quarta-feira, 8 de setembro de 2021


Sir Arthur Conan Doyle



"
A mediocridade nada conhece de mais elevado do que ela própria,
mas o talento reconhece instantaneamente o génio"

"
Mediocrity knows nothing higher than itself,
but talent instantly recognizes genius"

Sir Arthur Conan Doyle*)
       The Valley of Fear      

Caso se interesse por
QUESTÕES SOCIAIS
não deixe de consultar, no correspondente separador no topo desta página,
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Mosaicos em Português

segunda-feira, 6 de setembro de 2021


Herman Enciclopédia: O Português


Herman Enciclopédia - O Português

"Sabe-se tão pouco do misterioso 'homo lusitanus',
conhecido comummente como 'português'...
"

Magistral caricatura da Herman Enciclopédia*), protagonizada por José Pedro Gomes*), que personifica um tuga do mais boçal, retrógrado e alarve que se pode imaginar.

Será, no entanto, caso para lembrar que este espécime ainda existe, se já não muito frequente na forma aparente, pelo menos largamente disseminado no conteúdo que não consegue dissimular; que lhe sai pelos poros mesmo sem transpirar.

- x -

Poucas diferenças existirão entre o tuga parolo da peça e aquele que põe o cachecol para ver a bola - ao ritmo de uma jola ruidosamente vertida pela goela e acompanhada dos inevitáveis amendoins e pistachos, bem como pela eructação de fluidos que o não ensinaram a travar -, na descomunal têvê que vai ficar a vida inteira a pagar, sem saber bem porquê.

Ou entre ele e aqueles palermas que, em pleno Verão, por aí andam em Lisboa enfiados em capas negras de Coimbra, a lembrar a toda a gente que, afinal, ainda não são doutores, e que a grande maior parte irá, um dia, fazer companhia a milhares de outros jovens enganados que, pelos call-centers, os canudos de Bolonha andam a larear.

Ou os que dizem há-des e há-dem; e os que, em vez do a sério que ensinam na escola, aprenderam naquele anúncio dos gelados o mais moderno - mas errado - à séria, e vão ao restaurante a que chamam dos ricos fazer figuras tristes, apenas para mostrar que não sabem estar.

Dolorosamente, um tuga, é e será sempre um tuga, sem tirar nem pôr e por mais títulos de campeão ou capas negras, ou licenciaturas com ou sem mestrados integrados com que o queiram adornar.

Pode ser ensinado, mas, como se acha maravilhoso, nunca investirá em se formar, cultivar, educar... Mesmo milionário e famoso, sempre exibirá aquele olhar desambientado, aquela carantonha parada, a boca escancarada de quem não entende patavina do que à sua volta se está a passar, do ambiente que não entende estar, com a ajuda da sua mota de escape aberto, a colapsar.

Sorri à própria falta de encanto e de graça, enquanto acena com os maços de notas e com as coisas caríssimas e horríveis que um punhado de aldrabões lá o convenceu a comprar.

- x -

Ainda há dias passei no Campo Grande e vi todos aqueles infelizes sem futuro a destilar, ao Sol dos primeiros dias de Agosto, nas pategas capas pretas que os pais fizeram mais um sacrifício para poder comprar.

Fez-me lembrar de que ainda há coisas capazes de fazer um velho chorar.

Fonte da imagem: Google















(Fonte da imagem: Google)

sábado, 4 de setembro de 2021


Dezenas de Milhar ou Dezenas de Milhares?

"Resta lembrar àqueles que defendem a utilização generalizada
do plural 
dezenas de milhares como se fossem dezenas de laranjas,
de castanhas ou de outra coisa qualquer, que, no singular de 
dezenas de laranjas,
nunca eles utilizariam a expressão 'uma 
dezena de laranja'
, sem ‘s’ –
quanto mais não seja para que deles se não risse quem os estivesse a escutar
"


          1. Introdução
          2. Classificação Gramatical de Dezena de Milhar
          3. Formação do Plural das Locuções Substantivas
          4. Esticando a Corda, para Tentar Agradar
          5. Notas Finais


O erro do há-des ou hádes é menos importante que o plural de dezena de milhar

1. Introdução

Como em tudo o resto, nestas coisas da língua portuguesa, existem assuntos de maior gravidade do que outros - e outros ainda, como o caso do há-des, ou hádes ou lá como se escreve, sobre os quais, de tão básicos, nem valerá muito a pena elaborar.

