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terça-feira, 15 de fevereiro de 2022


O Último dos Vegetarianos

Com os Verdes afastados do Parlamento, agarrados qual borbulha à relíquia comunista*) e com ela afundados, resta à suposta defesa do Planeta a voz de um novíssimo deputado de um partido que se diz ecologista, mas que, de tão livre, tão livre, se diz, também, tanta outra coisa que os verdejantes ideais de esquerda*) se esbatem completamente no oceano de propostas, mais ou menos mirabolantes, que agita freneticamente.

Certo é que pela Assembleia ainda anda um resquício da PANdemia quase pulverizou o assim chamado Pessoas, Animais e Natureza. No entanto, dificilmente algo de bom dali sairá, de tão descredibilizada que, agarrada ao poder como uma lapa, interna e externamente a personagem se encontra.

Não passa, assim, o PAN de mais um grupinho de pessoas à deriva, sem estatuto ou causa que façam dele um partido político, mais valendo remeter-se, definitivamente ao estatuto que lhe serve como uma luva:  o de mais grupo de pressão em defesa dos animais e da Natureza, uma vez que, as "Pessoas" que ostenta no nome estão, já, bem cientes do quase nada que dele podem, e alguma vez, puderam antever.

A par, mais à direita, de CDS e PSD*), o PAN não passa de mais um caso de entropia por força da indefinição dos dirigentes, das guerras intestinas e da fragilidade e inconsistência dos ideais.

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As causas minoritárias são, preferencialmente, defendidas por grupos de pressão nelas focados e nelas especializados, designadamente do ponto de vista técnico, logo, mais aptos a agir com eficácia acutilante onde, inevitavelmente, falham os partidos políticos, concetualmente vocacionados para as questões abrangentes e integradas da governação.

A Assembleia da República é lugar para debater as grandes questões do Estado de direito democrático e da forma pela qual, quem a tal se propõe, poderá e deverá governar todos, mas mesmo todos, os demais cidadãos. Não é forum para, explorando, abusivamente, a montra mediática, um, ou dois, ou meia dúzia de defensores disto ou daquilo se porem a bramar por ideais irrelevantes para a gestão global do Estado, revelando-se completamente incapazes de conciliar aquilo que defendem com os bem mais amplos e superiores interesses nacionais.

Para bandalheira mediática, já basta a que é fomentada pelas extremas. Já que temos uma maioria absoluta, concentremo-nos em fazer de Portugal algo mais do que um motivo de permanente sobressalto e preocupação.

Gostemos da maioria absoluta que temos, ou não...

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022


Adeus, PSD...

A recente maioria absoluta do Partido Socialista demonstrou, à saciedade, pelo menos duas coisas: que os portugueses têm um medo intuitivo dos males que o Chega! traz consigo, e que, entre o menos bom que já conhecem e o talvez melhor que poderiam vir a conhecer, preferem o primeiro, por entenderem que é tempo de estabilizar e de desenvolver. Pelo menos, de não retroceder.

O conhecimento, ou a presunção do conhecimento, sobressai, assim, como um dos principais desideratos de quem vota, acima, porventura dos ideais políticos que quem merece o voto prossegue - partindo, naturalmente, do princípio que são conhecidos.

Pela inegável responsabilidade no chumbo do orçamento, os partidos da extrema-esquerda foram severamente penalizados no voto. Mas, à direita, que partidos cresceram, e que partidos encolheram?

Iniciativa Liberal e Chega! são partidos de dirigentes fortes e inequívocos, mesmo à medida daquilo que o eleitorado pretende: conhecer, não apenas as ideias, mas as pessoas que as dizem defender. Um, é marcadamente liberal e, vá lá, um pouco mais radical do que aquilo que de um liberal se esperaria. O outro, não sendo fascista, é assumidamente radical, sectário, racista e muitas outras coisas feias terminadas em ista.

Mas, subiram exponencialmente no voto, porque se sabe o que são, e quem são as pessoas que por lá estão.

Em contrapartida, CDS e PSD implodiram em lutas intestinas entre desconhecidos ou pouco conhecidos dirigentes, sem estrutura para o ser. Dissolveram-se em ideais e objetivos difusos, que, à geralmente pouco informada opinião pública, aparecem apenas como sendo de direita, sem alguém saber bem ao certo aquilo que, isso, hoje em dia quer dizer.

Adormeceram, baixaram os braços perante a ascensão fulgurante dos outros dois, falharam-lhes as ideias. Faltou-lhes, sobretudo, o rumo, que é a pior coisa que pode faltar a um político, mormente a quem quer escapar a um fim inexorável e fatídico.

Ao se evaporar do Parlamento, o primeiro, extinguiu-se, na prática e provavelmente para todo o sempre, passando a figurar apenas naqueles debates televisivos dos pobrezinhos em votos, que tão triste espetáculo dão de quem, em aparente estado de perpétua negação e indiferente ao ridículo, há décadas garante que fará tudo isto e mais aquilo "quando eu for eleito".

A maior dimensão do PSD salvou-o do trambolhão definitivo. Mas, aliado à falta de diferença verdadeira e conhecida face aos dois claros vencedores à direita, o quase desconhecido perfil de uns quantos prospetivos candidatos à Presidência apenas augura, tal como à relíquia comunista portuguesa*) e, ao que parece, também ao Bloco de Esquerda, um calvário descendente e de fim desconhecido apenas de quem o não quer ver.

O espetáculo no PSD é hoje, patético, triste a ponto de chegar ao ponto imputar ao povo português a falha que na origem da maioria absoluta que acabou por sair na rifa ao Partido Socialista*).

Esquece-se quem assim fala que, em democracia, o povo jamais falha, porque jamais pode falhar, já que, nem má, nem boa, uma eleição nada mais é do que a expressão legítima da vontade do eleitorado, o verdadeiro soberano em democracia.

De um eleitorado que tem todo o direito de acertar, como de errar.

Poderá o povo português ter escolhido mal para si ao eleger o Partido Socialista. O tempo, e só o tempo, o dirá. Mas, que esperança para o Futuro teve, ou tem, o PSD para lhe garantir?

Ou, pelo menos, para apresentar?

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022


O Balde

Para eleições antecipadas, extraordinárias, estas irão, sem dúvida, na memória de muitos prevalecer.

Antes de mais, pela rotação nas lideranças de, pelo menos, três das organizações concorrentes, cujos cabecilhas de alguma forma já deram a entender estar de malas aviadas - para não falar do apêndice verde do partido que governa e daquela outra casa cujas paredes de vidro não permitem ver claro mas para cujo envelhecido e debilitado chefe não será razoável augurar um mandato de longa ou, até, de média duração.

Que será dos militantes não se sabe bem de quê, cuja esperança parece apenas residir agora num eterno delfim - pau para toda a obra quando se trata de eleições, da autarquia à Europa, mas que ficou em lugar à partida não elegível no rol da eleição legislativa  -, de ar bisonho e apagado, que não sabe explicar por que admira Maduro e Kim Yong-un? Que será da Mãe-Natureza, extinta que foi, no Parlamento, a eterna e inane carraça supostamente verde que, em pecado, com o Partido vivia em coligação? Pobre Alameda que, para voltar a encher, talvez já só com apoiantes de cartão...

O que será, também, das puídas bandeiras ideológicas dos intelectualoides de extrema-esquerda sem o ar beatífico e a voz trabalhada da face mais visível do seu ainda principal movimento, que tão mal combinam com o olhar verde e duro que nos deita? Quem, naqueles que por lá restam, terá capacidade para, com pelo menos idêntica dose de artificiosa empatia, a substituir por essas ruas e mercados, junto da desolada dona de casa e do abrutalhado maridão?

Que será, também, dos nossos queridos animais de companhia sem direito a voto, substancialmente emagrecida que ficou a já de si diminuta representação de quem lhes assegurava a ração?

Roída pelo bicho que há muito lhe mina as entranhas, irá, também, ser podada na copa a pouco adubada laranjeira que tanto gostaria de ser grande e frondosa na oposição. Na inabilidade de quem a conduz e no desinteresse manifesto de quantos poderiam, pelo menos, escorar os seus ramos poderes por mais uns tempos, internamente irá padecer de inevitável, intensa, dolorosa e, porventura, letal convulsão.

Que dizer, então, do resultado surpreendente horas antes garantido pelo responsável máximo por aquele grupinho esvaziado pelos hunos ainda mais à direita, e que, das nunca plenamente esclarecidas ideias próprias, não resistiu à erosão? Será que, pateticamente, acalenta a esperança de que venha, ainda, erguê-lo das cinzas o global outrora patrão?

