quarta-feira, 7 de julho de 2021


Pedro Ferraz da Costa

Pedro Ferraz da Costa sobre reformar a administração


"Reformar é a tarefa mais ingrata que existe,
porque todos os que se vão sentir incomodados estão contra
e não tem ninguém a favor,
porque só percebem o quanto foi bom quando tiver acontecido"

(em entrevista ao jornal ECO*))

Se, em política, existe coisa bem fácil e promissora de uma melhoria nas sondagens e nas eleições, é demonstrar vigor, vitalidade política, proatividade, como gostam de lhe chamar agora, anunciando reformas que jamais irão acontecer, em boa parte por abrangerem áreas tuteladas por incompetentes ou por políticos atentos às suas carreiras e pouco mais.

segunda-feira, 5 de julho de 2021


Scriabin, por Vladimir Horowitz

Vladimir Horowitz toca estudo de Scriabin


Interpretação ímpar, ao vivo, do Estudo op.8 n.º 12*) de Alexander Scriabin*).

A expressão do rosto, o voo das mãos, tudo transmite uma ideia de arte, por muito que não saibamos o que a palavra quer dizer.

Mesmo que a música dita clássica não seja a sua favorita, não deixe de vibrar com a intensidade da obra e o carácter sublime da leitura que dela faz Horowitz*).

Pode assistir aqui

sábado, 3 de julho de 2021


Afinal, Deus Existe?


"Ao nosso alcance apenas está saber que essa razão, essa entidade,
existiu ou existe, algures ou nenhures, antes ou após a criação do tempo,
do espaço e do que parece ser material.
Sabemo-lo, não por um ato de fé, mas por dedução lógica a montante da fé;
e o que se sabe, não se pode ignorar, nem vale a pena negar
"

 

         1. As Leis Não Nascem do Nada
         2. O Legislador da Natureza
         3. A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação

                                                                                                                                                

As Leis Não Nascem do Nada
1. As Leis Não Nascem do Nada

Vivemos, ao que me dizem, num estado de Direito que faz parte de um Mundo todo ele feito de estados de Direito. Ou quase todo. Ou que parece ser todo.

Ora, num estado de Direito, em qualquer estado de Direito digno dessa designação, vive-se o primado da lei, sendo esta coletivamente considerada como o sistema de normas destinado a regular as relações sociais para evitar que nos trucidemos uns aos outros apenas para ter acesso a comida, ou por nos terem roubado o ou a mais que tudo; ou por cobiça, por vício, por mera diversão ou por qualquer outra mais ou menos estúpida razão.

No entanto, as leis não aparecem espontaneamente por aí, sem haver quem as faça; e, como interessa pouco quem foi que, de facto, redigiu ou fez vigorar esta ou aquela lei, é costume dizer que a lei – toda e qualquer lei – é da autoria de uma pessoa a quem convencionámos chamar legislador. Isto é axiomático, definitivo, é assim, porque não pode ser de outra forma: não existe lei para a qual não tenha, em algum lugar e em algum tempo, havido um legislador. Depois, para interpretar essas leis, os técnicos que a essas coisas se dedicam passam a vida a procurar adivinhar, para certas normas, qual a intenção do respetivo legislador.

Sabemos, também, que nem todas as leis, se inserem no âmbito do Direito positivo – aquele dos códigos e do Diário da República -, o mesmo podendo dizer-se dos princípios que subjazem à conceção e elaboração dessas mesmas leis. De facto, todos nós, os mais comuns dos mortais, numa ou noutra circunstância do quotidiano invocamos, da Natureza, esta ou aquela lei. Para parecermos sabedores, ou por sermos conformistas ou porque assim o sentimos, é, até, frequente comentar esta ou aquela graça ou desgraça que acontece dizendo algo como: “Pois é, são as leis da Natureza”. Quase sempre, quando acontece aos outros algo de mau…

 

2. O Legislador da Natureza

O Legislador da Natureza
Admitamos, agora, que, como pretendem alguns, do caos, pode nascer ordem, ou seja, que a ele pode a Natureza ir buscar ordem. Significará isto que, do caos total sobrevindo de um eventual big bang ou evento parecido terá podido nascer a ordem quase total como hoje a conhecemos? Que do caos total nasceu, por coincidência tão espantosa como improvável, uma ordem universal tão perfeita que permite, por exemplo, que eu esteja para aqui sentado a escrever estas coisas sem receio de que uma parte da incrível quantidade de átomos que forma o teto que me cobre decida fartar-se de ali estar, aparentemente parada, e resolva seguir outro caminho, assim fazendo desabar a restante parte do teto e pondo fim aos meus já longos dias?

Certamente que não.

Se o teto está e continuará a estar ali em cima até que alguém decida removê-lo ou alguma causa externa e independente da vontade dos átomos que o compõem o faça desabar, é porque, não uma, mas múltiplas leis da Natureza - aplicáveis, por exemplo, aos materiais e ao ambiente em que eles se encontram - determinam que continuem aqueles a desempenhar a função que lhes foi destinada e a assegurar, tal como uma incalculável quantidade de outros como eles, a relativa estabilidade que é essencial à vida tal como a percecionamos e julgamos conhecer.

Ora, tendo mais acima estabelecido que qualquer lei é elaborada por um legislador, forçoso se torna concluir que o apreciável acervo de leis naturais que conhecemos e a imensidão das que desconhecemos vieram, também elas, não do caos, mas da mente de um legislador.

Sabemos, outrossim, que é sempre privilégio do legislador alterar, derrogar ou revogar as leis que elabora, o que frequentemente acontece com os diversos diplomas legais, códigos, qualquer elemento constituinte de um edifício jurídico.

A Diferença Fundamental
Qual é, então, a diferença fundamental e absoluta entre as leis do Homem e as que a Natureza lhe impõe sem que ele ao cumprimento delas se possa furtar - já que, aquilo que conhecemos como leis da Natureza, não há força humana que seja capaz de alterar?