Não vale a pena, pelo menos para já, uma vez que, da maneira como o facilitismo vem grassando, não tardará muito que surja alguém ansioso por encontrar matéria nova para os livros que por aí sobre gramática se continua a escrever quase sempre sem fundamentar, e comece a dizer que há-des ou hádes é uma forma corretíssima ou, pelo menos, perfeitamente aceitável da segunda pessoa do singular do presente do indicativo do verbo haver. 

- x -

Os temas relacionados com a própria estrutura da  língua e relativamente aos quais é possível encontrar raciocínios e bases teóricas lógicas alternativas e mais sustentadas – casos, por exemplo, do “por que? ou porque?, do “vende-se ou vendem-se e do “limpo ou limpado, que já referi nestas páginas – serão, porventura, os que maior atenção requerem, não apenas pelo efeito pernicioso que sobre a evolução do idioma vão exercendo de forma incontrolável, mas, até, devido às deturpações da verdade histórica que é possível encontrar nos escritos de certos defensores do dificilmente defensável, empresa  essa que, invariavelmente, fica por fundamentar, ou se limita à brilhante conclusão de que, afinal… “Tanto faz!.

No entanto, e não sendo estruturantes na medida em que se referem, simplesmente, à aplicação de uma ou de outra regra gramatical a determinada situação pontual, temos, num nível intermédio, aquelas questões que não deixam de gerar, no momento de nos exprimirmos, dúvida por vezes séria  e suscetível de provocar, na fala, notória  e indesejável hesitação.

Será, pois, sempre útil dirimir essas aparentemente menos nobres questões, entre as quais encontramos a eterna dúvida quanto à utilização do plural de dezena de milhar – ou de centena de milhar.

O tema é tanto mais premente quanto é certo que me parecem irremediavelmente erradas certas posições assumidas de forma mais do que elementar em programas ou sítios com responsabilidades didáticas*); ou, tão mau ou pior ainda, porque, num mesmo sítio da Internet supostamente destinado ao esclarecimento de dúvidas da língua portuguesa, é possível encontrar posições diametralmente opostas, como aqui*) aqui*), denotando a fraca fiabilidade da iniciativa e sugerindo que lá não havia o cuidado de moderar as publicações, no tempo em que tinha atividade.


2. Classificação Gramatical de Dezena de Milhar

Dezena de milhar é uma locução substantiva
Dezena de milhar é, no sistema de numeração decimal, uma ordem da classe dos milhares*) que significa dez mil unidades de alguma coisa.

Nem mais, nem menos: dez exatos milhares.

Gramaticalmente, dezena de milhar é uma locução substantiva, ou seja, uma sequência – neste caso, de três palavras, dois substantivos (dezena e milhar) ligados por preposição (de) - à qual é atribuído o valor de um único substantivo.

Tempos houve em que os diversos termos das locuções substantivas eram unidos por hífen, mas essa prática caiu em desuso, tendo em algumas vezes dado origem a um único substantivo (áudio-visual > audiovisual) ou a uma locução substantiva (dezena-de-milhar > dezena de milhar), sendo, também, de considerar formas mistas (a-pesar-de > apesar de). (Diga-se, entre parênteses, que, porque apenas aqui nos ocupa a formação do plural, a qual obedece, em qualquer caso, à mesma regra, passaremos ao lado da discussão, de índole meramente classificativa, entre os que preferem a designação substantivo composto e os que preferem locução substantiva, encontrando, até, diferenças estruturais efetivas entre eles)

Num caso bem diferente do da locução substantiva dezena de milhar, quando falamos de uma dezena de laranjas não estamos a referir-nos a uma ordem do sistema decimal: neste caso, a ordem é a dezena (de unidades), e dezena é, também, o substantivo simples (único) que, independentemente da classificação sintática, opera na frase, sendo laranjas um simples complemento nominal - que é, como se sabe, o termo da oração ligado por preposição a um nome (dezena) que, sem tal complemento, careceria de sentido.

A ordem do sistema decimal em causa é, no caso das laranjas, designada pelo substantivo simples dezena, e não por uma indivisível locução substantiva, ou seja: temos dezena, e temos laranja, não existindo qualquer ordem numérica designada por dezena de laranja, como não existem as ordens quilo de farinha, ou grosa de prego ou dúzia de rebuçado, no sistema decimal.