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As rosas invadiram o Parlamento, mas não é num mar de rosas que a democracia vive em Portugal, num Parlamento maioritariamente povoado por impreparados desconhecidos, por jön türkler *) sem experiência ou currículo, muitos dos quais nem lendo conseguem, decentemente, falar.

Torna-se, assim, no atual panorama difícil entender a euforia de liberais aparentemente mais radicais do que deles se esperaria, e de uma indescritível e arruaceira extrema-direita possuída pela idolatria ao respetivo pregador, quando de nada lhes serve tanto ter crescido num cenário em que todos acabámos por ficar, inteiramente, à mercê de um único e habilidoso destroyer cuja arte política e capacidade de hipnotizar ultrapassa tudo quanto se possa imaginar; que, ao que não passa de arrogância, chama humildade; que, como ninguém, sabe rodear-se de gente de competência discutível sobre a qual impera a seu bel-prazer; que tem tanta sorte, que até as sondagens de terceiros pressurosamente vieram ajudar; que durante mais uns anos nos irá governar, sozinho no meio de uns catorze ou quinze assessores que o pomposo título de ministro até faz delirar.

Perante o balde de água fria que tantos encharcou, que tanta gente privou do supostamente garantido lugar, valha-nos a reconfortante sensação de estabilidade , uma estabilidade que, daquela que tivemos durante quarenta e oito anos, a alguns já começará a custar diferenciar... e eis que dei comigo a contar há quantos anos foi 1974. Dá que pensar...

Valha, também, ao Presidente da República em segundo mandato o privilégio de não ter de se meter em sarilhos: de poder ficar sentado a promulgar leis e a assinar decretos, enquanto vê passar a procissão...

sábado, 22 de janeiro de 2022


Dos Votos que não Parecem... mas São


   “Quem, podendo fazê-lo, não comparece na assembleia de voto a fim de exercer o seu direito sagrado,
 não passa, ou de alguém no fim da linha da desilusão com o sistema e sem esperança de que as coisas algum dia mudem,
ou de um preguiçoso inveterado, de chinelos e roupão

"Vota o povo, esquecendo-se de que as extremas são o refúgio perigoso dos desencantados,
e daqueles que não sabem bem para que serve isso de ir votar
"

 O voto em branco é o cartão vermelho, não ao regime democrático,
mas aos seus atuais atores que nos deixaram nesta lastimável situação
 


Falamos e escrevemos, as mais das vezes, de pessoas que conhecemos como quem conhece um monumento: vemo-las, ouvimos das suas bocas o que querem que ouçamos, e pouco mais, além daquilo que escrevem ou dizem outros que, afinal, pouco melhor as conhecem do que qualquer de nós. 

Por sua vez, outros, que não nos conhecem, leem-nos, e nós lemos outros; e alguns de nós votam, depois.

Ora, imaginemos, em determinado país e como mero cenário virtual, um eleitor informado por estas pessoas que mal conhece, postado em frente a um conjunto físico de materializações individualizadas dos partidos políticos que cada uma destas representa.

Ponto de vista do observador
Do ponto de vista desse eleitor, para cada direção que se voltasse, a sua decisão apenas poderia ser tomada no sentido de votar ou não votar no partido materializado nessa direção, já, que nisto de votar, não há cinzentos: apenas bolas pretas e bolas brancas, sim ou não.

Pode, pois, dizer-se que, até por imposição legal, o sentido de voto de um eleitor em cada partido é, inevitavelmente negativo em relação à totalidade menos um daqueles que se apresentam a eleições, uma vez que, limitado por lei a votar, quando muito, numa força partidária, automaticamente excluirá, no ato, todas as outras.

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Esta impossibilidade legal de preencher mais do que uma quadrícula no boletim, sob pena de nulidade do voto, deve fazer-nos pensar na extraordinária importância da decisão de escolher um partido primus inter pares *). Deve fazer ver, a cada um de nós, que o simples facto de determinado programa eleitoral corresponder àquilo que um eleitor pensa que será o melhor para o seu país é insuficiente para que, apenas por isso, o mesmo eleitor lhe confie o seu voto, uma vez  que não se deve, com indesejável ligeireza, vulgarizar o que é, afinal, uma enorme e exclusiva distinção.

Para justificar a escolha, torna-se imprescindível que o anúncio da política defendida e da estratégia para a desenvolver seja credibilizado, quer pela prática política anterior do partido, quer pela bondade e idoneidade dos exemplos que invoca para ilustrar o que propõe. Isto, seja em funções governativas ou na oposição, seja no parlamento ou, fora dele, no recato das reuniões de militantes ou perante todos, em órgãos de comunicação.

Não parece, de facto, sinal de maturidade política um cidadão deixar-se, levianamente, manipular por programas ou manifestos. Sobretudo, sabendo-se que são amiúde elaborados com base nas momentâneas e instáveis tendências do mercado de eleitores, moldando-se, depois, os discursos da campanha ao sabor e à medida daquilo que, antes do ato eleitoral, as  pessoas mais pediam, em lugar de, sem prejuízo de uma saudável flexibilidade e capacidade de adaptação, cada partido se manter firme nos seus princípios estruturantes - desde que, naturalmente, ainda se lembre de quais eles são...

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Não sendo legítimo, a qualquer força política, pretender o mal do país em que opera, espera-se que todas elas prossigam o bem, apenas diferindo nos processos e meios preconizados para o atingir.

Todavia, bem se sabe que, naquilo que, efetivamente, podem realizar, diferem cada vez menos entre si, sobretudo porque, se o país integrar uma organização internacional no género da poderosa Comunidade Europeia, resta-lhe uma relativamente estreita margem de manobra política a nível nacional; e, cientes os agastados eleitores dessa afinal pouco significativa diferença entre aquilo que, em funções governativas, cada partido poderá, efetivamente, fazer - independentemente das loas que tiver andado a alardear em campanha eleitoral para os nossos votos ganhar ou reter -, cada vez mais se vota menos nas ideias e mais nas pessoas que, mais provavelmente, irão implementar aquilo que lhes convém implementar, em lugar de as primeiras defender.

Debatem-se, não obstante, tais atores com o eterno problema de não contarem, nas suas hostes, com políticos carismáticos que possam e queiram assumir a liderança, tendo, amiúde, de se contentar com aqueles que, continuadamente, se vão arrastando nas mesmas funções ou em semelhantes, apesar do pouco atraente odor a bafienta estagnação que, com o passar do tempo, vão ganhando.

Este facilmente constatável facto de as pessoas dos políticos contarem cada vez mais, e o ideário dos partidos cada vez menos, poderá explicar inesperadas transferências de votos entre a extrema-esquerda e a extrema-direita ou vice-versa, sinal evidente de nos encontrarmos perante a tendência, também indesejável, de escolher as pessoas sem olhar às políticas, como cada vez mais se vê acontecer. Não pretendem estes eleitores das extremas implementar uma política cuja prática desconhecem porque, onde moram, jamais terá sido, plenamente, implementada: apenas querem mudar as pessoas, seja lá a política qual for.

No caso português, cada vez mais o eleitor parece intuir que o problema dos principais partidos do centro não reside nos princípios ou nas políticas que defendem, mas sim na prática do compadrio a qualquer preço, do nepotismo, do mais ou menos encapotado caciquismo, cujo efeito imediato é afastar quem, competente, bem formado e de boa-fé estaria disponível para, com verdadeiro espírito de missão, levar o País onde todos nós, de esquerda, de centro ou de direita, gostaríamos de o ver.

A não muito difusa ideia deste deplorável estado da Nação latente no espírito de um eleitorado carregado de canudos, mas genericamente desinteressado destas coisas e maioritariamente pouco evoluído, leva ao inevitável protesto emotivo, excitado, irracional. Protesto que leva alguns a arriscar, a troco de nada, o tudo que é de todos, ao votar, ora numa extrema-esquerda de ideais dissimulados, ora numa extrema-direita que de si só não diz o que não pode dizer, sob pena de a mandarem, definitivamente, calar.

Assim vota o atarantado e pouco esclarecido eleitor que não sabe, já, para que lado se virar. Não sabe, em suma - ninguém sabe - onde encontrar um partido capaz de convencer alguém de que será capaz de, efetivamente, fazer as coisas evoluir, melhorar, serenar.

Comparece na assembleia
Vota o povo, esquecendo-se de que as extremas são o refúgio perigoso dos desencantados, e daqueles que não sabem bem para que serve isso de ir votar.

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Entre escolher as políticas sem olhar às pessoas e escolher as pessoas sem olhar às políticas, encontram-se casos, aparentemente raros, de equilíbrio. Raros, porque, para o desequilíbrio, concorrem o nível cultural, o interesse pessoal, o ambiente político familiar, laboral ou escolar, a semelhança pessoal com o candidato, a empatia, entre tantos outros factores.