Como, na verdade, poderemos alterar ou revogar a lei de Newton, o teorema de Pitágoras, os princípios de Arquimedes, de Pascal? Impossível, e a razão é evidente a qualquer um: não foram estes ilustres cientistas os respetivos legisladores, não foram eles que elaboraram estas e todas as outras leis naturais – as poucas já conhecidas e aquelas quase infinitas cuja existência nem sequer nos foi, ainda, dado conhecer -, as quais, por comodidade na referenciação e em exaltação do resultado que convida a seguir o exemplo, apenas vão sendo batizadas como o nome de quem, na Natureza, as identifica.

A existência de qualquer lei da Natureza não é suscetível de ser provocada pelo Homem, sendo meramente constatável através de uma observação inicial a validar através daquilo a que chamamos investigação científica - cientes embora de que os ínfimos passos que a Ciência vai dando não passam de mosaicos, de pequenas partículas de uma construção infinita e por nós inalcançável, arquitetada por um legislador supremo que não conhecemos nem sequer vislumbramos porque se não deu, se não dá e, desolado com o que por cá poderá estar a ver, cada vez menos razões terá para se dar a conhecer.

Por uma questão de comodidade e para acompanhar a nomenclatura generalizada, a esse legislador supremo chamarei Deus.

 

3. A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação

A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação
A palavra Deus ora anda, por tudo e por nada, nas bocas do Mundo, ora a muita gente causa arrepios, constrangimento, escárnio, vergonha e uma imprevisível e desordenada mescla de outros sentimentos e reações, vá lá saber-se porquê, se é verdade que a necessidade de um conhecimento fundado da existência antecede, inevitavelmente, a decisão de professar qualquer fá religiosa:  sem Deus, para qualquer religião jamais haverá objeto de adoração.

Não professando eu já qualquer religião, não estou, naturalmente, a referir-me ao Bom Manitu, a Júpiter, a Alá, a Jeová ou ao deus representado no teto da Capela Sistina.  Chamo Deus à razão sobrenatural que criou a ordem universal em que todos estamos imersos, à qual estamos irremediavelmente vinculados e da qual nenhum de nós alguma vez poderá escapar, tal como acontece com os pequeninos átomos do teto aqui por cima. Pode haver quem diga que sim, mas ainda ninguém me explicou como ou para quê.

Cada um desses pequenos átomos está sujeito a uma virtualmente infindável quantidade de leis divinas que, no seu conjunto, asseguram a ordem natural, tal como as leis dos homens formam o Direito.

Nas cidades, não nos apercebemos tão facilmente das maravilhas da Criação. Por cá, praticamente tudo quanto se nos apresenta aos sentidos é produto da criação humana, de um engenho cada vez mais desenvolvido, e servido por uma base de conhecimento cada vez mais vasta. Mas no campo, quem resistirá a maravilhar-se olhando para uma minúscula bolinha castanha e para o enorme pé de couve que uma bolinha semelhante gerou? Ou olhando para uma bolota caída no caminho e, sobre ela, para o gigantesco e centenário sobreiro que de outra bolota nasceu? Serão o engenho e a razão humana alguma vez capazes de produzir algo tão maravilhoso como aquilo que, há milénios para nós infinitos, a Razão sobrenatural programou? 

Esta Razão sobrenatural surge-nos como a primeira causa, a causa das causas, um deus que, assim definido, inegavelmente existe, dotado de conhecimento e de poder infinitos ou perto disso e nos permite por cá levar a vida usufruindo dos recursos que quis pôr à nossa disposição:  o tempo, o espaço, a matéria; as leis que os regem, deterioram e regeneram; os outros seres; o nosso corpo de primatas e a mente e o espírito que dele se servem na prossecução de um objetivo último que, paradoxalmente, nos não é dado conhecer.

Para um ser pensante, deve ser esta a angústia maior da vida, a que suscita a questão primeira, à qual ninguém sabe responder: o que quer de nós este desconhecido deus, esta Razão universal? Ao nosso alcance apenas está saber que essa razão, essa entidade – provavelmente, imaterial -, existiu ou existe, algures ou nenhures, antes ou após a criação do tempo, do espaço e do que parece ser material. Sabemo-lo, não por um ato de fé, mas por dedução lógica a montante da fé;  e o que se sabe, não se pode ignorar, nem vale a pena negar.

Compreender o Impossível
Alguém escreveu que “a inteligência que quer compreender a Criação quer compreender o impossível”.  Esse esforço seria uma perda de tempo, não só por tudo indicar que levará a lugar nenhum, como porque havemos de entender que, quisesse tão poderoso Legislador dar-se a conhecer, haveria de já o ter feito; ou virá a fazê-lo quando muito bem entender, para tal não ficando dependente de um eventual resultado positivo da nossa humana incompetência, quando um dia decidíssemos bisbilhotar.

Assim, investigar Deus mais não é do que desafiar os Seus desígnios, e uma perda de tempo colossal. Um pensamento atribuído a um físico alemão do século XX, tido como o pai da física quântica, diz que “a Ciência não pode resolver o mistério final da Natureza. E isto porque, em última análise, somos parte do mistério que tentamos resolver”.

Se aceitarmos esta afirmação, restar-nos-á refletir sobre a nossa missão enquanto Humanidade, sobre a motivação que poderá ter estado na origem da vida, sobre o que terá motivado a criação de tudo isto a que nos habituámos a chamar Universo, cuja dimensão ignoramos e sempre ignoraremos, da mesma forma que a primeira coisa que nos confunde acerca de Deus é a sua dimensão: por muito inteligentes que nos julguemos, escapará sempre, ao nosso entendimento, a qualquer veleidade de compreensão.