3. Formação do Plural das Locuções Substantivas

Ora, como é sabido, o plural das locuções substantivas é formado precisamente da mesma forma que o dos substantivos simples e, nos casos em que o primeiro e o último são substantivos separados por preposição - como acontece em dezena de milhar - afeta, unicamente, o primeiro termo da expressão (dezenas), mantendo-se o último no singular (milhar).

A assim não acontecer teríamos plurais estapafúrdios como salas de jantares, canas de açúcares, pães de lós, anjos das guardas, cães de guardas, jardins de infâncias, luas de méis, pés de cabras, árbitros de futebóis ou… dezenas de milhares, sendo o último tão ridículo e descabido como qualquer dos que o antecedem.

Como formar o plural das locuções substantivasResta, pois, concluir que o plural da ordem do sistema decimal dezena de milhar, gramaticalmente uma locução substantiva, não é, como muito por aí se diz, dezenas de milhares, mas dezenas de milhar.


4. Esticando a Corda, para Tentar Agradar

Já que, também nestas coisas da gramática, nunca é conveniente deixar pontas soltas, consideremos um cenário imaginário, que utilizaremos para tentar comprazer quem discorda da acima anunciada conclusão.

Pensemos, a título de exemplo, num carregamento de contentores de castanhas contendo, cada um deles, o peso exato de duzentos quilogramas do fruto – exemplo meramente académico, já que, dada a dimensão de cada castanha e o peso variável entre cada uma, um valor exato sempre seria praticamente impossível de obter.

O nosso carregamento seria de uns quarenta contentores, e aos duzentos quilogramas de cada um deles, corresponderiam, como é evidente, alguns milhares de castanhas, necessariamente em número indeterminado.

Sendo desconhecida a quantidade exata de milhares de castanhas contidas em cada saco, não poderíamos, evidentemente, referir-nos a eles utilizando um múltiplo definido a ordem decimal dezena de milhar - cinco, dez - o que, por exprimir ela uma grandeza precisa, apenas seria correto se cada saco contivesse castanhas em quantidade exata conhecida e múltipla de dez mil, o que, como vimos, não pode, razoavelmente, esperar-se que aconteça.

Todavia, se, por alguma razão tão estranha quanto este raciocínio é rebuscado, em vez de quilos, quiséssemos referir-nos a castanhas, poderíamos então, sem chocar muito, dizer que o carregamento era composto por dezenas de contentores, cada um com vários milhares - indeterminados - de castanhas; ou, mais simplesmente, que, de castanhas havia dezenas de milhares, embora se não soubesse, ao certo, quantas.

Em casos de quantidades indefinidas como este, em que uma quantificação exata é absolutamente impossível, seriam, forçando bastante a nota, admissíveis os plurais dos substantivos dezena e milhar ligados pela preposição de; ou seja, a utilização do substantivo dezenas seguido do complemento nominal de milhares, do que resultariam as tais dezenas de milhares.

Ocorre, porém, que, apesar disso, sempre seria mais correto, mais puro, dizer que as castanhas eram aos milhares, ou… às dezenas de milhar, assim exprimindo uma quantidade indefinida, é certo, mas de uma grandeza exata, que nestas coisas da fala e da escrita, como noutras da vida, nada se perde e muito se ganha em não deixar as coisas para aí ao acaso de como cada um as quiser ou puder interpretar; e, sendo a forma dezenas de milhar mais económica e mais precisa, a outra, ainda que se insista em defender a sua admissibilidade, resulta, inevitavelmente, inútil e, também por isso, será de rejeitar.


5. Notas Finais
A confusão das incorreções gramaticais

Resta lembrar àqueles que defendem a utilização generalizada do plural dezenas de milhares como se fossem dezenas de laranjas, de castanhas ou de outra coisa qualquer, que, no singular de dezenas de laranjas, nunca eles utilizariam a expressão 'uma dezena de laranja', sem ‘s’ – quanto mais não seja para que deles se não risse quem os estivesse a escutar.

No singular, falam de 'uma dezena de laranjas', mas não dizem uma dezena de milhares, antes designam a ordem numérica, dizendo... 'uma dezena de milhar'; sem 'es', denotando, no raciocínio, absoluta falta de coerência, inevitavelmente conducente à invalidade da conclusão.

Tal diferenciação estabelece, para além de qualquer dúvida razoável, não estarem a utilizar um substantivo simples seguido de complemento nominal, mas sim a ordem do sistema decimal dezena de milhar, cujo plural em português correto não poderia deixar de ser… dezenas de milhar.  em 'es', claro!