O ideal seria, evidentemente, que o partido com que cada um politicamente mais se identificasse fosse dirigido pela pessoa que mais confiança lhe inspirasse também. Mas, estes, são casos raros: tanto mais raros em países em que boa parte dos dirigentes partidários pouca ou nenhuma confiança inspira a quem se pergunta: "Votar? Mas em quem?"

Intrínseca ou superveniente, esta falta de credibilidade leva a que a democracia não opere no sentido tradicional da participação na escolha de quem nos irá representar ou governar, já que votar num partido cujos lugares cimeiros se encontrem povoados de gente que não é de fiar, será não apenas um ato de insana irresponsabilidade, como uma negação da liberdade que cada um supostamente tem de dizer que, assim, não podemos continuar; e a alternativa de votar em grupos de cidadãos independentes é coisa de que os bem instalados partidos nem querem ouvir falar.

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Sucede, porém, que isto de um eleitor dizer não, entendem alguns que corresponde a ficar comodamente refastelado no sofá, com tamanha passividade a contribuir ativamente para que a taxa de abstenção continue a medrar.

Engano puro: a abstenção não é uma forma respeitável de manifesto antissistema, antes ficando a democracia cada vez mais enfraquecida à medida que ela avança. A taxa de abstenção é, antes de mais, um importante indicador da consciência e motivação políticas do universo dos eleitores, variando no sentido inverso de cada uma destas.

Quem, podendo fazê-lo, não comparece na assembleia de voto a fim de exercer o seu direito sagrado, não passa, ou de alguém no fim da linha da desilusão com o sistema e sem esperança de que as coisas algum dia mudem, ou de um preguiçoso inveterado, de chinelos e roupão, indigno de beneficiar da decisão de quem vota e do esforço de quem passa largas horas de um dia de descanso a trabalhar nas mesas onde decorre a votação.

Também o voto deliberadamente nulo - típico de quem prefere, para exprimir desagrado ou revolta, desenhar bonecos mais ou menos obscenos no boletim de voto, nele escrever palavras vomitando ódio a este ou àquele, ou semelhantes manifestações de falta de respeito e de educação - apenas serve para magoar os olhos e os espíritos daqueles a quem cabe desdobrar o boletim quando da contagem, etapa indispensável da votação. O voto nulo é, no mais saudável entendimento, aquele que corresponde a um erro legítimo no preenchimento do boletim, e não a um inútil, inapropriado e mais ou menos ordinário protesto.

Uma elevada contagem de votos nulos apenas sugere que haverá muitos eleitores tão incapazes que nem uma simples cruz sabem fazer; e, isto, todos sabemos que, apesar de tudo, não é verdade, por muito que, quem assim protesta, involuntariamente acabe por fazer crer.

Como nos manifestarmos, então, eficazmente contra o lastimável estado da Nação?

Quando, por mais letras que tenham, os programas políticos estão vazios e as pessoas a eleger nada nos dizem, também, o sentido do voto será, por uma questão da mais elementar honestidade, negativo em relação a qualquer partido; e, sendo ridículo e ineficaz o voto deliberadamente nulo e sumamente condenável a abstenção, o voto em branco apresenta-se como a única opção.
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Em Janeiro de 2022, em Portugal, as coisas apresentam-se-me como segue:

A suposta defesa simultânea de demasiadas causas demasiado fraturantes de demasiadas minorias nem sempre representativas ou suficientemente perseguidas levou o Bloco de Esquerda a perder, completamente, o Norte, restando-lhe viver no desespero de quem tem à frente o muro da indiferença quase generalizada dos já enfadados eleitores entusiásticos de outrora. Ataca, impiedosamente, a extrema-direita - e muito bem... -, esquecendo-se, no entanto, que tem nas suas fileiras destacados membros das FP-25. Entretém-se a mostrar a Coordenadora em pequenos núcleos urbanos onde o Movimento vai passeando a evidente inutilidade ao repetir ad nauseam, para disfarçar os seus verdadeiros propósitos e a responsabilidade no chumbo do Orçamento, chavões copiados da eterna lenga-lenga do Partido Comunista Português sobre a falta de meios dos organismos do Estado e a perseguição a trabalhadores que já nem o podem ver.

Contra tudo e contra todos, e rejeitando a mais elementar racionalidade, o PCP, embora fiável nos compromissos que assume, mantém-se cegamente fiel aos seus princípios estruturantes, a ideias e políticas de tempos há muito idos e noutras paragens nascidas. Segue uma ideologia que defende, expressamente, a tomada do poder pela luta armada: é nisso que acredita. Reconhece, desta forma, a total incompetência para chegar ao poder pela razão e, consequentemente, para também pela razão o exercer. Não dispõe, patentemente, de gestores políticos competentes, capazes de, num quadro de liberdade cuja verdadeira essência o Partido ainda hoje não entende, administrar a República, tampouco se mostrando capaz de, um dia, alguns captar para as suas hostes.

Do Livre, talvez nem valha a pena falar: se nem numa única - e, para ele, preciosa - deputada foi capaz de ter mão, nenhum crédito alguma vez virá a ter o seu contributo para a definição dos destinos da Nação.

O eterno, desgastado e completamente descaracterizado Partido Socialista, de socialista nada tem, apresentando-se hoje como uma caótica massa indefinida, ali mais ou menos ao centro, eivada de fumos de corrupção: uma espécie de próstata dilatada na imensidão da sua prosápia, entalada por paredes de tecido à direita e à esquerda, formadas por gente com quem, ou não quer falar, ou com ele não quer falar, Pouco mais é, hoje, do que um empecilho com tiques ditatoriais que, como qualquer próstata dilatada, nenhum fluxo para a liberdade por ela deixa passar.

Mesmo pondo de parte as recentes polémicas envolvendo a porta-voz, evidente se torna que o >Pessoas, Animais e Natureza se esqueceu, definitivamente, das pessoas, que da natureza pouco fala, e parece só se interessar pelas saladinhas, pelos tornedós de tofu e pela legítima defesa de alguns adoráveis bichinhos - não sei se das cobras venenosas também. Tremo só de pensar no que seria um governo formado por aquela gente que anda ao sabor do vento soprado pelos desígnios do PS, na esteira da moda iniciada pelo inexistente Partido Ecologista Os Verdes, que se constituiu abcesso do PCP.

O Partido Social Democrata lá vai fazendo a sua romaria, dirigida por um líder que, sem dúvida, transpira honestidade, mas está só: não tem a quem confiar responsabilidades governamentais numa amálgama de gente em tudo semelhante à do PS. É um líder que, ora toca bombo ora é o bombo da festa. Bem-intencionado e com muita vontade de fazer alguma coisa, mas completamente só num deserto de quadros partidários, alguns dos quais seguramente seriam tão incompetentes ou mais ainda do que certas pessoas que pelo atual Governo passaram e outras que ainda lá continuam a ocupar lugar.

A Iniciativa Liberal poderia ser uma possibilidade, mas aqueles rapazes e raparigas, muito originais e empreendedores sem dúvida, não têm estofo, não têm substância, não têm consistência, como ficou bem demonstrado naquela parvoíce dos Santos Populares*). Para negacionista, já cá temos um outrora juiz e, francamente, a receita não é de agradar. Para a IL querer ser alguém na política, tem, ainda, um longo caminho a percorrer, e muita coisa a afinar. Acresce que um partido que se diz liberal não tem lugar num país cuja população não sabe viver em liberdade, que odeia regras apenas porque o são, que as confunde com atos ditatoriais, que entende que o capricho individual vale mais do que qualquer lei, que sempre encara os deveres de má catadura.

Do Chega!, francamente, chega! O Chefe já se pavoneou que bastasse, já se divertiu à grande e à francesa*), já passeou o seu incomensurável ego por tudo quanto era sítio, já se pseudo-demitiu não sei quantas vezes, e faria bem em deixar-se daquelas coisas e ir tratar da vida fazendo algo que servisse para alguma coisa ou, pelo menos, não atrapalhasse. O Partido parece não passar de uma histriónica amálgama de ressabiados façanhudos, que só sabem que são do contra, sem saber, porquê ou, sequer, de que contra são. O Chega! não tem identidade, não existe, como bem o prova o facto de, para evitar as loucas arbitrariedades locais que redundaram no triste e alucinado espetáculo das autárquicas, tenha tido o tal cada vez mais eterno Presidente que, desta vez, avocar, com poder absoluto, a decisão e a responsabilidade pela formação das listas de candidatos.