Com maior utilidade para todos, caberá, antes de tudo, refletir sobre a missão individual de cada um e sobre as razões da diferença marcante do animal que somos relativamente a todas as outras espécies, questões estas que, porque mais próximas nos são, nos permitirão a verdade com menos insucesso procurar.

* *
Como explicar as calamidades que constantemente se abatem sobre a Humanidade?
Se Deus existe ou, pelo menos, alguma vez existiu, como será que gere o Universo?


quarta-feira, 30 de junho de 2021


Gabriel García Márquez

Gabriel García Márquez sobre ajudar o próximo


   
"Um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo
para o ajudar a levantar-se
"

"Un hombre sólo tiene derecho a mirar a otro hacia abajo
cuando ha de ayudarle a levantarse
"

Gabriel García Márquez*)


Caso se interesse por
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sábado, 26 de junho de 2021


Racismo: O Homem Cor de Rosa


"Tal como é condenável a rejeição liminar de um ser humano
por outro que dele difere num aspeto ou noutro,
também se não pode, a coberto de uma falsa ideia daquilo que é
ou deixa de ser politicamente correto, fechar os olhos a desmandos e ilicitudes
que a ninguém podem ser permitidos porque, muito simplesmente,
são contrários ao costume e, acima de tudo, à lei que a todos deve obrigar
"


     1. O Ideal Cor-de-Rosa
     2. Causas Remotas do Racismo em Portugal
     3. O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro
     4. Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé
     5. A Aberrante Linguagem Pseudo-Inclusiva
     6. Ambiguidade à Esquerda
     7. O Estafado Chavão das Quotas
     8. Não Há Negros Comunistas? Ou Só Faltam na Polícia?
     9. O Dever Universal de Respeitar o Próximo
   10. Conclusão


O Homem Cor de Rosa

1. O Ideal Cor-de-Rosa

Partilho do ideal da superioridade do branco.

O branco é alvo, puro, superior, calmo, tranquilo, positivo, alegre, desinfetado e dá até aquela ideia de muito limpinho que fica bem em qualquer lado; e é, por isso, a cor quase sempre escolhida para representar os mais puros sentimentos, as mais angélicas criaturas, os mais sofisticados ambientes e lugares.

O branco resulta da junção de todas as cores, reúne em si quanto de alegre, de puro e por aí fora existe na natureza: o branco é, todo ele, seriedade, honestidade, integridade, generosidade, amabilidade.  O homem branco não comete crimes, acode a quem precisa, não se porta mal, é educado, devendo ser por todos seguido, cuidado, acarinhado, protegido, até privilegiado, preferido, idolatrado.

Quando um dia encontrar um homem branco – entenda-se, de alma branca -, não me vou limitar a olhar para ele:  vou segui-lo, vou observá-lo, vou escutá-lo, vou procurar imitá-lo no que puder. Porque uma alma branca, pura é um exemplo para quantos, como todos nós, a têm de outra cor.

- x -

Acontece, porém, que, tal como ocorre com as almas, também na pele não há homens brancos - a não ser, porventura, um herói wagneriano, o palhaço rico ou um daqueles infelizes que ganham a vida a simular estátuas, contendo as comichões e retendo o fôlego a troco da pequena esmola atirada pelos basbaques do costume para uma esfarelada caixinha de cartão*).

Pela minha parte, tendo, no Verão, para o acastanhado e, no Inverno, para algo a puxar para o cor-de-rosa.  Mas não me importaria de ser até verde como os marcianos, porque, quando falamos da cor da pele, o ideal do homem branco é um perfeito disparate, como o é o do homem preto.  A cor da pele não é, nem faz sentido ser, um ideal.

O problema dos racismos, venham de onde vierem, não me parece estar na cor ou no tom da pele, antes residindo na convicção de alguns, mais centrados em si mesmos, de que os seres humanos se dividem, unicamente, em dois mundos: o mais restrito grupo dos que são como nós, e o dos outros, aqueles que não apreciamos, não valorizamos, nos incomodam, nos inquietam e nos desagradam. Não por qualquer razão específica - como o tom da pele, que até pode ser igual ao nosso -, mas, simplesmente, por não serem como gostaríamos que toda a gente fosse: igual a nós.

Lidamos muito mal com a diferença
A verdade é que, embora sejamos todos diferentes, lidamos muito mal com a diferença, a ponto de nos sentirmos ameaçados por ela. Admiramos e invejamos os que consideramos maiores do que nós, e desprezamos os que consideramos menores do que nós; e tememos os que consideramos ao mesmo nível que nós, mas são diferentes de nós e, se nos apanham distraídos, possivelmente irão subir a pulso por cima de nós.

A par do primário instinto de sobrevivência, mostra a experiência que o patético deslumbre pelo próprio umbigo – seja o seu barrigudo proprietário branco, amarelo, encarnado, preto ou às riscas cor de rosa e azuis - pode, com alguma facilidade, evoluir para patologias sociais com raiz na tendência quase generalizada para nos assustarmos com as diferenças que abalam a concha, a redoma a que é agora uso chamar-se zona de conforto.

Não conhecemos, não estamos habituados, não nos interessa, estamos muito bem assim, vão lá para as terras deles antes que isto acabe por dar para o torto porque com esta gente nunca se sabe” parece exprimir o egoísmo dominante, porventura justificado, em parte, pelo temor alimentado pela desenfreada proliferação de formas de conduta censuráveis nas populações de qualquer parte do Mundo.

Esquecemo-nos de que recear alguém ou a sua influência é sentirmo-nos inseguros perante esse alguém – logo, inferiores a ele -, o que à partida anula qualquer veleidade de supremacia de determinado grupo social ou étnico sobre outro ou outros, já que, quem teme algo ou alguém, nunca pode considerar-se-lhe superior; nem é.

