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segunda-feira, 21 de março de 2022


Rússia: Qual é a Novidade, afinal?

Imaginemos um agente da PIDE.

Não um daqueles básicos, broncos, bestializados, subservientes indivíduos que, tudo quanto sabiam dizer, era um mal pronunciado 'Sim, Chefe!', ou coisa que o valha.

Pensemos, antes, num daqueles indivíduos de maldade mais refinada, intrínseca e estruturalmente sádicos, mestres na tortura, no pôr e dispôr da liberdade e da vida de quem lhes caísse nas malhas da rede.

Pensemos, também, nos seus superiores hierárquicos, nos decisores, que, igualmente indiferentes ao sofrimento alheio e absolutos desconhecedores ou detratores de ideais como o da liberdade que não fosse a deles, ordenavam atos da maior barbárie dirigidos àqueles por quem o Regime se dizia ameaçado, ou que, mais simplesmente, não concordavam com ele.

Imaginemos, pois, o que seria um desses decisores ou graduados da Polícia Internacional e de Defesa do Estado hoje guindado ao mais alto cargo executivo do dito, antes tendo tido o cuidado de se rodear de gente da sua confiança, de antigos sequazes, igualmente frios, igualmente duros, gananciosos, indiferentes. Sobretudo, ignorantes, parolos, exibicionistas, complexados, sociopatas, narcísicos, gente sem estrutura, sem planta, sem conteúdo, sem coisa alguma que valha a pena referir, porque nada teriam que os abonasse.

Pensando e imaginando tudo isto, como poderemos admirar-nos com uma agressão que não passa, afinal, da consequência natural da ascensão ao topo do poder por parte de um réptil destes?

O que mais se poderia, verdadeiramente, esperar de alguém que, pouco passava das vinte primaveras, ingressou na PIDE russa, rapidamente alcançando considerável estatuto na Organização e, mais tarde, passando, já na cena política, a manobrar com habilidade e maestria, lugares de grande destaque no famigerado Kremlin?

Destruir cidades inteiras, indiferente à inevitável perda de vidas, ou visar, simplesmente, a destruição dessas vidas alegando a inevitabilidade inerente à destruição das cidades ou de alvos militares não passará de um jogo de palavras.

Uma e outra formulação representarão a mesmíssima coisa aos olhos de quem, ao que tudo indica, se encontra reduzido à absoluta necessidade de ir até ao horrendo e inenarrável fim, apenas para disfarçar um erro de cálculo monstruoso por si cometido. Um erro devido, não apenas à inesperada resistência das forças armadas e dos cidadãos ucranianos, ou à também algo inesperada ajuda militar maciça oriunda até dos mais inesperados países, mas, provavelmente, também a recorrentes desvios, diretamente para as contas bancárias do punhado de oligarcas que pôs e mantém no poder o antigo major da KGB, de verdadeiras fortunas destinadas à compra de armamento para um supostamente invencível exército, que, como cada vez mais se torna evidente, logo nos primeiros dias do ataque em toda a sua relativa fragilidade se mostrou.

Por tudo isto, o Presidente da Federação Russa só irá parar quando puder, de forma inequívoca, salvar a face; ou quando perder, definitivamente, a paciência a plêiade de oligarcas corruptos que, em tempos, a sua outrora inegável e malévola competência recompensou.

(pode ler aqui a sequência do tema)



terça-feira, 15 de março de 2022


Tempos Novos, Mentiras Velhas


"Como não entende o Presidente da Ucrânia que a definição de uma zona de exclusão aérea significaria,
ao primeiro sobrevoo por uma aeronave russa, o imediato desencadear das hostilidades
entre a Aliança Atlântica e o implacável e tirânico agressor?

Por outras palavras, a inevitável eclosão da III Guerra Mundial, num banho generalizado de sangue e de terror?"

"Por cá, apenas 100.000€ do PRR terão chegado a contas bancárias de empresas.
Será que os oligarcas tugas já boa parte dos fundos do PRR andam a arrecadar?
"


"Depois disto, nada será como dantes", não nos cansamos de ouvir dizer.

Se nos esforçarmos, porém, por olhar com alguma objetividade e lucidez para esta questão da operação militar especial russa, seremos levados a acreditar que não será exatamente assim: a mentira e a hipocrisia, designadamente políticas, continuam e, quase seguramente, continuarão a ser as mesmas, e nada nos permite esperar que algo de substantivo mude nessas desgraçadas práticas que, em última análise, poderão estar a alimentar uma guerra da qual poderemos estar a experimentar apenas o início.

Poderão, até, estar essas mentiras e hipocrisias a aproximá-la, perigosamente, do irreversível e irracional extremo que ninguém quer nomear.

Vejamos...

- x -

Independentemente da maior ou menor perversidade e desumanidade das suas verdadeiras e por todos nós desconhecidas intenções, ninguém livra, já, o Presidente da Federação Russa*) do labéu de aldrabão.

As reiteradas garantias iniciais de que todo aquele aparato militar na fronteira não passaria de uma movimentação legítima de tropas em exercícios - no que, diga-se de passagem, só alguém muito, mas mesmo muito, ingénuo conseguiria acreditar... -, desvalorizaram qualquer verdade que as suas subsequentes afirmações e protestos possam conter, nomeadamente naquilo que se refere à questão vital de estar ele com pretensões expansionistas ou, muito mais simplesmente, apenas a querer arrasar, na Ucrânia, toda e qualquer instalação militar.

O que, em qualquer caso, parece certo, é que, seja devido a chã incompetência, seja por também por lá andarem habilidosos como os que por cá temos ou tivemos no Arsenal do Alfeite*) - e, talvez, uns quantos outros dos quais não se fala ou deixou de se falar... -, as forças militares russas estão bem longe dos níveis de eficácia que se lhes atribuía, em boa parte devido à obsolescência e à fraca qualidade do seu equipamento militar, cuja substituição por outro mais moderno jamais terá sido concretizada devido a possíveis desvios de verbas destinadas à instituição militar.

Que grossa fatia das fabulosas fortunas dos oligarcas não terá escorrido, diretamente, dessas supostas aquisições de armamento? Quantos salões dos luxuosos iates não terá o povo russo pagado através de impostos destinados ao esforço de guerra ou patacoada similar?

- x -

Por muito que não possam deixar de nos comover a destruição maciça do edificado e, sobretudo, a quantidade considerável de inocentes vítimas cujas vidas se perderam ou ficaram, para sempre, despedaçadas, tampouco é transparente e cristalina a intenção do mediático Presidente da República Popular da Ucrânia*) - não sei porquê, causa-me sempre arrepios, esta designação república popular.

Não deixando de ser verdade que o homem é um político amador, um ator de profissão, de olhos duros e desapaixonados, não pode, de modo algum, admitir-se que alguém que ocupa tão proeminente posição na hierarquia de um estado se não haja rodeado de assessores que, oportunamente, lhe chamem a atenção para as graves e, até, terríveis consequências daquilo que propõe ou pede, caso seja posto em prática.

Certo é que, por cá, também temos uma atriz de profissão, também ela de olhos duros e desapaixonados, que, em lugar de conversar ou discursar normalmente, declama monocórdicas e circulares diatribes, supostamente em defesa de causas de que o Movimento que, supostamente, coordena se apropriou como desejáveis - mas cada vez menos eficazes - tábuas de salvação de uma organização mortalmente ferida pela mais recente manifestação da mesma vontade popular que diz proclamar.

Mas, contrariamente ao que sucede com a lusitana e pouco relevante atriz e com a débil mas bem conhecida força política em que ainda milita, o Presidente da Ucrânia representa, de facto, que ideologia? Quem, na sua retaguarda, cavalgará, incógnito, a oportunidade única proporcionada por uma guerra que, admitamos, talvez ele não tenha provocado, mas a cuja génese poderá não ser totalmente alheio, apesar das suas enfáticas e ásperas palavras que a televisão nos traz a casa e que seria politicamente incorreto não apoiar?

Além das manifestamente abusivas pretensões iniciais de imediata admissão à NATO e à União Europeia, as quais pediu, exigiu, até se cansar, como não entende o Presidente da Ucrânia que a definição de uma zona de exclusão aérea significaria, ao primeiro sobrevoo por uma aeronave russa, o imediato desencadear das hostilidades entre a Aliança Atlântica e o implacável e tirânico agressor?

Por outras palavras, a inevitável eclosão da III Guerra Mundial, num banho generalizado de sangue e de terror?

