Mostrar mensagens com a etiqueta * Artigos Intemporais. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta * Artigos Intemporais. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 13 de maio de 2022


Lisboa a Quarenta à Hora


"O que, verdadeiramente, polui o ar as cidades é o constante pára-arranca, as horas esquecidas passadas nos engarrafamentos, o desespero de quem vê o tempo útil esvair-se enquanto procura, em vão, um lugar para estacionar"

"Nas horas de ponta, quando a poluição mais acontece,
quantas vezes ultrapassará os vinte ou trinta quilómetros por hora a velocidade de circulação?
"

"Tamanha e inane arbitrariedade, digna das mais abjetas ditaduras de extrema-esquerda,
demonstra bem que para, enquanto extremista, ainda mais se assemelhar ao "Chega!",
ao "Livre" apenas falta um ponto de exclamação ao nome acrescentar
"


Aliada aos maus tratos verbais recebidos - quer das bancadas das diversas assembleias ditas democráticas, quer de uma imprensa ávida de palavras fortes que vendam publicidade, quer, também, da ululante mole que, em manifestações sediças e rançosas a que já ninguém liga, faz coro com os dichotes cacafónicos expelidos por ferrugentos megafones -, a cada vez menos prestigiante imagem que, por muito boas razões, a generalidade da população tem da política e dos seus mais destacados agentes tem, como efeito imediato e indissociável, o progressivo desinteresse dessas andanças por parte de quem lhes poderia, ainda, emprestar uma réstia de credibilidade, de eficácia e de desinteressada dedicação.

O défice de formação, de educação e de conhecimento da natureza humana que encontramos nas hordas de filisteus que, cada vez mais, vão ocupando cargos eletivos nas diversas instâncias decisórias dos destinos da Nação amiúde os leva, por sua vez, a acreditar que, se os eleitores não agem da forma cívica como, ingénua ou desesperadamente, os políticos pensam que todos os cidadãos gostariam de se comportar, tal se deve à endémica falta de condições recorrentemente apontada como desculpa já mais do que esfarrapada para quando as coisas correm mal; ou, simplesmente, não correm, como acontece nas mais das ocasiões.

Deixaram-se, assim, certos executivos mais recentes da Câmara Municipal de Lisboa convencer, anos atrás, de que a solução para certos males que apoquentam os alfacinhas e os envergonhavam e envergonham lá fora seria uma vistosa sementeira de ciclovias na Cidade das Sete Colinas, elevações estas que poucos ciclistas teriam apetência ou, até, capacidade para subir a pedalar.

No imaginário destas pessoas, de um momento para o outro os automóveis passariam a ficar na garagem, à porta de casa, ou, pelo menos, nos parques dissuasores da periferia; a circulação tornar-se-ia fluída; o estacionamento, acessível por toda a cidade; o ar, cristalino e límpido por toda a parte; e Lisboa tornar-se-ia um paraíso para os habitantes e para os exércitos de turistas que a vêm financiar.

Ora, como o português quer saber é dele mesmo e o carrinho porta-a-porta é requisito indispensável, não só àquilo que considera qualidade de vida, mas, tal como a piscina no relvado da vivenda decorada com águias ou leões, aquilo que lhe dá um status, um mais do que parolo pseudo-estatuto social, o bom resultado foi, já se sabe, o de sempre: nenhum.

- x -

Acontece, porém, que aqueles dos autodenominados políticos que não passam de impreparados e ineptos indivíduos não entendem estas coisas. Embasbacam-se, incrédulos, quando lhes dizem que o problema da boa gente lusitana não é tanto a falta de meios ou de condições, como a imensa e já estrutural falta de formação, de educação e de conhecimento da natureza humana, a mesmíssima que afeta os ditos decisores que o são apenas por estarem inscritos num ou noutro partido, por outro modo de vida não lhes terem conseguido arranjar.

Vai daí que a solução para povoar as até então ineficazes ciclovias de Lisboa passou a ser - pasme-se! - semear ainda mais algumas destas ineficazes ciclovias de Lisboa, desta vez pondo-lhes mesmo ao lado bicicletas elétricas, a fim de procurar convencer a utilizá-las quem por esses montes e vales se recusava a pedalar.

Começou, por isso, Lisboa a encher-se de ciclistas, e a ver automóveis e motorizadas desaparecer do horizonte visual e olfativo das aflitas e intoxicadas famílias da Capital? Claro que não!

O trânsito continuou caótico, nauseabundo, às zonas de estacionamento verde, amarela e encarnada vieram juntar-se a castanha e a negra - penso que, tal como operação militar especial, o termo negra ninguém irá censurar...*) -, e, tal como dantes, os níveis de poluição não param de aumentar.

Não deixa de ser verdade que, principalmente nas horas de ponta, lá circulam por essas dispendiosas ciclovias uns quantos cidadãos. Circulam, mas de forma não controlada nem fiscalizada. Circulam, mas caótica e irresponsavelmente saindo das ditas vias e pedalando sobre os passeios, ignorando semáforos, atravessando artérias à toa, assim pondo em risco a segurança dos transeuntes, às mãos e aos pés de absolutos ignorantes das disposições do Código da Estrada, que nem exame de código necessitam de fazer, para mais os atrair para cima da miraculosa e impoluta bicicleta. Para facilitar...

Feitas as contas, evidente se tornou, pois, a inutilidade de andar por aí a espalhar mais um ror de ciclovias numa terra cujos habitantes não gostam, nem alguma vez irão gostar, de pedalar.

- x -

Chegado a esta conclusão, o irresistível e inigualável prazer que o Partido da Maioria Absoluta parece experimentar sempre que estende a mão à já irrisória extrema-esquerda portuguesa redundou, uma vez mais, numa demonstração da brilhante e fulgurante demagogia a que o Partido Socialista há muito nos vem a habituar: reduzir em mais dez quilómetros por hora a velocidade máxima de circulação automóvel em Lisboa*).

Do ponto de vista da despesa, a ideia é genial, já que o custo é praticamente nulo, além de uma ou outra campanha na comunicação social. Fora isso, poucos são os sinais de trânsito que terão de ser alterados, já que se trata de uma medida de aplicação genérica, e não pontual. Assim, quando se constatar que foi mais uma ideia abstrusa que fracassou perante a monolítica falta de educação e de consciência social dos destinatários, pelo menos ninguém poderá assacar à insignificante força política proponente denominada "Livre" qualquer responsabilidade pelo custo; ou, se alguém o fizer, ela facilmente a descartará.

Mas, por que é, afinal, que a medida vai falhar?

Muito simplesmente porque, como qualquer um entende, a maior parte da poluição saída do tubo de escape não ocorre quando um veículo circula a uma velocidade estabilizada, como acontece em horas de baixa densidade de tráfego, seja essa velocidade de quarenta, de cinquenta ou, até, de oitenta quilómetros por hora: o que, verdadeiramente, polui o ar as cidades é o constante pára-arranca, as horas esquecidas passadas nos engarrafamentos, o desespero de quem vê o tempo útil esvair-se enquanto procura, em vão, um lugar para estacionar.

Quantas vezes ultrapassará os vinte ou trinta quilómetros por hora a velocidade de circulação nas horas de ponta, quando a poluição mais acontece? Nessas horas em que o ar se pinta de partículas castanhas e cinzentas enquanto os motores queimam, inutilmente, preciosas toneladas de combustível perante a impotência e incompetência camarárias para fazer face ao comodismo e à falta de educação de quem, tendo alternativa, por aí anda a circular?

- x  -

Por falar em alternativa, a alternativa disponível ao Estado e à Autarquia para por termo a este lastimável estado de coisas seria, como todos sabemos, dotar a Cidade de uma rede de transportes públicos digna desse nome. Uma rede atrativa, económica, confortável, eficiente e digna de todos os encómios que cada um de nós gostaria de lhe poder associar.