Lembremo-nos, também, de que, não só não existem homens pretos ou brancos ou de qualquer outra cor absolutamente definida, como muitas vezes é, na prática, no que toca a negros e brancos quase impossível discernir onde acaba o castanho e começa o cor-de-rosa ; e vice-versa. A despeito da altura, do peso, da cor da pele e do mau feitio ou não tão mau assim, ninguém é o que quer que seja além da própria essência e dos acertos que a vida nela fez.

Penso, assim, que haveria, para uns e outros, uma certa vantagem em procurar esgravatar um pouco as profundezas das causas, das origens de tão tenebrosa problemática, de toda esta estupidez racista - cientes, embora, do eventual dano para a oportunidade única que a sua exploração política oferece a certos partidos que desesperam na demanda de causas que lhes permitam equilibrar-se numa cada vez mais periclitante balança eleitoral.

Causas Remotas do Racismo em Portugal

2. Causas Remotas do Racismo em Portugal

Racismo Não!” é boa ideia, está muito bem; mas, se for dirigido a seres inteligentes, há que explicar por que é que “Racismo Não!”, ou não passaremos do impasse, do preconceito rasteiro, da parvoíce do “ambos temos razão, porque tu dizes que sim e eu digo que não”: os pretos não gostarão dos brancos porque não, os brancos não gostarão dos pretos porque não, tal como um sportinguista não gosta do Benfica e um benfiquista não gosta do Sporting. "Porque não! *)"

Emoções à flor da pele, instintos, palermices. Onde leva isto? Não leva. São, apenas, manifestações tíbias de cérebros em permanente hibernação, que não levam a parte alguma, a não ser à mútua destruição.

No tempo em que os Up WithPeople *) cantavam What Color Is God’s Skin? *), um tuga cor de rosa olhava para um preto e associava-o, imediatamente a um dos mais indiferenciados trabalhadores da construção civil, dotados de menores ou de nenhumas habilitações ou literárias ou profissionais.

Esquecia-se, naturalmente, o mesmo homem cor de rosa de que era, precisamente, assim que o mais comum cidadão de qualquer país desenvolvido e recetor de imigrantes portugueses olhava para ele*), logo o associando aos mesmos baldes de massa e à picareta que ele, por sua vez, ao preto tinha por hábito associar – quando não ia ao ponto de lhos atirar à cara para o humilhar.

Esta eructação de impulsos primários e selváticos que a civilização, supostamente, serviria para anular ou, pelo menos, atenuar nos humanos, não passa, pois, de presunção e água benta, de um complexo de superioridade – ou será o contrário? - que tem muito mais a ver com diferenças económicas, sociais e culturais do que com um mais ou menos pigmentado tom de pele. Ou alguém se lembra de ouvir queixar-se de ser vítima de racismo um daqueles abastados cidadãos de origem africana que para cá vêm fazer grandes vidas e assoalhar a riqueza, fazendo os tugas pelintras babar-se de inveja, e os não tão pelintras bajulá-los na tentativa desesperada de captar-lhes os milhões que, em certos casos, por processos bem portugueses aprenderam a ganhar?

De África – porque o racismo em Portugal tem mais a ver com brancos europeus e pretos africanos -, parece existir a ideia distorcida de que só para cá vêm os muito pobres e ignorantes ou os muito ricos e poderosos, porque só de uns e de outros se fala: uns como matéria-prima de quem tudo faz para se salientar agitando freneticamente a bandeira do racismo, os outros também nem sempre pelas melhores razões.

Up With People
Bem sabemos, porém, que não é assim: residem hoje em Portugal milhares de pessoas que para cá migraram vindas dessas paragens ou que desses primeiros migrantes descendem, e vivem hoje integradas na sociedade e na cultura portuguesas sem que isso implique o esquecer e, muito menos, o renegar das origens que legitimamente cuidam de perpetuar e de divulgar na sua nova terra. Divulgar, mas em plena liberdade, entenda-se, sem impor, já que, tal como não posso ser obrigado a gostar de cachupa*) ou a ouvir com agrado música africana, ninguém é obrigado a gramar o meu Beethoven, ou a deliciar-se com umas sardinhas acabadinhas de assar; e a ninguém assiste o direito de, a pretexto do direito de impingir a sua cultura, uns ou outros incomodar.


3. O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro

Defendem, por aí, certos partidos políticos emergentes a alegada supremacia branca, invocando terem estudos supostamente científicos concluído que, em média, a população negra é dotada de um quociente intelectual inferior ao do homem cor de rosa – ou ariano, expressão porventura suscetível de mais lhes agradar.

Ora, nos anos já não tão recentes, em que tais estudos terão sido levados a cabo, bem assim poderia acontecer, atendendo a que, durante tempos esquecidos, a segunda população alarvemente explorou a primeira e dela abusou, negando-lhe, entre tantas outras coisas, o acesso à educação e à formação, logo, a meios essenciais ao adequado desenvolvimento das capacidades intelectuais latentes.

Não nos esqueçamos de que, tal como acontece com os músculos, o cérebro também só se desenvolve se for estimulado, se trabalhos exigentes lhe forem solicitados, o que não é, seguramente, compatível com a brutalidade da escravatura e, abolida esta, com a exploração do trabalho braçal mal remunerado e apartado de qualquer formação, específica ou não – do qual, atualmente e por razões alheias à cor da pele, podem queixar-se pretosbrancos e de qualquer outra cor, sem distinção.

A serem esses estudos efetivamente científicos, e a ser acertada e validada a respetiva conclusão, esse défice, em média, de capacidade intelectual nada teria, pois, a ver com a raça, com a cor da pele, mas sim com a vida miserável imposta a seres humanos por seres supostamente humanos que, em lugar de pedir desculpa, ainda daqueles o infortúnio vêm mofar.