Num tal cenário, potencialmente dantesco dado o risco da confrontação com armas nucleares, o foco da atenção do aparentemente depauperado exército russo seria, inevitavelmente, desviado para outras paragens, assim atenuando, ou desistindo, de uma possível intenção de invadir a Ucrânia. Mas, a que custo incomensurável para todo o Mundo e, por arrasto, também para a própria Ucrânia?

O que anda este homem a pedir? O que anda o Presidente da Ucrânia, efetivamente, a fazer?

A defender a Europa, como apregoa? Certamente não. O quê, então?

Ou será de dar razão a quem pensa que tudo isto não passa de uma disputa entre dois frios, ambiciosos e intransigentes Vladimiros, que não hesitam em, um pela força, outro pela sedução, pela persuasão, tudo e todos sacrificar aos respetivos desígnios de notoriedade e glorificação?

A História tirará a sua conclusão...

- x -

Por cá, vamos assistindo a uma sucessão de iniciativas solidárias promovidas pelas autarquias ou por elas patrocinadas, consistindo, mormente, no envio de camiões e mais camiões repletos sabe-se lá de que roupas velhas e consumíveis em fim de prazo, além, naturalmente, de dádivas genuínas de uns quantos bem-intencionados e daquele punhado que continua a pensar que será esta uma boa forma de eliminar umas quantas teias de aranha das mais ou menos pesadas consciências.

Mas, digam-me lá? Será necessário todo este aparato televisivo?

Se o que se pretende é, efetivamente, dar, ajudar, não seria bem mais eficiente, económico, mais civilizado, mais discreto, mais genuíno, centralizar a recolha e encaminhamento das dádivas, em lugar de agir como se de rasteira propaganda autárquica se tratasse, alimentada, já se sabe, por aquele patego clubismo de poder dizer que aquele camião cheio de tralha foi enviado pela gente cá da terra?

A menos, claro, que legitimamente desconfiem da bondade dessa centralização, e do mais do que provável descaminho de bens em que, em menor ou maior escala, ela redundasse. O que pensar, porém, da intervenção de autarquias no processo, órgãos quantas vezes já eivados de beneméritos processados e, até, condenados por corrupção e desvios de fundos relacionados com catástrofes para nós tão relevantes como, por exemplo, os fogos de Pedrógão, em toda a sua força devastadora?

Será por isso que alguns dos próprios promotores genuinamente empenhados dessas iniciativas se sentam ao volante dos camiões e os donativos lá vão, diretamente, entregar? Para terem a certeza de que lá irão chegar?

- x -

Ainda por cá, mas lá mais acima, também tudo na mesma, a fazer fé nos dados supostamente fidedignos que nos trouxe o comentador social-democrata de telejornal de Domingo num canal generalista - e que no próprio Partido lá vai espetando uma ou outra farpa, quanto mais não seja para disfarçar.

Ao que parece, de cerca de 16.600.000.000€ que o Plano de Recuperação e Resiliência*) ao nosso Torrão Natal terá atribuído, apenas 4.600.000.000€ foram, até agora, aprovados e, destes, apenas 400.000.000€ (reparem na redução de zeros...) terão sido destinados a particulares e empresas portuguesas, tendo a fatia do Obélix cabido, como seria de esperar, ao faminto Estado.

Será que os oligarcas tugas já boa parte dos fundos andam a arrecadar?

O caso poderá ser particularmente gritante, se acreditarmos ser verdade que, dos tais 400.000.000€, apenas 100.000€ do PRR (outra vez esta coisa dos zeros...) terão chegado a contas bancárias de empresas: as mesmas empresas às quais continuadamente o Governo apela para que assegurem a recuperação e a dinamização da nossa rastejante economia, para que, com o sucesso delas - das empresas - possam, ufanos, os nossos políticos lá por fora acenar.

A guerra, a cruel e desnecessária, guerra, muita coisa, é certo, irá mudar.

Mas, com a mentira, com a dissimulação, com a hipocrisia, não irá, seguramente, acabar.

* *

O assunto da eventual possibilidade de adesão da Ucrânia à Comunidade Europeia é cada vez mais polémico. Traz, entretanto, à balha questões estruturais da União que importa, antes de mais, abertamente discutir e resolver.

Tal é o caso, por exemplo, da obsoleta e contraproducente exigência da unanimidade nas mais importantes decisões.

[continue a ler aqui].

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022


Dom José Policarpo

  

Dom José Policarpo


"As leis devem ser a respiração dos valores éticos de uma comunidade"

Dom José Policarpo*)  
(Grande Entrevista - RTP)        


Até que ponto existirá, no ordenamento jurídico português, tal correspondência?

Não, apenas, na lei expressa, mas nas omissões à mesma, que acabam por ser também uma forma negativa de, muitas vezes por falta de caso ou de interesse, permitir que factos indesejáveis continuem a ocorrer, a despeito dos bons propósitos propalados.

Lembremo-nos, por exemplo, da recente anulação da votação dos emigrantes devido, presumivelmente, a uma má decisão numa matéria que não se encontra contemplada na lei eleitoral - ou, pelo menos, está-lo-á de forma menos clara.

Numa época em que tanto se fala de minorias, de igualdade de direitos, dos 'nossos emigrantes', não deixa de soar a uma certa hipocrisia que, nem para estes cidadãos para quem votar é um incómodo mil vezes maior do que para um residente em Portugal, esteja, ainda, disponível o voto eletrónico, que com todas estas falhas e inconvenientes viria, de uma vez por todas, acabar.

sábado, 19 de fevereiro de 2022


Anátema sobre o Segredo Pessoal!


"Aquilo que parece nunca nos ocorrer quando partilhamos algo, relativo a nós ou a outrem,
que não queremos ver divulgado é que, para o esconder se sobre o assunto for interpelado,
àquele a quem o confiámos resta … mentir!
"

"Segredo é segredo; e, quem o não quer guardar, nem o deve deixar contar"

"Quem ouve um segredo é amigo, um bom amigo. Mas... e quem o transmite? Amigo é também?"


Há tanta coisa que banalizamos com a maior das facilidades!...

Segredo pessoal
Umas, porque nada nos dizem, porque com elas nada temos a ver, porque não interessam, porque são... coisas dos outros. Outras ainda porque, simplesmente, nunca sobre elas nos dedicámos, verdadeiramente, a pensar. Nelas, ou nos seus impactos e consequências: usamo-las, aguentamos quando vêm dos outros e, por assim dizer, fazem parte do quotidiano de qualquer ser humano, em qualquer parte do Mundo, de qualquer idade, em qualquer meio.

Uma dessas coisas é o segredo pessoal.

Jamais saberei por que há quem se sinta muito lisonjeado pelo simples facto de alguém com ele ter partilhado um segredo; e quanto mais cabeludo o segredo for, tanto melhor, já que tanto maior será a prova de confiança que virá massajar o mais ou menos depauperado ego de cada um de nós, esquecendo-se, porventura, quem partilha o segredo de que o interlocutor poderá ser tão fiável como a fechadura de um cofre aberto - caso em que, contar-lhe o que quer que seja, acabará por ser tão eficaz para o conservar secreto como se o tivéssemos publicado na primeira página de um jornal.

Depois, quando acontece a notícia espalhar-se, nada a fazer. Mas, não se queixe quem contou o segredo, já que, tal como qualquer criminoso que se preze sabe que o crime deixa de ser unicamente seu a partir do momento em que recorre a um cúmplice que a todo o momento pode expô-lo, também deveria saber o risco que corre quem, quando já não aguenta mais aquilo dentro de si e sente que irá explodir se não o partilhar, deixa sair uma informação secreta, sua ou de outrem, que bem melhor faria em guardar.

Contar a alguém um segredo, comporta, na verdade, uma elevada dose de risco. Sobretudo quando a informação tiver sido transmitida por um terceiro, ninguém tem o direito de, em nome de quem em si confiou, correr o risco de a ver divulgada: “a confiança na discrição alheia é uma traição ao segredo que nos não pertence”.

Por outro lado
Por outro lado, se a coisa apenas é do conhecimento de quem a partilha, algo muito seu que não quer que venha a saber-se, decidir divulgá-lo, mesmo pedindo segredo, parece fraqueza, temeridade, ingenuidade, inconsciência ou mera idiotice. Um pouco como quem, já com um grãozito na asa, conta a história da sua vida aos amigos do bar, dizendo muitas vezes que tudo aquilo é segredo… no exato momento em que, inevitavelmente, deixou de o ser.