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A vida é um mistério imenso, provavelmente impossível de decifrar.

Se insistirmos em tentar fazê-lo, teremos de nos habituar a criticar o óbvio, a exercitar a mente, a praticar o que queremos aprender, já que procurar além daquilo que os ouvidos ouvem e os olhos vêem enriquece o espírito e subtrai-nos, por pouco que tal represente, à mediocridade da nossa desoladora Humanidade.

Defender o plural dezenas de milhares parece-me nada mais representar do que consentir em deturpar a língua portuguesa nas suas regras mais basilares, ficando pelo fácil, pelo imediato - pelas laranjas... -, coisa que qualquer um bem pode fazer sem muito ter de se esforçar.

O óbvio é a primeira impressão, a mera espuma da onda da razão, o salpico de explicação que molha qualquer ser, por mais elementar, que do cérebro apenas necessite para o fazer comer e respirar.

A gramática, porém, não é coisa que se agarre à memória. A gramática é, entre tantas outras cada vez mais ignoradas ou desperdiçadas, uma praia de partida para quem quer mergulhar nas profundezas da razão, explorando e desenvolvendo, até ao limite da lógica mais pura e mais isenta, a informação que permite devidamente enquadrar os dados de cada problema apresentado ou apercebido.

Desta forma, a Humanidade evolui, cresce, desenvolve-se, enriquece: não limitando-se a ficar pelo óbvio, pelo fácil, para mais depressa apresentar resultados, fazer o teste na escola, pespegar na Internet mais um paper académico, publicar mais um livro, tudo muito a correr, para mais cedo poder esquecer, curtir, relaxar...

* *

Por falar em quantidades, pode dizer-se que esta questão das dezenas de milhar corresponde a um caso de aplicação muito pontual e específica. Já quando nos perguntamos se um milhão de pessoas foi ou se um milhão de pessoas foram estamos a referir-nos a um tema bem mais vasto, e fonte inesgotável de erros e de imprecisões, mormente por parte de diversos órgãos de comunicação social.

(continua aqui)

A gramática de um idioma define-se pela estrutura lógica,
e não pela utilização mais ou menos própria que, aqui ou ali,
um ou outro escritor dela fará



quarta-feira, 1 de setembro de 2021


António de Sousa Franco



"Os princípios defendem-se na fronteira precisa em que começam a ser violados, e não no momento em que, após sucessivas cedências, a corrupção e o autoritarismo hajam chegado a consequências incomportáveis
"

António de Sousa Franco *)       
O Independente, 12.03.1993    

Há que salientar que, à data em que recolhi esta citação, o Ilustre Autor havia já abandonado o Partido Social Democrata e, embora sem alguma vez aderir, era simpatizante do PSPS (Partido Socialista Pré-Socrático, o tal que contava com militantes distintos e de elevados valores e princípios, cujo percurso aqui seria redundante referir).

Tal não significa, naturalmente que, na era do tal PSPS, alguns militantes destacados e de talvez não tão elevados valores e princípios não fizessem das suas. Mas, havia, pelo menos, uma preocupação consensual de assegurar aquela aparência de propriedade que, quando falta e as coisas feias são, como agora acontece, publicitadas como se de grandes feitos se tratasse, se torna um veículo excecional de propagação da corrupção.

O preço dessa aparência de propriedade era abafar-se as tais coisas feias? Talvez. Mas, agora, dá ideia de que, não sendo abafadas, são quase sempre ignoradas ou esquecidas, o que é ainda pior, não só pelo risco de disseminação, como por ficar a ideia de que se trata de pecadilhos sem importância.

- x -

A frase de Sousa Franco poderá ter, até agora, passado despercebida junto de atuais militantes e simpatizantes do atual PS e seus confrades de geringonça, pelo que parece oportuno lembrá-la aqui, dada a sua eterna relevância para a atividade política que se preze de o ser, sobretudo em vésperas de acontecimentos determinantes dos destinos de uma nação.

No meio de tanto falatório sobre suspeitas de nepotismo, de compadrio, de corrupção, de procurar sugar, até secar, o já escanzelado úbere da República, não podemos deixar de lembrar a frase de um dos pais do socialismo - do verdadeiro, puro e duro, do punho fechado, e não do da alaranjada rosa lusitana -, na qual dizia que "não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência". A epidemia de corrupção que, com o freio nos dentes, galopa pelo Estado Português, sugere que terão alguns políticos - e amigalhaços, e familiares e alguns funcionários proeminentes  -entendido esta última citação como "não é o ladrão que cria a oportunidade, mas a ocasião que faz o ladrão"; como, aliás, há muito se sabe, porque o brocardo o diz.