Em vez disso, e porque estas coisas são caras, levam tempo, Roma e Pavia não se fizeram num dia e toda a lista de argumentos à disposição do mamute socialista de cuja cultura é característica essencial o bem típico hábito indígena de procrastinar, temos uma rede de autocarros lenta, aborrecida, atrasada, entediada, onde abanam ao sabor das curvas milhares de portugueses que nem um carrito hiper-usado têm dinheiro para comprar, porque, se tivessem, seria nele que se iriam deslocar; e uma rede de metropolitano que, comparada com outras europeias mais parece a de um comboio de brincar. Da rede de amarelos da Carris que ficam horas parados na calçada para não arrancar o farolim de trás de um selvagem mal estacionado, nem vale a pena falar.

Os táxis, os ubers e quejandos estão pela hora da morte e poluem tanto como qualquer outro automóvel, pelo que nenhum bem a este quadro negro vêm acrescentar.

- x -

O partido extremista que propôs e, sabe-se lá como, fez o pusilânime Partido da Maioria Absoluta aprovar a ridícula e aberrante medida de reduzir ainda mais a velocidade em Lisboa, tem a liberdade no nome, mas não no coração. Tamanha e inane arbitrariedade, digna das mais abjetas ditaduras de extrema-esquerda, demonstra bem que para, enquanto extremista, ainda mais se assemelhar ao "Chega!", ao "Livre" apenas falta um ponto de exclamação ao nome acrescentar.

Qual partido de extrema-direita, não hesitou o suposto "Livre" em fazer limitar, ainda mais, aos lisboetas a liberdade e a fluidez de circulação nas horas menos complicadas, unicamente a troco da fútil esperança num protagonismo desbragado que redundasse num magro punhado de votos numa próxima eleição, e em nada contribuindo para melhorar a situação nas horas de ponta em que os trabalhadores deixam as suas casas e a elas regressam depois, com as paciências esgotadas e ansiosos por, finalmente, repousar.

A moda, tida por politicamente correta por quem apenas a sua paróquia governa, de aproveitar o mais ínfimo pretexto para, por medo da crítica ou por mais ou menos inconfessável interesse, impor, aos veículos motorizados, reduções drásticas na velocidade de circulação conduz, por vezes, a aplicações tão excessivas e descabidas que acabam por tornar o politicamente correto em eleitoralmente perigoso, dada a desrazoabilidade ou mera inutilidade das decisões tomadas, bem como o manifesto desequilíbrio entre os interesses em presença.

A bárbara redução do limite de velocidade nas cidades não é, seguramente, o caminho adequado à resolução dos prementes problemas da circulação automóvel, do estacionamento e da poluição atmosférica.

Para os eleitores, a resposta está em encontrar quem saiba, queira e tenha a coragem necessária a implementar uma eficaz, eficiente, económica e confortável rede de transportes públicos que, efetivamente, incentive a imobilização do parque automóvel por parte dos habituais utilizadores.

Como tão providencial criatura parece inexistir no qualitativamente muito limitado recheio das forças políticas atuais, inevitável se torna que despropositados cuidados paliativos como este se tornem irresistíveis para os mais incompetentes daqueles que se dedicam à governação.

Para os lisboetas, para os portugueses, os problemas do trânsito nas cidades continuarão, assim, sem solução.

Tal como o problema da poluição...

Outros artigos polémicos sobre
POLÍTICA
estão disponíveis no correspondente separador no topo desta página.
NÃO PERCA!

segunda-feira, 2 de maio de 2022


O Estranho Caso dos Copinhos de Feijão

Não, não é o título de um romance policial. Não passa de um pequeno e indignado texto acerca de uma descarada aldrabice na área da doçaria, impunemente repetida por, pelo menos, um pequeno fabricante, com a complacência de grandes superfícies de retalho.

Poderá ser ingenuidade, excesso de confiança ou, até, mania. Mas, quando passo pela loja de uma marca de supermercados na qual confio, parto do princípio de que os produtos vendidos correspondem, dentro do razoavelmente expetável, ao que é anunciado na embalagem, supostamente para permitir ao potencial consumidor uma informação esclarecida.

Claro que tudo isto é bastante relativo, sobretudo numa sociedade que, ao mesmo tempo que impõe normas e controlos cada vez mais apertados e rígidos à produção e comercialização de tudo e mais alguma coisa, continua - e muito bem, diga-se - a permitir, em feiras e mercados, a venda a granel de produtos das mais diversas naturezas e origens, obtidos segundo processos de cultivo, colheita e processamento maioritariamente artesanais e sem controlo sanitário visível.

Não obstante, em ambientes estritamente controlados pela fiscalização económica - seja a da famigerada ASAE, seja outra entidade qualquer -, torna-se caricato encontrar, num hipermercado do século XXI, uma embalagem que revela, no rótulo, conter um produto composto por açúcar, ovos pasteurizados, água, coco, farinha de trigo, amido de milho, óleo de girassol, sal, lecitina de soja, levedante E500, açúcar em pó com amido de milho, conservantes E200 e E202...  e 0,5% de feijão, chamando à mistela "Copinhos de Feijão".

Ora, segundo a Wikipedia*), "o pastel de feijão é um doce típico de Portugal, confeccionado em Torres Vedras desde os finais do século XIX. Embora a receita varie um pouco consoante o fabricante, tem como ingredientes base a amêndoa e o feijão branco cozido".

Não se tratando, como é evidente, de pasteis propriamente ditos, poderá, mesmo assim, alguém considerar legítimo que se entenda que uma percentagem de 0,5% de feijão basta para que se anuncie que determinado produto como de feijão, quando, em boa verdade, não passa de uma mistela com resquícios de feijão? É que é óbvio e indesmentível que uma percentagem tão ínfima como 0,5%, de feijão ou do que quer que não seja um aromatizante, nada acrescenta ao sabor ou a qualquer outra caraterística do produto final.

De outra forma dito, a admitir-se que algo tão ridículo como 0,5% é suficiente para determinar ou influenciar a designação, os anunciados "Copinhos de Feijão" facilmente se transformariam, com minúsculas alterações ao processo de fabrico, em "Copinhos de Maçã", ou "Copinhos de Kiwi", ou "Copinhos de Cenoura" ou do que quer que fosse, na certeza de que, no que à percepção pelo consumidor diz respeito, o sabor e a consistência se manteriam completamente inalterados.

- x -

Conduzindo a discussão a outro patamar, ocorre, inevitavelmente, a necessidade premente de o legislador se interessar sobre esta temática, designadamente definindo qual a percentagem mínima necessária para que determinado produto possa designar-se como sendo feito de alguma coisa - e não com alguma coisa... -, no sentido de que isso corresponderá à inclusão de determinada componente em quantidade suficiente para alterar as características relevantes para quem o irá adquirir.

Diversos problemas emergem desta questão, como a natureza do produto em causa e a subjetividade inerente à variação da sensibilidade entre uma infinidade de consumidores.

Quanto à natureza, será oportuno referir, num extremo, a obrigatoriedade de quase exclusividade de determinada casta*) na composição de um vinho para que aquela possa constar da designação da variante (como "Touriga Nacional", "Aragonês", "Alvarinho", "Cabernet Sauvignon") dentro da marca.

Claro está que, transposta para o produto aqui tratado, tal imposição tornaria materialmente impossível a fabricação de um pastel com cem 100% de feijão. Mas, haverá, seguramente, medidas intermédias que poderão ser fixadas como mínimos aceitáveis para viabilizar o processo de fabrico garantido, simultaneamente, a diferenciação.

Quanto às diferentes sensibilidades entre consumidores, não será, seguramente, impossível, através de estudos adequados, determinar os mesmos pesos mínimos de forma a assegurar que não daremos connosco a ingerir a mesma mistela, levados ao engano por uma mais ou menos criativa e fantasiosa designação.