(Acabo de me lembrar daquilo que resta de um tal Partido do Centro Democrático Social / Partido Popular, praticamente relegado à categoria de inexistente, não sei ao certo se por culpa do Presidente que lhe deu corpo e depois se foi, se por culpa da Presidente que depois por lá passou, ou por culpa do Presidente que quis muito sê-lo, continua a querer, mas parece ser o único a pensar assim)

O resto, é paisagem, como se viu naquele paupérrimo debate a onze na RTP 1. Têm, pois com certeza, esses quase protozoários todo o direito de existir e de gastar dinheiro a candidatar-se, às vezes parecendo que apenas o fazem pelo privilégio de mostrar as carantonhas dos dirigentes na têvê. Mas isso é lá com eles; e, se pretendem continuar a esbanjar dinheiro e a querer confundir o conceito de partido político com o de grupo de pressão, que lhes faça muito bom proveito, na certeza de que não é com qualquer deles que, algum dia, poderemos contar para toda esta confusão clarificar.

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Começa agora mais uma campanha eleitoral. Melhor: continua, porque em campanha todos os partidos sempre estão.

Uma campanha inútil, uma vez que jamais a validade de uma promessa para o futuro se sobreporá, num espírito minimamente lúcido, à da prática continuada nos meses ou anos que a terão antecedido. Não no espírito do meu caro Leitor, e no meu também não.

Já aqui disse que, desde que não sejam extremistas inveterados, me é indiferente quem irá ganhar a eleição de dia 30 de Janeiro: da forma como os vejo, entre maioritariamente corruptos e incompetentes, por um lado, e maioritariamente incompetentes e corruptos por outro, venha o Diabo e escolha.

Bem longe das egrégias figuras dos respetivos fundadores, os partidos tradicionais, aos anos 70, mais parecem hoje viveiros de profissionais da política, que nada mais alguma vez foram e hoje lutam para a sobrevivência de uma imagem que não merecem, frutos bravios de um ensino instável e volúvel e de uma educação que jamais terão tido e, manifestamente, não têm capacidade para, por si próprios, adquirir.

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Ninguém pode ser interrogado quanto à forma como votou ou irá votar no dia das eleições. Mas não é menos certo que ninguém está proibido de o declarar espontaneamente, exceto após o encerramento da campanha eleitoral.

Irei votar, claro! Mas o sentido positivo do meu voto será... nenhum.

Será um voto tão branco, como branco, vazio é o panorama político em Portugal, cenário apático ideal para que um dia caiamos sob o jugo de um ditador ou de equiparável animal.

Certo é que, tal como a abstenção, um voto em branco pode ter como efeito privilegiar partidos não democráticos, cujos apaniguados não deixarão de, pressurosamente, ir depositar o seu voto expresso. Todavia, esse efeito não ocorrerá, esse risco não se correrá, se apenas votarem em branco os absolutamente desiludidos, como o que aqui escreve, e os ainda esperançosos que, a não votar em branco, iriam protestar votando nos inenarráveis partidos extremistas, que todos sabemos o que têm por trás.

Em vez de, inconscientes do real e bem próximo risco que correm ao protestar votando em extremas, melhor fariam os últimos optando, também, pelo voto em branco. Sabiamente. Sensatamente. Esclarecidamente, como se quer numa verdadeira democracia.

O voto em branco não é desejável: é, simplesmente, a alternativa acertada e democrática ao voto nulo deliberado e, sobretudo, à abstenção. É o cartão vermelho, não ao regime democrático, mas aos seus atuais atores, que nos deixaram nesta lastimável situação.

Os votos em branco não parecem votos. Mas são...


  LEIA  AQUI  O  ARTIGO SEGUINTE DESTA SÉRIE DEDICADA AO ATO ELEITORAL!  

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022


André Ventura

 


"O que é que vale mais:
a vontade do povo português,
ou a Constituição da República?"

André Ventura*)     
(Entrevista à RTP - 01.12.2001)


Não entenderá o Presidente eleito e, regularmente, auto-demitido e reeleito do Chega! que, numa democracia representativa - cuja verdadeira natureza, apesar de se apresentar a eleições, parece ter significativa dificuldade em entender -, a vontade do povo se encontra plasmada, acima de tudo e antes de mais, na Constituição da República?

Doutorado que é em direito, não se aperceberá de que a alarvidade que disse equivale a perguntar se vale mais a vontade de roubar do que as disposições penais que tal ato proíbem?

Que tipo de gente insistirá, tendo alternativa, em confiar o voto a alguém com pensamentos como este, subversivos da ordem pública, da paz e da estabilidade que a todos são essenciais e estruturantes da vida em sociedade?

Poderá, por mero capricho, um cidadão ou grupo de cidadãos fazer, impunemente, prevalecer os ditames da sua vontade à letra da lei ou do próprio Texto Constitucional?

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A prática política e as sucessivas declarações do mesmo género permitem excluir que se tenha tratado de um lapso - aliás sempre deslocado em pessoa de tão viva e aguda inteligência. A enormidade da ideia contida na pergunta não pode, assim, deixar de suscitar as mais sérias dúvidas quanto à verdadeira motivação do Autor ao deixar o Partido Social Democrata para fundar o Chega!.

Este partido é, inegável e assumidamente, nacionalista e de extrema-direita. Mas, sê-lo-á, também, o seu Fundador? Até que ponto poderá um outrora quadro destacado de um partido democrático inverter, no seu íntimo, de forma tão fraturante e do dia para a noite, o seu posicionamento político?

Qualquer pessoa, para ser eficaz, tem de acreditar naquilo que faz. Qualquer político, para ser eficaz, tem de acreditar naquilo que diz.

Perante os resultados até agora conseguidos e com tamanha rapidez, dificilmente poderá considerar-se ineficaz o Presidente do Chega! Ficam, no entanto, as perguntas: quais serão os seus verdadeiros propósitos? Estará, afinal, a ser eficaz em quê?

Será, como se apresenta, um genuíno radical, empenhado em defender uns estranhos, aberrantes, anquilosados e patéticos ideais?

Será, quem sabe, um genuíno democrata que terá, em dado momento, decidido manipular uma crescente mole humana que ia surgindo na extrema-direita, inicialmente com um discurso firme e agressivo para depois, insinuando-se junto do PSD, a neutralizar?

Será, como alguns pretendem, um mero oportunista sem escrúpulos, um perigoso ditador unicamente interessado na exaltação da própria imagem e na rápida ascensão ao exercício do poder - eventualmente como ministro da justiça... -, manipulando e usando tudo e todos ao serviço desse desiderato?

Pouco importa, de facto.

Do que não pode haver dúvida é de que se trata de uma personagem de ambiguidade perigosa, politicamente escorregadia, despudorada e subversiva a ponto de insinuar que deve a vontade do legitimamente descontente povo português sobrepor-se, por ilegítima, antidemocrática e injustificada ação direta, aos preceitos que essa mesma vontade popular, expressa no voto, na Constituição fez plasmar.

Preside, assim, a um partido que dói ver merecer um lugar no boletim de voto da supostamente democrática eleição de quem nos irá governar.


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terça-feira, 11 de janeiro de 2022


Golpe de Mestre... Falhado. No PCP

Exaurido até ao limite das suas forças, o Partido Comunista Português (PCP) teve a brilhante ideia de auto-limitar a sua participação nos debates televisivos aos agendados para canal aberto, por, alega, considerar discriminatória a forma como foi feito o respetivo planeamento.

Contando, para os frente-a-frente, apenas com um secretário-geral desgastado, fatigado, aparentemente desinteressado da luta política que vá além da eterna e estafada cassette, lá encontrou o Partido esta saída airosa que, depois da inevitável derrota na hora da verdade, sempre lhe permitirá invocar a redução da exposição televisiva, atirando a culpa para terceiros - deliberada e convenientemente se esquecendo do facto de a exposição ter sido ainda menor por culpa própria - e procurando assim, debalde, justificar a magreza do escanzelado resultado que as sondagens - e a lógica, se alguma existe nestas andanças - lhe preconizam.

Como resultado desta opção, o Partido pensou, por outro lado, garantir que o debilitado Secretário-Geral apenas iria debater com velhos soldados - o Secretário-Geral do Partido Socialista e o Presidente do Partido Social Democrata -, o que, à partida, o pouparia a ataques frontais e violentos dos mais jovens cabecilhas de forças incipientes, ou mais radicais, ou também elas em vias de extinção parlamentar.

O primeiro embate, porém, demonstrou que se enganou, já que o atual Primeiro-Ministro simplesmente cilindrou, sem dó nem piedade, o companheiro de longa data que ousara dar a estocada final na precária mas tão necessária estabilidade governativa.