- x –

O lado supostamente positivo que alguns encontram no facto de deter um segredo confiado por alguém é o de, para o depositário, ele, inevitavelmente, gerar algum poder.

Pode ser algo tão simples, chato e legítimo como o poder de massacrar a pobre criatura que abre o seu coração dando-lhe não solicitados conselhos de amigo, do tipo “vê lá, não faças isso” porque isto, aquilo ou aqueloutro; mas pode, também, facilmente tornar-se matéria-prima da mais abjeta chantagem, manipulação ou de qualquer outra atividade tão querida de certos espíritos perversos que parecem trazer dentro de si o suplemento de escândalos de um pasquim cor-de-rosa dedicado à cusquice social, expondo, de forma inequívoca, o mais repugnante daquilo que, para ganhar dinheiro ou por mero prazer sádico, um ser dito humano é capaz.

Ainda dentro do supostamente positivo de um  segredo, existe o esconder por amor, ou seja, guardar para nós algo com que não queremos magoar, melindrar, suscetibilizar quem, no nosso sempre subjetivo e muito falível juízo, entendemos poder sofrer duramente se ficar a saber algo que acabamos por optar por não divulgar. Mas, apenas numa situação em que se conheça bem, mas muito bem, a pessoa e a sua situação atual, em que o nosso coração não consiga ceder à razão, já que tal omissão sempre corresponderá à passagem de um atestado de menoridade, de incapacidade para lidar com a vida, apenas entendível e aceitável em casos extremos de fragilidade ocasional motivada por um impacto anterior, ou permanente provocada por doença ou debilidade equivalente.

Como qualquer um de nós, alguém condenado a connosco viver a vida deve pressupor-se habilitado e preparado para o fazer no meio em que se encontra, não nos assistindo, fora dos referidos casos, o direito de o considerar de alguma forma inapto para tomar conhecimento daquilo que diz respeito a si, aos que lhe são próximos, ou aos seus interesses.

Conhecimento dos factos
Além do mais, o facto de guardarmos segredo, não significa que o interessado não venha, mais tarde, a tomar conhecimento dos factos por outra via ou, até, a ficar a saber que retivemos a informação que deveríamos ter partilhado; e uma boa amizade pode assim ficar comprometida.

A par do segredo pessoal existem, como é sabido, segredos obrigatórios, como o segredo profissional relativamente à informação que confiamos, por exemplo, a um advogado, a um médico - até a um sacerdote, embora, neste caso, possa ser posta em causa a qualificação do segredo como profissional.

Também existe, evidentemente, o segredo de estado e, até há bem pouco tempo, o segredo de justiça - segredo que, nos tempos que correm, não passa de uma abstração, dado que ainda o inquérito judicial mal começou, e já tudo quanto possa despertar o ávido apetite da opinião pública aparece escarrapachado na primeira página de um qualquer jornal. Mas estes outros tipos de segredo são, ao contrário do segredo pessoal, vitais ao funcionamento da sociedade e do Estado, pelo que a sua legitimidade é inquestionável por qualquer mortal.

- x -

A face fortemente negativa do segredo pessoal, quando partilhado com alguém obrigado a mantê-lo, reside, por sua vez, na carga, por vezes insuportável, que sempre representa para o novo depositário, que nem sequer o próprio facto de ser detentor de um segredo pode divulgar.

No caso do segredo profissional, do de estado, do de justiça, bastará ao interpelado responder que não pode pronunciar-se sobre o assunto, e a questão fica arrumada. Todavia, aquilo que parece nunca nos ocorrer quando partilhamos algo,   relativo a nós ou a outrem, que não queremos ver divulgado é que, para o esconder se sobre o assunto for interpelado, àquele a quem o confiámos resta … mentir!

A vida do António parece que não vai muito bem… Ele disse-te alguma coisa?”. “Não... nada”.

Mentira!

Ao partilhar, aliviamos um pouco a nossa carga emocional. É verdade. O preço, porém, é sempre o mesmo, e sempre pago pelo outro: ter de mentir para honrar o compromisso. Mentir, por vezes mesmo a quem lhe é bem próximo. Porque segredo é segredo; e, quem o não quer guardar, nem o deve deixar contar.

Quem ouve um segredo é amigo, um bom amigo. Mas... e quem o transmite? Amigo é também?


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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022


Michel de Montaigne

Michel de Montaigne

 


"A honra é um privilégio
que tem o seu maior valor na raridade"


"L'honneur, c´est un privilège qui tire sa principale essence de la rareté"

(in "Les Essais")        

domingo, 6 de fevereiro de 2022


Era Uma Vez... Onze Porquinhos

Penso que foi num livro de Miss Marple, não me lembro em qual, que Agatha Christie definiu planta invasora como uma planta que está onde não devia estar.

Veio-me esta definição à memória quando passei, há dias, por uma dessas localidades portuguesas que, nem meia dúzia de milhares de almas lá tendo, se não coíbem de, garbosamente, ostentar o inútil título de cidade *), apenas para se sentirem os munícipes mais cheios de si, e parecerem eficazes os autarcas que a elevação conseguiram à custa de outrora vigente e inenarravelmente demagógica legislação.

Numa pastelaria engraçada, de bom aspeto exterior e interior, meia dúzia de criaturas indescritíveis, notoriamente sujas, de vestes deliberadamente rasgadas e enxovalhadas, rostos bem vermelhos e inchados, ululavam um insuportável palavreado, para gáudio dos próprios e considerável incómodo de quem, a pouco e pouco, se apressava a pôr-se a andar dali para fora. Estavam os seis sozinhos, em torno de duas mesas onde pontificava dúzia e meia de garrafas de cerveja vazias.

Tudo aquilo me fez lembrar a definição de plantas invasoras, e o velhinho dístico que dantes se via nos locais públicos: "RESERVADO O DIREITO DE ADMISSÃO".

- x-

Quem por aqui passa regularmente, sabe bem o que penso do partido Chega!, de quem por lá pontifica*) e daquilo que representa. Conhece, também, a minha posição relativamente ao racismo*), o que torna insuspeito o que vou dizer.

Um deputado da nação é, sempre e para todos os efeitos, um deputado da nação, independentemente do partido que representa, bem como da ideia mais ou menos favorável ou simpática que, sobre este, possamos ter. Eleitas em eleições livres, exige o mais elementar respeito pela democracia que estas pessoas sejam tratadas - e nos tratem - com toda a deferência formal que o seu estatuto lhes confere e exige; além do que, evidentemente, mesmo enquanto cidadãos não podem ser gratuita e impunemente insultadas por um patego qualquer.

Independentemente do ensino que lhe tiver sido ministrado e dos títulos académicos que possa deter, bem como da causa que disser defender, entendo que não passa, assim, de um alarve sem um mínimo de formação e de educação, de um apóstata da democracia, quem, na sequência da recente eleição legislativa ousa escrever que "vamos ter 11 suínos na AR, entre eles, um terrorista assassino de extrema-direita. A luta não será na AR, mas na rua! Preparem-se!"*).

Quem assim pensa, diz e age, não é um ativista, nem um político, nem, como diriam os pretensos suínos, um português de bem *): no que me diz respeito, não passa de um arruaceiro histérico, sem crédito, de um danoso passivo no balanço da causa anti-racista, de alguém que, eivado de ódio, agiu com indisfarçável hipocrisia, apenas visando a promoção da própria imagem junto de radicais que a possam apreciar, nem se dando conta de a estar, afinal, a assassinar aos olhos de quantos a Organização pretende sensibilizar.

Além do mais, ou falou antes de tempo, ou anda distraído: são doze, e não onze, os porquinhos do seu conto de encantar.

Integrado numa Organização que promove a luta contra o racismo, quem assim pensa e age faz-me lembrar, precisamente, o discurso desbragado do Presidente do Chega!; faz-me lembrar aquela meia dúzia de arruaceiros de pastelaria na minúscula cidade, as plantas invasoras, alguém que está onde não deveria estar.

Trata-se, apenas, de alguém que deveria ter ficado à porta da Organização que representa, à qual deveria ser "RESERVADO O DIREITO DE ADMISSÃO", para que gente desta o trabalho dos outros não viesse, recorrentemente*), depreciar.

Por quanto tempo, ainda, irá por lá ficar? Quousque tandem*) teremos de o aturar?

* *

O dano impacto brutal que, vindas de onde vêm, pérolas de sabedoria como esta trazem à nobre causa antirracista é evidente e não necessita de qualquer desenvolvimento, restando manifestar estupefação pelo facto de as organizações em que os autores militem não terem, ainda, cuidado da respetiva expulsão.

