irreconhecível nas enormes olheiras sem a maquilhagem que lhes colam à pele na televisão. Resolve ficar. Cotovelos na mesa, sorve, lânguida e ruidosa, o café com leite, debitando, a espaços, vocábulos esparsos para a farta cabeleira pelos ombros, bigode hirsuto e barba por fazer que em frente come parecendo nem ouvir.

Irremediavelmente comprometida a digestão, o casal do canto precipita o fim da refeição. Levanta-se, ajeita as cadeiras e, desta vez, prefere as escadas, para evitar a confusão.

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Respeito pelas Normas de Cortesia e Etiqueta
A sala de pequenos-almoços de um hotel português de três ou quatro estrelas é um microcosmo do Mundo em que vivemos hoje em dia. Ou, pelo menos, do Portugal que habitamos e aos vindouros vamos deixar: bisonho, fechado, enfadonho, atarantado, humanamente pobre e feio. Faz pensar nas imensas mágoas e tensões latentes na mente e no espírito daquela atarantada gente, bem como no dia em que, com estrondo, fatalmente irão estoirar.

A galopante indiferença de uns poucos perante o ambiente que, em cada lugar, a cada um dos outros é legítimo esperar encontrar, surge como uma das notas dominantes de um inovador mas inqualificável conceito que uma parte cada vez maior da população confunde com liberdade: não passa de uma elementar, básica, risível e parola demonstração de completo desrespeito pela tranquilidade alheia; pelas expetativas de quem a um lugar se dirige com determinado propósito, com todo o direito de esperar aí encontrar condições adequadas, como anteriormente sempre encontrava e a cultura (ainda) dominante sugeriria que continuasse a encontrar.

O respeito pelas mais elementares normas de cortesia e de etiqueta é o garante último de que saberemos comportar-nos e controlar-nos, mesmo quando em tudo diferimos ou divergimos, quando estamos entre amigos ou inimigos, entre parceiros ou adversários. É que o ambiente natural não é o único que importa preservar: existe o ambiente social, que também importa saber enriquecer, cultivar.

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A forma de trajar é uma das vertentes.

Nada explica e, muito menos, legitima que, em lugar de obedecer ao mais elementar preceito da boa educação que diz “em Roma, sê romano”, se opte por, onde quer que seja, impor à comunidade as regras de meia dúzia - quantas vezes, até, de um só - que queira parecer original, por pouco mais de si lá ter para mostrar. Apenas se torna incómodo, digno de pena, patético, ridículo em toda a imensidão do seu miserável comportamento, como alguém que não sabe estar nem dos outros quer saber.

Cada um tem o direito de se vestir e de agir como bem lhe aprouver; mas apenas quando está só ou com quem pense e sinta de forma idêntica: que o mesmo vá buscar onde estiver. Ninguém alguma vez  terá um direito legítimo de impor, a espetadores acidentais ou involuntários, condutas, atitudes ou trajos inadequados ao tempo, ao lugar e às demais circunstâncias; que lhes não interessem, que patentemente lhes desagradem ou os violentem nos seus hábitos, educação ou convicções.

Quem assim agir, terá sido educado como as duas criancinhas que, no hotel, a plenos pulmões berravam as suas mágoas ali mesmo ao lado de pais sem educação ou carinho para lhes dar, virados para o próprio umbigo, insensíveis à perturbação causada a quem tinha pagado para, com todo o direito, ali saborear uma tranquila e pacata primeira refeição.

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Será que esta liberdade que insulta a Liberdade considera ofensivo afixar, à entrada da sala, uma papeleta, um quadrinho, qualquer coisa que informe, em letras bem visíveis, que não é permitida a entrada, pelo menos, a hóspedes em chinelas e calções, ou especificando qualquer outra roupagem estapafúrdia que por lá seja uso encontrar?

Dá mau aspeto o papelinho à porta, dirão. Pois dá. Mas não será bem pior o desfile de manifestações variadas e inacreditáveis de falta de educação com que, de outra forma, cada vez mais nos iremos deparar? É que a forma como trajam sempre diz alguma coisa do modo como as pessoas se irão comportar.