O que reservará, amanhã, ao previsível Secretário-Geral do PCP, o imprevisível Presidente do PSD?

Se é que ainda existe PSD...





Em pleno século XXI, que razão poderá, ainda, encontrar-se para a subsistência de um partido que, assumidamente, admira e advoga os princípios da teoria soviética dos primórdios do século passado?

LEIA AQUI

uma análise objetiva sobre o PCP dos nossos dias
e o processo entrópico em que mergulhou




O futuro tem Partido,
ou não há futuro para o Partido?

sábado, 8 de janeiro de 2022


O Português não Gosta da Democracia

"Se a educação é a matéria-prima da democracia, o voto é a estrutura, o que lhe dá forma. Quando a maior parte dos cidadãos com capacidade eleitoral repudia o direito ao voto, deixamos de estar numa democracia, deixamos de ser, efetivamente, governados pela vontade popular"

"Não ir votar, podendo fazê-lo, é um claro sinal, não apenas de egoísmo, mas de estupidez, de boçalidade, de iliteracia. Não importa quantos canudos em casa se tenha, nem quantas loas se cante ao sublime ideal da democracia"


Democracia - Regime
No momento em que rabisco estas linhas que vêm na sequência do texto do passado Sábado*), reza a Wikipedia que "Democracia *) é um regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente — diretamente ou através de representantes eleitos — na proposta, no desenvolvimento e na criação de leis, exercendo o poder da governação através do sufrágio universal".

Goste-se ou não da Wikipedia, olhemos, ou não, para ela como um referencial com algum rigor e a possível validação, será difícil negar que a definição é admirável em toda a sua simplicidade, clareza e precisão.

Aplicada ao caso português, onde vigora uma democracia representativa, significa ela que o regime, o Estado, as pessoas, nós, todos esperam que decidamos, através do voto popular universal, a quem iremos conferir mandato para tão importantes funções.

Voto universal, mas não de todos. Dantes, porque nem todos tinham o direito de votar, agora, porque apenas o exercem aqueles que se levantam da poltrona para o fazer; e são cada vez menos, como insistem em fazer-nos ver os números da abstenção. A COVID não é desculpa, a partir do momento em que quase todos fazem a sua vida normal, e tanta gente por aí anda em grandes eventos desportivos e outros de muita animação.

- x -

Embora as circunstâncias e a legislação de então fossem outras, comparando os 16,7% da taxa de abstenção nas eleições de 1976 com os 51,4% das mais recentes, em 2019*), poucas dúvidas podem restar quanto à atual falta de empenhamento da maior parte dos possíveis votantes em cumprir o dever cívico que sobre eles impende.

Paradoxalmente, nada impede quem não vota de não parar de reclamar, depois. É vê-los, por tudo e por nada, lastimar-se de violações de direitos, liberdades e garantias que, num regime político não democrático, muito dificilmente veriam reconhecidos, mas que nem mereceram o imenso incómodo de uma deslocação a uma assembleia de voto. Mesmo agora, que nem é época de passeatas ou de mergulhos no mar.

Nada disto é novo e, se nada for feito - mas, o quê?... -, chegaremos a um ponto em que não haverá retrocesso, já que a situação não parará de se agravar.

Intelectualmente menos provido
Mesmo antes de chegar esse dia, não custará ao mais desatento ou intelectualmente menos provido entender que, com tanta gente a demitir-se daquilo que, por qualquer concidadão, lhe é legitimamente exigível para que o sistema funcione - o tal sistema de que todos se queixam... -, os resultados eleitorais se tornam cada vez mais vazios de conteúdo: cada vez mais não correspondem à efetiva vontade coletiva da população, sendo a cada dia maior o risco, ou a certeza já, de que, se a taxa de abstenção voltasse aos tais 16,7%, a composição da Assembleia da República seria bem diferente, e até o governo poderia, à direita ou à esquerda, ficar em diferentes mãos.

Se a educação é a matéria-prima da democracia, o voto é a estrutura, o que lhe dá forma. Quando a maior parte dos cidadãos com capacidade eleitoral repudia o direito ao voto, deixamos de estar numa democracia, deixamos de ser, efetivamente, governados pela vontade popular.

Cada vez mais, os chamados eleitores, não o são, não votam: preferem ficar em casa a ver, na televisão, o que resultou  do voto dos que, por eles, assumiram a responsabilidade por uma escolha que os primeiros olham, afinal, com a mesma importância, interesse e dignidade que a votação de um festival da canção ou evento similar.

Esquecem-se de que não ir votar, podendo fazê-lo, é um claro sinal, não apenas de egoísmo, mas de estupidez, de boçalidade, de iliteracia. Não importa quantos canudos em casa se tenha, nem quantas loas se cante ao sublime ideal da democracia.

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Assentemos, pois, em que a maior parte dos cidadãos portugueses não gosta da democracia; ou, pelo menos, não respeita a democracia. De que gosta, então?

O Partido Chega! sabe-o bem, como bem o sabe o seu Chefe Máximo. Os portugueses gostam, de facto, é daquilo que os faz transferir a escolha diretamente de decadentes e não democráticos partidos de extrema-esquerda ou de partidos maiores e ainda ditos democráticos mas minados por uma imparável tendência para a corrupção -, para incipientes e não democráticos partidos de extrema-direita. Assim, de repente, de uma vez só, como há dois anos aconteceu*) e se prepara para, ainda com maior e mais preocupante expressão, voltar a acontecer.

Não será despropositado lembrar as sábias palavras de quem disse que "um governo seria eterno com a condição, de todos os dias, oferecer ao povo um fogo de artifício, e à burguesia um processo escandaloso". Qualquer político português que prefira esta receita às tradicionais longas e sofisticadas parlengas que ninguém ouve ficará cada vez mais próximo de ganhar uma eleição.

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Partido Chega!
Mas há mais quem saiba do que gostam os eleitores portugueses: o presidente do partido em que o chefe do Chega! anteriormente militou.

Nada tendo, decididamente, a ver com qualquer coisa que se pareça com a extrema-direita, o Presidente do PSD há muito aprendeu que aquilo que, noutras terras, se exprime pelo equivalente à palavra portuguesa demagogia corresponde ao muito nosso conceito de democracia. Essa democracia desiludida, trôpega, quase inerte, que se arrasta sob a alçada de políticos de missão indefinida que procuram, a todo o custo, manter-se alcandorados num poder que de competência e de autoridade pouco ou nada já tem.

Bem o sabendo, optou o dito Presidente por um estilo de linguagem popularucho, por fazer comentários e observações de cariz quase populista com uma ou outra gafe à mistura; por apresentar, ainda ontem, o programa eleitoral falando em estilo informal, espontaneamente, apenas com recurso pontual a tópicos; por recorrer à insinuação, por procurar estimular de qualquer forma as mentes atrofiadas dos tugas mais ávidos de escândalos e de fogos de artifício. É neles, e não nos eruditos e sofisticados -ólogos que, pouco sabendo do que vale a pena saber e nada sabendo do como chegar às massas, ganham rios de dinheiro para mutuamente se copiarem, comentando tudo e mais alguma coisa baseados, unicamente, na sua supostamente erudita mas raramente fundamentada opinião.

"The history of the World is the history of the triumph of the hartless over the mindless" e, neste cantinho da Europa, quem quiser, efetivamente, subir nas urnas há de cuidar de comprazer as hordas de medíocres que se deleitam com a desgraça dos outros. Há de tratar de cativar, sobretudo, essa gentinha inconsciente, oca, falha de ideais, de vontade, de interesse até pela identidade de quem decide o seu destino: essa gente do diz-que-disse e dos cochichos, que passa o tempo a criar formas de sujar o mais possível a roupa que o vizinho acabou de pôr a secar.

A educação e o ensino ministram-se em sede própria, e não em campanha eleitoral. Não é, assim, eficaz nem política ou economicamente razoável insistir em fazer uma campanha elaborada, sofisticada; deve, antes, ser vazia e barulhenta, vocacionada para uma mole humana que outra coisa não sabe apreender ou apreciar.

Isto, o Presidente do Chega! não tardou a entender e, dessa forma, lá vai, apesar da indisfarçável cacofonia e dos inconfessáveis ideais que as suas vibrantes palavras escondem, conseguindo algum ascendente num ou outro debate eleitoral.