Eis, pois, um caso claro de publicidade enganosa decorrente, simplesmente, da incorreta utilização de uma preposição.

quinta-feira, 28 de abril de 2022


Columbo: o Triunfo da Originalidade


   "Não é possível voltar a criar o que é verdadeiramente bom e original"


Muito característica do ser humano e, em boa parte parte potenciada pelo impiedoso marketing, a ânsia de ser ou parecer original tende a culminar em produções e produtos artificiosos, sem qualquer correspondência, quer com a realidade, quer, pelo menos, com o mais belo imaginário que, no meio da desgraça, mantém vivos aqueles a quem tais produtos se destinam; e o que se imagina é, invariavelmente, melhor do que aquilo que se vê.

Tudo acaba, quantas vezes, por se resumir a um infindável desfilar de coisas diferentes apenas porque o são, mas que nada têm a ver, na substância ou, mesmo, na forma, com algo remotamente confundível com a tão desejada originalidade.

Como alguém escreveu, "todo o escritor que é original é diferente. Mas nem todo o que é diferente é original. A originalidade vem de dentro para fora. A diferença é ao contrário. A diferença vê-se, a originalidade sente-se. Assim, uma é fácil e a outra é difícil"*).

- x -

Naqueles anos de que se lembram só os mais velhinhos, pura, verdadeira, e despida de artefactos entrou a originalidade em nossas casas quando a então Radiotelevisão Portuguesa *) (RTP) exibiu, ainda a preto e branco, uma sequência de três séries policiais da NBC*) iniciada com McCloud*) (Dennis Weaver), continuada com Columbo*) (Peter Falk) e concluída por McMillan and Wife*) (Rock Hudson e Susan Saint James).

Em muito semelhantes a tantas outras, da primeira e da última destas séries já pouca gente ou ninguém se lembrará, que isto da memória tem muito a ver com o interesse da coisa e com o bem que nos faz à alma - bem mais difícil de contentar do que um corpo que, ainda que momentaneamente, com qualquer petisco, roupinha, perfume e coisas que tais se satisfaz.

Columbo, porém, ficou e perdurará na memória de quantos, ainda sem box ou gravador de video, sem computador e mp4, para não perder pitada do episódio apressavam o jantar; e era, mesmo, importante não perder o início, no qual residia uma das originalidades da série, cujas histórias começavam revelando a identidade do homicida, ao contrário do que é hábito encontrar.

A atenção do espetador era, desta forma, atraída pela dúvida, não quanto a quem era o mau da fita, mas quanto ao processo mental utilizado por um detetive completamente despretensioso, embalado naquela eterna gabardine mais do que gasta que, tal como todas as outras peças de roupa, integrava o guarda-roupa pessoal do Ator.

Por este caracterizada como alguém que parecia acabar de ter sido vitimado por uma inundação, a personagem conduzia um Peugeot 403 descapotável, decrépito e barulhento - o que não o impedia de, constantemente, lhe enaltecer os méritos dizendo que era um automóvel francês.

Peter Falk era, o tenente Columbo cujo nome próprio nunca chegámos a conhecer - há quem refira Frank... -, o mesmo tendo acontecido com a mulher e o sobrinho, dos quais tanto falava mas jamais nos deixou, sequer, vislumbrar. A quase clonagem entre ator e personagem resultou numa criação inimitável, impossível de qualquer outro intérprete replicar sem desmerecer - o que faz pensar na atual moda dos remakes que, quantas vezes, não passam de fabricações destinadas a exibir meios de produção bem mais sofisticados e dispendiosos do que os da obra original, mas sem a qualidade daquela, sem a veracidade, a consistência, a expressão, despertando muito menos interesse ou emoção.

Columbo não era um ilustre jurisconsulto, ou um detetive particular ao serviço de elites abastadas. Não era "um pedante seco com toda a poeira das bibliotecas, numa camada espessa, a envolver-lhe o coração": apenas um polícia de aspeto pouco cuidado, que, graças a evidentes inteligência, dedicação e tenacidade muito acima da média - e, também, segundo o próprio, à custa de muito ter observado o que os outros faziam e de muito ter lido e aprendido -, não sossegava enquanto não derrotava, pela lógica, os quase sempre elegantes criminosos que, induzidos, primeiro, numa sensação de falsa segurança e, depois, abruptamente desmascarados, acabavam por se render e admitir a autoria do ato.

Para o sucesso da investigação - e da série - não contribuíam rocambolescas perseguições automóveis pela noite de Los Angeles, ou cenas de sexo ou de violência daquelas que no canto superior direito do écran fazem pôr a bolinha. Columbo era o primado da substância, do conteúdo e da mente, sobre o supérfluo, sobre a forma, sobre o vazio hábito de fazer não importa o quê ao serviço da bilheteira da espetacularidade.

Beneficiando, em vários episódios, do talento de Steven Bochco*) - também autor do guião da Balada de Hill Street - nem o estrondoso sucesso do modelo da série levou alguma outra produtora a tentar replicá-la, a aventurar-se num remake cujo fracasso seria inevitável: não é possível voltar a criar o que é, verdadeiramente, bom e original.

Nada é eterno, no entanto, e, com o avançar dos anos, a qualidade dos textos foi-se deteriorando visivelmente nos fim dos primeiros trinta e oito episódios - os únicos exibidos em Portugal -, o que erá levado a que o protagonista se recusasse a continuar, assim terminando a série. Uns dez anos mais tarde - e "porque a mulher já não podia vê-lo andar ali por casa" -, Peter Falk regressaria para cerca de trinta novos episódios; mas, com um Columbo envelhecido e uma série com um sabor a requentado que Portugal nada perdeu por não ter chegado a conhecer.

- x -

Completar-se-ão, em 2023, cinquenta anos sobre a data em que, por cá, Columbo começou a ser exibido. Tenho pena de que, apesar de tantos anos terem passado, os direitos de autor ainda estejam, aparentemente, ainda a inibir a publicação, na Internet, dos episódios da série.

Fica, a título de compensação, uma pequena parte de um episódio*) em que, num restaurante, apresentam ao tenente uma conta, que ele considera exorbitante, de seis dólares por um chili e um iced tea, ao que, depois de a alterar para seis dólares e setenta e cinco cêntimos, o empregado responde "I forgot to add the iced tea".

Fica, também, a ligação para o bem humorado e pouco convencional discurso de Peter Falk*) quando da aceitação, em 1974, do Emmy que lhe foi atribuído.

Fica, sobretudo, a recordação de uma personagem a lembrar, porque, simplesmente, se não pode deixar esquecer.

(leia aqui a sequência do tema)

Imagem: YouTube



segunda-feira, 11 de abril de 2022


Ciganos e PCP: Iguais em Quê?

Dedicado aos jovens ciganos e aos jovens comunistas
que os velhos patriarcas pouco ou nada deixam ser


"São iguais os velhos ciganos e os velhos comunistas no preciso ponto em que
ambos ignoram o pleno significado da palavra das palavras: Liberdade!
A liberdade temperada pelo respeito essencial ao bem-estar de qualquer país, de qualquer partido, de qualquer comunidade
"

"Perante o escancarado féretro que o aguarda, procura o Partido, para prolongar o último e patético alento,
alimentar as urnas com cacofónicas reivindicações de um impossível
que apenas os economicamente analfabetos ainda conseguem considerar possível.
Mas, os analfabetos estão em vias de extinção;
e, com eles, a ignorância, tradicional mas hoje quase inerte substrato do voto comunista em cada eleição
"



1. Motivação
2. Do Respeito pela Lei e pelos Usos Instituídos
3. Da Indiferença e da Tirania da Tradição Cigana
4. Da Indiferença e da Tirania da Prática do PCP
5. Crepúsculo


Colaboradores de restaurante1. Motivação

Para “perplexidade” do advogado de defesa, uma juíza portuguesa considerou, em sentença prolatada há alguns dias, que as agressões levadas a cabo nas pessoas de colaboradores de determinado restaurante “são inadmissíveis e envergonham a etnia cigana*).