O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro
Acontece, porém, que, mesmo nos já estereotipados e preconceituosos inícios do século XX, se escrevia que “a raça negra não é certamente das mais mal dotadas da humanidade. O negro tem, geralmente, uma imaginação viva, aprende depressa, é sangüíneo, sensual, não é mau no fundo, é muito impulsivo mas pouco perseverante. Assinala-se o seu gôsto do extravagante e o desordenado das suas ideias; aliás falta-lhe a energia necessária para tirar partido das suas capacidades intelectuais. Os negros não são selvagens: formam estados e têm até grandes cidades. As guerras crueis e o tráfico de escravos perturbam-lhes o estado social1.

Ademais, se é verdade que não foi entre a população negra que, mormente por falta de condições, primeiro singraram a investigação científica e o desenvolvimento industrial, não nos esqueçamos de que tal epifania também não terá acontecido, propriamente, em Portugal... o que não impede que, com o andar do tempo, cada vez mais migrantes africanos e portugueses europeus se tornem proeminentes na ciência, na técnica, na gestão bancária e em altos cargos políticos de projeção universal.

Como os tempos recentes parecem vir, insofismavelmente, demonstrando, a situação inicial de eventual maior capacidade – efetiva, prática, oportunista - da população cor de rosa, acaba, até, por se inverter em presença de negros em situações de igualdade de oportunidades e de circunstâncias, tornando legítimo acreditar que, com a explosão da Internet e com o acesso generalizado à informação que ela proporciona – lida por olhos pretos, castanhos, verdes, azuis e outros -, tudo tenderá a homogeneizar-se; e tenderá, também, a desaparecer a última motivação para a existência dessa coisa insana chamada racismo.

 

4. Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé

A própria necessidade de alguns passarem a vida a dizer que existe racismo sugere que ele cada vez menos é sentido, cada vez mais nos olhamos como iguais, e que, abstraindo da exploração mediática levada a cabo por certos partidos políticos e seus satélites, não é já tão intensa assim a implementação, na sociedade, do abominável estigma.

Existem, no entanto, obstáculos sérios à diluição e, desejavelmente, à erradicação da própria ideia de racismo, até chegar ao ponto de dele passarmos a falar como hoje nos referimos à tuberculose ou a outro mal extinto qualquer. Se, tão cedo, se não extinguir completamente, isso bem poderá ficar a dever-se à exaltação do racismo que acaba por acontecer como reação a excessos no ataque ao racismo, ao permanente radicalismo com que o tema é tratado por aqueles que se ensoberbecem ou politicamente sobrevivem à custa do combate que, de forma mais ou menos arrojada, dizem fazer-lhe.

Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé

Para começar: porquê esta mania de evitar dizer pretos ou negros, preferindo cidadãos de origem africana? Será que quem assim fala também vê filmes de “cowboys e cidadãos de origem americana”?

Eu, que sou cor de rosa, cara-pálida, não fico particularmente feliz quando dizem que sou branco ou, sequer, caucasiano, mas não me sinto por isso discriminado, perseguido. Importa a forma como trato os outros e eles me tratam. O resto, a forma como, sem má intenção, me chamam, não tem qualquer importância.

Dado que, com já disse, não há, entre os humanos, pretos nem brancos, nenhum dos termos tem correspondência na realidade, pelo que incomodarmo-nos com estes pormenores de linguagem não passa de tiros no pé, de atroz e primária patetice, fortemente favorável à causa de quem pretende, da essência do tema, desviar-nos a atenção.

Cidadãos de origem africana é, além de ridículo, fortemente inexato e discriminatório relativamente aos outros negros: não importa, então, o racismo dirigido, por exemplo, a negros timorenses ou jamaicanos? Ou estará, quem utiliza aquela expressão, a referir-se, também, aos brancos africanos? Que importa ser eu um cidadão de origem europeia ou de outro continente qualquer? E que importa chamarem-me brancocaucasiano ou cara-pálida, ou outros serem chamados pretosnegros ou de cor?

Ou vamos ter de adotar designações como a localidade Paço dos Cidadãos de Origem Africana *), a Rua do Poço dos Cidadãos de Origem Africana *)… a Loja do Gato de Origem Africana *)? Ou vamos a Sintra comprar queijadas à Casa do Cidadão de Origem Africana *)? Vamos ter de mudar o nome da nossa Avó Branquinha? Ou da Dona Branca *)? Deverá a personagem de Walt Disney passar a chamar-se Mancha de Origem Africana *)?

O que importa não é o vocábulo utilizado, mas a intenção com que um termo é escrito ou proferido: referirmo-nos a alguém como branco ou como preto ou como qualquer que seja a cor, é um inaceitável ato racista e discriminatório se o fizermos com acinte. Já falar, genericamente, de brancos ou de pretos, ou de um branco ou de um preto pode, em certos casos, não passar de uma incorreção verbal, concetual - e, se quisermos, social -, apenas nessa medida censurável, como tantas outras incorreções.

A expressão “bando de preto safado” não passa de uma demonstração abjeta de racismo primário e virulento; mas punir um desportista apenas porque chamou a um amigo “meu preto querido” é radical tontice*), perseguição intolerável que mais não faz do que desvalorizar a causa nobre do combate à discriminação.


A Aberrante e Contraproducente Linguagem Inclusiva
5. A Aberrante e Contraproducente Linguagem Inclusiva

A propósito, toda esta imbecilidade da aberração gramatical chamada linguagem inclusiva *) dos “amigues”, do ”cartão de cidadania” ou do “Cart@o de Cidad@o” – como já escrevi*)–, e dos “cidadãos de origem africana” não passa de uma invenção destinada a, de forma contraproducente, potenciar uma ação já de si tímida e ineficaz, que se resume a apelos aparentemente desesperados por parte desta nova geração de partidos mendicantes, que não perdem um pretexto para procurar confundir exigência vã com causa verdadeira, assim procurando captar a esmola de mais um precioso voto junto dos seus mais ou menos esgrouviados e aluados simpatizantes.