- x -

A propósito da insinuação há uma dúzia de dias feita pelo Presidente do PSD, de que a captura de João Rendeiro*) na África do Sul estaria, de alguma forma relacionada com a proximidade do ato eleitoral que se avizinha e, implicitamente, com a necessidade de o Governo apresentar resultados que facilitem a reeleição, contra o dito Presidente muita gente se insurgiu; e com razão, já que a insinuação não tinha em que, racionalmente, se sustentar. Mesmo que tivesse, seria praticamente impossível de provar - apesar de, se a juntarmos ao mais recente e tão oportuno sucesso na aprovação do plano de recuperação da eterna TAP, alguns maldizentes poderem começar por aí a sussurrar...

Houve, no entanto, quem chegasse ao ponto de vaticinar que, com essa atitude, teria o Presidente condenado o PSD à derrota no ato eleitoral.

Não sei como: pois não são, precisamente, as insinuações torpes e escandalosas que fazem viver, que fazem vibrar as hostes eleitorais portuguesas? Não é a trampolinice, a acrobacia fácil, a desfaçatez além do admissível que granjeia simpatias? Que as atrai muito mais facilmente do que belas promessas que todos sabem falsas, pouco sinceras e muito provavelmente inexequíveis?

Quem acredita, ainda em programas políticos jamais cumpridos, em promessas vãs papagueadas ao vento, em palavras de ordem sem sentido, desordenadas, desconchavadas? Pois não são os sound bytes, as bocas muito mais giras, muito mais engraçadas? O tipo até tem piada, aquele é que sabe! Chegou para eles! Este é que vai ! Vamos votar nele. Bora lá!

Acaso não é o folclore político que enche os noticiários, as páginas dos jornais? Quantas ideias dignas desse nome fazem ir às urnas aquela massa caótica e inerte de espetadores passivos e maldicentes apenas ansiosos por ler ou ouvir destratar ou maldizer?

- x -

Não, o PSD não perdeu, naquele dia, as eleições. As pouco elegantes charlas do seu dirigente máximo, o seu quiçá enganador à-vontade, o seu premeditado estilo popularucho, alternando com uma ou outra pose mais formal, são a receita ideal - para não dizer a única exequível - para garantir uma vitória eleitoral nesta terra de eleitores ignorantes, sós, desiludidos, tristes e macambúzios que dão tudo por uma por uma vitória, mesmo pírrica, do clube, do partido, seja lá do que for. Até, por uma piada ordinária, sem graça, partilhada numa rede social qualquer, que, por uns segundos, pelo menos, os faça sorrir.

Se o Partido não ganhar, será por pouco. Talvez, até, por muito pouco. Os votos que perder não serão, seguramente, por inabilidade política, já que a habilidade dos outros, mesmo a do mais habilidoso, é isto que se vê.

Serão, quando muito, esses votos perdidos os daquela meia dúzia que ainda reage mal à demagogia.

Serão, enfim, os dos cada vez menos portugueses que com a vacuidade se arrepiam, e que verdadeiramente, respeitam e honram a democracia que todos dizem defender.

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quarta-feira, 5 de janeiro de 2022


Jerónimo de Sousa

Jerónimo de Sousa


"O capital não só não tem pátria, como não tem sentimentos, é amoral, e a sua lei suprema é o lucro"

Jerónimo de Sousa*)  
(em Comício)                 
             

Diz isto, ao mesmo tempo que, supostamente, defende o apoio do Estado às pequenas e médias empresas, as mais numerosas representantes do famigerado capital - e que, a propósito, dão emprego à esmagadora maioria dos trabalhadores portugueses. Será que já ninguém tem sentido crítico, no Partido Comunista Português (PCP), para lhe dizer "Olhe lá, Camarada, não é bem assim!", ou já só quem tem patine é que por lá ainda pode opinar?

Ninguém há que lhe diga que, por muito espontâneas, comoventes e emotivas que possam ser, as generalizações baratas nem sempre são muito recomendáveis? Que lhe diga que capital é sempre capital, independentemente da dimensão e das intenções e idoneidade dos seus detentores?

Com cantilenas profundamente eleitoralistas e demagógicas como esta, num país que, embora tímida e ineficazmente, lá vai, pelo menos, procurando enriquecer o nível de instrução dos eleitores, como espera esta gente cristalizada na memória do antigamente*) conseguir evitar uma votação cada vez mais humilhante nas sucessivas eleições? Atacando um imenso tecido empresarial que gera emprego, como irá convencer alguém de que defende os interesses dos trabalhadores?

A coisa está tão negra, que os comunistas de hoje já nem têm, como os de antigamente, a lata de, por muito que desçam, continuar a dizer, cada vez que perdem, que acabaram de ganhar...

- x -

Independentemente das razões por que possa tê-lo feito, é impossível negar o contributo essencial que o PCP teve na motivação das ações que culminariam com a queda da ditadura em Portugal. No entanto, isso apenas adensa o mistério, torna mais patética a teimosia, quanto à insistência em continuar, num estado de negação dificilmente compreensível, a defender o indefensável, ainda que à custa de ter de rejeitar a mais clara evidência e a mais lúcida razão.

Aponta-se à Igreja Católica um indesejável alheamento da realidade ao insistir na difusão de aspetos mais anacrónicos da sua doutrina;  aponta-se, e penso que bem, já que todos os princípios, mesmo os mais sagrados, devem ser formulados - e, mais tarde, reformulados - atendendo ao tempo em que irão ser observados. Mas como explicar e legitimar, então, o ainda maior desfasamento, face à sociedade atual, da doutrina do PCP?

Pouco importando a forma mais ou menos hábil como o disfarçam os programas partidários, a doutrina comunista ortodoxa, propriamente dita, não se limita a sustentar a importância de defender os interesses das classes de trabalhadoras: isso, qualquer partido democrático, inevitavelmente, alardeia, sob pena de nele quase ninguém votar. O que distingue o comunismo puro é a proposta de que se defenda tais interesses pela força das armas, mensagem terrível que, admitamos, será, na sua plenitude, apercebida por muito poucos dos seus mais ingénuos e menos cultos eleitores. Muitos poucos deles quererão andar por aí, de arma em punho, a matar, a fuzilar: votam no Partido por não ver alternativa, por clubismo, ou pelo simples e nada esclarecido hábito de assim votar.

O PCP é, hoje, um partido anódino que tem na cada vez menos eficaz greve a principal forma de luta. Uma vez perdida a paciência ou confrontado com o fim inevitável, deixará, seguramente, de ter como único braço armado uma central sindical: não nos admiremos se a por muitos esquecida ARA (Ação Revolucionária Armada)*), ou alguma descendente mais preparada e sofisticada, vier um dia desestabilizar, ainda mais, este já tão desnorteado Portugal.

(continua aqui)

terça-feira, 23 de novembro de 2021


PAN: O Partido do Frei Tomás

Aquilo sempre me fez uma certa confusão, um assim designado Porta-voz - que secretário-geral e presidente já não se usa - de porte atlético, alto e espadaúdo, num partido ecologista em que o dito Porta-voz, em campanha eleitoral, se exibe sentado num comboio a deliciar-se com uma mísera saladinha. Se ali não havia à mistura umas viandas menos convencionais compradas em nome dos vizinhos para compensar as contas das alfaces e do tofu...

Enfim, o Porta-voz vai-se, e uma Porta-voz*) vem, com uma carinha laroca e um corpinho de fazer inveja a qualquer deputado do PEV - que, honra lhe seja feita, nos mostra deputados a condizer com a dieta que outros dizem ter adotado.

As dúvidas quanto à bondade dos propósitos não melhoram, compreensivelmente, a tal nova Porta-voz - 'vegana, feminista e workaholic'*) e de ar tão positivo e proativo, como agora se diz, nas múltiplas declarações que profere - parece ter andado envolvida em negócios um bocadinho enviesados, digamos, relativamente àquilo que o Partido diz defender. A fazer fé no que dizem os meios de comunicação, claro está...

Ah, e corre, também, por aí uma história acerca de uma acumulação indevida de funções no setor privado e no Estado*), que deve ser absolutamente falsa, ou não teria sido tão enfaticamente negada, tal como falsa também deve ser uma estupidez qualquer que para aí inventaram acerca de não ter declarado ao Tribunal Constitucional uma imobiliária em nome do marido*), empresa que faria parte dos bens comuns do casal.

Já se sabe que tudo isto são coisas da campanha eleitoral, sem qualquer correspondência com a realidade - ou, pelo menos, muito mal interpretado -, que não é, apenas, a ponta do iceberg, e que, na política, os adversários são todos "Feios, Porcos e Maus".

Convenhamos, no entanto, que já são maldades a mais, não vos parece?

- x -

A ser verdade - não deve ser... -, será que esta gente que se mete na política nunca ouviu falar de computadores, de bases de dados e dessas coisas todas que, cada vez mais, tornam impossível esconder o que quer que seja da comunicação social? Acaso pensam que basta um sorriso de plástico e meia dúzia de palavras fortes e monocórdicas para fazer esquecer o mais ou menos discutível passado que, por uma razão ou por outra, a maioria de nós acaba por ter?