A primeira parte da declaração é pacífica, uma vez que, a pronúncia pela inadmissibilidade dos atos, parece que ninguém contestou. Já a segunda, a da suposta vergonha para a etnia cigana, mereceu honras de notícia, quanto mais não fosse por, nos dias que correm, ser in fazer eco do que quer que se escreva ou diga acerca de qualquer minoria. Seja o que for, em abono ou desabono, já se sabe que cola, que vende; e, estando os leitores já saturados das intermináveis, porquanto comoventes e terríveis, histórias e historietas da invasão da Ucrânia, pendurar-se um comentador na suposta e estafada defesa de minorias sempre aparecerá aos menos esclarecidos como uma mais-valia, uma bandeira agitada, um pouco de sal e de pimenta no ror de notícias sem novidade e comentários sem substância que se vê por aí.

Não será, porém, despiciendo recordar àqueles que são capazes de encontrar laivos de racismo até no mais banal comentário de uma juíza com juízo, que quem o proferiu foi a mesma magistrada que, anos atrás, foi acusada de, entre outras decisões mais ou menos polémicas num ou no outro sentido, ter violado direitos constitucionais de arguidos neonazis, simplesmente por haver determinado que, enquanto meio de prova, fossem analisadas por peritos as tatuagens que aqueles ostentavam no corpo*).

Não passará, assim, de nova e mais do que forçada fabricação mediática qualquer insinuação quanto à interferência do preconceito, seja na atuação genérica da decisora, seja nas considerações que, na leitura do acórdão, esta oportunamente teceu.


2. Do Respeito pela Lei e pelos Usos Instituídos

As sábias e pedagógicas considerações proferidas em tribunal, estupidamente consideradas polémicas, trazem à balha a velha questão da existência de dois tipos de ciganos - os bons e os maus, com todos os graus intermédios -, tal como a de dois tipos de negros e a de dois tipos de brancos, verdes, azuis, todos.

A propósito, e antes que meia dúzia de exaltados comece por aí aos gritos, convirá lembrar que, se podemos falar de democratas, de fascistas, de comunistas, de progressistas e de reacionários, de portugueses e de franceses, de africanos e de europeus, razão não haverá para nos caírem em cima quando, por comodidade de expressão e sem que isso traduza menos respeito ou afloramento de discriminação, falamos de ciganos referindo-nos à organização dita social da comunidade cigana, à cultura cigana, a certos aspetos da etnia*): não, necessariamente, à raça*) cigana, o que, naturalmente, seria impróprio sob qualquer ponto de vista que com as ciências ditas exatas não tenha a ver.

Ora, de um modo geral, encontra-se socialmente estabelecido que qualquer ilícito penal, qualquer crime, de qualquer tipo, envergonha os restantes elementos da etnia - enquanto grupo social - que o infrator integra, tal como envergonha os restantes membros de qualquer comunidade a que pertença: país, região, religião, escola, empresa ou outra forma de organização, e seja qual for a cor ou tom da pele, que, decididamente, nunca deveria ser chamado a esta discussão.

Isto, é evidente, sabido e sentido por todos e, como tal, não carece de demonstração.

Em grupos firmemente estabelecidos na comunidade, de raízes sólidas e reputação firmada, cada ovelha ronhosa envergonha as restantes. Os atos condenáveis que pratica chocam pares, parentes, companheiros, correlegionários, que tendem - quando isentos, de boa-fé e socialmente responsáveis e sensíveis - a ser os primeiros a censurar a conduta ilícita ou, mesmo, criminosa. São, também, estes que promovem e exercem, no âmbito social, disciplinar ou criminal, indispensável e expedita ação em claro sinal de repúdio que, além de prevenir a contaminação interna da podridão e a consequente proliferação de ilícitos, transmite, para o exterior da coletividade, o necessário à salvaguarda da respetiva reputação.

Tal não sendo feito, essa reputação sofre ainda mais quando o prevaricador pertence a setores ou grupos minoritários que lutam pelo reconhecimento de legítimos direitos, e cujos elementos, nomeadamente os socialmente saudáveis, se veem - por vezes, com indesejável frequência e dispensável sofrimento, quase sempre, por serem vítimas do aproveitamento político, do egoísmo ou da pura maldade – na contingência de ter de, legitimamente, se manifestar de forma indignada e veemente contra a inaceitável discriminação típica das lastimáveis civilizações que, formalmente os acolhem, mas, substantivamente, os rejeitam.

Neste conceito de socialmente saudável apenas cabem, naturalmente, aqueles que, no respeito pelos valores da liberdade, da democracia e do respeito pelo semelhante, observam as leis e os usos da comunidade em que escolheram viver, abstendo-se de, seja por que razão for, procurar impor-lhe tipos de organização social, modos de vida ou traços culturais que a maioria autóctone não quer para si, não aceita, não admira, ao que, democraticamente, lhe assiste todo o direito.


3.  Da Indiferença e da Tirania da Tradição Cigana

No mesmo conceito de socialmente saudável não existe, evidentemente, lugar para aquela meia dúzia de mofinos aprendizes de sociopata que procura impor as suas regras: para párias que violam a lei, a desrespeitam ou insultam. Em liberdade, cada um tem todo o direito a viver a seu bel-prazer, como foi formatado ou educado, ao seu estilo, mas, jamais, com uma patente e egocêntrica indiferença pelo modo de vida da comunidade que o acolhe, na qual, jamais tencionando integrar-se, se limita a imiscuir-se; e foi essa indiferença que, no que a boa parte diz respeito, muito injustamente granjeou aos ciganos a proverbial aversão que certos setores da sociedade inequívoca e ativamente manifestam, e que outros parecem incapazes de, pelo menos, disfarçar.

Não me refiro, que fique claro, aos ciganos que, respeitando os valores da liberdade e da democracia, se integraram nas sociedades previamente estabelecidas nas terras onde eles escolheram viver. Quanto a esses, qualquer distinção no plano social e humano apenas poderia basear-se na ideia de raça, o que não passaria de um rematado e vazio dislate, de uma inaceitável manifestação do sectarismo primário que é próprio de indivíduos de pobre jaez.

Há, não obstante, que considerar que o impacto fortemente negativo sobre a eficiência rodoviária provocado pelas carroças puxadas por equídeos insalubres e lazarentos em que - habitualmente em contravenção com as mais elementares normas de salubridade e de circulação e segurança na estrada -certos ciganos insistem em continuar a fazer-se deslocar não passa de um aspeto menor e, de algum modo, folclórico de algo bem mais grave que àquele subjaz.

folclóricos não poderão ser considerados não raros julgamentos e condenações por furtos, roubos ou cenas de mais ou menos expressiva violência; ou, até, bodas para as quais a lei proibia, em plena pandemia, serem convidadas centenas de pessoas*), que as autoridades se viram obrigadas a dispersar.

Típica dos déspotas, dos tiranos, dos machistas, dos racistas, a causa profunda e ainda não muito remota destas constantes e persistentes violações da lei e manifestações de desrespeito pelos costumes instituídos terá sido a recusa, décadas a fio e por parte dos mais velhos patriarcas ciganos por muitos ainda respeitados quais anacoretas, em permitir que os jovens que o desejassem se integrassem nas comunidades que os rodeavam. Terá sido a proibição de que as raparigas ciganas casassem com rapazes de outras raças, a proibição de que os jovens se instruíssem e se desenvolvessem intelectual e culturalmente visando tornar-se elementos válidos e produtivos da sociedade.

Tudo isto apenas por receio de que a aquisição, pelos vindouros, de competências que os quase analfabetos patriarcas patentemente não detinham e jamais seriam capazes de vir a deter, um belo dia permitisse àqueles destituí-los e ocupar os seus lugares, ciosamente assegurados por uma suposta tradição centenária ou milenar, mas, seguramente, pela força, pelo temor de quem, sem qualquer competência para tal, dirige despoticamente um grupo, porque, na vida, outra coisa não é capaz de fazer.