Nestas coisas, como em tantas outras e sem desvalorizar o rigor da expressão, o que conta é o conteúdo e a intenção com que é expresso, o que se diz, e não tanto a forma como se diz.

A simples ideia de inclusão é, aliás, aberrante e contraproducente, já que, pelo simples facto de existir, ela própria reconhece a existência de diferenças entre pessoas: não é necessário esforçarmo-nos por incluir o já faz parte por ser genuinamente igual. No caso do intolerável racismo, ao falar de cidadãos de origem africana, o que estamos, efetivamente – e impropriamente -, a dizer é: "pessoas que, como nasceram em África e têm a pele escura, não são como nós".

Será que, agora, além de preto dizer negro também é racismo? Que, em vez de chocolate preto ou negro, vou ter de passar a pedir chocolate de origem africanamesmo sabendo que o cacau que maioritariamente o compõe é originário da América do Sul*)?

Ou irão chamar-me racista se não gostar de chocolate negro? E, se não gostar de chocolate branco, também vão? Chocolate negro parece ser a alternativa dita inclusiva a chocolate preto. E a alternativa inclusiva a chocolate branco? Qual é? Chocolate alvoCor de rosa?

O que há de condenável em preto que não há em negro, quando, com qualquer dos termos, queremos significar precisamente a mesma coisa? Ou entre branco e alvo? Ou entre o cidadão de origem europeia e o cidadão de origem africana?


6. O Estafado Chavão das Quotas

Depois, se não se vê assim tantos negros na Polícia, isso deve-se, muito provavelmente, ao facto de, com toda a naturalidade e toda a legitimidade, uma menor quantidade deles se ter interessado por uma profissão que, pelos vistos, mais seduz os cor de rosa como eu, hipótese elementar que, de tão natural, apenas poderá ser afastada da mente do homem médio em presença de prova que demonstre que, às forças de segurança, concorreram muitos cidadãos de origem africana e que foram eles rejeitados sem válida razão.

Ou será que, para ficarem mais garridas as cores das bandeiras de certos movimentos e partidos, todos, independentemente da cor da pele, devemos interessar-nos igualmente por todas as profissões? Vamos começar a impor quotas também para obrigar igual quantidade de negros, amarelos, encarnados, brancos e verdes a dedicar-se a cada ocupação, a isso chamando combate ao racismo estrutural e institucional? Ensandeceram todos?

Combate ao Racismo Estrutural e Institucional
Se é abatido um branco ou um negro relativamente conhecido*), mas com reduzida notoriedade, será de estranhar ou de nos revoltarmos pelo simples facto de os meios de comunicação não haverem dado ao facto uma cobertura sensacional? A comunicação social vive, hoje em dia, da espetacularidade da notícia, que lhe assegura o ganha-pão, não lhe interessando fazer favores à causa deste ou daquele, nem a injustificada discriminação positiva exaltaria tal causa como quer que fosse - além do que é, manifestamente, abusivo conotar com racismo a expressão “volta para a tua terra”, também usual e frequente entre caucasianos autóctones que, com razão ou sem ela, se sentem incomodados por alguma atitude de caucasianos forasteirospor parte de tugas xenófobos dirigindo-se a brancos estrangeiros*).

Será, digam-me lá, com patetices destas que pretendem, junto de seres um bocadinho menos irracionais, romper a crosta da indiferença, acender a chama da adesão? O que importa é proibir a discriminação, e não, mediante a imposição de quotas, promover a incompetência e a desmotivação.

Fala esta boa gente, dos movimentos e dos partidos, de liberdade e de autodeterminação…

 

7. Ambiguidade à Esquerda

Não vejo qualquer mal em, num dia por ano, as camisolas dos jogadores de futebol intervenientes em desafios televisionados ostentarem, em lugar do nome de cada um, os dizeres “Racismo Não *); já a defesa cega e repetitiva ad nauseam de slogans associados a uma causa só a prejudica, como os partidos radicais e as associações vocacionadas*) bem deveriam saber.

Por outro lado, se seres humanos superiores existirem, serão certamente aqueles que se aproximam dos outros neles buscando afinidades intelectuais e espirituais, assim procurando enriquecer-se culturalmente, e não os que se furtam a, ao menos, encará-los só porque são diversos a capacidade económica, os dotes intelectuais, o substrato cultural, o local de residência, as vestes que envergam, o tom da epiderme, assim se envolvendo numa demonstração das mais básicas intolerância e estupidez, próprias dos espíritos pequeninos que por aí vemos embrulhados qualquer cor de pele.

Aliás, para lugares de responsabilidade, há por aí muito cor de rosa que, num processo de recrutamento e seleção, eu rejeitaria ao primeiro olhar, e muito cidadão de origem africana que contrataria sem hesitar; e, já agora, o inverso também é verdadeiro.

Ambiguidade à Esquerda
A diferença não reside na cor da pele, do cabelo ou dos olhos: está no espelho da alma que, seguindo dizem e toda a gente sabe, é o olhar; e tudo poderia ser bem mais fácil para certos políticos não inscritos, de ressabiados olhos esbugalhados de jactância e que para aí atiram parvoíces a esmo, se entendessem que o carisma do primeiro presidente negro do África do Sul*) não advinha do acinte da fala, do veneno da verve, mas da bondade do exemplo, da doçura do sorriso com que nos contemplava, da moderação e brandura pelas quais regia uma sua vida que lhe era imposta em condições miseráveis, enquanto, por seu turno, certos radicais e  supostamente aguerridos defensores das minorias, os que se escandalizam afirmando falsidades - como não se ver negros em forças policiais que, na verdade, com eles contam -, em nada contribuem para a serenidade que a nobreza de tão elevada causa requer.

Por falar neles: onde estavam esses defensores nas quase desertas manifestações promovidas, no Porto*) e em Lisboa*), no primeiro dia da Primavera de 2021?