Da causa em si, muito há, pelo contrário, a dizer. Não apenas a dizer, mas a arrumar ideias, a estruturar, já que, sem uma inequívoca conceptualização e definição de fundo, dificilmente haverá como a defender.

[continua aqui]

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022


Paul Masson

 

Paul Masson

A honra é uma bússola escondida no nosso coração,
mas cuja agulha está sempre falseada pela pequena mina de ouro do nosso porta-moedas"


"L´honneur est une boussole cachée sur notre coeur,
mais dont l´aiguille est toujours faussée par la petite mine d´or de notre porte-monnaie.
"

Paul Masson *)               

Vá lá alguém saber por que razão me lembro sempre de coisas destas em períodos de campanha eleitoral...

Será apenas por ler e ouvir eternos candidatos, ávidos do poder e daquilo que traz consigo, recorrer, insistentemente, à despudorada mentira para prometer o impossível ou para denegrir, difamando ou caluniando, a imagem de quem tais epítetos não merece?

Será, também, por assistir a numerosas e oportunas quebras do segredo de justiça - necessariamente por parte de pessoas afetas aos processos criminais que, a troco de por vezes magros proventos, se deixam corromper - unicamente para criar notícias "de última hora" a troco dos bem mais gordos proventos que outros irão receber das receitas publicitárias?

Ou será por ver que as empresas que pagam tais anúncios ficam indiferentes ao facto de os órgãos de comunicação que os impingem serem prováveis corruptores ativos daqueles funcionários?

Por conveniência de ofício, passam os mais altos responsáveis da Nação o tempo a encher-nos os ouvidos com loas à atitude madura e responsável dos portugueses - o que não passa, também, de uma rematada hipocrisia, já que, tal como nós, bem vêem os magotes de tugas sem distanciamento ou máscara filmados pelas televisões.

Será que, nessa tão madura e responsável atitude fictícia não existe um menos fictício lugar para a verdade e para a honra?

Que estranha espécie de po(l)vo, afinal, queremos ser!...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022


André Ventura

 


"O que é que vale mais:
a vontade do povo português,
ou a Constituição da República?"

André Ventura*)     
(Entrevista à RTP - 01.12.2001)


Não entenderá o Presidente eleito e, regularmente, auto-demitido e reeleito do Chega! que, numa democracia representativa - cuja verdadeira natureza, apesar de se apresentar a eleições, parece ter significativa dificuldade em entender -, a vontade do povo se encontra plasmada, acima de tudo e antes de mais, na Constituição da República?

Doutorado que é em direito, não se aperceberá de que a alarvidade que disse equivale a perguntar se vale mais a vontade de roubar do que as disposições penais que tal ato proíbem?

Que tipo de gente insistirá, tendo alternativa, em confiar o voto a alguém com pensamentos como este, subversivos da ordem pública, da paz e da estabilidade que a todos são essenciais e estruturantes da vida em sociedade?

Poderá, por mero capricho, um cidadão ou grupo de cidadãos fazer, impunemente, prevalecer os ditames da sua vontade à letra da lei ou do próprio Texto Constitucional?

- x -

A prática política e as sucessivas declarações do mesmo género permitem excluir que se tenha tratado de um lapso - aliás sempre deslocado em pessoa de tão viva e aguda inteligência. A enormidade da ideia contida na pergunta não pode, assim, deixar de suscitar as mais sérias dúvidas quanto à verdadeira motivação do Autor ao deixar o Partido Social Democrata para fundar o Chega!.

Este partido é, inegável e assumidamente, nacionalista e de extrema-direita. Mas, sê-lo-á, também, o seu Fundador? Até que ponto poderá um outrora quadro destacado de um partido democrático inverter, no seu íntimo, de forma tão fraturante e do dia para a noite, o seu posicionamento político?

Qualquer pessoa, para ser eficaz, tem de acreditar naquilo que faz. Qualquer político, para ser eficaz, tem de acreditar naquilo que diz.

Perante os resultados até agora conseguidos e com tamanha rapidez, dificilmente poderá considerar-se ineficaz o Presidente do Chega! Ficam, no entanto, as perguntas: quais serão os seus verdadeiros propósitos? Estará, afinal, a ser eficaz em quê?

Será, como se apresenta, um genuíno radical, empenhado em defender uns estranhos, aberrantes, anquilosados e patéticos ideais?

Será, quem sabe, um genuíno democrata que terá, em dado momento, decidido manipular uma crescente mole humana que ia surgindo na extrema-direita, inicialmente com um discurso firme e agressivo para depois, insinuando-se junto do PSD, a neutralizar?

Será, como alguns pretendem, um mero oportunista sem escrúpulos, um perigoso ditador unicamente interessado na exaltação da própria imagem e na rápida ascensão ao exercício do poder - eventualmente como ministro da justiça... -, manipulando e usando tudo e todos ao serviço desse desiderato?

Pouco importa, de facto.

Do que não pode haver dúvida é de que se trata de uma personagem de ambiguidade perigosa, politicamente escorregadia, despudorada e subversiva a ponto de insinuar que deve a vontade do legitimamente descontente povo português sobrepor-se, por ilegítima, antidemocrática e injustificada ação direta, aos preceitos que essa mesma vontade popular, expressa no voto, na Constituição fez plasmar.

Preside, assim, a um partido que dói ver merecer um lugar no boletim de voto da supostamente democrática eleição de quem nos irá governar.


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terça-feira, 18 de janeiro de 2022


Novak Djokovic - A Estrela Cadente

Notoriedade é responsabilidade. Responsabilidade para com aquela imensidão de adeptos - ou fans, como insistem em chamar-se - que os segue como se fossem deuses, seres omniscientes e infalíveis, modelos de bondade, seriedade e sabedoria.

Não são. São, apenas, seres humanos habitualmente bastante elementares, com uma especial aptidão - quase sempre na área do desporto e, dentro desta, dos desportos com bola. Talvez a velocidade do esférico atraia, ou a imensidão das fortunas acumuladas; ou talvez as pessoas se embasbaquem simplesmente porque têm necessidade de se embasbacar.

A verdade é que muitos destes astros e estrelas - que também por cá alguns temos... - não passam de indivíduos sem educação, sem estatura moral, narcísicos, ambiciosos, que aprendem a sorrir e a fingir emocionar-se com algo exterior ao seu ego, quando a verdade é que apenas nele pensam, indiferentes ao interesse da comunidade e, sobretudo, à fraca qualidade do exemplo com que, inevitavelmente, contaminam quem os idolatra.

Tudo isto é mau. Mas, muito pior é quando o exemplo põe em causa o bem-estar e a saúde de toda uma nação*) ; que, aliás, nem é a deles.

domingo, 16 de janeiro de 2022


Your Magesty, I Am Sorry

Parece-me pouco. À Rainha e sua Família deverá saber a pouco, também.

A falta de cortesia do principal ocupante do number ten ao promover ou permitir festas de despedida de funcionários*) na véspera do dia em que  Família Real inglesa se iria despedir de um dos seus mais proeminentes e outrora ativos elementos apenas poderá ser comparável à irresponsabilidade da falta de adequadas medidas de segurança durante os mesmos eventos, enquanto, por causa da pandemia, a Monarca, durante as cerimónias fúnebres, nem junto dos seus mais queridos pode estar.

Por outro lado: só agora, tantos meses depois, é que chega o há muito esperado e inquestionavelmente devido pedido de desculpa? Onde está, então, aquilo que tanta gente diz diferenciar o nível civilizacional do Reino Unido, designadamente quando comparado com o comportamento dos políticos de um certo torrão retangular à beira-mar plantado?

Parece caso para perguntar como reagiria atual o Primeiro-Ministro de Sua Majestade se, um belo dia numa autoestrada inglesa, lá calhasse a  viatura em que seguia atropelar mortalmente um funcionário que tivesse, porventura indevidamente, atravessado a faixa de rodagem à frente de um motorista com o freio nos dentes - fosse à ordem de Sua Excelência ou não.

Será que até teria ele o (quase) nunca visto desplante de ficar, placidamente, dentro do carro à espera de que a coisa se resolvesse e pudessem todos ir para casa? Será que passaria os dias e semanas seguintes a sacudir a água do capote, como que para se livrar do incómodo da contrariedade?

Fala-se da forma como fazem escola noutras terras cientistas, empresários e outros portugueses dignos de especial menção. Parece que os políticos começam, também, a impor o seu estilo, nem sempre na melhor versão.