Episódios semelhantes deveriam inibir tanto alguém que os viveu de ir para a política, como alguém que ouve mal de dirigir uma orquestra. Mas não: ao que parece, continuam a ter o desplante de, politicamente, se promover, supostamente na defesa de causas absolutamente incompatíveis com os seus anteriores - e, quem sabe, atuais...- comportamentos.

Em véspera de eleições, claro que o PAN sempre diria que "mantemos total confiança" na dita Porta-voz. O contrário, seria mergulhar no mesmo charco em que os partidos da direita andam, desesperadamente, a esbracejar para se manterem à tona do, cada vez menos molhado, oceano de votos.

Pobres animaizinhos portugueses, que, se aquilo implode, ainda acabam por ter de se contentar com o esforço abnegado de algumas mais interventivas associações particulares e organizações não governamentais!

Muito fala Frei Tomás: faz como ele diz, mas não faças como ele faz

sábado, 6 de novembro de 2021


Desventurosa Retratação!

 

Mesmo tendo a retratação pública sido imposta, não bastaria dizer que,
afinal, a família injuriada não era composta por bandidos,
impondo-se que o Presidente do Chega! perentória e expressamente reconhecesse o erro moral,
a censurabilidade social da conduta e do pensamento e da ideologia a ela subjacentes


A inevitável subjetividade inerente ao modo como a retratação pública é realizada apenas é comparável à subjetividade da avaliação da eficácia da mesma por aqueles a quem ela compete, designadamente no que se refere à proteção do bem jurídico da honra do ofendido, sem esquecer o valor que a ampla divulgação da execução da sentença deverá representar para a prevenção da proliferação de condutas do mesmo tipo.

Maior ou Menor Carga Subjetiva
A despeito da maior ou menor carga subjetiva que comporte, o cumprimento de qualquer obrigação deve ser pautado pelo princípio da idoneidade, da adequação ao bem jurídico e social prosseguido, não sendo, pois, admissíveis, quer a retratação equívoca ou incompleta, quer a que se revista de falsidade ou hipocrisia.

- x -

Para que seja plenamente eficaz, bastará a uma retratação equívoca ou incompleta ser clarificada ou complementada com os elementos indispensáveis à perfeita compreensão, não apenas do sentido, mas também da sinceridade da intenção.

Já uma retratação falsa, hipócrita, expressamente manifestada como mero cumprimento da obrigação imposta e acompanhada do esclarecimento de que se está a proferir palavras meramente formais, sem qualquer substância - naquilo que, numa visão desfocada e distorcida do direito e do conceito de reparação, o ofensor considera o estrito mas eficaz cumprimento da sentença condenatória - não resulta, de facto, no menor desagravo da ofensa feita ao merecimento social do ofendido, tampouco em nada desculpando as injúrias proferidas, antes as agravando na medida em que afasta qualquer resquício de dúvida que, quanto à firmeza da intenção de ofender, pudesse ainda persistir nos mais benevolentes espíritos.

Constitui, além do mais, intolerável ofensa aos tribunais e aos demais agentes judiciários intervenientes no processo, escarnecendo, não apenas das doutas decisões proferidas, mas também do frágil significado e do débil conteúdo intrínseco aparentemente subjacentes à execução deste tipo de penas e, por via deles, ao muito relativo impacto social da própria condenação.

No topo da desfaçatez estará, necessariamente, uma eventual e acintosa menção ao facto de que as ocas palavras de retratação apenas terão sido proferidas ou escritas a fim de evitar a ruína económica do condenado, decorrente da hemorragia de multas que diariamente seriam devidas por força do aresto condenatório, sanção pecuniária que apenas poderia considerar-se objetivamente cumprida uma vez material e liquidadas aquelas.

Se é verdade que, ao concluir pelo carácter equívoco de uma retratação, estaremos mais próximos de uma ponderação subjetiva da proporcionalidade, a retratação falsa ou hipócrita é facilmente identificável e objetiva, na medida em corresponde à inversão do sentido, da própria razão de ser da decisão, uma vez que o condenado, não só a não cumpre de forma efetiva, como  acaba por fazer exatamente o contrário daquilo que, espontaneamente, deveria ter feito ou lhe fora determinado.

Não há, por outro lado, como considerar que, quer a falsidade, quer a hipocrisia, não excluem a presença da componente fundamental de qualquer retratação: o arrependimento. Se é verdade que a mera reparação material e objetiva - mediante a execução de penas de prisão ou de multa, por exemplo – o dispensa, o mesmo não se aplica à retratação, da qual ele deverá, afinal, constituir a própria essência.

Dar por Encerrado o Processo
O mesmo é dizer que a retratação inexiste sem claro e manifesto arrependimento, o que é incompatível com uma eventual declaração, no momento em que é proferida ou escrita ou em data próxima posterior, de que os pressupostos da injúria se mantêm intactos, apenas se retratando o ofensor a fim de, para si, evitar males maiores.

Jamais se poderá, num tal caso, dar por encerrado o processo ou considerar extinta a punibilidade do crime, antes se tornando evidente ao menos juridicamente instruído dos homens médios que uma sentença executada num tal contexto continuará por cumprir, com todas as legais consequências, entre as quais a acumulação da multa diária alternativa eventualmente imposta.

- x –

Por “ofensas ao direito à honra e ao direito à imagem” nas pessoas de membros de uma família residente no Seixal*), foi o presidente do partido Chega! sentenciado, em Maio de 2021, a delas se retratar publicamente, tal como o Partido*).

Porém, à semelhança do que recentemente aconteceu com uma retratação pública imposta ao Presidente da República Federativa do Brasil*), o alegado cumprimento da sentença consistiu em pouco mais do que uma firme declaração de manutenção dos pressupostos das ofensas pelas quais fora condenado.

Não pode, é verdade, legitimamente esperar-se que, acontecendo a retratação na sequência da prolação de sentença judicial, alguma vez possa ela corresponder a um impulso genuíno e espontâneo do ofensor. Mas não pode ela também, mesmo nessas circunstâncias, ser despudoradamente desvalorizada e ridicularizada, sobretudo na imediata sequência do próprio ato em que se materializa a suposta execução do decidido pelo tribunal*).

De facto, e embora possa não ser, neste caso, de afastar completamente a presença de hipocrisia, encontramo-nos, sobretudo, perante uma retratação confessadamente vazia, falsa, como não pode deixar de se extrair de um texto em que é dito que, com ela, apenas pretende o Réu, por receio de um inevitável impacto económico negativo, dar cumprimento formal ao que foi exigido, mantendo-se, não obstante, a essência das ofensivas declarações.

Especificando, mesmo tendo a retratação pública sido imposta, não bastaria dizer que, afinal, a família injuriada não era composta por bandidos, impondo-se que o Presidente do Chega! perentória e expressamente reconhecesse o erro moral, a censurabilidade social da conduta e do pensamento e da ideologia a ela subjacentes.

A situação parece, assim, corresponder a um cumprimento aberrante e, até, pernicioso da medida imposta*), atendendo a que, a não ser a retratação dada como inexistente e sancionado o Réu por desrespeito, se estará, provavelmente, a criar condições muito favoráveis à futura invocação do episódio como precedente, arriscando-se a completa desvalorização da figura da retratação pública, que passará a ser contemplada como mera retórica ineficaz, que, afinal, nada reverte e nada resolve, ganhando as futuras decisões que a outros a imponham o estatuto de atos meramente decorativos.

Será, em conclusão, de esperar que o Tribunal declare inexistente o cumprimento da obrigação pelo Presidente do Chega! e mande contabilizar as multas diárias vencidas e vincendas até que aconteça uma efetiva retratação.

Não podemos, além do mais, deixar de, com toda a legitimidade, nos questionar da validade do discurso de alguém que, sem aparentes constrangimento ou pudor, afirme que falou por falar, inexistindo qualquer correspondência, entre as palavras que proferiu e aquilo que, efetivamente, entende.

- x -

Não está aqui em causa qualquer característica intrínseca da pessoa ou da organização condenadas, já que apenas a Deus é dado avaliar objetivamente as pessoas por aquilo que são, cabendo aos tribunais julgá-las, unicamente, por aquilo que fazem. Também, já que nem queixa houve, tampouco será legítimo afirmar que um crime foi cometido, como por essa blogosfera há quem sustente..

No entanto, e independentemente do que venha a acontecer à decisão – ainda não transitada em julgado -, bem poderá a Justiça considerar-se ofendida pela forma como àquela foi, alegadamente, dado cumprimento, forma que em nada dignifica, quer os ofendidos, quer a sociedade, de um modo geral.