Importa-lhes, outrossim, impedir quem pensa e estuda de expor a inutilidade prática, a inanidade, a vacuidade do domínio dos patriarcas: a ineficácia, a irracionalidade de posições e de políticas anquilosadas por eles preconizadas e defendidas, há muito desfasadas da realidade do tempo e do lugar. Encaram estes velhos caducos a contestação e a simples evolução como perigosamente conducentes ao inevitável e crescente desrespeito pela monolítica hierarquia por parte de quem já se questiona e, pela própria cabeça, procura pensar. Por parte de quem olham como apóstata porque, simplesmente, não entende como pode quem se diz superior e sábio continuar a defender o indefensável, o insano, o ilógico, apenas para que se mantenha no poder, na ribalta, num palanque de chão podre uma meia dúzia de ignorantes, arbitrários e incompetentes heróis de lutas de outrora que no poder, não tem hoje, evidentemente, qualquer lugar.

Dizem as más línguas que estes tradicionais ciganos apenas sobrevivem à custa de subsídios e de roubar. É possível. Mas, que alternativa resta a quem, desde cedo, se vê impossibilitado de ganhar o sustento pelo trabalho e de, através dele, validamente se integrar na sociedade? A quem tal é negado, não apenas pelo preconceito irracional e abusivo, mas, sobretudo, pela falta de competências decorrente da proibição de estudar, de se valorizar, a não ser no seio de uma comunidade nómada e pouco respeitadora das normas e dos valores estabelecidos e estabilizados?

Como pode, afinal, admitir-se, num supostamente civilizado estado de direito, que uma comunidade  ou família faça depender a entrega de um foragido à justiça portuguesa da decisão, na mais alta instância, do respetivo patriarca cigano?


4. Da Indiferença e da Tirania da Prática do PCP

Terá dito o mais falado ditador português que “muitos dos que se têm sentido oprimidos nos últimos trinta anos já demonstraram em discursos, e jornais e em outros atos públicos, estar em condições de gozar dessas liberdades e com tão grande amplitude que não chegarão para mais ninguém”.

Apenas desvalorizada pela identidade do seu autor, a ironia assenta como uma luva a certos grupos  -tanto sociais, como os ciganos, como políticos, como o Partido Comunista Português (PCP) -, que, em nome e a coberto da propalada defesa de direitos minoritários, galgam, espezinham e desprezam a maioria legítima de que diferem, embora o direito à diferença digam defender.

Apesar de o PCP não ser propriamente conhecido pela diversidade étnica com que recruta os seus deputados e quadros proeminentes*), tem em comum, com a tradicional e anquilosada liderança da fatia retrógrada e reacionária da comunidade cigana, a liderança cediça e retrógrada, que, numa tentativa desesperada de se manter agarrada ao poder, não hesita em continuar, contra toda a sensatez e evidência, a defender o indefensável, a recusar-se a condenar algo tão condenável como a invasão de um estado por outro*), a abrir ao Mundo as suas portas, a olhar em volta, a limpar as suas impenetráveis paredes de vidro, a romper a crosta do secretismo e da indiferença, a abrir as janelas e deixar entrar o ar.

Tal como os agora caducos patriarcas ciganos do antigamente se recusam a sancionar, a condenar quem agride militares da GNR ou burla centenas de utilizadores do Multibanco, ou, das mais variadas formas, viola a lei, também os patriarcas comunistas que o poleiro se recusam a deixar proíbem que se sancione, se condene regimes ditatoriais que, arbitrária e implacavelmente, subjugam populações indefesas e incapazes de se revoltar, em total desrespeito pelos mais elementares direitos humanos; ou quem agride inocentes cidadãos que vivem em paz nas suas casas, que nada têm ou querem ter a ver com a política dos grandes, mas que, sem querer, morrem por eles, pelas suas riquezas, poder, vaidade, exaltação.

Não pode considerar-se socialmente saudável aquele que defende estados e formas de governo alérgicos aos valores da liberdade, da democracia e do respeito pelo semelhante, que impõem leis repressivas, que invadem, que torturam, que matam, que exterminam. Não é socialmente saudável quem nega, por exemplo, Holodomor*) e hesita em condenar os sobejamente documentados massacres na Ucrânia - por muito adulteradas que certas imagens possam ser -, ou se recusa a condenar a invasão de um estado por um outro que não hesita em aniquilar, em, indiscriminadamente, matar civis, em arrasar. Tal como no caso dos ciganos, foi essa indiferença ou estado de negação que, muito injustamente, granjeou aos comunistas a proverbial aversão que certos setores da sociedade inequívoca e ativamente manifestam, e que outros parecem incapazes de, pelo menos, disfarçar.

Esgorjando por poder, recusam-se os dirigentes comunistas, não apenas a sancionar e a condenar o reprovável, como a permitir que os mais jovens militantes sancionem e condenem, impondo-lhes uma férrea e implacável disciplina partidária. Tal como os patriarcas ciganos, ao defender o indefensável, os patriarcas comunistas portugueses envergonham aqueles que, nos tempos da nossa ditadura, abnegadamente a ela se opuseram, com sacrifício pessoal muitas vezes além do imaginável e entregando-se sem reservas à causa da liberdade.

Típica dos déspotas, dos tiranos, dos machistas, dos racistas, a causa profunda e ainda não muito remota da cada vez mais próxima morte política terá sido a insistência, por parte dos velhos patriarcas do PCP, em formatar os jovens, incutindo-lhes convicções que, uma vez por estes alardeadas como suas, os tornam indesejáveis num mercado de trabalho capitalista e democrático, apenas lhes deixando como modo de vida trabalhar para o Partido, ou representá-lo em instituições democráticas, mesmo naquelas que, expressamente, não admiram. Transformam jovens potencialmente válidos em parlamentares e autarcas olhados de esguelha, incapazes de se integrar plenamente na sociedade, profissionalmente inúteis ao mercado de trabalho, em gente que, além de política ou politiquice, para garantir o agasalho nada mais sabe fazer.

Importa-lhes, outrossim, impedir quem pensa e estuda de expor a inutilidade prática, a inanidade, a vacuidade do domínio dos patriarcas: a ineficácia, a irracionalidade de posições e de políticas anquilosadas por eles preconizadas e defendidas, há muito desfasadas da realidade do tempo e do lugar. Encaram estes velhos caducos a contestação e a simples evolução como perigosamente conducentes ao inevitável e crescente desrespeito pela monolítica hierarquia por parte de quem já se questiona e, pela própria cabeça, procura pensar. Por parte de quem olham como apóstata porque, simplesmente, não entende como pode quem se diz superior e sábio continuar a defender o indefensável, o insano, o ilógico, apenas para que se mantenha no poder, na ribalta, num palanque de chão podre uma meia dúzia de ignorantes, arbitrários e incompetentes heróis de lutas de outrora que no poder, não tem hoje, evidentemente, qualquer lugar.


5. Crepúsculo

As duas partes que, neste texto, imediatamente antecedem contêm dois parágrafos iguais, tal como iguais são os velhos ciganos e os velhos comunistas no preciso ponto em que ambos ignoram o pleno significado da palavra das palavras: Liberdade! A liberdade temperada pelo respeito essencial ao bem-estar de qualquer país, de qualquer partido, de qualquer comunidade.

Tal como os ciganos nómadas de antanho têm, no mundo dito civilizado, os dias contados, o PCP não passa, hoje de um doente terminal que ainda não interiorizou que, em breve, vai morrer, apesar de, cada vez mais alto, os eleitores lho gritarem aos ouvidos moucos.

Perante o escancarado féretro que o aguarda, procura o Partido, para prolongar o último e patético alento, alimentar as urnas com cacofónicas reivindicações de um impossível, que apenas os economicamente analfabetos ainda conseguem considerar possível.

Mas, os analfabetos estão em vias de extinção; e, com eles, a ignorância, tradicional mas hoje quase inerte substrato do voto comunista em cada eleição.

* *

Embora em vias de extinção, enquanto ela não acontece vão estes seres oferecendo, pelo exemplo que constituem, uma machadada na causa antirracista, assim potenciando os efeitos bem nefastos que esta já vem sofrendo dos excessos e dos desmandos praticados por alguns daqueles que se arrogam seus principais defensores, embora não passem, muito provavelmente, de pouco escrupulosos oportunistas que olham para a causa, ora como escada de acesso a outros voos.