A ser a interpretação legítima, parece haver marxistas destes em todos os partidos políticos, e um pouco por toda a parte entre os mui habilidosos descendentes de Viriato e Sertório.


* *
Que reformas de fundo poderemos esperar nos tempos mais próximos?

segunda-feira, 30 de agosto de 2021


Marretas: Time in a Bottle


Marretas Muppet Show

"If I Could Save Time in a Bottle"

Um dos mais sábios momentos desta ternurenta série*) saída do talento de Jim Henson*).

Todos sonhamos com a fonte da eterna juventude, mas os bonecos, cantando uma letra*) do malogrado Jim Croce*), lembram-nos, de forma comovente e expressiva, que ela não está ao nosso alcance. 


(Fonte da imagem: Wikipedia)

sábado, 28 de agosto de 2021


Ainda não Sabe o que É Equitenência?

"Bem melhor do que o título Plano de Recuperação e Resiliência
teria sido a menos espampanante escolha do título Plano de Recuperação e Resistência
para significar que, graças ao dito plano, a economia, após recuperar,
seria capaz de suportar futuros impactos sem sofrer nova quebra
"

Oriunda do latim aequitas, -atis (equidade) e tenens, -entis (o que ou aquele que detém), equitenência equivale ao inglês equitenence e, embora pouco divulgada, além do significado vocabular, o termo releva no campo da sociologia na medida que esta está relacionada com algumas palavras essenciais à compreensão da cada vez mais complexa realidade social em que nos vemos respirar.

Conceitos de Resiliência e Resistência
A dimensão equitenencial da equitenência está, antes de mais, ligada à resiliência com que uma fatia cada vez maior da população falante tende a designar o que é, em boa verdade, resistência, empregando indistintamente, com o maior dos à-vontades e perante a complacência geral, quer um, quer outro conceito. 

Há, também, quem utilize resiliência apenas para enfeitar designações de planos de recuperação, quando, na circunstância recuperação e resiliência significam, praticamente, a mesma coisa.

Bem melhor do que o título Plano de Recuperação e Resiliência teria sido a menos espampanante escolha do título Plano de Recuperação e Resistência para significar que, graças ao dito plano, a economia, após recuperar, seria capaz de suportar futuros impactos sem sofrer nova quebra.

Mas, afinal, quem se importa? E resiliência é bem mais elaborado do que resistência, até tem mais uma sílaba, e demonstra que conhecemos mais uma palavra difícil… que não sabemos o que quer dizer.

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Esta preocupante tendência linguística para a inconsequente e irresponsável turbulência, tem, também, a ver com uma equitenosa propensão de certas pessoas para, por se considerarem de particular excelência, de qualquer mais ou menos medíocre instituto ou associação aspirarem à presidência. Uma vez alcançado o poder – equitenente objeto de desmesurada apetência -, independentemente da inexistência da recomendável competência, é ele exercido com aquilo a que, em equitenoso assomo de verbal incontinência, qualquer equitenólogo rapidamente classificaria como ética degenerescência.

A despeito da tendência para manter a aparência, quem dessas organizações ocupa a presidência rapidamente passa a padecer de grave equitenose, dedicando-se, de preferência, a discursar com particular truculência, enquanto deixa processos e procedimentos em eterna e abandonada pendência para se dedicar a atividades relativas a outas presidências que ocupa por inerência – por vezes com um grande rasto a pestilência, mas com alegada inocência -, deixando os ignorados administrados na maior efervescência, enquanto, despeitados, lavram pelas redes sociais comentários da maior contundência e passam noites inteiras a digitar na sua pacata residência.

O que significa equitenência

Mas com o que tem, afinal, a ver este equitenencial e intragável arrazoado acerca da equitenência?

O que significa equitenência?

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Equitenência significa... nada. Absolutamente nada, como inevitavelmente se conclui da vacuidade do esvaziado escrito que antecede.

Se com todas as ências que acabo de referir equitenência algo tem a ver é com a simples terminação em ência, o que sempre é mais do que alguns significados por aí atribuídos, às palavras difíceis, por dicionários que entre si competem na quantidade de sinónimosque, quase ao peso, para cada vocábulo que se pretende definir nos são apresentados, em desenfreada epidemia polissémica.