Alguém lá fora se lembra de inventar o pomposo nome “Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial*) – até parece nome de ministério português*), disto, daquilo e mais daqueloutro, como se, quanto mais termos se encavalitasse no cargo mais competente o ministro fosse … -; outro alguém se lembra de que um Portugal em bicos de pés deveria ter também as suas manifs, pois então; e, entre as duas maiores cidades do País, nem cento e cinquenta pessoas foi possível arregimentar para os eternos chavões gritar e umas vuvuzelas fazer bramar!

Até as Manifs contra o confinamento pareceram, pelos números, bem mais importantes e concorridas do que estas*), já para não falar dos autocarros que, em plena crise sanitária, de todo o pais chegam para as iniciativas políticas do Partido Comunista e para as peregrinações a Fátima. Quanto ao racismo, porém, o interesse parece já tão escasso - leia-se “tão poucos os que se sentem, efetivamente, excluídos” -, que, porventura por não valer a pena, nem a extrema-direita aproveitou para lá ir perturbar a manifestação

Será assim?

Onde andava, então, aquele partido – perdão, movimento - supostamente muito à esquerda e pendurado nas minorias cujas bandeiras ainda são a única vela que os faz navegar? Será que as previsíveis escassas migalhas de protagonismo e a meia dúzia de letras ou segundos neste ou naquele jornal lhe não despertaram o apetite para a exibição? Não?

Pois não, uma vez que era mais do que previsível o fiasco, a deserção.


8. Não Há Negros Comunistas? Ou Só Faltam na Polícia?

Não Há Negros Comunistas?
Por falar em partidos…

Lembram-se daquele deputado negro do Partido Comunista Português?*) Não se lembram, pois não: foi só um, e há tanto tempo, já... O facto de o PCP não ter voltado a apresentar candidatos ditos de cor nas suas listas significará que o racismo já chegou à esquerda?  Ou será, antes, porque mais nenhum negro com apetência, ou vocação, ou ambição, ou queda para a política no Partido se inscreveu? Tal como na Polícia, talvez? Ou em qualquer outra organização?

Nem uma deputada negra nas hostes do Partido ou a falar na televisão... Vamos também, perguntar-nos por que não se vê, no PCP, mais cidadãos de origem africana? Vamos insinuar que o Partido Comunista é racista? Ou não?...

Claro que, em menor ou maior grau, há racismo latente, racismo manifesto, todas as variantes que queiram enumerar; e continuará enquanto forem tão desajeitados, radicais e exagerados os esforços para o debelar. Mas, perante manifs desertas, forçoso se torna concluir que, no Portugal dos nossos dias, o racismo é menos abrangente e a intensidade é, felizmente, já outra.

Tirando o racismo primário e parolo fundado no ódio irracional que só as bestas também irracionais valorizam, lá bem no fundo todos vão reconhecendo, mesmo que nem com todos se identifiquem uns com os outros nem todos mutuamente se admirem – nem, em liberdade, a tal são obrigados -, que, voltando aos Up With People, “everyone is the same in the Good Lord’s sight*).

O Dever Universal de Respeitar o Próximo

9. O Dever Universal de Respeitar o Próximo

Resta lembrar a, por vezes muito esquecida, condição essencial que jaz indelevelmente associada à aceitação espontânea e aberta por qualquer pessoa ou comunidade de pessoas de outras comunidades, sejam elas quais forem: o respeito.

Se, no que é essencial, estrutural, inexiste qualquer distinção com base no tom da pele, nos traços morfológicos ou noutra característica fisiológica, antes operando preponderantemente as diferenças culturais e civilizacionais, há, outrossim, que respeitar e acautelar a defesa dos valores da estabilidade, da segurança e da identidade que estruturam as sociedades que recebem e acolhem, sem prejuízo de quanto de saudável e enriquecedor na diferença houver.

Se é verdade que a solidariedade, a disponibilidade e a boa vontade para com o próximo devem sobrepor-se a qualquer objeção mais ou menos comezinha à plena aceitação de um ser humano por outro, o velho brocardo “em Roma, sê romano” deve estar sempre presente na mente dos que buscam acolhimento, já que manda a mais elementar cortesia que, não só quando visitamos alguém devemos observar as normas e os costumes dos nossos anfitriões, como se espera que nos abstenhamos, em qualquer circunstância, de a eles impor a nossa vontade, os nossos gostos, as nossas convicções, designadamente àqueles com quem um dia venhamos a coabitar, por maioria de razão.

Uma coisa é todos terem a liberdade de escolher, em função da adequabilidade às necessidades e objetivos de vida de cada um, o país para onde pretendem emigrar.  Outra, muito diferente, é escolher-se uma terra como alvo ideal para a disseminação e imposição indesejada dos costumes próprios do país de onde, por alguma razão, alguém se viu obrigado a emigrar – o que, em última análise, sempre será contraproducente, dado o risco de, dessa forma, se acabar por transformar a terra de adoção precisamente em algo muito parecido com aquela de onde se tiver tido de retirar.

No plano social, este dever de respeito opera, desde logo, na absolutamente legítima exigência do estrito cumprimento das normas jurídicas e da observação dos costumes locais, já que nenhum ser humano tem o direito de sujeitar qualquer outro, de diferente ou igual etnia, à imposição brutal de comportamentos por ele indesejados, ainda para mais escudados numa inaceitável discriminação positiva por parte dos tais partidos políticos ou grupos de pressão que cavalgam a suposta defesa de minorias por mais não terem no que se evidenciar – discriminação positiva essa que pode fácil e indesejavelmente ser conotada com a, em alguns latente, ideia de menoridade de uma ou outra população, ideia essa que, paradoxalmente, se pretende afastar.