Poderão os estabelecimentos abertos ao público continuar a ignorar os efeitos nocivos da deriva educacional de uma sociedade cada vez mais decadente? Mais do que outros, os estabelecimentos de hoteleria e de restauração, num Portugal em que a captação de turistas estrangeiros é vital para dinamizar a economia?

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As normas de conduta em publico, em sociedade, muito especialmente as que se referem à forma de trajar, nasceram do consenso; e, em quanto não violar as leis do Estado, a sua inobservância ou alteração apenas deve ser permitida ou promovida junto de quem a tal estiver recetivo, e vivida em núcleos que, também consensualmente, comportamentos menos consensuais escolham adotar.

Tudo quanto vá fora disso, não passa de agressão egoísta, oportunista e gratuita de terceiros, visando a subversão de modos de vida estabilizados cuja manutenção é essencial à Humanidade, à paz que viabiliza o progresso moral e espiritual que permite contemplar, pensar, sonhar, criar.

Enquanto continuarmos a digladiar-nos para sobressair ao nível comezinho do usufruto imediato e dos comportamentos a ele inerentes, não sobrará espaço nem tempo para investir, ainda que levemente, no crescimento e aprimoramento intelectuais ou espirituais. Os únicos desenvolvimentos que sairão de um combate deste tipo serão os habituais arranhões e equimoses, muitas vezes até corporais.

Se cada um se abstiver, antes, de impor ao outro aquilo de que gosta mas ele não, e cuidar de fazer pelo outro aquilo de que não gosta mas ele sim, as relações interpessoais serão muito diferentes e o Mundo será, para todos, um lugar muito mais agradável para se estar, para dar e para usufruir.

Assim, é que não...

* *

Esta coisa da falta de maneiras é, a par de outras por vezes bem mais sérias, uma das características mais irritantes de entre as que parecem omnipresentes, como se fizessem parte de boa parte da população.

(leia aqui a sequência)

sábado, 30 de outubro de 2021


Um Momento verdadeiramente Singular

"Nem tudo o que acontece é notícia, nem pode, objetiva e eticamente,
ser transformado em notícia simplesmente porque… não há notícias"


Chumbo do Orçamento do Estado para 2022
Há coisas de que nem sei como falar...

Não, não é do chumbo do orçamento, nem das eleições que talvez aí venham, nem da inanidade do resultado previsível das mesmas - a menos que uma coisinha má dê aos eleitores portugueses, a ponto de votarem pela destruição do pouco que ainda nos resta de valores, de princípios, enfim, de algum resquício de moralidade que um governo filisteu de uma sociedade maioritariamente de filisteus possa ter deixado, e ao qual, quando tudo der para o torto, nos possamos, ainda, agarrar.

Não. O que aqui me traz é um facto insólito, um “momento único“, “absolutamente fora do comum”, como o classificou o pivot do Jornal das 8 da TVI24 da passada Quarta-feira, dia em que a proposta de Orçamento do Estado chumbou logo na votação na generalidade.

Honra seja feita à comunicação social que temos, se não fosse seu o olhar atento e arguto, teria este acontecimento de extrema importância política e social corrido sério risco de ter passado despercebido e de, muito provavelmente, acabar por nunca chegar ao conhecimento dos eleitores lusitanos.

Tratou-se, no entanto, de um evento da maior relevância para a democracia, tal como todas as anteriores ocorrências do mesmo fenómeno as quais, sabe-se lá porquê, a nenhum órgão da comunicação social ocorreu, no entanto, relatar: o Presidente da República foi pagar umas contas no Multibanco!

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É inaudito!

Acabava a proposta de orçamento de ser rasgada no Parlamento; acabava o País de ficar condenado à mais abjeta miséria, a viver, sabe-se lá por quanto tempo, dos misérrimos duodécimos do generoso orçamento do ano anterior; acabava de ser seriamente posta em causa a estabilidade do pantanal económico e social em que esbracejamos, e o Presidente da República Portuguesa aproveita para, enquanto não chegavam os convidados para jantar, sair do Palácio de Belém pela porta lateral para ir cumprir as suas obrigações para com um ou outro fornecedor, e voltar a entrar, desta vez pela porta principal (isto das portas deve ter um qualquer significado oculto, para os repórteres, que ainda não consegui discernir...).