Não me perguntem qual o processo criativo elaborado pelo qual cheguei ao termo equitenência: não existe. Dei, simplesmente, comigo a pensar nele, no que poderia significar; como às vezes sucede com um daqueles temas melódicos que, vá lá saber-se porquê, às vezes parecem não querer sair-nos do ouvido.

Pesquisei, e encontrei... nada de nada, fosse em que idioma ou dicionário fosse, do mais elaborado ao mais elementar.

Dei, pois, comigo a refletir como é fácil, sem conteúdo ou base conceptual, um palerma qualquer gerar neologismos prenhes daquela presunção bacoca que nos leva a, avidamente, procurar palavras complicadas para com elas convencer quem nos ouve de que somos os mais eruditos letrados que é possível encontrar; ou, no mínimo, que com outros ilustrados podemos, sem dificuldade, competir ou ombrear.

Como escreveu um presbítero português que, no século XVIII, ensinava a estudar, “estão persuadidos que a eloquência consiste na afectação e singularidade e, por esta regra, querendo ser eloquentes, procuram de ser mui afectados nas palavras, mui singulares nas ideias, e mui fora de propósito nas aplicações*). Afinal, é tão mais belo e tão simples ser... simples! Dizer resistência, quando não se trata de resiliência...

A importância do radical latino
A notoriamente abusiva referência inicial ao radical latino ajudou, aqui, a compor o quadro de respeitabilidade de que procurei revestir a tão desprovida significado sucessão de fonemas e-q-u-i-t-e-n-e-n-c-i-a, já que quidquid latine dictum sit, altum sonatur (ou videtur) *), como se está cansado de saber.

Apesar da terminação coincidente, equitenência nada tem, bem pelo contrário, a ver com a cada vez mais escassa benevolência; com a envolvência e carinho que nos merece o próximo; com a inocência de uma mente adulta que, em certas coisas, se quer infantil; com a permanência e constância com que devemos manter-nos junto de quem do nosso cuidado necessita; com a desejável florescência e desenvolvimento de tudo quanto é bom; com a discreta transcendência de nós próprios, escondendo-a dos outros; com a deferência para com os que nos merecem respeito, que são todos. Equitenência nada tem a ver com a continência nos nossos apetites e anseios; com a paciência para com os que estão ainda a aprender o que outrora aprendemos nós; com a prudência que a experiência aconselha para as mais simples decisões da vida; com a previdência na gestão do Futuro de cada um; com a consciência com que deve exercer o seu mister o verdadeiro profissional.

Digo que equitenência tem a ver com nada disto, porque, como a inventei, devo saber… 

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Massajando um pouco a origem latina, quisesse eu atribuir um significado a equitenência, poderia escolher, por exemplo, a teimosia de alguns em se aterem à ideia parva de que todos somos iguais em tudo, numa abusiva extensão da ideia de equidade (aequitas) inerente ao princípio da igualdade de oportunidades e de direitos, que inevitavelmente desvalorizado se torna por via de tal ideia.

O princípio, esse sim, deveria ser sagrado em qualquer texto constitucional, deveria ser honrado na aplicação do sistema legal… e deveria ser salvaguardado de deturpações ilegítimas por quem dele, para algumas duvidosas e radicais causas, ilegítimos dividendos não dessa de procurar obter.

Nega este mal cheio punhado de pessoas a mais visível evidência, esquecendo, numa altura em que se fala de solidariedade e de entreajuda, que, se fôssemos mesmo iguais - estruturalmente, potencialmente -como pretendem, qualquer um de nós seria capaz de fazer o que todos os outros fazem, pelo que raramente necessitaríamos dessa ajuda uns dos outros.

Luís António Verney
Mas, não: ninguém pode ter jeito para tudo e capacidade para tudo estudar e tudo saber.

- x –

Ora, pensando bem, vou antes adotar o termo equitenente para significar alguém que tem um poucochinho de cada uma daquelas ências de que primeiro falei, as dos ditos poderosos. Como o termo não existe, tenho a certeza absoluta de que ninguém, mas ninguém mesmo, me irá entender; e ao mesmo tempo, a certeza quase absoluta de que, como a ignorância é, para muitos, indizível vergonha, muito poucos mo irão dizer.

Por fim, deixo aos equitenentes mais vivazes a possibilidade de dizer que foram eles que inventaram o conceito de equitenência.

Prometo que não vou dizer…

(continua aqui)