Oligarquias marginais e não representativas
Afigura-se, por exemplo, inadmissível a existência, em plena catástrofe sanitária, de muito concorridos eventos de índole familiar que forças militares não têm como interromper*); de veículos de tração animal que, a passo de caracol, inesperadamente se nos deparam ao dobrar uma curva da estrada pondo em risco vidas de animais e de pessoas, designadamente as das crianças de tenra idade e dos adultos que,muitas vezes, a pé e ao lado, esses veículos vão a acompanhar*); de zonas de criminalidade comprovada e injustificadamente excessiva, promovida no interesse exclusivo de oligarquias marginais e não representativas das boas gentes de qualquer etnia; de bairros em que até as forças policiais pensam muitas vezes antes de entrar.

Não me causa especial alarme o racismo primário defendido por meia dúzia de ignorantes, indignos de qualquer crédito ou de que os ouçam, sequer. O que me preocupa é a generalização irracional do racismo decorrente de comportamentos lastimáveis e fortemente condenáveis por parte de uma outra meia dúzia de indivíduos de certas etnias que assim contaminam, junto de fatias consideráveis da população autóctone, a imagem de todo um grupo, ou de diversos, em idênticas circunstâncias.

Em certos casos - talvez não poucos -, a motivação dessa meia dúzia radica, já se sabe, na forma discriminatória como os olhamos e para com eles agimos, enquanto sociedade. Não obstante, o tratamento condenável por parte de meia dúzia de pessoas cor de rosa não justifica ou legitima a violência da reação, à qual, nesse caso, todos teriam direito, do que resultaria um caos maior ainda do que aquele a que assistimos em certos lugares e momentos não tão raros assim.

Quanto a mim, sou, decididamente, racista para com essa raça de indivíduos de todas as culturas, religiões e credos que, independentemente da cor mais ou menos rosa ou acastanhada da pele, indiferentes aos direitos daqueles por quem querem ser tratados como iguais, para com eles se comportam selvaticamente, deliberadamente agredindo, insultando, incomodando, escarnecendo, desprezando, como certos tugas hooliganizados com que nos cruzamos com indesejável regularidade - a maioria dos quais caucasiana.

 

10. Conclusão

Toda e qualquer postura ou atitude de agressão social é inaceitável. Se queremos, efetivamente, erradicar o racismo, cumpre, se necessário, rever a legislação vigente; e, com a maior urgência, nos casos por ela já contemplados, sensibilizar para a necessidade do seu estrito cumprimento toda a população, as autoridades e os poderes judiciários, bem como dotar de meios coercivos as forças policiais com atribuições e competências para a aplicar.

Entre tantos outros, os exemplos que referi - alguns deles comuns a indivíduos de variadas etnias - ilustram bem a impossibilidade prática de confundir, com impunidade laxista ou com anarquia a qualquer preço, o princípio geral de que qualquer cidadão de qualquer outra terra é livre de nos visitar e de, observados determinados requisitos, aqui se radicar: tal como é condenável a rejeição liminar de um ser humano por outro que dele difere num aspeto ou noutro, também se não pode, a coberto de uma falsa ideia daquilo que é ou deixa de ser politicamente correto, fechar os olhos a desmandos e ilicitudes que a ninguém podem ser permitidos porque, muito simplesmente, são contrários ao costume e, acima de tudo, à lei que a todos deve obrigar.

Princípio da Igualdade
A lei é legitimada pela mesmíssima Constituição que consagra esse princípio geral da igualdade que, ora com mais, ora com menos propriedade, anda nas bocas de todos e é essencial à efetivação da consagração teórica da diferença. Representa, pois, séria violação do mesmo princípio da igualdade acolher determinados preceitos constitucionais – os que proíbem a discriminação – enquanto se rejeita outros – os que obrigam ao cumprimento de todas as leis comuns – só porque não nos convêm ou porque, politicamente, fica melhor no retrato.

Num estado de Direito, qualquer cidadão, nativo ou oriundo de outra parte do Mundo, está vinculado ao primado da lei. Isto é algo que ninguém, em qualquer momento ou lugar poderá legitimamente esquecer ou ignorar, sob pena de estar, afinal, a praticar a discriminação que diz condenar.

Em ambos os sentidos, a cada um assiste o direito de se não sentir atraído por pessoas de outros grupos, bem como de não admirar determinadas características culturais ou comportamentos dos mesmos. Tal não confere, todavia, a uns o direito de maltratar e, muito menos, de procurar banir os respetivos representantes que aceitem e observem as leis e os costumes das sociedades que visitam ou os acolhem no seu seio; nem, a estes, o de agir como se, em lugar de convidados, fossem anfitriões, ainda para mais rudes, pouco educados, e felizes por assim se quererem conservar.

Tu deves porque eu quero’ é um absurdo; mas ‘tu deves porque eu devo’ é um objetivo legítimo e a base do Direito 2;  e, perante tais desmandos, tanto as maiorias, como as minorias, têm direito a indignar-se.

* *

Não obstante as convicções que cada um, enquanto indivíduo inserido num estado livre, possa ter, a obrigação de tratar bem o próximo, seja ele quem for, todos obriga; e, por maioria de razão, os que serem em forças de segurança.

Mas nem sempre assim acontece...

[não perca aqui a sequência deste artigo]


Chantepie de la Saussaie, Pierre Daniel – “Lehrbuch der Religiongeschichte” (Freiburg im Breslau, 1887–1889) – ”História das Religiões” – Editorial Inquérito – Lisboa, 1940 – pp.31

2 Seume, Johann Friedrich – "Prosaische und poetische Werke" - G. Hempel - 1899 - Vols 6-8 – pp.169 

quarta-feira, 23 de junho de 2021


Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco diz que não há sentimento nas cidades

"Nas cidades é que já não há sentimento de originalidade nenhuma.

As paixões de lá, boas e más,
têm tal analogia que parece haver uma só manivela
para todos os corações
"

Camilo Castelo Branco*)
Vinte Horas de Liteira"*)



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