Como é possível? "Que momento absolutamente fora do comum!", como não conteve o extasiado apresentador - como chamam, agora, aos locutores.

Imprevisto Ocorrido no Parlamento
Perante tamanho e tão dramático imprevisto ocorrido, nesse mesmo dia no Parlamento, como pode não ter o Presidente permanecido triste, acabrunhado, num canto escuro da residência oficial, a roer as unhas enquanto consumia as meninges a pensar no que fazer, à procura de uma solução para tão inesperado desenlace?

Será que teve, até, o desplante de conseguir tomar um café, comer alguma coisa, para se recompor do choque que não teria podido adivinhar? Terá, mesmo, continuado a respirar, enquanto todos os outros lusitanos sufocavam na imensidão da suas preciosas ansiedades?

Como tolerar tamanho desplante, que arrepiou todos os repórteres – perdão, jornalistas -,   numa altura em que as gráficas já faziam contas às existências de papel para os cartazes; em que as televisões já tinham nas telas dos computadores as reservas de publicidade para as dezenas de debates e de comentários para as semanas seguintes; em que as infalíveis empresas de sondagens esfregavam as mãos de contentamento; em que aqueles tipos que há algum tempo esperavam por um lugarzinho para entrar fosse onde fosse se precipitavam a ligar para o telefone do conhecimento político lá da terra a saber se ainda dava tempo; em que até as piruetas do jogador sete com a bola e as brejeirices da apresentadora desbocada foram esquecidas pelos habituais basbaques; em que muitos que já se julgavam bafejados tremiam de medo de que a mama do Plano de Recuperação e Resiliência acabasse por tardar, ainda mais, a começar pingar e a permitir  começar a pagar as prestações atrasadas.

No meio desta confusão toda, o que ousa fazer o mais alto magistrado da Nação? Vai, como tanta gente tantas outras vezes fez, ao Multibanco tratar de assuntos pessoais, gerando uma enorme onda de indignação!

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Mas não tem esta gente mais que fazer?

Mandaram-nos para ali, ao frio, esperar que os dois convidados para jantar com o Presidente da República chegassem, apenas para lhes filmar os automóveis e os ouvir, às perguntas, dizer nada, porque nada ainda haveria, naturalmente, para dizer.

Como, entretanto, tinham de arranjar alguma coisa com que ocupar as antenas, vá de meter o nariz onde não eram chamados, alardeando um assunto sem interesse algum e cobrindo de ridículo a estação televisiva cujos responsáveis deram cobertura a tamanho dislate, a ponto de o destacarem como primeira notícia desenvolvida no bloco noticioso do horário nobre, para gáudio dos mais elementares palermas, que vibram com estas coisas chocantes, como, para aumentar a excitação, gostam de lhes chamar.

Herman José - Miguel Guilherme
Não pude deixar de me lembrar de um trecho, já não sei de que programa de Herman José, em que Miguel Guilherme, no papel de apresentador de um qualquer telejornal, baixava as calças para exibir as cuecas do apresentador, último recurso de alguém a quem tinha sido ordenado que aguentasse os espetadores a olhar mais uns minutos para a televisão.

Ingénuos!

Acaso pensam que, antes de descer à rua, um tão mediático Presidente não teria perfeitamente visto que estavam todos especados à porta, ávidos do que quer que fosse que lhes atirasse da janela? Acaso duvidam de que foi por isso mesmo que escolheu aquele momento para ir liquidar as suas continhas lá abaixo?

Acham, mesmo, que ia perder uma oportunidade de, pedagogicamente, alertar para o ridículo daquilo que bem sabia que o seu passeio noturno não deixaria de provocar? Que não sabia estar a criar uma manobra de diversão para arrefecer um pouco o clima de excitação à volta do chumbo do orçamento? Para, habilmente, desdramatizar o chumbo?

Os experientes e muito competentes profissionais da informação caíram que nem uns patos, proporcionando um espetáculo triste de falta de discernimento e de capacidade de seleção daquilo de que vale, verdadeiramente, a pena dar conta, daquilo que é notícia. Porque nem tudo o que acontece é notícia, nem pode, objetiva e eticamente, ser transformado em notícia simplesmente porque… não há notícias.

Aqui, o facto político cedeu, uma vez mais, lugar a uma cena de telenovela barata.