Por lá, ao menos, ainda têm um funcionário público sénior a quem caberá pronunciar-se sobre a conduta do Governante. Por cá... temos os eternos, monótonos, repetitivos e sediços... comentadores.

domingo, 9 de janeiro de 2022


Vamos à Bruxa? Que Emoção!


Elaborando um pouco sobre o anúncio da 'poderosa e competente' Dona Maria com que ilustrei o artigo do passado dia 8, qualquer de nós não deixará de notar, naquela coisa, aspetos curiosos que, lamentavelmente, não parecem merecer a atenção, quer de organizações das quais se esperaria que defendessem os interesses dos seus fiéis ou associados, quer dos poderes públicos mandatados para a defesa da lei e da ordem.

Não existindo, que se saiba, qualquer imagem autenticada e fidedigna de Jesus Cristo, dúvidas não poderão, porém, restar quanto ao facto de a ele se pretender associar a figura representada naquele miserável panfleto em que se publicita os serviços de uma 'famosa senhora de poderes naturais e sobrenaturais', seja lá isso o que for; e, até, 'divinos', o que pouca margem deixa quanto ao propósito de se recorrer a uma alegada e fraudulenta relação com a Divindade cuja imagem é representada no panfleto. Mesmo porque a penúltima linha expressamente a nomeia, numa saudação de paz...

Não obstante, a Igreja Católica parece indiferente a estes despudorados aproveitamentos tendentes a cobrar chorudos honorários vendendo o que não existe e tendo como veículo a crendice e a ignorância de muitos dos nossos concidadãos; ou com eles não sabe lidar, preferindo continuar a assistir à disputa entre a Senhora de Fátima e as bruxas, como aqui, a este propósito, já referi.

Por outro lado, e não menos surpreendentemente, os médicos parecem conformados com a concorrência ilícita - e contraproducente para aqueles de cuja saúde lhes compete cuidar - por parte de quem chama, aos potenciais pagadores, 'Querido Paciente' e refere, além dos tais poderes, um aprofundamento de conhecimentos, necessariamente na área da saúde, ou não designaria por paciente os incautos que lá irão parar.

Não obstante, e tal como acontece com a passividade eclesiástica, a Ordem dos Médicos parece dedicar às Donas Marias desta terrinha um desprezo altivo, de efeito nenhum no combate a esta variante da banha da cobra de cariz popular.

Note-se que a pessoa em questão - e, como ela, tantas outras... -, não apenas se arroga infalíveis e especialíssimos poderes curativos, como se propõe comercializar, está-se mesmo a ver que  mediante a emissão de fatura e recibo, 'poderosos talismãs para si e para a sua casa que lhe darão toda a sorte em menos de quinze dias terá todos os seus problemas resolvidos'.

Atentos os valores astronómicos de que a comunicação social vem dando presumivelmente rigorosa notícia, parece claro estarmos em presença de crimes de burla, alguns deles de valor elevado, para os quais, dada a aparente inércia das autoridades judiciárias e fiscais, talvez a Igreja e a Ordem pudessem ter algum papel relevante ao pressioná-las, se não no interesse das próprias organizações, pelo menos como ato de intervenção cívica elementar nas respetivas áreas de atuação.

- x -

Será que investigar, devidamente, este tipo de crime de colarinho pardacento é considerado pouco meritório por quem com coisas mais mediáticas tem com que se entreter? Serão as Donas Marias e seus equivalentes masculinos - como, com as devidas adaptações, o célebre Padre Gama*) - já tantos, mas tantos, que rapidamente tornariam insuportável a vida nas já sobrelotadas cadeias?

Seria interessante conhecer algumas respostas, já que o problema existe com 'consultas em todo o País', não é uma mistificação.

Agora, a minha vida vai começar a correr mal, cheio que vou ficar de alfinetes espetados num boneco, como mais que merecida e justa retaliação.

* *

Existem, no entanto, certas amplamente disseminadas formas de adivinhação que apresentam, nos fundamentos, alguma base científica e lógica e que, por isso mesmo, são merecedores de um escrutínio atento, da nossa maior atenção.

(leia aqui o desenvolvimento)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022


Negacionistas - Juiz ou Médico: o que É pior?

Definindo de uma forma muito simples, negacionismo é uma forma básica, boçal, rudimentar, elementar de rejeição da mais evidente e clara razão.

Para a condenação de tal teoria e da correspondente prática, releva, assim, da mesma forma a atuação de um magistrado judicial que negue a existência de uma pandemia, como a de uma médica que ensine a manipular testes*) por forma a que produzam resultados negativos em doentes infetados.

A atuação da médica é, no entanto, bem mais grave, roçando a do próprio homicídio com dolo eventual: é que, enquanto o juiz negacionista incitava ao incumprimento da lei, a médica ensinava a falsificar testes cujo resultado manipulado permitirá a indivíduos infetados andar por aí a espalhar o virus, transmitindo-o a eventuais futuras vítimas, designadamente mortais.

Como explicar, então, que o juiz tenha sido expulso da magistratura pelo Conselho Superior - e muito bem! -, enquanto a médica apenas foi condenada, pela Ordem a seis meses de suspensão*), reduzidos a três em sede de recurso?*)

Que matéria de direito terá prevalecido? Que influência?

Que corporativismo desbragado?

* *

O suposto liberalismo dos defensores da abolição da máscara não passa, muitas vezes, de encapotado negacionismo, perante uma realidade bem presente como é a COVID-19.

domingo, 2 de janeiro de 2022


60.000 Candidatos a Operador de "Call-center"


"Sessenta mil candidatos a bolsas de estudo receberam o pagamento relativo ao mês de Dezembro", ouvi há dias já não sei em que estação de televisão. Não sei se terão, também, noticiado os pagamentos relativos aos meses anteriores, nem se irão massacrar-nos com outras notícias igualmente desinteressantes nos meses que se seguem.

Não é novidade a figura ridícula de quem não tem notícias com interesse para dar, nem reportagens prontas para entrar no ar quando escasseia a matéria-prima das picardias políticas, dos fora de jogo que não eram, dos que eram e não chegaram a ser e das catástrofes que, felizmente parece que só acontecem por esse mundo fora. Mas mais ridícula tal figura se torna ainda por anunciar, como se de grande coisa se tratasse, algo que não passa de chamariz para o embuste em que continuam a cair os infelizes estudantes que, ou saem da universidade com notas altas - mesmo muito altas - e lá acabam por se orientar lá por fora, ou, com uma muito maior frequência e probabilidade, irão parar a um call-center, tábua de salvação para os que, simplesmente, tiveram aquelas notas que, não sendo excecionais, revelam, pelo menos, que andaram na escola a fazer o que se esperava que andassem a fazer.

Para estes, todos sabemos que, ao nível dos conhecimentos adquiridos, não existe emprego compatível para todos, ou, sequer, para a maior parte; muito menos, na respetiva área de formação. Mas, como é preciso mostrar números lá para fora, ninguém lhes diz que vão ficar atrasados na vida profissional indiferenciada em que outros começam a singrar e a ganhar o sustento antes deles: eles que correm desesperadamente pelo canudo que permitirá, um dia, aos babados e mais ou menos parolos mamãs e papás, convidar os vizinhos, parentes e amigos para uma grande festa, com um enorme bolo que diz: "Temos Doutor!".

Será esse, para muitos, o ponto alto da carreira académica. O derradeiro, também...

Em Portugal, "Licenciado", quer dizer "igual a todos os outros que se arrastam pelos call-centers", sonhando com a maravilhosa vida há muito imaginada... que jamais chegarão a ter.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021


Títulos que O não São


Concordará o caro Leitor com a minha interpretação de que, a um título bombástico como este, se seguiria uma notícia sobre uma queda em desgraça do Juiz, ou de uma ação disciplinar séria com suspensão à vista, ou qualquer outro evento digno de notícia, mormente antecedida de um título de tamanho impacto.

Desengane-se. Como poderá confirmar no link que antecede o asterisco acima, continuação da leitura logo esclareceria que se trata, apenas, de redistribuir processos a cargo de um outro juiz por estar este exclusivamente dedicado a dois outros de maior exigência; e, logicamente, um eventual sorteio que inclua os novos magistrados recentemente admitidos*) poderá "resultar na perda de processos que estão, neste momento, com Carlos Alexandre", o que não passará de uma consequência natural do facto de, no Tribunal Central de Instrução Criminal existirem agora mais juízes pelos quais repartir a carga de trabalho.