[não perca aqui a sequência!]

quinta-feira, 31 de março de 2022


Resiliência ou Ignorância?

"Sou resistente
se resisto a deixar-me quebrar por impactos ou tensões com que outros me vêm desinquietar.
Sou resiliente
se, tendo acabado por ceder perante a adversidade, tiver a capacidade para dela inteiramente recuperar
"

"Se ambos os termos, resistência e resiliência, significam a mesma coisa,
como designar a tal capacidade de recuperação?
"


Internet Popularucha
Encontramos frequentemente, por essa Internet, n sítios que dizem ensinar cultura, como tal parecendo entender a mera repetição, por vezes em tom desnecessariamente popularucho, daquilo que, noutros, facilmente se encontraria com substancialmente maior qualidade e, sobretudo, com a devida e consistente fundamentação.

Além de popularucha, a linguagem utilizada aparece, por vezes, de forma descaradamente evidente, como pensada para atrair leitores menos informados mas mais sensíveis aos apelos mediáticos - o que até poderia resultar num contributo válido para a formação de menos instruídas camadas da população, - bem como para a exaltação mais ou menos narcísica de quem por lá escreve e se não coíbe de pespegar, em dimensões particularmente generosas, a sua imagem em fotografias do tipo passe, obtidas, às tiras para recortar, nas máquina automáticas Photomaton.

Em lugar de prestar esse contributo válido, no caso dos textos em que dizem abordar questões da língua portuguesa, leva-os, bem pelo contrário, o mediatismo excessivo a evidenciar o erro em lugar da palavra ou expressão correta,  problemática que foi, recentemente, aflorada num texto, publicado pelo blog Cota Máxima*), cuja leitura recomendo.

- x -

Ora, legítimo seria esperar que se ocupassem, pelo menos, estes n sítios - n, porque são muitos... -  de averiguar a exatidão dos significados que ensinam como sendo, numa classificação inaceitavelmente subjetiva, as 25, ou as 10, ou as 15 palavras mais qualquer coisa da língua portuguesa, em lugar de comprometer, de forma ainda mais séria do que aquela com que, a cada passo, nos defrontamos, o parco conhecimento da língua portuguesa detido pela generalidade da população.

A par da narrativa, da performance, das geografias, do elencar, do viral, do incontornável e dos restantes membros da vasta família, resiliência vem-se revelando como um dos termos cuja utilização  uma cada vez maior quantidade de pateticamente presumidos oradores e supostos escritores parece julgar que os eleva social e culturalmente, quando a torto, a direito, a despropósito e ad nauseam, a incluem nas mais elementares orações. 

Não será, assim, de estranhar que, no meio de algumas ou muitas outras coisas bizarras encontradas nesses n sítios de cultura, tenha, num deles, deparado, para o termo resiliência, com o significado de  lutar, não desistir, ser otimista e superar obstáculos e outras coisas que tais.

Em lugar de, como de um sítio dito 'de cultura' poderia esperar-se, limitam-se, assim, a papaguear, de forma absolutamente acrítica, o significado do termo originariamente utilizado pela física do qual, abusiva e erradamente, a psicologia se apropriou.

Como já, noutro texto aqui ironizei, resiliência, apenas ao de leve se parece com tal definição: resiliência é, antes, a capacidade de, após sofrer um impacto ou tensão, um material recuperar a sua forma original - como, no quotidiano, observamos, por exemplo, num elástico ou numa mola.

Aplicado à psicologia, o termo resiliência apenas poderia, assim, corresponder à capacidade de recuperação após um impacto ou tensão potencialmente nocivos da estabilidade emocional de uma pessoa. Não é, pois, confundível com resistência, que, essa sim, define a capacidade de um material resistir às tensões e impactos antes de começar a deteriorar-se ou a alterar a forma, ou de uma pessoa resistir antes de, baixando os braços perante os desafios se deixar afetar pela adversidade com que se depara ou lhe é imposta.

Clarificando: sou resistente se resisto a deixar-me quebrar por impactos ou tensões com que outros me vêm desinquietar. Sou resiliente se, tendo acabado por ceder perante a adversidade, tiver a capacidade para dela inteiramente recuperar.

Trata-se, inequivocamente, de conceitos e de situações bem diferentes, afigurando-se absolutamente descabido sustentar que, utilizar uma ou outra... tanto faz!

- x -

Já aqui escrevi, a propósito do sexo e do género, sobre a apropriação, por parte das ciências sociais, de termos utilizados por outras ciências ou disciplinas, assim lançando nos espíritos uma enorme confusão. Trata-se, ao que tudo parece indicar, de um comodismo excessivo, de um aproveitar o que já existe sem muito pensar no assunto, de uma falta de exigência de rigor vocabular, de uma inaceitável displicência com a comunicação que muitos dizem ser tão cara e importante, a mesma comunicação que não param de enfeitar com palavras caras mas vazias de significação.

A apropriação, pela psicologia, do termo resiliência para exprimir algo que resistência muito bem exprime, não passa, assim, de mais uma tentativa de complicar o que é simples; de confundir o que é claro; de enfeitar o que é linear, exaltando a vaidade própria - e provavelmente negada... - de quem opta por uma expressão vocabular cada vez mais barroca e ridícula, em detrimento da qualidade do discurso, da propriedade da expressão, da precisão na compreensão, em suma, minando uma comunicação que se quer pura e exata; pelo menos, tanto quanto razoável e possível, no meio de toda esta indefinição.

Legítimo será, naturalmente, por que razão haverá alguém de, sobre este assunto, aceitar como bom o que aqui defendo, e não aquilo que os reputados linguistas e cientistas fazem e dizem.

Ora, a resposta é bem simples, e arrima-se em dois pilares essenciais:

  • o pilar linguístico, que assenta na imperiosa necessidade de, para nos entendermos e fazermos entender, não apenas procurar eliminar cada um dos múltiplos focos de ambiguidade que o idioma foi gerando e desenvolvendo, através da ignorância e do facilitismo, da indiferença por tudo quanto, como um idioma, não é visível, não rende euros ou votos, ou prestígio, ou - pensam alguns - status social;

  • o pilar lógico, que torna evidente ao mais distraído que, se ambos os termos, resistência e resiliência, significam a mesma coisa, como designar a capacidade de recuperação?
Sem apresentar fundamentação que, literalmente, arrase qualquer destes alicerces, não será fácil convencer espíritos exigentes e mentes informadas da justeza da utilização da já estafada resiliência para, a propósito de tudo de nada, referir algo que resistência perfeitamente define, sem necessidade de elaborados estudos ou rebuscadas  e pomposas interpretações.

Resistência, qualquer aluno da instrução primária sabe o que é. Resiliência, pelo contrário, é um termo de cujo verdadeiro significado muitos que o utilizam nem desconfiam; e, falar sem saber o que se diz, não será, propriamente, a mais eficaz e fluída forma de comunicar.

Capacidade de RESISTIR Resistência Resistente
Capacidade de RECUPERAR Resiliência Resiliente
Ato ou efeito de RECUPERAR Recuperação -

Primeiro, procura-se resistir. Se não resistimos, mas somos resilientes, depois de quebrar, recuperamos. Uma vez recuperados, voltamos a procurar resistir a novos impactos, e assim sucessivamente.

Temos, assim, um dito PRR, um Plano de Ato ou Efeito de Recuperar e de Capacidade de Recuperar. Para aguentar tolices destas, é, de facto, necessária muita... resistência.

* *
Eis, pois, um bom exemplo de que, na língua portuguesa, como em tudo na vida, não é verdade aquilo que, pelas mais diversas razões, muitos querem fazer-nos crer: que "Tanto Faz"!

Visando, entre outras coisas, alertar para o facto, "Tanto Faz!" é, precisamente, o título do primeiro artigo publicado aqui no Mosaicos em Português.



Não perca, no correspondente separador no topo desta página,
outros artigos polémicos sobre diversos temas relacionados com a

LÍNGUA PORTUGUESA

sábado, 26 de março de 2022


Chamo-lhe, ou Chamo-o de?