Não podem, pois, aqueles a quem compete fiscalizar a execução das sentenças ficar indiferentes a estes factos, já que, como alguém disse, “o padrão de uma sociedade civilizada é a qualidade da sua justiça”.

Ou não?

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sábado, 23 de outubro de 2021


PAN - A Outra Exploração Infantil

 
Apenas nos fez, uma vez mais, sentir que a designação mais apropriada
seria Partido dos Animais e da Natureza, já que pouco fala das pessoas e das causas delas,
nem se coibindo, para se manter por mais uns tempos na espuma dos votos,
de explorar a imagem das crianças e dos jovens que diz defender


Partido dos Animais e da Natureza
Quando era miúdo, aconteceu levarem-me às touradas, espetáculo que nunca apreciei nem consegui compreender: arte, no sentido de manifestação do espírito, não lhe encontro; e, quanto a manifestações da mente, parece-me ficarem bastante aquém até das que poderão, apesar de tudo, estar presentes num desafio de futebol.

Tampouco alguma vez conseguir entender a razão pela qual, com total indiferença pelo sofrimento infligido, na lide a cavalo um mamífero (Homem) utiliza um também mamífero (cavalo) para torturar um outro mamífero (touro); ou por que, na lide a pé, o primeiro mamífero, supostamente dotado de mente e espírito muito além dos dotes do último, experimenta alguma satisfação pelo facto de sair supostamente vitorioso de um artificiosamente provocado combate entre a força mental de um e a força bruta de outro.

Sempre me ensinaram que um combate, para o ser realmente e para, sendo-o, ser também valoroso e leal, haverão de estar equilibradas as forças em presença, o que, evidentemente, não acontece quando se confrontam, de um lado, uns oitenta quilos e do outro uns seiscentos; quanto, de um lado, ter-se-á, vá lá, uns cem e do outro lado escassos vinte, no que se refere a quociente intelectual.

Será a espécie humana tão pouco segura de si que necessite de martirizar uma bem mais volumosa besta para conseguir demonstrar a mais do que conhecida supremacia intelectual? Ou será tão pouco valorosa que, tendo abdicado do combate corpo a corpo entre iguais em prol da venda de armas de destruição maciça e à distância, apenas lhe resta coragem para, com grande aparato, fingir que trava um combate que tem, afinal, como substância, coisa nenhuma, que apenas existe para inglês ver?*)

- x –

Às coisas ditas e feitas para inglês ver nos vem a política, desde tempos imemoriais, habituando, a ponto de, graças à prática demagógica quotidiana da generalidade dos lusitanos partidos, instintivamente havermos substituído, nos nossos espíritos, a suposta nobreza da política e da missão governativa pela quase certeza da mesquinhez, da jogada vil, do golpe de rins, da mais chã, vazia, inevitável e corrupta hipocrisia.

Partido Comunista Português (PCP)
Há, todavia, quem entenda que estes atributos definem o modus operandi *) unicamente dos maiores partidos, ficando imunes a estas maleitas aqueles que, por incipiência ou entropia, mais pequenos são, já que se persistem em manter-se ativos, estarão, pensa-se, animados das melhores intenções.

Como exemplo da segunda situação*), a da entropia, já aqui se trouxe o caso do Partido Comunista Português (PCP)*) que, manifestamente, hoje para pouco mais serve do que para garantir algum protagonismo às suas eternas glórias, defendendo o indefensável e obstaculizando a formação de um novo e verdadeiro partido dos trabalhadores, que zele eficazmente pelos seus interesses e os desencoraje de, a velocidade crescente, migrar para o extremo oposto do espectro político.

Já quanto à primeira situação, a dos partidos incipientes, acaba o Pessoas, Animais e Natureza (PAN)*) de, com todo aquele  patético folclore em torno da enorme vitória*) conseguida com a imposição de limitações à assistência de menores às touradas, fornecer a prova acabada do que acabo de dizer.

Deixo aos especialistas a discussão científica sobre a influência perversa que a assistência ao abestalhado espetáculo possa exercer sobre a formação da personalidade e do carácter das crianças. Sobre este assunto, direi, apenas, que não tenho memória de alguma vez ter lido ou ouvido notícia de evidência científica quanto a um caso que fosse de um inveterado criminoso cuja propensão para o delito se haja formado por haver, na infância, frequentado as praças de touros*).

Não entrarei, também, na discussão primária e de conclusão impossível sobre se será mais traumatizante ver picar um touro – não digo toiro, com i, porque dizem que esta forma é mais poética e, poesia, a tourada tem nenhuma… - ou as continuadas agressões ao adversário num relvado de futebol, ou qualquer catástrofe ou atrocidade que, à hora de jantar, um menor de dezasseis ou, até, de doze ou de seis anos não tem como evitar ver na televisão dos progenitores.

Tudo isso é subjetivo, depende da propensão e das idiossincrasias de cada um, e, a despeito das incomensuráveis fortunas despendidas a tentar provar o impossível, jamais qualquer ciência nomotética*) logrará enunciar, para além da dúvida razoável, uma regra universal.

Muito menos me questionarei quanto à forma como o PAN não deixará, por certo e para ser coerente, de exigir do Partido Socialista (PS)*) que proíba, sem demora, que menores de dezasseis anos assistam, na terra dos pais e dos avós, à matança do porco*) e ao espetáculo de puro horror que a subsequente abertura e limpeza do cadáver constitui. Que assistam e, por maioria de razão, que participem.

Toiros
Não será, também, de esquecer, naturalmente, a Festa Brava*), durante a qual também se pica touros – embora não esteja bem a ver o que poderá aí fazer-se para controlar os acessos dos nossos juvenis.

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O que venho aqui salientar é a inanidade, a inutilidade, o impacto absolutamente ridículo da proibição que o PAN conseguiu, a troco de um punhado de votos, forçar o PS a impor àquela que todos sabemos ser a incontável quantidade de jovens entre os doze e os dezasseis anos que gosta de ir, sozinha, ver a corrida sem estar acompanhada por um adulto.

Incontável, porque o que não existe não se pode contar.

A verdade é que a oca e pírrica vitória agora conseguida pelo PAN apenas afeta a meia dúzia de jovens, se tanto, que por lá passava sem ter, a acompanhá-las, um adulto, que nem um dos pais tem de ser!*)

O número 6 do art.8º do Decreto-Lei nº 23/2014, de 14 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 90/2019, de 5 de julho, é taxativo: “O promotor do espetáculo de natureza artística ou de divertimento público deve negar a entrada de menores quando existam dúvidas sobre a idade face à classificação etária atribuída, avaliada pelos critérios comuns de aparência, salvo quando acompanhados dos pais ou de um adulto, devidamente identificado, que se responsabilize”.

Simplificando: qualquer criança, desde que tenha mais do que os três anos de idade mínima previstos na mesma lei, pode assistir a qualquer espetáculo, desde que acompanhada por um qualquer adulto que por ela se responsabilize.

Note-se que, isto, nem o vitorioso PAN desmentiu…

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O que conseguiu, então, o PAN?

Nada. Absolutamente nada com que valha a pena desperdiçar um minuto sequer.

Apenas nos fez, uma vez mais, sentir que a designação mais apropriada seria Partido dos Animais e da Natureza, e não Pessoas, Animais e Natureza, já que pouco fala das pessoas e das causas delas, nem se coibindo, para se manter por mais uns tempos na espuma dos votos, de explorar a imagem das crianças e dos jovens que diz defender.

O que perdem as crianças com isso? Nada, claro. A não ser pela falta, com o que não existe, é difícil perder.

Por outro lado, com todo este teatro barato, com toda esta estapafúrdia demonstração de prosápia ignorante, o que ganham os desinteressantes zelotas do PAN?

Talvez uma inscrição no clube dos satélites de um Partido Comunista Português mais do que desiludido com o inerte desempenho do Partido Ecologista ‘Os Verdes’ (PEV)*), que já só dois ou três votos lhe garante e do qual nem se ouve falar.

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Eis, pois, o perfeito exemplo de uma vitória meramente formal, que garantiu a um partido minúsculo umas linhas na imprensa escrita e uns escassos minutos de televisão, mas sem qualquer efeito prático, sem substância, destinada apenas a promover, a qualquer preço, a imagem de um partido moribundo, de mais um fanático da suposta proteção animal, em que o termo Pessoas na marca parece meramente instrumental, marginal.

A menos que as crianças e os jovens não sejam consideradas pessoas, e possam impunemente servir de mote à promoção dos os outros dois bem legítimos e importantes ideais.