Não se trata, obviamente, de uma notícia falsa. Mas, será coisa tão insonsa realmente uma notícia?

Tampouco estamos perante um título falso. Mas não se tratará de um título que viola a mais elementar fronteira da racionalidade e, até, da legitimidade, da boa fé?

Se o objetivo de títulos sensacionalistas com este for levar pessoas a adquirir jornais impressos ou a aceder a conteúdos eletrónicos a fim de, por qualquer dos processos, gerar receitas, até que ponto será a atitude de quem, impune mas deliberadamente escolhe um destes títulos, diferente daquilo que é geralmente considerado publicidade enganosa?

Com uma agravante, claro: enquanto a publicidade relativa a produtos indiferenciados é da responsabilidade de empresas não vinculadas a qualquer nobre missão que não seja a de obter lucros para quem nelas investe - e não estão protegidas por qualquer estatuto especial ou estão vinculadas a qualquer código de ética além daquele que, mais ou menos intuitivamente, vincula cada um de nós -, os jornalistas estão, supostamente, incumbidos da nobre missão de informar objetivamente, com verdade, sendo estes pressupostos parte importante dos privilégios que o Estado lhes concede para que possam, em liberdade, desempenhar a sua função.

Até que ponto será, então, legítimo a um órgão de comunicação social estar no mercado com a mesma postura que qualquer indiferenciado fabricante de macarrão?

Aqui fica a questão...



domingo, 26 de dezembro de 2021


Gouveia e Melo: Mais Um Daqueles?


"A palavra que reténs nos teus lábios é tua escrava;  a que dizes fora de propósito é tua senhora".

Ninguém conclua, das linhas que se seguem, que não estou, como qualquer português deve estar, grato ao, a partir de amanhã, ex-Vice-Almirante que, recentemente, desempenhou funções como coordenador da assim designada task force da vacinação anti-COVID. Claro que estou!

Tal não me obriga, porém, a deixar-me ofuscar pelo brilho do sucesso da reconhecidamente válida ação por ele desenvolvida enquanto executante do enunciado atual - que não encontro, se é que existe... - do Plano Nacional de Vacinação*) iniciado em 1965 com a aceitação, pelo Estado Português, de um donativo da Fundação Calouste Gulbenkian destinado à vacinação contra a poliomielite*), difteria*), tétano*) e tosse convulsa*) (Decreto-Lei n.º 46533, de 09 de Setembro de 1965)*), continuado  com a implementação do velhinho mas, então, indispensável Boletim Individual de Saúde (Decreto-Lei n.º 46621, de 27 de Outubro de 1965)*) (Decreto-Lei n.º 46628, de 11 de Novembro de 1965)*) e assim sucessivamente.

Não me ofusca, pelo menos, a ponto de evitar que fique perplexo, desagradado e apreensivo com o que leio nas entrelinhas das recentes respostas do amanhã promovido a Almirante, como "o futuro a Deus pertence", "não se deve dizer 'dessa água não beberei'" ou "até lá muita coisa pode acontecer", produzidas quando interpelado acerca de uma eventual candidatura futura à presidência da República.

A ter, de facto, sido proferido este chorrilho de lugares-comuns*), há que questionar, antes de mais, a capacidade para o desempenho de tão altas funções por parte de um cidadão que, ainda há poucos meses atrás - e, porventura, antes de o terem aconselhado a ter tento na língua - sobre o mesmo assunto dizia coisas de sentido contrário, tão claras e sem margem para dúvidas como "Não sou político", ou "vou tirar esta farda, mas é para vestir outra. Eu sou militar, não tenho jeito para político. Fecho essa porta*).

Tudo isto é muito estranho. Principalmente, tratando-se de um militar, de uma pessoa que pertence à elite de uma estrutura conhecida pela solidez da palavra dada. Enfim...

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Mas há mais.

Enquanto desempenhou as referidas funções, o Senhor Almirante notabilizou-se como executante privilegiado, como mero coordenador de esforços e de boas-vontades. Não como gestor; muito menos, como um velho sábio a exercer uma magistratura de influência presidencial. Nem me parece, dada a sua notória apetência pela ação, talhado para tal.

Como explicar, então, que alguém que se assume como não político, que desempenhou funções que em nada se assemelham àquelas que de um presidente da República será de esperar, abra agora uma porta, pelo próprio há pouco inequivocamente fechada para sempre, para, mais ano, menos ano, vir a candidatar-se ao lugar?

Já se sabe que, pelo menos até agora, ninguém, num dos partidos políticos do costume, se tem vindo a perfilar como candidato às mais altas funções do Estado. Já se sabe, também, que não se vislumbra quem poderá ter carisma suficiente para, sem fazer muito triste figura, as desempenhar na sombra do atual Presidente da República, o qual dificilmente alguém, num futuro mais ou menos próximo, poderá, no plano mediático, sequer sonhar em igualar. O que suscita, inevitavelmente, a pergunta: qual dos partidos estará a piscar o olho ao Almirante? Quem o estará a empurrar?

Além do mais, começa, como vimos, a dar a ideia de que o talvez putativo Candidato tem uma imagem bastante difusa de si próprio, o que não convém ao mais alto magistrado da nação: disse, em tempos de que já não parece lembrar-se, não ser um político, mas a recente inversão de marcha nos seus projetos futuros acaba de demonstrar que, embora inábil, afinal, o é.

No entanto, diz quem é sensato que a imortalidade, quando já está garantida, mais vale defender do que desbaratar. Por isso, a sério, alguém lhe diga que, mesmo quando movidos pelas melhores intenções, se não somos ou não nos sentimos competentes - ou alguma coisa nos diz que, mais ou menos suavemente, estão a passar-nos a mão pelo pelo -, bem melhor faremos, no interesse daqueles que, supostamente, iríamos servir, em em não insistir em avançar; em não nos tornarmos... mais um daqueles.

Honesta fama est alterum patrimonium

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021


Gente que Morre antes de Começar a Viver


A tortura é abominável seja qual for o tempo, o local, o quadro, a pretensa explicação, a impossível justificação. Inegável e grave ofensa à integridade e à dignidade da pessoa humana, é punível criminalmente, independentemente da identidade e da qualidade da vítima e do agressor.

Tudo isto é pacífico, inevitável e estruturante de qualquer sistema jurídico de qualquer sociedade que se preze de o ser. Das outras, por certas forças políticas defendidas muito além do limite do absurdo*), nem vale a pena falar, já que não passam de aberrações, de produtos da ganância individual, da por vezes ingénua credulidade ou de timorata subserviência de um punhado de sequazes que mantem a população subjugada pela ação obediente das forças militares e militarizadas.

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O que dizer, então, quando, num país supostamente civilizado e à beira-mar plantado, que se diz evoluído e atento aos direitos humanos e aos das minorias, que exporta talentos, que promete segurança a imigrantes e a magotes de turistas vitais para a sobrevivência da economia, são agentes das próprias forças militarizadas ou de segurança que, impiedosamente, sadicamente, psicológica e fisicamente torturam quem esse país demanda em busca de condições minimamente dignas para viver?

Às mãos de agentes da autoridade, nesse país alguns migrantes sofrem humilhações, bofetadas, murros na cabeça, ameaças de espingarda encostada ao rosto, sequestro, reguadas nas mãos, inalação de gás pimenta e negação do desesperado pedido de socorro. Uma acusação com trinta e três crimes*) praticados perante gargalhadas de outros operacionais, nenhum dos quais terá mexido uma palha para pôr cobro a tais desmandos, três vezes repetidos ao longo de seis meses - e, se não fossem os agressores desmascarados, sabe-se lá durante quantos mais meses e por quantas vezes mais.

Como admitir que apenas dois militares suspeitos se encontrem suspensos, enquanto outros aguardam a conclusão de um moroso inquérito? Quantas mais vítimas irão estes homens fardados torturar?

Abyssus abyssum invocat *). Tudo isto não passou, na verdade, da repetição, agora talvez com maior requinte daquilo que, meses antes, se passara no mesmo posto da Guarda Nacional Republicana (GNR), em Odemira, e culminou na condenação dos autores a penas de prisão*).

Duas vezes no mesmo posto? Que controlo e que autoridade disciplinar tem, então, a GNR sobre os seus homens? Como garantir então, desta vez, que, num futuro mais ou menos próximo, outras bestas fardadas tais atos não praticarão?