"A forma 'chamou-o de tonto' não passa da deturpação brasileira da expressão 'chamou-lhe tonto'

"Na falta de assunto ou de fundamentação, limitam-se, amiúde, esses eruditos a citar autores e,
com títulos chamativos e a coberto da gramática, a abordar questões que apenas se prendem com convenções sociais.
Demonstrações lógicas daquilo que sustentam, não é comum encontrar; e dizer, apenas, que algo é assim porque é assim, não será, quiçá, a melhor forma de ensinar
"


Deixando muito boa gente de cabelos em pé, com cada vez maior frequência, encontramos, faladas ou escritas, expressões como “chamou-o de tonto”. Seguem-se-lhes, ora o ataque de quem sustenta que tais expressões apenas são válidas no Brasil, ora a defesa de quem recorre à estafada cantilena da anterior utilização por este ou por aquele autor português - amiúde citando uma produção posterior à invasão, pela telenovela brasileira, do inconfundível espaço cultural genuinamente português

O Predicado

Assim, e como quase sempre acontece nestas coisas da língua pátria, nenhuma fundamentação válida é apresentada para uma ou para outra posição, resumindo-se cada uma à mera e inane, embora legítima, expressão da opinião subjetiva dos respetivos defensores ou detratores.

O raciocínio lógico que, de seguida, aqui se desenvolve, leva a perfilhar a conclusão segundo a qual a forma “chamou-o de tonto” não passa, em boa verdade, da deturpação brasileira da expressão “chamou-lhe tonto, corretamente utilizada na mesma língua portuguesa que, mau grado os tratos de polé que lhe infligem, os brasileiros dizem falar.

- x –

Iniciemos o raciocínio referindo aquilo que é evidente: independentemente das circunstâncias em que o ato é praticado, no caso de que aqui tratamos chama-se, sempre, algo a alguém.

Temos, assim:

  • o predicado composto pela forma do verbo chamar,
  • o objeto (ou complemento) direto algo – o nome, normalmente pejorativo, que se chama –,
  • e o objeto indireto alguém – aquele a quem se chama o tal nome.


A ideia expressa no nosso exemplo, é, pois, a de que alguém “chamou tonto a ele”; e, utilizando, como complemento indireto, o pronome oblíquo átono, essa ideia exprime-se, em bom português, como “chamou-lhe tonto”, assim se concluindo ser esta expressão correta a utilizar, seja por quem for e em que lugar do Globo o vier a fazer.

- x -

Onde e por que começou, então a deturpação para “chamou-o de tonto”?

Jamais o saberemos, mas poderemos pensar em algumas possíveis explicações:

1. O erro poderá ter sido originado, dada a semelhança formal, pela errada associação do ato de chamar algo a alguém com, por exemplo, a ideia de vestir ou cobrir alguém, como em “vestiu-a de branco”. 

Inexiste, porém, qualquer confusão legítima entre esta expressão, corretamente construída, e “chamou-o de tonto”, já que, no primeiro caso, associado ao objeto direto “-a” (por ela) temos o complemento circunstancial de modo “de branco”, e não uma estranha espécie de objeto indireto que, no segundo caso, se pretende inadequadamente exprimir com “-o”.

No mesmo exemplo, o complemento circunstancial de modo “de branco” - no sentido de “de tecido branco” - inicia-se, e muito bem, pela preposição “de”.

2. Uma outra causa provável poderá ter a ver com o facto de ser possível chamar alguém para determinado fim, como em “chamei-o para trabalhar comigo”, caso em que o “-o” nos surge, naturalmente, como objeto direto. Mas, neste caso, surge com toda a legitimidade - e sem de -, uma vez que exprime, não aquilo que se chamou a alguém, mas a pessoa (objeto direto) que foi convocada.

Claro está que diversos complementos iniciados por de são, aqui, suscetíveis de enriquecer a ideia, como em “ontem chamei-o, lá de longe, para trabalhar aqui comigo”, sempre se mantendo inalterada a classificação do “-o”. 

No entanto, nada disto tem, no entanto, qualquer relação legítima com o errado "chamar alguém de".

3. Outra explicação poderá residir na semelhança com o verbo apodar, que significa chamar um nome “feio”.

Esse sim, apesar de exprimir, também, uma ideia de transmissão de determinada ideia a alguém, rege a preposição “de”; ao contrário do que acontece com o verbo chamar, mas de forma idêntica ao que sucede, por exemplo, com os verbos notificar e informar, quando utilizados com o mesmo objetivo.

Enfim, seja qual for a origem do cada vez mais recorrente erro chamar alguém de, do ponto de vista lógico, racional, substantivo, que deve presidir à formação e desenvolvimento de qualquer idioma, poucas dúvidas poderão restar de que, quando utilizado para veicular uma ideia a alguém, o verbo chamar não rege a preposição de.

- x –

Não obstante, e tal como em múltiplas outras vertentes da vida, também na gramática nem todos os preceitos são válidos independentemente das circunstâncias em que são aplicados.

Não se conclua, assim, que a preposição “de” deve ser, obrigatoriamente, excluída de frases construídas com o verbo chamar, no sentido de qualificar alguém.

De facto, este ato de chamar algo a alguém ocorre, inevitavelmente, em circunstâncias como, por exemplo, as de lugar relativas àquele que chama, as quais, quando expressas na frase, operam como complementos que devem ser introduzidos pela preposição “de”.

Se decidirmos referir, por exemplo, circunstâncias de lugar, o nosso “chamou-lhe tonto” inicial evoluirá para “de longe, chamou-lhe tonto”; ou, quanto às circunstâncias de modo, para “chamou-lhe tonto, assim de chofre”, sendo diversas as possíveis variantes.

- x –

A posição aqui assumida vai, aliás, de encontro àquilo que sucede com outros verbos que exprimem a transmissão de uma ideia a alguém e, pelo menos nesse sentido, não regem preposição, tais como dizercomunicartransmitirpedir e oferecer, entre outros.

·         Disse-lhe o que pensava”, e não “disse-o do que pensava

·         Comuniquei-lhe a minha posição”, e não “comuniquei-o da minha posição

·         Transmiti-lhe a informação”, e não “transmiti-o da informação

·         Pedi-lhe ajuda”, e não “pedi-o de ajuda

·         Ofereci-lhe os meus préstimos”, e não “ofereci-o dos meus préstimos

·         Chamei-lhe tonto”, e não “chamei-o de tonto

Desafortunadamente, porém, começa a ser comum encontrar, em sítios de cariz alegadamente cultural - que aqui não serão nomeados -, esta última construção chamar alguém de, até em escritos que, embora de forma aligeirada, abordam temas importantes da língua portuguesa, tais como a formação ou utilização de vocábulos ou o enunciado e a aplicação de regras gramaticais.

Na elaboração do que esses sítios culturais afixam, regularmente colaboram emergentes linguistas que não hesitam em iniciar parágrafos por "E", ou em dinamizar um monótono texto com um popularucho "Bolas!" ou outra expressão de gosto duvidoso e pretensamente coloquial.

Alguns insistem, mesmo, em exibir, com indesejável frequência e em desproporcionadas dimensões, imagens dos seus desinteressantes rostos em pose que talvez considerem sedutora, encabeçando textos mais ou menos emotivos e em tom propositadamente acessível. Esperarão, porventura, dessa forma captar aquele auditório mais amplo e interessante - leia-se: que " mais cliques" -, mas que se não mostra capaz de entender explicações mais elaboradas, por absoluta falta de substrato intelectual, cultural e teórico que lhe permita interpretá-los.

Na falta de assunto ou de fundamentação, limitam-se, amiúde, esses eruditos a citar autores e, com títulos chamativos e a coberto da gramática, a abordar questões vocabulares que, afinal, têm a ver, não com regras gramaticais, mas com meras convenções sociais.

Demonstrações lógicas daquilo que sustentam, não é comum encontrar; e dizer, apenas, que algo é assim porque é assim, não será, quiçá, a melhor forma de ensinar.