As perguntas eram muito elaboradas, bem preparadas, e de complexidade tal que só o involuntário Entrevistado poderia responder-lhes: “Sabe-nos dizer, pelo menos, a que horas vai receber o Primeiro-Ministro e o Presidente da Assembleia?”, pergunta a que, evidentemente, ninguém mais no Palácio saberia responder; ou “Esta caminhada é para refletir sobre o que vai decidir?”, coisa que já estava mais do que decidida há não sei quanto tempo; ou “Para que é que serve este seu passeio aqui”, já que jamais pode ser tomado como um dado adquirido que, se uma pessoa vai ao Multibanco pagar contas, é para… consultar ou movimentar a conta bancária.

A sofreguidão era tal que, assim que o apanharam a jeito, a urgência de obter um esclarecimento cabal para a impensável ousadia presidencial levou os repórteres a atropelar-se a ponto de um deles se ter estatelado na calçada! Bem, esse, pelo menos, lá conseguiu, dessa forma, arrancar aos Presidente a única palavra que, na altura, lhe ouvimos: “Magoou-se?”.

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Mas para que perco tempo a escrever sobre coisas destas?...

Para quem pensar que exagero, termino aqui deixando, ipsis verbis, a transcrição destes três minutos alucinados:

Pivot: “Um momento verdadeiramente singular: o Presidente saiu do Palácio de Belém pelo acesso lateral da Calçada da Ajuda, acompanhado pelo seu Ajudante de Campo, e aí, naturalmente, passou pelos jornalistas que se aglomeravam para ouvir as palavras aguardando a chegada de Ferro Rodrigues e de António Costa, e que, subitamente, depararam com esta imagem única: Marcelo Rebelo de Sousa não respondeu, e o mais surpreendente estava para acontecer. O Presidente dirigiu-se a uma caixa Multibanco e efetuou vários movimentos com o cartão bancário, incluindo o que parecia ser o pagamento de contas. No regresso, entrou pela porta principal para o Palácio, deixando os jornalistas atónitos e, alguns, magoados, porque a agitação súbita levou à queda de um deles. As perguntas ficaram… por responder”.

Voz no local: “Sabe-nos dizer, pelo menos, a que horas vai receber o Primeiro-Ministro e o Presidente da Assembleia?

Voz no local: “Tem horas para receber o Primeiro-Ministro?

Voz no local: “Esta caminhada é para refletir sobre o que vai decidir?

Voz no local: “Diga-nos lá se já tomou alguma decisão, e para que é que serve este seu passeio aqui

Voz no local: “É um passeio de reflexão, Senhor Presidente?

Pivot: “Que momento, absolutamente fora do comum! A Alexandra Monteiro é a jornalista da TVI que foi surpreendida por esta manifestação presidencial. Alexandra, boa noite. Começo por perguntar se já há alguma explicação para o que sucedeu com esta saída do Presidente, e se há movimentações, porque é isso que aguardamos, efetivamente, no Palácio de Belém, esta noite”.

Repórter no local: “Boa noite, Zé. A explicação para este passeio de Marcelo Rebelo de Sousa, eu julgo que a explicação exata só mesmo o Presidente da República saberá dar. Fomos, de facto, surpreendidos. Não estávamos, de todo, à espera que, numa altura destas, depois daquilo que aconteceu no Parlamento, da seriedade do momento, víssemos o Presidente da República sair do Palácio de Belém a pé para vir fazer um pagamento ao Multibanco. Foi isso que Marcelo Rebelo de Sousa veio fazer, veio pagar uma conta, aqui no Multibanco que fica mesmo ao lado da entrada principal do Palácio de Belém. Quanto a movimentações, de certeza que Ferro Rodrigues já se encontra no Palácio de Belém, e eu arrisco dizer que António Costa poderia vir, também, nesse carro. Isto porquê? Porque a TVI sabe que António Costa e Ferro Rodrigues vão jantar com o Presidente da República e, portanto, é provável que tenham vindo na mesma viatura. Portanto, este encontro será à volta de uma mesa, à volta de um jantar, talvez para descontrair um pouco este ambiente tenso que envolveu todo este dia de votação, na generalidade, do orçamento que acabou neste chumbo”.

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