Qual, também, o nível de arbitrariedade de bestialidade, de boçalidade daqueles que, não se contentando com o sofrimento infligido, se deleitaram a filmar*), para perverso gozo próprio e de espetadores a eles em tudo equiparáveis, cenas escabrosas de atropelo dos direitos humanos dos mesmos cidadãos? Cenas que, afinal, mais não exprimem do que o que de mais lamentável e degradante em si tem quem apenas se sente superior, realizado, importante ao subjugar e espezinhar quem, com o coração cheio de esperança, já vem fugido ao jugo de outro alguém*)? Gente que morre antes de começar a viver, e que nunca sabe onde o dia seguinte irá passar.

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Esquece-se, até, a estúpida e patega gentinha que os usa e agride de que as gravações e a respetiva partilha, voluntária ou não, se têm revelado bastante eficazes na investigação de crimes e posterior detenção dos criminosos. Esquece-se disto, apesar de, dada a função que desempenha na manutenção da ordem, melhor do que ninguém o devesse saber. Ou não se esquecerá, antes cedendo à prosápia da ignomínia, à inconsciência da maldade, ao que de mais baixo um ser humano em si traz, indiferente à vergonha e ao sofrimento a que a própria família estará a condenar?

Ao caso do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e da morte de Ihor Homeniuk seguiu-se a decisão, agora adiada*), de extinguir o SEF - não, pasme-se, sem antes o condecorar*). Ao caso de que aqui falo, da GNR de Vila Nova de Milfontes e dos imigrantes de Odemira, o que se seguirá? A extinção da Guarda... não sem antes o Estado Português a condecorar?

Dir-se-á que as corporações são muito maiores do que a meia dúzia de energúmenos que avilta o seu bom nome e contamina a imagem e a confiança nos restantes elementos.

Talvez. Mas não pode deixar de nos ocorrer ao espírito a velha ideia da ponta do iceberg. Nem da ínfima percentagem de condutores apanhada nas malhas dos radares, face às largas dezenas de milhar que, diariamente, excedem a velocidade máxima permitida. Entre aqueles, quem aqui escreve e, aqui e ali, até o prezado Leitor.

Quantos não detetados operacionais da Guarda, do SEF, seja de que força for se deliciarão com estes prazeres perversos? Quantos acabará a justiça por apanhar?

Até lá, quantos mais migrantes recordarão as suas terras ao viver, em Portugal, a reedição do horror?

* *

Todos sabemos, porém, que, a par dos dramas humanos intensos relacionados com imigrantes e, sobretudo, com refugiados, nos chegam histórias bem diferentes de refugiados algo... diferentes, também.

[encontrará aqui a sequência deste texto]

terça-feira, 21 de dezembro de 2021


Liberalismo ou Encapotado Negacionismo?

De entre tantos outros defeitos herdados da educação que recebi, ressalta o da convicção de que a nossa liberdade termina precisamente onde começa a dos outros. Ou, como já aqui citei, que "a única maneira de defender a liberdade é limitar a liberdade de cada um".

Corolário inevitável deste facilmente compreensível pressuposto, é que o liberalismo que extravasa a fronteira precisa em que entramos no domínio do interesse social legítimo dos nossos concidadãos não passa de incitamento à mais abjeta e caótica anarquia, ao primado do egoísmo e do egocentrismo, à irracionalidade de quem pretende, à viva força, que a liberdade individual de qualquer um - ao que quer que seja e por mais doentia e desvairada que ela seja - se sobrepõe, sempre e incondicionalmente, a qualquer esforço sério e socialmente legítimo do Estado de direito na defesa dos interesses da população.

Esquece-se, porventura, quem o defende de que, se ele e os outros acérrimos defensores circulam em segurança pela via pública e se sentem seguros nos seus lares, tal se deve à ação do Estado na perseguição, detenção, julgamento, condenação e - quando não os deixa fugir... - detenção de quem comete crimes, designadamente contra as pessoas e contra a propriedade, em tais atividades estando o mesmo Estado, afinal, a fazer precisamente aquilo que dele se espera e que é, ao fim e ao cabo, parte importante da sua razão de ser.

Olvidam, também, essas pessoas que, tal como a lei penal considera criminoso quem mata, quem fere, quem, de alguma forma, causa prejuízo grave a outrem, criminoso é, também, quem causa ou se arrisca a causar-lhe sério dano à saúde. Isto, seja o agente um mal intencionado e mal formado ser humano  ou um virus na sua atividade legítima e habitual.

Pretender, mesmo sem assumir contornos negacionistas, que cada indivíduo tem a liberdade de escolher ser vacinado ou não quando estão em causa a eficácia, a eficiência e, mesmo, a sobrevivência do Sistema Nacional de Saúde - não apenas no tratamento de doentes com COVID-19 mas no dos que padecem de qualquer outra doença - é ultrapassar todas as linhas encarnadas do que é natural, legítimo, razoável; é ultrapassar o mais liberal limite da própria definição de humanidade.

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Dar eco, como há dias deu o jornal Observador, a um arrazoado de infindáveis aberrações*) por parte de uma representante da assim chamada Oficina da Liberdade*) que sustenta que se torna cidadão de segunda quem vive em países que, à falta de alternativa, se vêem constrangidos, para evitar a propagação da pandemia, a decretar a vacinação obrigatória não estará, propriamente, a agir no exercício da liberdade de imprensa, antes talvez a propagar ideias perigosas, bem próximas de um acéfalo e parolo negacionismo e que, numa altura tão crítica para estas andanças como é a do Natal, se arriscam a prejudicar gravemente o mais legítimo e sagrado interesse nacional.

Pretender, por exemplo, que "por toda a Europa, parece renascida a ideia de que quaisquer medidas adotadas pelo poder político, em nome da saúde pública, são legítimas, mesmo que sejam absurdas, como é o caso da irónica divulgação de dados pessoais de saúde para aceder a um restaurante de fast food" diz bem da verdadeira natureza das ideias expressas, quando é certo e sabido que, para aceder a qualquer restaurante, basta apresentar um certificado digital a uma aplicação que apenas responde "Válido", sem especificar se o é por a pessoa ter contraído anteriormente a doença, por ter sido vacinada ou por qualquer outra razão admissível. Ou seja: sem revelar qualquer dado pessoal de saúde, mas apenas o estado de conformidade ou de inconformidade perante uma lei que vai de encontro ao mais básico e universal interesse nacional.

Como pode, de facto, alguém pretender que é do interesse ou do bem-estar de qualquer indivíduo estar permanentemente sujeito a uma contaminação potencial?  Como pode alguém de boa-fé alegar que a administração de uma vacina viola a dignidade humana? Ou que está a ser discriminado alguém impedido de entrar num restaurante por não apresentar a prova possível de que tudo fez para não contaminar outros?

- x -

O apodado "certificado digital da discriminação" não passa de um "certificado digital da diferenciação", apenas condenável por aqueles que defendem a liberdade de tudo e a qualquer preço, não hesitando em, a contrario, violar a própria Constituição que dizem defender, já que insistem em considerar tudo igual a tudo. Mesmo ao que, manifestamente, por natureza ou por estado é tudo menos igual.

A manipulação da comunicação com os espíritos de leitores menos críticos ou menos preparados a troco de algo que, num tal quadro, poderá ser facilmente confundido como ânsia de protagonismo ou de promoção social ou profissional parece pouco prudente, nada profícua e, até, contraproducente para a imagem própria de alguém que ciosamente se possa estar a procurar promover ou socialmente alardear.

A defesa dos interesses e direitos de cada cidadão é fundamental para evitar abusos e desmandos como aqueles que durante décadas conhecemos em Portugal. Mas é pernicioso e atenta contra os mais elementares e nobres propósitos de qualquer organização societária insurgirmo-nos contra aquilo que, objetiva e fundamentadamente, a Ciência e os seus representantes consideram uma precaução essencial.

ª ª

No âmbito da defesa dos interesses e direitos, até que ponto será lícito o Estado conceder gratuitidade de tratamentos a pessoas que, simplesmente, se recusam a tomar as precauções consideradas essenciais a limitar a propagação da doença?

(continua aqui)

sábado, 11 de dezembro de 2021


Originais à Viva Força

"A criatividade verdadeira é inviável no quadro estrito do cumprimento das normas legais ou morais estabelecidas. O conformismo total e submisso perante o status quo jamais levou, onde quer que fosse, uma sociedade a evoluir. Mas, violar uma norma, quebrar uma regra, apenas é útil, salutar e profícuo quando o interesse do próximo é a principal razão dessa escolha: nunca quando visa, antes de mais, a exaltação do próprio, a notoriedade, o lucro fácil, o mais elementar, básico, patego e parolo exibicionismo"


Ao assistir a certas atitudes e ao ouvir certos comentários, convenço-me de que existe uma quase generalizada incapacidade para separar duas realidades absolutamente distintas: moda e originalidade.