- x -

Pede-se algo a alguém, tal como se chama algo a alguém.

Pede-se-lhe, e chama-se-lhe.

Não há que enganar.

* *

Tudo isto, naturalmente, sem negar aos nossos irmãos brasileiros o mais amplo e sedimentado direito de se exprimir como bem entenderem, naquela sua língua que tão parecida é com a nossa.

(continua aqui)


A gramática de um idioma define-se pela estrutura lógica,
e não pela utilização mais ou menos própria que, aqui ou ali,
um ou outro escritor dela fará


sábado, 19 de fevereiro de 2022


Anátema sobre o Segredo Pessoal!


"Aquilo que parece nunca nos ocorrer quando partilhamos algo, relativo a nós ou a outrem,
que não queremos ver divulgado é que, para o esconder se sobre o assunto for interpelado,
àquele a quem o confiámos resta … mentir!
"

"Segredo é segredo; e, quem o não quer guardar, nem o deve deixar contar"

"Quem ouve um segredo é amigo, um bom amigo. Mas... e quem o transmite? Amigo é também?"


Há tanta coisa que banalizamos com a maior das facilidades!...

Segredo pessoal
Umas, porque nada nos dizem, porque com elas nada temos a ver, porque não interessam, porque são... coisas dos outros. Outras ainda porque, simplesmente, nunca sobre elas nos dedicámos, verdadeiramente, a pensar. Nelas, ou nos seus impactos e consequências: usamo-las, aguentamos quando vêm dos outros e, por assim dizer, fazem parte do quotidiano de qualquer ser humano, em qualquer parte do Mundo, de qualquer idade, em qualquer meio.

Uma dessas coisas é o segredo pessoal.

Jamais saberei por que há quem se sinta muito lisonjeado pelo simples facto de alguém com ele ter partilhado um segredo; e quanto mais cabeludo o segredo for, tanto melhor, já que tanto maior será a prova de confiança que virá massajar o mais ou menos depauperado ego de cada um de nós, esquecendo-se, porventura, quem partilha o segredo de que o interlocutor poderá ser tão fiável como a fechadura de um cofre aberto - caso em que, contar-lhe o que quer que seja, acabará por ser tão eficaz para o conservar secreto como se o tivéssemos publicado na primeira página de um jornal.

Depois, quando acontece a notícia espalhar-se, nada a fazer. Mas, não se queixe quem contou o segredo, já que, tal como qualquer criminoso que se preze sabe que o crime deixa de ser unicamente seu a partir do momento em que recorre a um cúmplice que a todo o momento pode expô-lo, também deveria saber o risco que corre quem, quando já não aguenta mais aquilo dentro de si e sente que irá explodir se não o partilhar, deixa sair uma informação secreta, sua ou de outrem, que bem melhor faria em guardar.

Contar a alguém um segredo, comporta, na verdade, uma elevada dose de risco. Sobretudo quando a informação tiver sido transmitida por um terceiro, ninguém tem o direito de, em nome de quem em si confiou, correr o risco de a ver divulgada: “a confiança na discrição alheia é uma traição ao segredo que nos não pertence”.

Por outro lado
Por outro lado, se a coisa apenas é do conhecimento de quem a partilha, algo muito seu que não quer que venha a saber-se, decidir divulgá-lo, mesmo pedindo segredo, parece fraqueza, temeridade, ingenuidade, inconsciência ou mera idiotice. Um pouco como quem, já com um grãozito na asa, conta a história da sua vida aos amigos do bar, dizendo muitas vezes que tudo aquilo é segredo… no exato momento em que, inevitavelmente, deixou de o ser.

- x –

O lado supostamente positivo que alguns encontram no facto de deter um segredo confiado por alguém é o de, para o depositário, ele, inevitavelmente, gerar algum poder.

Pode ser algo tão simples, chato e legítimo como o poder de massacrar a pobre criatura que abre o seu coração dando-lhe não solicitados conselhos de amigo, do tipo “vê lá, não faças isso” porque isto, aquilo ou aqueloutro; mas pode, também, facilmente tornar-se matéria-prima da mais abjeta chantagem, manipulação ou de qualquer outra atividade tão querida de certos espíritos perversos que parecem trazer dentro de si o suplemento de escândalos de um pasquim cor-de-rosa dedicado à cusquice social, expondo, de forma inequívoca, o mais repugnante daquilo que, para ganhar dinheiro ou por mero prazer sádico, um ser dito humano é capaz.

Ainda dentro do supostamente positivo de um  segredo, existe o esconder por amor, ou seja, guardar para nós algo com que não queremos magoar, melindrar, suscetibilizar quem, no nosso sempre subjetivo e muito falível juízo, entendemos poder sofrer duramente se ficar a saber algo que acabamos por optar por não divulgar. Mas, apenas numa situação em que se conheça bem, mas muito bem, a pessoa e a sua situação atual, em que o nosso coração não consiga ceder à razão, já que tal omissão sempre corresponderá à passagem de um atestado de menoridade, de incapacidade para lidar com a vida, apenas entendível e aceitável em casos extremos de fragilidade ocasional motivada por um impacto anterior, ou permanente provocada por doença ou debilidade equivalente.

Como qualquer um de nós, alguém condenado a connosco viver a vida deve pressupor-se habilitado e preparado para o fazer no meio em que se encontra, não nos assistindo, fora dos referidos casos, o direito de o considerar de alguma forma inapto para tomar conhecimento daquilo que diz respeito a si, aos que lhe são próximos, ou aos seus interesses.

Conhecimento dos factos
Além do mais, o facto de guardarmos segredo, não significa que o interessado não venha, mais tarde, a tomar conhecimento dos factos por outra via ou, até, a ficar a saber que retivemos a informação que deveríamos ter partilhado; e uma boa amizade pode assim ficar comprometida.

A par do segredo pessoal existem, como é sabido, segredos obrigatórios, como o segredo profissional relativamente à informação que confiamos, por exemplo, a um advogado, a um médico - até a um sacerdote, embora, neste caso, possa ser posta em causa a qualificação do segredo como profissional.

Também existe, evidentemente, o segredo de estado e, até há bem pouco tempo, o segredo de justiça - segredo que, nos tempos que correm, não passa de uma abstração, dado que ainda o inquérito judicial mal começou, e já tudo quanto possa despertar o ávido apetite da opinião pública aparece escarrapachado na primeira página de um qualquer jornal. Mas estes outros tipos de segredo são, ao contrário do segredo pessoal, vitais ao funcionamento da sociedade e do Estado, pelo que a sua legitimidade é inquestionável por qualquer mortal.

- x -

A face fortemente negativa do segredo pessoal, quando partilhado com alguém obrigado a mantê-lo, reside, por sua vez, na carga, por vezes insuportável, que sempre representa para o novo depositário, que nem sequer o próprio facto de ser detentor de um segredo pode divulgar.

No caso do segredo profissional, do de estado, do de justiça, bastará ao interpelado responder que não pode pronunciar-se sobre o assunto, e a questão fica arrumada. Todavia, aquilo que parece nunca nos ocorrer quando partilhamos algo,   relativo a nós ou a outrem, que não queremos ver divulgado é que, para o esconder se sobre o assunto for interpelado, àquele a quem o confiámos resta … mentir!

A vida do António parece que não vai muito bem… Ele disse-te alguma coisa?”. “Não... nada”.

Mentira!

Ao partilhar, aliviamos um pouco a nossa carga emocional. É verdade. O preço, porém, é sempre o mesmo, e sempre pago pelo outro: ter de mentir para honrar o compromisso. Mentir, por vezes mesmo a quem lhe é bem próximo. Porque segredo é segredo; e, quem o não quer guardar, nem o deve deixar contar.

Quem ouve um segredo é amigo, um bom amigo. Mas... e quem o transmite? Amigo é também?


Caso se interesse por
QUESTÕES SOCIAIS
não deixe de consultar, no correspondente separador no topo desta página,
um índice de outros artigos publicados no
Mosaicos em Português