Confusão
A confusão não faz, evidentemente, qualquer sentido, já que os conceitos são, não apenas distintos, mas antagónicos: originalidade é a qualidade daquilo que é diferente, próprio, inovador, enquanto moda*) corresponde ao conceito estatístico daquilo que constitui a tendência dominante, a classe com maior representatividade em determinado universo. Ou, no plano social e para utilizar uma linguagem mais terra-a-terra, a propensão de um conjunto alargado de pessoas para copiar, para adotar uma ideia que crêem original, ou sensacional, ou espampanante a ponto de, de certezinha absoluta, ir embasbacar outros invejosos que se irão maravilhar - ou roer todos por dentro... - ao olhar para nós.

Mesmo que o motivo do encantamento não seja original, mas apenas supostamente original...

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Vem este supostamente a propósito, não da eticamente condenável prática do plágio - mais ou menos bem disfarçada, mas sempre correspondente à admissão íntima, por quem plagia, da incapacidade de se igualar ou, pelo menos, aproximar das capacidades e do mérito do original autor -, mas a propósito da deriva do conceito de original, ou da própria compreensão do significado efetivo do mesmo.

Dos relatos da História e daquilo que, nas últimas décadas presenciámos, extrai-se que jamais se assistiu a tamanho desfilar de criadores, de criativos, de entendidos criativos, de construtores de ideias, de promotores de ateliers de ideias, enfim, de toda a espécie de idiotas que, a par de um punhado dos que são, verdadeiramente, originais, verdadeiramente autores, o marketing atual vai associando a indivíduos que mais não fazem, afinal, do que deteriorar, estragar, adulterar o que de bom outros antes deles realmente criaram.

Podendo, embora, admitir-se que, nas suas mais diversas vertentes, o campo da arte se encontra especialmente sujeito a tais desmandos, dá a ideia de que o virus da falsa originalidade alastrou, em incontáveis e cada vez mais contagiosas variantes, a praticamente todas as áreas de atuação humana onde o principal objeto e valor resida na capacidade de gerar ideias dignas desse nome; ou seja, de ideias com as condições necessárias a, caracterizando-se pela diferença mas respeitando, ao mesmo tempo, a indispensável estabilidade da construção social vigente, resultar numa melhoria das condições materiais ou espirituais de vida do nosso semelhante.

Já nos habituámos a pagar para assistir a espetáculos de onde se sai nauseado com o vazio ou aberrante original que por lá se vê; a contemplar originais obras ditas de arte que não passam de rabiscos e borrões cuspidos numa tela - incompreensíveis a menos que o autor esclareça o que lhe terá perpassado o espírito quando as espirrou -, ou mamarrachos escultóricos que facilmente passariam despercebidos, quais calhaus para ali caídos, se os não tivessem plantado numa galeria de exposições, no meio de uma rotunda ou em lugar de destaque num jardim ou parque qualquer.

Manifestações artísticas
Todavia, a par destas manifestações artísticas, os meios de comunicação social dão destaque a uma cada vez maior quantidade de indivíduos à cata de factos que lhes proporcionem oportunidades de se evidenciar, de aparentemente debater, interminavelmente, os mesmos assuntos em tom pomposo e palrar barroco.

Embasbacam as gentes menos educadas ou cultivadas com janelas de oportunidade, com temas abordados em textos sem qualquer densidade e que, no final do dia, convocam muitas dúvidas sobre icónicas, apelativas e estratosféricas personalidades que aparecem linkadas a temas públicos e notórios que interessam apenas e só aos instagramáveis cuja mundivivência se integra no ADN daquelas pessoas top que publicam posts que se tornam virais e altamente rentáveis, ou comentam desconstruindo raciocínios que geram narrativas talvez pouco rentáveis mas incontornáveis, que rentabilizam delas se demarcando proativamente, ainda que com as mesmas possam concordar.

A empáfia*) desta gente, a incrustada apetência por esvaziados mas economicamente compensadores excursos destinados ao consumo de telespectadores desolados e abúlicos, são evidente epifenómeno da explosiva multiplicação de canais televisivos que, por esse processo, ficaram limitados a noticiar o que os restantes noticiam, a comentar o que os outros comentam, a publicitar os mesmos produtos, a simular mudanças profundas, originalidades não originais que copiam de televisões de outros mundos, de outros canais.

Contratam faladores que, ora copiam o que, na véspera, de outros leram ou lhes ouviram, ora buscam, desesperadamente, onde não existem, teorias supostamente originais quanto às causas disto ou daquilo, ora se limitam a seguir a moda das opiniões por muitos outros já expressas sobre os mesmos acontecimentos; em boa verdade, quase sempre algo que, de tão evidente, ao espírito de qualquer um imediatamente ocorre, tornando-se absolutamente dispensável sequer verbalizar.

Nós vemos e ouvimos porque nos habituámos.. àquilo que há.

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Parecem, certas pessoas - falhas de conteúdo mas ávidas de dinheiro, de fama, de protagonismo, daquele poder que nem sabem o que, realmente, é - empenhadas em explorar o inesgotável filão da ignorância e da estupidez alheia para idealizar, não produtos materiais ou espirituais benéficos e propícios ao desenvolvimento do seu semelhante, antes ao que de mais chocante, de mais aberrante, de mais impactante acorrer aos seus pobres espíritos que seja suscetível de causar sobressaltos morais ou intelectuais quase sempre úteis aos interesses do suposto criativo, mas quase nunca aos daqueles a quem ele a dita criação impinge ou impõe.

Experiência própria ou alheia
Há muito tempo sabe toda essa gente, por experiência própria ou alheia, que sempre encontrará mercado fiel e disposto a pagar seja o que for ou quanto for por coisa nenhuma, por qualquer diferença indiferente, por algo tão impossível como uma moda original, na certeza quase absoluta de que irá, mediante tão obnóxio expediente, brilhar no cinzento meio da pobreza espiritual em que evolui e na qual de outra gente como ela se faz rodear.

Esquecem-se essas pessoas, ou fazem por se esquecer, de que, quem é bem sucedido, apenas foge às regras porque teve uma inspiração, uma ideia, um impulso espontâneo, legítimo e bem intencionado.

Esquecem-se de que jamais se consegue ser original - ou criativo, como agora gostam de dizer ser - apenas porque, deliberadamente, sem uma ideia própria válida e com propósitos inconfessáveis, se escolhe fugir às regras: não é essa opção forçada e tomada a qualquer preço e com indiferença perante a qualidade dos efeitos que faz alguém ser bem sucedido. Pelo menos, junto de quem seja verdadeiramente livre, independente, socialmente válido e consciente.

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Em qualquer ambiente em que se respire, de facto, liberdade e civilização, as regras existem por serem, reconhecidamente e dentro daquilo que se sabe e conhece, a forma mais eficiente, mais eficaz e mais segura de obter determinado resultado; e, económico ou não, a obtenção de qualquer resultado positivo, socialmente legítimo e saudável, resulta numa mais-valia com impacto direto no habitat de  quem o produz, e indireto na transmissão que o efeito multiplicador lhe não deixará de imprimir.

A criatividade verdadeira é inviável no quadro estrito do cumprimento das normas legais ou morais estabelecidas. O conformismo total e submisso perante o status quo jamais levou, onde quer que fosse, uma sociedade a evoluir. Mas, violar uma norma, quebrar uma regra, apenas é útil, salutar e profícuo quando o interesse do próximo é a principal razão dessa escolha: nunca quando visa, antes de mais, a exaltação do próprio, a notoriedade, o lucro fácil, o mais elementar, básico, patego e parolo exibicionismo.

Não vale a pena elaborar rebuscadas explicações políticas, científicas, mais ou menos criativas, não faz sentido nem é bonito explorar a ingenuidade, a ignorância ou a credulidade alheias, ou lançar a dúvida, a suspeita, o mistério, o suspense quanto à verdadeira razão, à causa profunda de ter sido encontrada uma maçã caída debaixo da copa de um pinheiro.

Não, não acabámos de descobrir um pinheiro que maçãs.

A maçã estava debaixo do pinheiro porque alguém para lá a atirou, ou a deixou cair. Ou, mais prosaicamente, dela lá se esqueceu.


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